Para Werson Rego, especialista tem mais condições de tomar decisões impopulares
TJ-RJ
As câmaras especializadas em direito do consumidor do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro completaram dois anos de funcionamento no último dia 2 de setembro. Mas além da comemoração, a data foi também um convite à reflexão. O desembargador Werson Rego, que atua na 25ª Câmara Especializada, verifica uma tendência cada vez maior de decisões que afirmam direitos a consumidores mesmo quando há regra em sentido contrário. Na avaliação dele, isso indica uma tendência ao paternalismo exacerbado.
Segundo o desembargador, das 27 câmaras cíveis existentes no TJ-RJ, apenas cinco são especializadas. Essas unidades chegam a receber 45% de todos os recursos que chegam ao tribunal e o volume de processos impressiona seus integrantes. Para driblar isso, a administração estipulou que todo desembargador recém-promovido tem que passar pelo juízo especializado. Assim, em muitos casos, as vagas são ocupadas por quem nunca teve contato com a matéria consumerista.
“Um efeito disso é que, por não haver essa especialização, em um primeiro momento, pode-se achar que, por se tratar de câmara especializada em direito do consumidor, há que se proteger o consumidor indistintamente. E com isso corre-se o risco de transformar as câmaras especializadas em direito do consumidor em câmaras de proteção do consumidor”, acrescenta.
A fim de mudar esse cenário, entidades como a Harvard Law School Association of Brazil e Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas no Rio, em parceria com o tribunal, desenvolvem um projeto acadêmico-científico que prevê ações múltiplas, sendo a principal delas a formação dos integrantes dessas câmaras e dos servidores que os apoiam. Segundo Rego, que coordena a iniciativa, a finalidade é entender o alcance das decisões proferidas.
“O objetivo é estimular o julgador a entender que a decisão dele tem repercussão nas atividades econômicas e levando-o à reflexão sobre a importância dos julgamentos levarem segurança jurídica, estabilidade e paz aos mercados. As decisões têm que buscar, tanto o quanto possível, o melhor resultado coletivo e não apenas o interesse isolado de um demandante específico”, explica.
Um dos pontos altos do projeto ocorrerá no dia 9 de novembro, no TJ-RJ, com a promoção do evento Protagonismo Judicial, Segurança Jurídica e Paternalismo Pretoriano: Desafios em Tempos de Incerteza. “A ideia é mostrar que o ativismo [judicial] é importante, mas também que é preciso entendermos os limites desse protagonismo. O julgador tem que respeitar as atribuições constitucionais dos outros poderes”, afirma.
Leia a íntegra da entrevista.
ConJur — Qual é o objetivo do projeto ?
Werson Rego — Estimular o julgador a entender que a decisão dele tem repercussão nas atividades econômicas e levando-o à reflexão sobre a importância dos julgamentos levarem segurança jurídica, estabilidade e paz aos mercados. As decisões têm que buscar, tanto o quanto possível, o melhor resultado coletivo e não apenas o interesse isolado de um demandante específico. O julgador tem que saber como o mercado interpreta uma decisão judicial. Se julgarmos contra a regra, aumentamos os riscos nos mercados, que vão se proteger. E como? Embutindo o risco nos preços dos serviços e produtos. No final, quem pagará a fatura é o consumidor. Quando se pensa estar protegendo um consumidor ao dar a ele uma proteção jurídica sem um efetivo direito, esta conta será dividida com todos os consumidores daquele mercado. Então, surge a pergunta: será que os outros consumidores, sabendo disso, vão querer pagar esta conta ou vão preferir que o juiz seja rigoroso na análise de quem tem ou não razão?
ConJur — Como será possível fazer isso?
Werson Rego — Trabalhando em diversas frentes: a especialização do julgador, a qualificação da sua assessoria, a orientação adequada aos agentes econômicos e a formação de base teórica a dar suporte a todas essas ações, entre outras. A ideia é mostrar que a judicialização é um fenômeno social crescente e que o protagonismo judicial é importante. No entanto, o ativismo judicial deve respeitar certos limites. As câmaras do consumidor têm que atuar com o foco na segurança jurídica. É preciso levar paz, harmonia e equilíbrio para os mercados de consumo. E isso se faz dando razão a quem tem, reconhecendo direitos a quem tem, sem se preocupar muito se trata-se do fornecedor ou consumidor. Deve-se deixar de lado as rotulações a fim de evitar-se preconceitos que podem levar à adoção de uma postura de paternalismo exagerado. O consumidor tem que ser protegido, por ser vulnerável, mas não pode ser tratado como incapaz.
ConJur — Mas essa postura dos juízes não é exigido pelo próprio CDC, que é uma legislação mais protecionista?
Werson Rego — Não existe problema em termos uma legislação paternalista. O problema está no excesso. O Código de Defesa de Consumidor é um exemplo de paternalismo jurídico, mas o vocábulo paternalismo tem que ser desmitificado. Não posso encarar o vocábulo como algo ruim. Paternalismo jurídico significa proteção jurídica do vulnerável. E é normal que existam leis que protejam o vulnerável. O CDC cumpre também essa finalidade. Neste sentido, temos um paternalismo jurídico positivo, por assimetria de informações, que visa a tutela do vulnerável. Ou seja, em que o Estado pode intervir para assegurar ao indivíduo a tomada da decisão mais adequada.
ConJur — De que maneira o consumidor é tratado como incapaz?
Werson Rego — Retirando dele a responsabilidade pelos atos que pratica. O consumidor que, devidamente informado e esclarecido, que teve o prazo de reflexão, fez a sua escolha e errou, deve assumir a responsabilidade. Se tudo o que se exigia do fornecedor foi satisfeito, não se pode retirar do consumidor a responsabilidade pelo ato de decidir. Não podemos apenas dizer “ele fez um mal negócio, vamos rescindir o contrato e devolver a ele tudo o que pagou”. Deve-se respeitar as escolhas que ele fez livremente.
ConJur — Há muitas decisões nesse sentido?
Werson Rego — Sim. No entanto, devemos trabalhar para corrigir isso. Do contrário, incidiremos no que a doutrina refere como paternalismo pretoriano.
ConJur — Por que os juízes julgam assim?
Werson Rego — Pela conjugação de alguns fatores. O primeiro por um sentimento humano: há uma tendência do ser humano em tutelar e proteger o mais fraco, solidarizando-se com o mesmo. Segundo, como se tratam de mercados complexos e dinâmicos, com normatizações específicas, se o julgador não tiver uma formação acadêmica ampla e, ao mesmo tempo, conhecimento das particularidades desses mercados, a qualidade da decisão pode ficar comprometida. Há também a ausência de visão a longo prazo. Muitas vezes se foca apenas no processo específico, na situação pontual que foi levada ao julgamento, sem se preocupar com o impacto e a repercussão da decisão a médio e longo prazos nos mercados nos quais a discussão se estabeleceu.
ConJur — Diante desse cenário, as decisões proferidas em direito de consumidor realmente cumprem a função pedagógica?
Werson Rego — Um dos objetivos desse esforço é conferir caráter pedagógico aos julgados das câmaras especializadas, que têm a missão não apenas de decidir os conflitos de interesse, mas também de orientar os mercados e pautar os agentes econômicos ao definir, com objetividade e clareza, o que é certo e o que é errado. Hoje não se tem a dimensão dessa função pedagógica; os julgados ainda são muito divergentes. As vezes há posições sobre uma mesma matéria conflitantes dentro da própria câmara. A segurança para decidir contramajoritariamente só o especialista tem. E para fazer isso, tem que ter o domínio da matéria e analisar o caso com muita profundidade para que se possa tomar uma decisão que contrarie o senso comum.
ConJur — Com as câmaras dos consumidores, uma nova demanda eclodiu no Órgão Especial, que são os conflitos de competência para avaliar se determinada matéria deve ser julgada pelas câmaras cíveis ou especializadas em direito do consumidor. Como o senhor avalia isso?
Werson Rego — É natural, primeiro pela novidade. Somos o único tribunal a ter câmaras especializadas em direito do consumidor. Ainda existe muitas incertezas. Temos uma especialização regimental, mas até chegar a uma especialização efetiva de julgamentos, ainda há um percurso. Daqui a um tempo, quando as câmaras já estiverem melhor estruturadas e houver certa uniformidade de entendimento em relação a questões que têm que ser julgadas, isso vai diminuir substancialmente. Para avançar precisamos estruturar melhor essas câmaras. O ideal também seria aumentar o número de câmaras do consumidor, até pela questão de volume de trabalho. Cinco câmaras respondem por 45% dos processos cíveis do TJ. E as outras 22 dividem os 55% que sobraram. Então, há muito o que fazer.
*Texto atualizado às 14h35 desta segunda-feira (14/9).
Giselle Souza é correspondente da ConJur no Rio de Janeiro.
Revista Consultor Jurídico, 14 de setembro de 2015, 8h37
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