Economia e Sociedade
Print version ISSN 0104-0618
Econ. soc. vol.17 no.spe Campinas Dec. 2008
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-06182008000400004
O    endividamento do consumidor no cerne do capitalismo conduzido pelas finanças1
Robert Guttmann;    Dominique Plihon
CEPN, Paris-Nord
Durante o verão    de 2007 a crise imobiliária dos EUA transformou-se em um arrocho de crédito    [credit crunch] global que está ameaçando transtornar    a economia mundial. Enfrentamos hoje (meados de 2008) a perspectiva de uma desaceleração    significativa ou mesmo de uma recessão global. Não importa qual    desses cenários por fim se revelará, o arrocho progressivo colocou    em xeque a viabilidade a longo prazo de um padrão de crescimento global    que, nas últimas décadas, contou em grande medida com os Estados    Unidos como o "comprador de última instância" do mundo.
Essa dramática    reviravolta coloca em risco a transição suave para um novo regime    de acumulação conduzido pelas finanças [finance-led    accumulation regime] e para um novo padrão de crescimento multipolar.    Se a crise ainda não é sistêmica, o surto atual de problemas    nos principais mercados financeiros do mundo certamente sinaliza o primeiro    grande teste de resistência desse novo regime. Nós gostaríamos    de enfocar, nesse artigo, um pilar central do regime o endividamento das famílias    americanas - a fim de extrair algumas percepções plausíveis    sobre a natureza e implicações da crise atual.
1 Da "economia    do endividamento" ao "capitalismo conduzido pelas finanças"
Depois do colapso    do padrão-ouro e do sistema bancário norte-americano no início    da década de 1930, o New Deal de Roosevelt (1933-35) introduziu    reformas monetárias - em especial o Glass-Steagall Act de 1933    e o Bank Act de 1935 - que proporcionaram à economia americana    uma moeda elástica e um sistema bancário seguro. O novo sistema    tornou-se um pilar do boom do pós-guerra. Ao permitir a criação    de moeda através da extensão do crédito, o sistema bancário    ficou em posição de financiar o rápido crescimento econômico.    Uma parte desse funding assumiu a forma de empréstimos bancários.    Além disso, os bancos auxiliaram mais indiretamente os devedores comprando    seus títulos - do tesouro, municipais ou debêntures. Não    obstante esses dois canais alternativos de funding, podemos caracterizar    como economia do endividamento2    esse contínuo financiamento do gasto excedente a partir da emissão    de dívida (e sua monetização automática) pelo sistema    bancário.
É necessário    distinguir a nossa noção de economia do endividamento da sua equivalente    semântica em francês, a assim chamada économie d'endettement.    Durante o boom do pós-guerra, conhecido na França como    os "trinta gloriosos" (1944-1974), sistemas financeiros baseados em bancos foram    um dos principais pilares do desenvolvimento econômico na Europa continental.    O estreito relacionamento entre bancos e indústrias, conhecido como conexão    "banque-industrie", é considerado um dos principais fatores subjacentes    ao rápido crescimento econômico europeu. As políticas públicas    também desempenharam um papel ativo na formatação do sistema    financeiro na Europa. Na Alemanha, assim como na França, os bancos estatais    (nacionais ou regionais) atuaram como protagonistas em suas economias nacionais.    As regulações foram importantes para controlar a distribuição    dos empréstimos bancários e as taxas de juros. As transações    no mercado de câmbio também estiveram sob rígido controle    (contrôle des changes) até o final da década de 1980.    A desregulação ocorreu com a constituição do mercado    único europeu para serviços financeiros no início da década    de 1990.
Voltando à    nossa economia do endividamento do pós-guerra, a capacidade desse sistema    de gerar uma oferta constante de crédito barato ajudou os governos a    incorrerem em déficits orçamentários crônicos e as    empresas a adotarem tecnologias de produção em massa. A extensão    internacional da economia do endividamento, abordada na Conferência de    Bretton Woods em 1944, permitiu que outras nações industrializadas    alcançassem os Estados Unidos por meio de uma transferência sistemática    de capital deste país para as primeiras durante as décadas de    1950 e 1960. As taxas de câmbio fixas de Bretton Woods complementaram    um viés doméstico de baixas taxas de juros, oferecendo assim uma    combinação de preços da moeda promotora do crescimento.
As políticas    macroeconômicas keynesianas expansionistas puderam florescer em tal regime    monetário, seja pela promoção de gastos governamentais    mais elevados, pela diminuição dos impostos, pelo aumento dos    gastos privados com investimento, ou por uma combinação desses.    Foram fornecidos a ambos os setores, púbico e privado, fundos abundantes    para manter a elevação contínua nos níveis de endividamento,    sustentando a aceleração dos gastos. Em tal ambiente favorável,    não demorou muito para que a "economia do endividamento" se estendesse    ao consumo das famílias, o maior componente de gasto da economia que    absorve, tipicamente, dois terços da demanda agregada nas nações    industrializadas. Como pode ser visto no Gráfico 1,    a prosperidade das décadas de 1950 e 1960 revelou taxas crescentes de    endividamento das famílias e das corporações. Aproveitando    o declínio contínuo do ônus da dívida pública    em virtude dos déficits orçamentários muitos menores que    se seguiram à conversão para uma economia de paz, o uso crescente    de endividamento pelo setor privado ainda deixou a razão dívida    agregada/renda estável em um ambiente de rápido crescimento. Os    dados mostram ainda que a dívida das famílias se elevou de uma    razão de 0,37 em 1947 para mais de 0,80 no final da década de    1960, o que demonstra sua importância para o crescimento ocorrido.

1.1 Estagflação    e a revolução da política neoliberal
Esse cenário    promissor desapareceu depois de 1969 quando a economia dos EUA enfrentou uma    década de crescimento bem mais lento e de aceleração da    inflação. Essa combinação, conhecida como estagflação,    alimentou uma espécie de espiral dívida-inflação    e expôs a necessidade de mudanças regulatórias abrangentes    nos sistemas monetário e bancário para conseguir colocar as pressões    inflacionárias sob controle no início da década de 1980    - notavelmente, um movimento em direção às taxas de câmbio    flutuantes, depois de 1973, e à desregulação das taxas    de juros, depois de 1979.3    Essas mudanças na determinação dos preços da moeda    foram apenas os primeiros passos de uma desregulação mais ampla    do sistema bancário, primeiro nos EUA (pelos Depository Institutions    Deregulation and Monetary Control Act, de 1980, Depository Institutions    Act, de 1982 e, finalmente, Financial Services Modernization Act,    de 1999), depois também na UE (pela Second Banking Directive de    1989). Comprometidos com a mudança na política monetária    para uma ênfase monetarista na estabilidade de preços, os governos    dos EUA e UE tomaram uma decisão deliberada de alterar as relações    de poder no sistema de crédito de um viés pró-devedor para    outro pró-credor. Ao mesmo tempo, essas reformas nos sistemas monetário    e bancário impuseram uma dolorosa desinflação aos devedores    sobre-endividados. O vetor essencial dessa mudança, taxas de juros "reais"    (i.e. ajustadas pela inflação) recordes por mais de uma    década, fomentou a reestruturação industrial em escala    significativa. As altas taxas de juros compeliram as empresas a tomarem decisões    de investimento mais prudentes, reduziram seus horizontes de investimento (encorajando,    em última instância, a ênfase na alta tecnologia e na acumulação    de ativos financeiros), estimularam a gestão financeira centralizada,    e colocaram mais pressão na manutenção dos custos de mão-de-obra    sob controle. Mudanças institucionais nas modalidades de determinação    dos salários, que culminaram no enfraquecimento dos sindicatos, dos procedimentos    de negociação coletiva e das restrições à    contratação e demissão nas leis trabalhistas, facilitaram    para as empresas reassumir o controle dos custos de mão-de-obra e diminuir    o ritmo dos aumentos salariais. Como esses esforços de reorganização    tiveram o efeito desejado de eliminar as pressões inflacionárias,    foi possível que as taxas de juros caíssem (no início da    década de 1990) e permanecessem baixas por aproximadamente 15 anos (ver    o Gráfico 2 abaixo).

Essas mudanças    pós-crise estabeleceram condições que, posteriormente,    permitiriam o renascimento (e eventual extensão) da economia do endividamento    nos EUA, em um ritmo ainda mais agressivo. Livres das pesadas restrições    reguladoras, os bancos americanos ganharam a capacidade de definir condições    de empréstimo mais favoráveis, acelerar a inovação    financeira e ampliar dramaticamente o âmbito de provedores de fundos.    Por fim, a desregulação fomentou a integração das    atividades de banco comercial (i.e. tomar depósitos, originar    empréstimos) com as de banco de investimento (i.e. organizar o    mercado) em uma rede muito mais complexa de transações financeiras    e contratos entrelaçados. No centro dessa rede estão os bancos    transnacionais líderes do mercado mundial, que, na última década,    transformaram-se em grupos financeiros multifacetados que combinam todo    o espectro de atividades e serviços financeiros (e.g. de bancos    comerciais e de investimento, de gestão de fundos, de seguradoras). Em    oposição aos antigos "bancos universais" tão dominantes    na França e Alemanha do pós-guerra, os grupos financeiros de hoje    visam promover os mercados financeiros como fontes de rendimentos em vez de    impedir seu desenvolvimento em favor das funções tradicionais    de banco comercial. Tirando proveito da desregulação precedente    e com uma maior prática na combinação de diferentes funções    financeiras, os bancos europeus estiveram, por um momento, à frente de    seus pares norte-americanos nessa transformação da atividade bancária.
1.2 O capitalismo    conduzido pelas finanças e suas forças subjacentes
Tais grupos financeiros    estão no centro de um tipo qualitativamente novo de sistema econômico,    que os economistas heterodoxos, particularmente os Regulacionistas franceses    e os Economistas Políticos Radicais americanos, têm chamado de    capitalismo conduzido pelas finanças [finance-led capitalism].4    Diferentes características desse novo regime foram enfatizadas. Uma delas    reforça a dominância de motivos financeiros, especialmente o da    maximização dos valores acionários, como o objetivo primário    da empresa e princípio básico da governança corporativa    (Krippner, 2004; Plihon, 2004). Relacionada a isso, está a ênfase    na posição estratégica dos investidores financeiros, uma    classe ressurgida de rentistas alçada recentemente à dominância    numa espécie de "capitalismo patrimonial" (Aglietta, 1998), e na sua    capacidade de pleitear uma fatia maior da renda nacional por meio de uma variedade    de fontes de rendimentos do capital, como juros, dividendos, taxas e comissões    por serviços, e ganhos de capital (Epstein, 2004). Cada vez mais, economistas    heterodoxos estão usando o termo "financeirização" [financialization]    para realçar as diferentes dimensões da importância crescente    das finanças e as implicações macroeconômicas dessa    tendência (Stockhammer, 2007), muitas vezes questionada pelos seus efeitos    restritivos sobre a distribuição e o crescimento (Stockhammer,    2004; Hein; Van Treeck, 2007).
A financeirização    foi um processo global iniciado primeiro nos EUA e Reino Unido, no final da    década de 1970, de onde se disseminou com ritmos diferentes para os outros    principais países industrializados. A desregulação, a globalização    e as inovações financeiras atuaram como protagonistas nesse processo    de convergência global rumo ao capitalismo conduzido pelas finanças.    Certamente, a França foi um dos países europeus onde as alterações    foram mais rápidas e profundas. As privatizações e reformas    financeiras conduzidas por sucessivos governos (inclusive os socialistas) desde    meados dos anos 1980 levaram a uma rápida transição do    capitalismo de estado para a inserção francesa no capitalismo    global conduzido pelas finanças. Os maiores bancos e empresas franceses    são de propriedade de investidores institucionais, mormente, estrangeiros    (EUA). O que vemos aqui é uma dialética interessante entre uma    heterogeneidade contínua resultando numa variedade de diferentes capitalismos    (Amable, 2005) e uma convergência sistêmica mundial causada pela    desregulação e pelo papel cada vez mais dominante das finanças.
Quaisquer que sejam    as caracterizações específicas do capitalismo conduzido    pelas finanças, é ponto comum que o novo regime coloca motivos,    instrumentos e mercados financeiros no centro do processo de crescimento. No    entanto, como permitimos que a busca por ganhos pecuniários fosse dirigida    tão fortemente para os canais financeiros em vez dos comerciais ou produtivos?    Em nossa opinião, há três forças inter-relacionadas    por trás dessa alteração fundamental no modus operandi    do capitalismo: a dependência aumentada do endividamento em todos os ramos    de atividades econômicas, a facilitação de tal financiamento    via endividamento pela inovação financeira, e a globalização    financeira como a força mais transcendental na internacionalização    do capital.
É evidente    que o capitalismo contemporâneo é conduzido pelas finanças,    uma vez que é, em grau sem precedentes, controlado por uma comunidade    sempre crescente de investidores financeiros suprindo fundos a devedores que    buscam acelerar seu crescimento por meio de endividamento adicional. Ao sinalizar    o acesso a fundos de terceiros, o endividamento permite que seus usuários    separem o gasto da renda e operem em uma escala maior do que fariam de outro    modo. Nossa crescente dependência do financiamento via endividamento é    bastante facilitada pelo ritmo acelerado da inovação financeira.    Menos limitada pela tecnologia do que a inovação industrial, a    inovação financeira depende mais da capacidade humana de engendrar    novas promessas, torná-las reivindicações legalmente exeqüíveis    de parte da receita futura de alguém e, finalmente, organizar mercados    onde possam ser negociadas com ganhos. Esse tipo de atividade (planejamento    e levantamento de fundos) tem baixos custos irrecuperáveis, porém,    pelo mesmo motivo, pode ser facilmente copiado por outros. Seu ciclo de vida    relativamente curto viabiliza tanto um ritmo acelerado quanto um viés    para customização, o que torna tais inovações no    sistema de crédito menos facilmente copiáveis, como está    especialmente manifesto hoje nos produtos financeiros estruturados ou na gestão    da riqueza privada. As principais inovações financeiras, notavelmente    os derivativos (e.g. contratos futuros, opções) e produtos    de securitização (e.g. títulos lastreados em hipotecas,    obrigações colateralizadas por dívidas), nos levaram a    empregar dez, doze, talvez quinze dólares em transações    puramente financeiras para cada dólar do comércio e da produção    por trás das mesmas. Essa multiplicação de registros acomoda    uma ampliação igualmente impressionante da comunidade de investidores,    conseqüência da acumulação de riqueza por parte de    mais agentes e testemunho adicional da atração irresistível    que as fontes de receita financeira exercem por serem de obtenção    mais fácil que os lucros industriais, aluguéis, ou quaisquer outros    rendimentos provenientes da propriedade do capital. A propagação    de investidores e mercados financeiros é um acontecimento global. Em    relação às instalações e equipamentos usados    como meios de produção ou ao trabalho, é muito mais fácil    movimentar dinheiro internacionalmente. Assim, o capital financeiro é    inerentemente a forma mais móvel de capital, especialmente quando grande    parte da transferência de fundos e das atividades de negociação    de títulos for movimentada on-line, no ciberespaço. A organização    cada vez mais transnacional das instituições e mercados financeiros    é a ponta de lança do processo de globalização mais    amplo que já remodelou fundamentalmente nosso sistema econômico.
2 A macrodinâmica    do financiamento da dívida
O capitalismo conduzido    pelas finanças possui uma dinâmica própria de acumulação,    seu padrão específico de crescimento. Normalmente, usamos o arcabouço    keynesiano de oferta e demanda agregadas, especialmente sua variante IS/LM,    para prover uma estrutura multissetorial dos usos e fontes de fundos, como no    caso da análise do fluxo de fundos do FED. Pós-keynesianos trabalhando    em conjunto no Levy Institute, como Godley (2002), Godley; Izurieta e Zezza    (2004), ou Godley; Papadimitriou; Hannsgen e Zezza (2007), refinaram recentemente    esse arcabouço a fim de realçar os principais (des)equilíbrios    macroeconômicos que atuam como pilares da nossa moderna "economia do endividamento".    O argumento destes é o seguinte:
A renda nacional    real (ajustada pela inflação) do país, Y, é definida    como:

Admitindo que todas    as variáveis são fluxos deflacionados, G representa os gastos    do governo, X as exportações mais os rendimentos de propriedade    e as transferências do exterior, e M as importações. Compreendendo    o consumo C e o investimento empresarial I, a variável A representa a    absorção, significando o gasto privado total. Subtraindo T, definido    como impostos e transferências governamentais, de ambos os lados e reorganizando,    temos:

ou

A equação    (1) descreve os três principais saldos no nível macroeconômico,    i.e. o saldo fiscal do governo (G - T), o saldo externo ou em conta corrente    (X - M), e a poupança líquida privada (Y - A).
Embora, em si mesmas,    não passem de igualdades contábeis, essas equações    carregam importantes implicações. A equação (3)    nos informa que o superávit em conta corrente é identicamente    igual ao saldo do orçamento governamental mais a poupança líquida    privada. Cada saldo implica uma alteração equivalente numa variável    de estoque. Por exemplo, um déficit em conta corrente implica uma alteração    no estoque de ativos estrangeiros, enquanto que um déficit orçamentário    implica uma alteração no estoque de dívida pública    e um saldo privado implica uma alteração líquida na riqueza    privada.
A análise    da poupança líquida para o setor privado como um todo requer que    o total seja desagregado nos setores pessoal e empresarial, visto que esses    se comportam, muitas vezes, de modo totalmente diferente. A desagregação    do setor privado leva a:

onde Yh é    a renda disponível das famílias e Yb a renda do setor empresarial,    de modo que Y = Yh + Yb, resultando na poupança líquida pessoal    ser expressa por (Yh - C) e a poupança líquida empresarial por    (Yb - I). A poupança líquida pessoal implica uma alteração    líquida no estoque de riqueza das famílias, e a poupança    líquida do setor empresarial acompanha uma mudança líquida    no estoque de riqueza do setor empresarial.
Cada um desses    quatro saldos setoriais representa um fluxo que sai de circulação    da economia doméstica ("vazamento"), compensado pela entrada de outro    ("injeção"). Ao medir os fluxos de gastos de entrada e saída    do respectivo setor, sendo postos ou retirados de circulação na    economia, cada saldo avalia o efeito do setor sobre a demanda agregada. De forma    simétrica, cada saldo mede a entrada e saída de fluxos financeiros    na economia a partir de um setor, ajudando a esclarecer como esses afetam a    riqueza agregada na economia. As desigualdades entre esses fluxos dobrados de    entrada e saída definem se o setor específico contribui para a    poupança líquida ou, incorrendo em gastos deficitários,    se necessita captar recursos em fontes de fundos disponíveis em outros    setores. Se, por exemplo, o país em questão apresenta um saldo    positivo na poupança privada, pode incorrer num déficit orçamentário    proporcionalmente grande e/ou num superávit em conta corrente que o tornará    exportador de capital para o resto do mundo. Alternativamente, o modelo de Godley    et alii nos permite especificar o que deve acontecer no resto da economia    para acomodar uma mudança no saldo de um setor. Se, por exemplo, nosso    país sofrer uma redução na poupança líquida    pessoal, terá de aumentar a poupança líquida empresarial    (talvez por um declínio do investimento, induzido por uma recessão),    cortar proporcionalmente o déficit orçamentário, aumentar    as importações de capital (por meio de um maior déficit    em conta corrente) ou, ainda, implementar ajustes que combinem várias    dessas respostas.
Apesar de ser útil    para a identificação dos principais indutores macroeconômicos    subjacentes a um padrão particular de crescimento de uma economia nacional,    o tipo de análise apresentado aqui permanece essencialmente num arcabouço    de estática comparativa. Avalia a constelação prevalecente    de (des)equilíbrios em dois pontos (separados e congelados) do tempo,    sem nos informar exatamente como caminhamos de lá para cá, ou    de então para agora. Embora a soma dos quatro saldos acima deva ser zero,    compensando-se mutuamente de modo completamente interdependente, cada qual é    mais do que apenas um resíduo dos demais. Cada saldo tem vida própria.    Quando um saldo muda, provoca a equivalência necessária com os    outros três, para que permaneçam compensados, através de    determinadas alterações nos níveis de variáveis    macroeconômicas tais como produto real, preços, taxas de juros    e taxas de câmbio. Desde que o trabalho pioneiro de Godley e Lavoie (2006)    nos forneceu um conjunto completo de modelos de consistência entre fluxos    e estoques (SFC [stock-flow consistent]), podemos traçar    o padrão de crescimento da economia ao longo do tempo. Nesse modelo,    os saldos financeiros de cada setor têm contrapartidas exatas nas alterações    das variáveis de estoque, de modo que os estoques de ativos e passivos    forneçam o vínculo entre os diversos períodos para o traçado    preciso do tempo histórico. Uma vantagem adicional do modelo Godley-Lavoie    é que ele contém os fluxos do setor financeiro com relação    aos outros setores e seus estoques de ativos e passivos, considerando o sistema    de crédito como uma força ativa na formatação do    padrão de crescimento da nossa economia.
3 A centralidade    emergente do endividamento do consumidor
Ao examinar os    quatro "macro-indutores" dos modelos pós-keynesianos, podemos perceber    que, nas últimas décadas, todos eles desfrutaram de grande acesso    ao financiamento através do endividamento.
3.1 Endividamento    público no contexto da revolução política neoliberal
Por exemplo, os    governos em toda parte incorreram em déficits orçamentários    crônicos (G > T). Esse gasto excedente é tipicamente financiado    pela emissão de títulos do tesouro e parte destes é adquirida    pelo sistema bancário doméstico para a monetização    parcial dessa dívida.5    Enquanto que as despesas deficitárias do governo acrescentam um estímulo    estabilizador à economia e financiam muitas atividades socialmente úteis,    que não podem ser adequadamente tratadas pela economia de mercado movida    pelos lucros (e.g. investimento em infra-estrutura, educação,    manutenção de renda para pessoas sem rendimentos regulares no    mercado), o endividamento público excessivo e os níveis de monetização    continuamente elevados podem alimentar pressões inflacionárias.    Economias com déficits orçamentários cronicamente elevados    sofreram graves crises fiscais durante a década de 1980 e início    da década de 1990, quando taxas de juros reais em níveis persistentemente    acima das taxas de crescimento intensificaram o ônus composto pela dívida    pública acumulada anteriormente. Nos principais países industrializados    do G7, a razão da dívida pública medida como porcentagem    do PIB subiu acentuadamente de 20,5% em 1980 para 30,8% em 1990 e 41,9% em 1995.    Essa elevação ameaçava o controle dos déficits orçamentários    devido ao rápido crescimento dos encargos dos serviços da dívida    pressionando as despesas do governo, e essa ameaça foi o principal motivo    pelo qual os governos tiveram de cortar gastos sociais nos anos recentes abaixo    dos níveis previstos. Isso foi especialmente verdade nos Estados Unidos,    nos anos 1990, durante a vigência das limitações de gastos    do tipo pay-as-you-go de Clinton. Na União Européia, a    pressão pela disciplina fiscal talvez tenha sido até mais severa,    graças à capacidade de monetização mais restrita    do Banco Central Europeu (quando comparado com o FED americano) e aos limites    nos déficits orçamentários e níveis de endividamento    público impostos pelo chamado Pacto de Estabilidade e Crescimento, nos    15 países integrantes da zona do euro. Os governos nas economias de mercado    emergentes, em grande parte despojados, desde a grande crise de 1997-9, do acesso    aos empréstimos bancários domésticos que até então    estavam sob seu controle político, vêem seus limites específicos    de gasto deficitário sendo atualmente determinados pela sua aceitação    nos mercados internacionais de títulos, com os quais foram forçados    a contar.
3.2 Débito    corporativo nos EUA e na UE
O débito    corporativo também teve ampla oportunidade de se expandir de modo estável,    quer para financiar despesas com capital de giro durante períodos de    lacunas no fluxo de caixa, em bases de curto prazo, quer para investimentos    em larga escala na capacidade produtiva, baseados num endividamento de longo    prazo. Empresas de pequeno e médio porte, que não têm capacidade    de emissão de títulos nem ações, dependem inteiramente    dos empréstimos bancários para a obtenção de financiamento    externo. Nos últimos 15 anos, com o mercado muito mais ativo para ofertas    iniciais na bolsa (IPOs) e o sucesso do lançamento de um grande mercado    específico para títulos de alto rendimento, o número de    empresas com condições de se autofinanciar pela emissão    de securities aumentou tremendamente, tornando-as menos dependentes dos    empréstimos bancários. Empresas européias, ao longo desse    mesmo período, aumentaram dramaticamente a emissão de debêntures,    uma das repercussões positivas do papel internacional cada vez mais crescente    do € e da criação gradual de um espaço financeiro    único através da União Européia, como resultado    do Single European Act de 1987. Nos anos 1990, e ainda mais durante a    recuperação de 2002-07, os setores empresariais dos EUA e UE colheram    os frutos dos seus esforços de longo alcance de reestruturação    corporativa realizados na década anterior, auferindo consistentemente    taxas de lucro maiores e administrando taxas de autofinanciamento dramaticamente    mais adequadas. Quando empresas de grande porte persistem em contrair novas    dívidas de valores expressivos, estas são para atender às    demandas do mercado financeiro (e.g. recompra de ações)    e melhorar o controle societário (fusões, aquisições,    tentativas hostis de encampação, parcerias).
3.3 Endividamento    do consumidor e estagnação dos salários
Evidentemente,    o aumento na capacidade produtiva, que as empresas podem financiar além    das receitas por meio de empréstimos bancários, debêntures    e novas emissões de ações, tem que ser acompanhado pelo    aumento proporcional da demanda no outro lado da equação de mercado.    Enquanto esse pode advir dos próprios gastos empresariais ou dos gastos    governamentais, nos parece mais verossímil, especialmente quando olhamos    para isso no agregado, considerar tal impulso pelo lado da demanda como originado    no consumo das famílias (que representa, na maior parte das economias,    de longe o maior componente da demanda, surpreendentes 72% do PIB total nos    Estados Unidos). Todavia, durante as últimas três décadas,    presenciamos uma inflexível estagnação dos salários    nas nações industrializadas. Essa tendência se afigurou    primeiro na década de 1970, quando os salários da indústria    não conseguiram acompanhar o passo da inflação galopante,    foi intensificada durante a abrangente reestruturação corporativa    dos anos 1980, e finalmente se estendeu ainda mais com a entrada repentina de    3 bilhões de pessoas na economia mundial em conseqüência do    colapso do comunismo em 1991. A erosão concomitante da parcela de rendimentos    do trabalho na maioria das nações industrializadas (ver o Gráfico    3), combinada adicionalmente com a ampliação da desigualdade    entre a minoria vencedora e a maioria perdedora com o processo de globalização,    ameaçou a estabilidade econômica doméstica, fomentando a    possibilidade de condições de superprodução que    exigiam ajustes recessivos (para restabelecer o equilíbrio entre oferta    e demanda).

Muitos países,    especialmente as economias de mercado emergentes e aquelas potências industriais    tradicionais como Japão ou Coréia do Sul, conseguiram escapar    de tal desequilíbrio através de estratégias de crescimento    voltadas à exportação [export-led], muitas    vezes alimentadas pela manutenção de uma moeda doméstica    subvalorizada por meio do controle ativo das taxas de câmbio. Obviamente,    nem todos podem obter superávits em conta corrente (X > M). Alguns    países têm de absorver todos esses produtos dos países superavitários    através de déficits na sua balança comercial. Os consumidores    em tais países podem, obviamente, contribuir para essa absorção    mesmo por trás das rendas salariais estagnadas, poupando menos e/ou trabalhando    mais (como aconteceu especialmente nos EUA e, em menor escala, também    na Europa). Ao final, porém, ambas as respostas possuem limitações    físicas. Nesse contexto, a facilitação dos gastos das famílias    adequados, a despeito da renda estagnada, é assegurada de modo mais efetivo    pelo acesso ao endividamento do consumidor, de forma que o gasto das famílias    possa ser descasado dos limites da renda.
É possível    perceber que essa tendência está se manifestando em todas as principais    economias capitalistas avançadas. Em todo mundo industrializado, ao longo    das últimas poucas décadas, pudemos ver a correlação    entre parcelas de salários estagnadas, ou mesmo em declínio, e    o crescente uso do endividamento do consumidor. Suspeitamos que possa mesmo    haver uma relação simbiótica entre os dois, no sentido    de que por meio da permanência do consumo impulsionado pelo endividamento    em níveis suficientemente altos, o crescimento do PIB pode então    ser incitado o bastante para sustentar, por sua vez, o crescente uso do endividamento    pelas famílias por um longo período de tempo. A Tabela    1 mostra o aumento do endividamento do consumidor como uma porcentagem da    renda disponível nos Estados Unidos e França entre 1975 e 2006.    Em ambos os casos essa razão dobrou, ainda que, em um lado do Atlântico,    fosse duas vezes maior do que no outro lado.

Essas constatações    são adicionalmente confirmadas nos Gráficos 4A    e 4B, abaixo, que representam o aumento dos níveis    de endividamento dos consumidores em todas as nações industrializadas    especificadas, enquanto apontam, ao mesmo tempo, para o nível comparativamente    alto do endividamento das famílias nos Estados Unidos (ECB, 2007b). Isso    suscita a pergunta sobre a razão das famílias americanas assumirem    níveis significativamente mais altos de endividamento em relação    a suas contrapartes na França, Alemanha ou Japão, por exemplo.


Um modo de responder    essa pergunta é apontar para uma constelação de complementaridades    institucionais nos Estados Unidos, as quais criaram conjuntamente esse viés    em prol de níveis mais elevados de endividamento entre os americanos.    Primeiro, há um consenso nacional, adotado rapidamente mesmo pelo mais    recente imigrante almejando se integrar, sobre perseguir o Sonho Americano que,    na prática, acaba sendo traduzido pela satisfação de possuir    a casa própria e uma crescente capacidade de gastar. A mentalidade de    enriquecimento rápido fortemente arraigada, timidamente contida pela    religião organizada e/ou pelas tradições anticapitalistas    encontradas aqui ou acolá, permite que o rico dite as normas sociais    de consumo para o restante dos Estados Unidos. As preferências ideológicas    em prol de uma estrutura reduzida de governo também levaram os norte-americanos    a confiarem determinadas necessidades, que no resto do mundo são providas    como bens públicos pelos próprios governos, à regulação    do mercado e, por isso, eles acabaram pagando muito por coisas como educação,    saúde, transporte, et cetera. Muito disso é financiado    por endividamento, como os empréstimos a estudantes e os financiamentos    de carros. Tais canais de empréstimos especializados amplamente disponíveis    são uma expressão de um sistema de endividamento do consumidor    altamente desenvolvido. Esse segmento popular do sistema de crédito dos    EUA, impulsionado agressivamente pelos bancos comerciais e por prestamistas    mais especializados (e.g. cooperativas de crédito, financeiras)    em um ambiente muito competitivo, foi amparado por muitas décadas até    agora pelo governo americano, através de uma combinação    de reduções de impostos, afrouxamentos regulatórios, e    de concessionários de empréstimo de responsabilidade do governo    encarregados de promover seus segmentos de endividamento do consumidor (e.g.    Fannie Mae e Freddie Mac para as hipotecas, e Sally Mae para os empréstimos    a estudantes). Afinal, os EUA construíram toda uma economia em torno    do endividamento do consumidor, incluindo agências de análise de    crédito que avaliam a reputação de cada família    americana, conselheiros de débitos, agências de cobrança    e consultores financeiros. Os americanos têm unido cada vez mais sua propensão    ao endividamento com uma baixa atenção à poupança,    o perfil de preferência diametralmente oposto ao da maioria dos europeus    e leste-asiáticos.
4 Inovações    financeiras e a bolha imobiliária americana
A tendência    rumo a níveis mais elevados de endividamento é estimulada por    instituições financeiras procurando novos métodos para    atrair mais empréstimos e realizar o funding correlato. A inovação    financeira, como já mencionamos na seção 1, é um    aspecto essencial do capitalismo conduzido pelas finanças. Uma força    endógena dentro de qualquer sistema de crédito é iniciada    pelas instituições financeiras em resposta às restrições    específicas para as quais buscam novas saídas e soluções.    Muitas inovações visam, por exemplo, contornar restrições    reguladoras ou outros tipos de barreiras institucionais ao crescimento das transações    financeiras. E a maior parte dessa atividade acaba facilitando a extensão    de crédito dos bancos.
Esses comentários    gerais também se aplicam, evidentemente, ao financiamento de consumidores.    Tomemos, por exemplo, a introdução de diversas novas fontes de    financiamento bancário de curto prazo no início dos anos 1960,    como certificados de depósitos negociáveis (i.e. contas    de depósitos de empresas que podem ser repassadas a terceiros), fundos    federais (i.e. um mercado interbancário de reservas), títulos    comerciais [commercial papers] (i.e. emissões de    títulos de curto prazo pelas matrizes dos bancos) ou depósitos    em eurodólares (i.e. depósitos a prazo denominados em dólares    mantidos fora dos EUA). Os assim chamados passivos emprestáveis    tornaram os bancos menos dependentes da base de depósitos tradicional    para o funding dos empréstimos e, portanto, expandiram sua capacidade    de emprestar muito mais agressivamente do que tinha sido o caso até o    momento.
4.1 Inovação    hipotecária
Outra onda de inovação    financeira, deflagrada pela desregulação dos bancos para que competissem    mais efetivamente com os rivais não-bancários menos regulados    (e.g. fundos do mercado monetário, depósitos em euromoeda,    financeiras, instituições de depósito), tornou possível    que os bancos oferecessem toda uma nova geração de tipos de depósito    (e.g. contas NOW, certificados de depósito ao consumidor, contas    de depósito no mercado monetário) enquanto também renovavam    radicalmente seus portfolios de produtos de empréstimos. Depois    dos Deposit Institutions Deregulation and Monetary Control Act (DIDMCA),    de 1980, e Depository Institutions Act, de 1982 (DIA), os bancos americanos    começaram a introduzir hipotecas com taxas ajustáveis nas quais    o risco de preço ficaria ao encargo do mutuário ao invés    de do prestamista. Para torná-las mais apelativas, os bancos cobrariam    taxas de juros artificialmente baixas no início do contrato de empréstimo,    as quais seriam reajustadas para níveis mais altos posteriormente. Desse    ponto, restava apenas um pequeno passo para o "balão" das hipotecas,    que adiava a maioria dos encargos dos serviços da dívida para    bem mais tarde, ou para os empréstimos com "amortização    negativa", onde uma parte dos pagamentos de juros era incluída no principal    em vez de liquidada naquele momento.
O ritmo acelerado    da inovação relacionada às hipotecas levou os bancos, em    meados da década de 1990, a fazerem duas alterações cruciais    nos procedimentos de financiamento de imóveis. Com as taxas de juros    finalmente descendo dos seus níveis elevados dos anos 1980, os banqueiros    simplificaram e baratearam o refinanciamento. Foi dada a milhões    de proprietários de imóveis americanos a oportunidade de substituírem    uma hipoteca antiga antes do vencimento por outra portando taxas de juros menores    e, correspondendo ao valor aumentado do imóvel servindo como garantia    subjacente, também um principal maior. A outra alteração    se refere à introdução dos empréstimos sobre o saldo    da valorização imobiliária [home-equity loans],    uma espécie de segunda hipoteca que podia ser usada para gastos de qualquer    natureza, oferecendo ainda aos mutuários a vantagem de pagamentos de    juros dedutíveis para fins fiscais. Ambas as inovações    tornaram possível para os proprietários de imóveis americanos    faturar com a valorização de seus saldos imobiliários.    O início do boom imobiliário, em meados dos anos 1990,    deu um estímulo extra ao consumo das famílias, o que impulsionou    a economia americana para uma trajetória de crescimento maior por anos    a fio.6
4.2 Securitização
A rápida    disseminação dos refinanciamentos e empréstimos sobre o    saldo da valorização imobiliária resultou em um deslocamento    maciço da oferta de fundos em direção aos investimentos    imobiliários, até que outra inovação financeira    importante revolucionasse o financiamento da casa própria nos EUA, no    início dos anos 1990. A inovação a que nos referimos é    a securitização dos empréstimos, particularmente    a emissão de títulos lastreados em hipotecas [mortgage-backed    securities - MBS]. Esses MBS são criados quando tipos similares    de hipotecas são reunidos e usados como garantia para a emissão    de títulos. Os investidores em tais títulos recebem pagamentos    do principal e dos juros dos empréstimos subjacentes ao pool,    que são "passados adiante", menos as taxas pelos serviços e garantia.    Esse re-empacotamento de empréstimos hipotecários em títulos    negociáveis permitiu que os bancos recuperassem rapidamente os fundos    emprestados e realizassem empréstimos adicionais, ao invés de    ficarem presos a um ativo de empréstimo ilíquido por diversos    anos. A rotatividade muito acelerada tornou possível aos bancos aumentar    bastante o volume de empréstimos ao transferir os riscos de default    para os investidores e ganhar toda sorte de taxas associadas à securitização.    Lançado inicialmente no começo dos anos 1980 por entidades de    responsabilidade do governo (GSE [government-sponsored entities])    como Freddie Mac, Fannie Mae e Ginnie Mae, demorou um pouco até que esse    novo produto financeiro caísse no gosto popular. Em meados da década    de 1990, contudo, os MBS começaram a atrair uma comunidade muito maior    de investidores por causa dos rendimentos relativamente altos em um ambiente    de juros baixos, especialmente quando levamos em conta a percepção    amplamente difundida de seu baixo risco devido à garantia governamental    implícita.7 Enquanto    o total de emissões anuais de MBS girou em torno de US$ 500 bilhões    durante a década de 1990, essa média triplicou para US$ 1.500    bilhões depois de 2002 - uma cifra implicando a securitização    de cerca de 80% de todas as novas hipotecas americanas nos últimos cinco    anos.
4.3 Retiradas    dos saldos de valorização imobiliária
Combinado com as    baixíssimas taxas de juros mantidas pelo FED no início da década    2000, o amplo financiamento provido pela securitização de hipotecas    estabeleceu um grande boom imobiliário nos Estados Unidos. Conforme    o boom se firmava depois de 2002, os refinanciamentos e empréstimos    sobre o saldo da valorização imobiliária permitiam que    os proprietários de imóveis fizessem empréstimos com base    nos valores elevados de suas residências e, desse modo, aumentassem consideravelmente    sua capacidade de gastar. Correspondendo a 9% da renda disponível e figurando    cerca de US$ 840 bilhões p.a. no auge, essas retiradas aumentaram o consumo    em 3% p.a. de 2002-05, equivalente a um aumento anual nos gastos de quase US$    300 bilhões, comparadas com 1,1% p.a. nos anos 1990 (Greenspan; Kennedy,    2005).
Ávidas por    expandir os mercados, as instituições financeiras aceleraram o    boom depois de 2004 ao promoverem novos produtos hipotecários    como os piggy-backs, que prescindiam da exigência de entrada (efetivamente    0% de autofinanciamento), os empréstimos Alt-A, que continham maiores    taxas de retorno pelo abrandamento da verificação de renda e de    outras exigências de reputação quanto ao crédito,    e os subprimes para mutuários com históricos de problemas    de crédito. Esses empréstimos não-tradicionais eram atraentes,    visto que portavam taxas muito mais altas e proporcionavam aos analistas de    crédito comissões maiores. Os bancos, agora envolvidos de forma    muito mais intensa na securitização de empréstimos e emitindo    mais da metade de todos os novos MBS depois de 2004, empacotaram esses produtos    hipotecários não-tradicionais (incluindo as chamadas hipotecas    "jumbo", muito grandes para seguros da FHA) em combinações de    pools de empréstimos de alto rendimento cuja securitização    ainda obteria classificações de investment-grade, se mostrando    assim, irresistíveis aos investidores. Esses MBS "extra-oficiais" de    alto rendimento emitidos pelos bancos foram também devorados pelos investidores    estrangeiros, atingindo os US$ 500 bilhões somente em 2005.8
5 A dinâmica    do crescimento global conduzido pelos EUA e os desequilíbrios globais
O que vemos aqui    revelado é um padrão de crescimento conduzido pelo consumidor    [consumer-led] nos Estados Unidos, onde o consumo das famílias    compôs recentemente impressionantes 72% do PIB, bem mais alto do que em    qualquer outra parte. Com a parcela dos salários e ordenados norte-americana    flutuando entre 65%-68% durante as décadas de 1990 e 2000, tais níveis    de consumo proporcionalmente altos exigiram um declínio acentuado da    taxa de poupança pessoal (de uma média de 8% da renda disponível    no início desse período para 2% negativos quinze anos depois,    em 2006), bem como uma crescente dependência do endividamento do consumidor.    Este último sofreu um aumento significativo quando os proprietários    de imóveis americanos puderam tomar empréstimos maciçamente    e a baixos custos diante do rápido crescimento do capital imobiliário.    As retiradas sobre o saldo da valorização imobiliária proporcionaram    mais da metade do crescimento nominal do PIB norte-americano durante a recuperação    pós-2001. A capacidade de impulsionar o consumo financiado por endividamento,    alinhada com os preços crescentes dos imóveis, tornou menos premente    o ato de poupar. Podemos observar um declínio sustentado da poupança    líquida das famílias nos Estados Unidos, desde o início    dos anos 1980. Nossa hipótese é que há uma íntima    relação entre o aumento do déficit em conta corrente dos    EUA e a queda na poupança líquida das famílias, conforme    pode ser observado no Gráfico 5.

Embora ambos os    setores, governamental e empresarial, possam contribuir para o declínio    geral da poupança doméstica, parece que o papel destes tem sido    menos preponderante no longo prazo. A evidência empírica sugere    que o vínculo entre a poupança líquida das famílias    e o saldo em conta corrente, mais provavelmente mediado pela evolução    dos preços dos ativos (particularmente imobiliários), não    se limita aos EUA, mas prevalece em vários outros países da OCDE    (ECB, 2007a).
O impulso no consumo    dos Estados Unidos advindo do boom imobiliário trouxe consigo    importantes efeitos de transbordamento para o resto do mundo. Voltando ao modelo    de Godley et alii, discutido na seção 2, a economia americana,    que se deparou novamente com significativos déficits orçamentários    depois de 2001, teve de compensar o crescente desequilíbrio na poupança    liquida privada (Yh - C) com um déficit implacavelmente progressivo nas    exportações líquidas (X < M) que, próximo a 2006,    havia crescido para mais de US$ 800 bilhões ou 7% do PIB. Em outras palavras,    os Estados Unidos gastaram coletivamente 7% a mais do que ganharam em um dado    período, com essa lacuna sendo amplamente financiada por importações    de capital de nações que obtinham superávits constantes    em suas contas correntes, notavelmente os países exportadores de petróleo    da OPEP, o Japão, e as economias de mercado emergentes (EMEs), sobretudo    na Ásia (i.e. China, Índia). A reciclagem desses superávits    ocorreu mais ou menos automaticamente na última década, na medida    em que esses países atrelaram suas moedas subvalorizadas ao dólar,    o que os obrigou a comprar ativos denominados em dólares (no processo    de venda de suas próprias moedas), ao protegerem suas cotações    das pressões pela apreciação da moeda induzidas pelo superávit.
5.1 O dólar    americano como moeda do mundo
Países superavitários    - um agrupamento de produtores de commodities, economias de mercado emergentes,    e países industrializados (ver o Gráfico 6)    - têm sido capazes de adotar estratégias de crescimento voltadas    à exportação, baseadas em moedas deliberadamente subvalorizadas,    e sustentá-las a partir do empréstimo de seus superávits    ao único país apto e disposto a assumir o papel de "consumidor    de última instância" do mundo. Os Estados Unidos, por sua vez,    têm conseguido viver persistentemente além de seus meios com a    ajuda das poupanças das nações superavitárias, acabando    por absorver 75% dos desequilíbrios comerciais agregados do mundo. É    digno de nota que essa relação simbiótica, subjacente à    dinâmica de crescimento global das últimas poucas décadas,    tem sido sustentada por uma assimetria decisiva na economia mundial, decorrente    do uso da moeda nacional da potência dominante como moeda internacional    nas transações entre países. Essa moeda (desde 1945, o    dólar) é criada dentro do sistema bancário do país    dominante e transferida por meio de fluxos contínuos líquidos    de saída do país emissor para o resto do mundo. Em outras palavras,    a criação da liquidez internacional apóia-se nos déficits    constantes no balanço de pagamentos dos Estados Unidos, financiados automaticamente    pelos outros países na medida em que mantêm reservas em dólar    ou usam dólares na circulação internacional. Os Estados    Unidos, para colocar a mesma vantagem em termos diferentes, constituem o único    país capaz de tomar empréstimos externos na sua própria    moeda e de fazer isso indefinidamente. São capazes, portanto, de acumular    dívidas externas maiores sem sentir o mesmo tipo de carga com o serviço    da dívida e, desse modo, de adotar políticas econômicas    muito mais expansionistas e por muito mais tempo do que poderiam outros países.    Esse afrouxamento de suas restrições externas permitiu aos Estados    Unidos acumular déficits imensos em conta corrente, tê-los financiados    com baixo custo pelos países superavitários, e conviver com uma    taxa de poupança negativa apesar de ser o país mais rico do mundo.

5.2 O excesso    de poupança de Bernanke
Ignorando a posição    privilegiada dos Estados Unidos na economia mundial e o uso que tem sido feito    dessa vantagem, o presidente atual do FED, Bernanke (2005), colocou a responsabilidade    pela ampliação dos desequilíbrios em conta corrente diretamente    nos ombros dos países em desenvolvimento. Ele alega que as crises financeiras    das décadas de 1980 e 1990 reverteram o sentido dos fluxos de capitais,    que agora fluem dos países em desenvolvimento para os industrializados.    As EMEs em particular, especialmente aquelas na Ásia, aumentaram suas    reservas cambiais para se protegerem de uma potencial fuga futura de capitais    (ver o Gráfico 7).

Fazendo isso, os    governos dessas nações acabaram por canalizar a poupança    doméstica para os mercados internacionais de capitais. Summers (2006),    que foi economista chefe do Banco Mundial antes de se tornar Secretário    do Tesouro do governo Clinton, observou, na mesma linha, que as reservas nos    países em desenvolvimento tinham atingido um nível "muito superior    a qualquer critério previamente enunciado de reservas necessárias    à proteção financeira". De acordo com Bernanke, essa poupança    excedente exerceu uma pressão de baixa nas taxas de juros reais, estimulando    o empréstimo e, conseqüentemente, a inflação de preços    dos ativos nas economias desenvolvidas. Enquanto é seguramente verdade    que a manutenção de moedas subvalorizadas, por parte das EMEs,    leva as mesmas a financiarem o florescente déficit em conta corrente    norte-americano numa escala crescente, a hipótese de "excesso de poupança"    de Bernanke, Summers, e outros influentes economistas americanos, absolve convenientemente    os Estados Unidos de qualquer responsabilidade pela acumulação    de grandes desequilíbrios globais. Pior ainda, esse argumento ignora    inteiramente a vantagem monumental de senhoriagem auferida pelos Estados Unidos    como emissor da moeda mundial.
5.3 Bretton    Woods II?
Uma discussão    mais ponderada sobre os desequilíbrios globais correntes foi proposta    por aqueles, como Bordo e Flandreau (2001) ou Dooley; Folkerts-Landau e Garber    (2003), que caracterizam a configuração em vigor como Bretton    Woods II. Hoje em dia, como foi o caso do sistema de taxas fixas do pós-guerra,    do final dos anos 1950 ao início da década de 1970, os países    periféricos novamente buscam manter moedas subvalorizadas com taxas fixas    para obter um crescimento por via das exportações, e, nesse processo,    acabam por sustentar o déficit externo das nações centrais.    Essa analogia histórica foi criticada mais recentemente por Eichengreen    (2007), que destaca a importante diferença entre os superávits    em conta corrente acumulados pelos EUA durante a vigência de Bretton Woods    e os gigantescos déficits em conta corrente atuais. De acordo com este    autor, esse déficit provém inteiramente do modo como o padrão    dólar funciona atualmente, colocando os Estados Unidos como o centro    ativo da economia mundial e inteiramente responsável pelos seus desequilíbrios.    Sua análise oportuna termina com a pertinente questão sobre se    esses desequilíbrios simbióticos podem persistir indefinidamente    e, caso contrário, quais seriam os cenários de ajustamento mais    prováveis.9
Qualquer eventual    processo de ajuste que promovesse o realinhamento da economia mundial exigiria    um aumento significativo sustentado das exportações líquidas    norte-americanas ao longo dos próximos cinco anos. Desde a suspensão    de Bretton Woods, realizada por Nixon em 1971, sucessivos governos norte-americanos    mostraram-se propensos a deixar o dólar se depreciar a fim de impulsionar    suas exportações líquidas (tornando as exportações    americanas mais baratas no exterior e as importações para os Estados    Unidos mais caras para seus cidadãos). O problema com esse tipo de ajuste    é que, com movimentações de preços mais rápidas    do que alterações de volume, qualquer depreciação    aumenta inicialmente a conta das importações e, portanto, piora    o déficit comercial antes de melhorá-lo (a assim chamada curva    J). Além da reação defasada, há também    o problema, que já se manifestou violentamente uma vez em outubro de    1979, de uma desvalorização excessivamente grande do dólar    tornar-se retro-alimentadora ao ponto de colocar seriamente em risco o status    do dólar como moeda mundial, justo agora que está enfrentando    pela primeira vez, com a emergência do euro em 2002, um rival de peso.    Essa crise pode tornar impossível para os Estados Unidos cobrirem seus    déficits gêmeos ou, pelo menos, exigir taxas de juros americanas    muito mais elevadas para manter os investidores estrangeiros atraídos.
Certamente, os    Estados Unidos ainda têm alguns atributos inerentes para evitar tais conseqüências    potencialmente desastrosas. Ainda é, apesar de tudo, a maior economia    do mundo e, ademais, muito flexível e competitiva nesse contexto. A desvalorização    significativa do dólar dos últimos poucos anos tem também    tornado seus produtos muito competitivos em preço nos mercados globais.    Seria melhor, evidentemente, se a maior parte desse realinhamento dos preços    das moedas também envolvesse as moedas asiáticas com taxas fixas    que necessitam de uma valorização significativa (iuan, iene, won,    rial, etc.), seguido de um incentivo a níveis mais altos de consumo doméstico    em tais economias de mercado emergentes. Além do mais, a economia dos    EUA possui duas vantagens comparativas adicionais que impedem que seus déficits    em conta corrente fiquem fora de controle. Uma delas é a forte presença    americana na maioria dos setores de serviços, a ponto de incorrerem em    superávits constantes nesse item do balanço de pagamentos, no    momento em que o comércio de serviços está explodindo.    Outra vantagem é o fato de que, apesar de terem acumulado uma imensa    dívida externa que superou US$ 3.000 bilhões nas últimas    poucas décadas, a renda de investimentos líquida na conta corrente    norte-americana é essencialmente equilibrada, o que implica taxas de    retorno sobre investimentos americanos no exterior muito mais altas do que as    auferidas pelos estrangeiros em seus investimentos nos EUA.10
6 O arrocho    de crédito global iniciado em 2007
Visto que os Estados    Unidos não tiveram que enfrentar uma restrição externa    como os demais países e as EMEs não têm nenhum interesse    em permitir que suas moedas se apreciem muito, ou desacelerariam o ritmo tórrido    de sua expansão, tem-se permitido que os desequilíbrios globais    persistam e evoluam até o ponto de deflagrarem condições    críticas de crise global. Depois de um período de dois anos de    aperto persistente por parte do FED entre 2004-06 (i.e. dezessete altas    de juros consecutivas), a bolha imobiliária americana estourou durante    a segunda metade de 2006, quando as vendas, a construção, e mesmo    os preços dos imóveis começaram a cair. Nesse ponto, hipotecas    não-tradicionais, especialmente subprimes, começaram a    ver suas "sedutoras taxas" inicialmente baixas (de 1,5% a 3%) sofrerem reajustes    para níveis bem mais elevados (normalmente entre 10% e 15%, mas atingindo    18% em alguns casos), o que fez com que muitos daqueles mutuários de    risco mais alto enfrentassem, imediatamente, sérios problemas com o serviço    da dívida. Na primavera de 2007 ficou claro que até um terço    de todas as hipotecas subprime poderiam acabar em default, uma    vez que os reajustes programados das taxas de juros estivessem sendo concluídos    em meados de 2009, deflagrando, nesse processo, talvez até 5 milhões    de execuções hipotecárias e, assim, assegurando um aprofundamento    continuado do declínio no mercado imobiliário por, pelo menos,    dois anos. Essa dura constatação colocou em xeque as classificações    de investment-grade de um grande número de MBS que continham subprimes    em seus pools. Em conseqüência disso, as agências de    classificação, sob a pressão de reconhecerem seu erro,    começaram a rebaixar a classificação de muitos MBS para    nível inferior ao investment-grade, o que os desqualificava para    a aquisição ou retenção por parte dos fundos mútuos    ou de pensão.
6.1 A crise    dos subprime
Em agosto de 2007,    essa situação em deterioração explodiu repentinamente    em um arrocho de crédito global plenamente maturado. Uma vez que o pico    de defaults dos subprime começou a transbordar para o mercado    de MBS, foi propagado o sentimento de pânico para várias outras    camadas de securitização. O próximo mercado a entrar em    colapso foi o de obrigações colateralizadas por dívidas    (CDOs [collateralized debt obligations]), que colocava lado a    lado diferentes tipos de dívidas, incluindo debêntures, títulos    lastreados em hipotecas, e dívidas de cartão de crédito.11    Um número de investidores pesadamente envolvidos com o mercado de CDOs    agora paralisado, em especial fundos hedge, fundos private-equity,    veículos de investimento estruturados, e outras entidades de propósito    específico gerenciadas pelos bancos que estavam sendo mantidas fora dos    registros, repentinamente percebeu que não tinha mais acesso aos fundos    de curto prazo mobilizados pela emissão de títulos comerciais    lastreados em ativos (ABCP [asset-backed commercial paper]),    a terceira camada de securitização a entrar em colapso no outono    de 2007. Isso os obrigou a sacar maciçamente a partir de empréstimos    bancários de emergência reservados precisamente para essas eventualidades.    O aumento inesperado na demanda por tais fundos colocou muita pressão    sobre o mercado interbancário, à qual os bancos, agora subitamente    apreensivos quanto às perdas prospectivas, não estavam propensos    nem aptos a responder expressivamente. Como mesmo as taxas interbancárias    de prazo mais curto ("overnight") moveram-se rapidamente para muito acima    das metas do banco central, uma vez que a demanda por fundos começou    a superar a oferta consistentemente, os principais bancos centrais do mundo    tiveram que intervir repetidamente com grandes injeções de liquidez    para impedir que o mercado interbancário, o centro nervoso da economia    global, ficasse paralisado.
6.2 Arrocho    de crédito global
Estamos agora no    meio de um arrocho de crédito global nunca visto. As intervenções    coordenadas e sem precedentes como emprestadores de última instância,    do ECB, FED, Banco da Inglaterra, e outras autoridades monetárias, impediram    até agora a estagnação do mercado interbancário.    No entanto, essa assistência nada fez senão reanimar um sistema    bancário alternativo, edificado sobre diversas camadas interdependentes    de securitização, que havia entrado em colapso. Nos poucos anos    subseqüentes, os bancos se depararão com centenas de bilhões    de dólares em perdas com a reavaliação dos preços    dos ativos, sendo que algumas delas já começaram a ser reconhecidas.    E esse pesado golpe em seus lucros líquidos e níveis de capitalização    os tornará bem menos propensos e aptos a conceder empréstimos    em níveis adequados. O golpe mais duro atingiu os Estados Unidos, onde    a crise imobiliária e o arrocho de crédito em câmara lenta    estão interagindo para levar a economia doméstica americana à    recessão. Evidentemente, em vista do papel dominante dos americanos como    "consumidores de última instância", qualquer desaceleração    na economia dos EUA prejudicará também diversas outras regiões.    É possível que as EMEs façam uma condução    voltada a uma maior dependência de seus crescentes mercados internos,    alimentada por níveis maiores de consumo doméstico, ou aumentem    o comércio entre elas. Também é possível que a União    Européia esteja pronta para assumir o papel de locomotiva da economia    mundial, desafiando os Estados Unidos pelo status de superpotência    econômica.
Ainda que essas    ou outras forças de realinhamento ajudem a evitar o pior, elas não    podem avançar rápido o bastante para neutralizar os velozes efeitos    em cascata da explosão da bolha imobiliária americana ou do colapso    da securitização. O processo de ajuste necessário para    corrigir os desequilíbrios globais será agora imposto um tanto    brutalmente por um arrocho de crédito global, restringindo acentuadamente    a capacidade americana de consumo excedente.
7 Capitalismo    de crise em crise
O processo contemporâneo    de globalização financeira conheceu três fases distintas    ao longo das últimas três décadas. Cada uma delas foi impulsionada    por grandes inovações financeiras e terminou numa grave crise.    A primeira fase, iniciada na década de 1960 e intensificada durante os    anos 1970, foi aquela do mercado de euromoeda. Ela terminou com a crise da dívida    dos países subdesenvolvidos, de 1982-89, durante a qual mais de cinqüenta    países em desenvolvimento enfrentaram defaults de-facto nos seus    empréstimos soberanos nesse mercado. A segunda fase foi deflagrada pela    generalização da liberalização financeira ao redor    do globo, de norte a sul, durante os anos 1980 (representando também    uma conseqüência da crise da dívida dos subdesenvolvidos).    Esse processo corresponde a uma grande inovação financeira (Boyer,    Dehove, Plihon, 2004), que terminou com as recorrentes graves crises financeiras    entre as economias de mercado emergentes durante a década de 1990 (México    em 1994, Leste Asiático em 1997, Rússia em 1998, Brasil em 1999,    Argentina em 2001). Estamos agora, no início de 2008, no final da terceira    fase, cujas conseqüências não estão ainda claras, com    a sua mais aguda manifestação nos Estados Unidos, onde a grande    inovação da securitização impulsionou uma "economia    do endividamento do consumidor" que, por fim, se degenerou, durante o verão    de 2007, na crise dos "subprime".
7.1 Três    fases com crises causadas por inovações
Fase I -     Os eurodólares e a crise da dívida dos países subdesenvolvidos:    O mercado de eurodólares é uma das principais inovações    financeiras do século XX. Essa rede bancária global, envolvendo    empréstimos e depósitos denominados em dólares fora dos    Estados Unidos, floresceu em resposta a uma necessidade de liquidez monetária    internacional que o sistema bancário dos EUA por si só não    podia mais suprir, apesar do contínuo crescimento dos déficits    norte-americanos no balanço de pagamentos. Os dois choques no preço    do petróleo da década de 1970 sinalizaram dramaticamente o papel    dos chamados "petrodólares", os lucros da OPEP que os bancos da City    de Londres, eficientemente, passaram a reciclar a partir dos países produtores    para os importadores de petróleo, ajudando assim a conter declínios    globais subseqüentes. Esses "eurobancos" ajudaram a mobilizar dessa maneira    uma importantíssima transferência de poupança, principalmente    de Sul a Sul, por meio de operações bancárias comerciais    ao invés de subsídios (como ocorrera no Plano Marshall). Contudo,    esse novo sistema financeiro internacional estava sujeito a dois grandes empecilhos.    Um era o escopo inadequado da regulação prudencial dos mercados    de euromoeda. O outro era o fato de que a evolução desses mercados    dependia, em última instância, fundamentalmente do andamento da    política monetária dos EUA, cujos objetivos eram primariamente    orientados para as condições internas americanas. Quando Paul    Volcker enrijeceu a postura política do FED para encarar as pressões    inflacionárias decorrentes do segundo choque do petróleo de 1979,    a alta nas taxas de juros americanas e a subseqüente apreciação    do dólar provocada por essa mudança de política, deflagrou,    em 1982, sérios problemas com o serviço da dívida entre    a maioria dos países em desenvolvimento que havia contraído empréstimos    no euromercado, denominados em dólares, no decurso da reciclagem de petrodólares.
Fase II    -  Liberalização financeira e crises dos mercados emergentes:    A fim de superarem suas crises de estagflação dos anos 1970, as    principais nações industrializadas decidiram, sob a liderança    determinada de Reagan e Thatcher, adotar as chamadas políticas do    lado da oferta com base em significativas reduções de impostos    para as empresas e os ricos, bem como na desregulação dos mercados    de capitais e de trabalho. A União Européia tomou o mesmo rumo    em 1987 com o seu projeto de "mercado único" de bens, pessoas e capitais.    Nos anos 1990, esse estímulo ao livre mercado se estendeu aos países    em desenvolvimento sob os auspícios do FMI, que administrou a crise da    dívida dos países subdesenvolvidos impondo, aos devedores que    precisavam de ajuda, programas de ajustes estruturais baseados no mantra "desregulação,    privatização, estabilização" do assim chamado Consenso    de Washington.12 Desse    modo, foi criada uma nova categoria de países chamada de economias "de    mercado emergentes", no sentido de terem sido recentemente abertas para o mercado    financeiro internacional. Inicialmente, fluxos maciços de capitais para    esses países ajudaram seu desenvolvimento financeiro e econômico.    Logo, porém, tais políticas de livre mercado revelaram seus efeitos    perversos. No nível microeconômico, os bancos das EMEs acabaram    se tornando mais frágeis no rastro da sua abertura internacional. Seus    balanços patrimoniais tornaram-se desestabilizados devido às operações    cambiais que resultaram num perigoso descasamento de moedas [currency    mismatch], à medida que passivos de curto prazo em dólares    e outras moedas chave eram acumulados para financiar a criação    de moeda doméstica dirigida para ativos de longo prazo denominados em    moeda local, o que logo acabou por alimentar bolhas especulativas de ativos    e pressões inflacionárias internas. No nível macroeconômico,    as moedas locais das EMEs sofreram pressões de apreciação    que, junto com as crescentes pressões inflacionárias, colocaram    em risco sua competitividade e posição externa.
A deterioração    das condições econômicas e financeiras colocou a maioria    dos mercados emergentes, um após o outro - do México em 1994 à    Argentina em 2001 - em devastadoras crises financeiras "gêmeas", que afetaram    seus sistemas bancários e forçaram ajustes radicais nos regimes    de taxas de câmbio. Essas crises foram o resultado da liberalização    financeira excessivamente rápida e mal administrada para a qual esses    países estavam precariamente preparados. Nem as organizações    internacionais, notavelmente o FMI, nem os governos compreenderam que o processo    de liberalização financeira constituía uma grande inovação    financeira que produziria frutos positivos apenas em um contexto institucional    corretamente adaptado (Boyer; Dehove; Plihon, 2004). Na maioria das EMEs, este    estava longe de ser o caso.
Fase III    -  Endividamento do consumidor, securitização e a crise dos    subprime: A securitização de empréstimos é    uma importante inovação financeira que, como no caso dos mercados    de eurodólares algumas décadas antes, introduziu uma nova forma    de intermediação financeira. É uma atividade especialmente    bem adaptada às operações de empréstimo padronizadas    de grandes volumes, especialmente aquelas relacionadas ao endividamento das    famílias. A securitização é um instrumento eficiente    de transferência de risco, do mesmo grupo dos derivativos. Todavia, como    as demais inovações financeiras, apresenta efeitos ambivalentes,    bons e maus. Projetada para melhorar a gestão de riscos, a securitização,    na verdade, acaba estimulando os bancos a assumirem muitos riscos, na medida    em que sabem que é possível transferi-los para terceiros (i.e.    risco moral). Nesse sentido, a securitização tornou-se vítima    do seu próprio sucesso. Por um lado, ao simplificar o financiamento das    famílias, alimentou o acúmulo (excessivamente) rápido de    dívidas entre estas. Por outro lado, por incentivar a dispersão    dos riscos, contribuiu para a diluição da responsabilidade ao    longo da cadeia de gestão de riscos, agravada pela natureza obscura dos    mercados de balcão nos quais os produtos securitizados são normalmente    negociados. Por isso, como instrumento de transferência de risco, a securitização    provou ser um poderoso vetor na propagação internacional da crise.    Nesse sentido, é justo questionar se a crise dos subprime não    é basicamente o resultado dos efeitos perversos da securitização.    Sua extensão e intensidade totalmente surpreendentes podem ser explicadas    pelo fato de que essa crise atinge, ao mesmo tempo, as raízes profundas    do capital financeiro e a sociedade americana do endividamento do consumidor.
A crise atual dos    subprime pode ser classificada como uma crise sistêmica    na medida em que atinge três pilares fundamentais do capitalismo conduzido    pelas finanças: um padrão de crescimento global centrado nos EUA,    carente de diversificação para pólos alternativos de crescimento;    o paradigma das finanças modernas, que enfatiza a gestão de riscos;    e a pretensa estabilização do padrão de crescimento outrora    cíclico.
7.2 O padrão    de crescimento global
Até agora,    a economia dos EUA tem desempenhado o papel de "consumidora de última    instância" do resto do mundo, servindo, desse modo, como uma locomotiva    que arrasta, para o seu imenso mercado interno, diversas outras economias extremamente    dependentes de exportação. Têm ocorrido efeitos de transbordamento    importantes da economia americana para outras partes do mundo (Europa, Japão,    América Latina, Leste Asiático), confirmando o ditado de que "se    a economia dos EUA espirrar, o resto do mundo fica resfriado". Como já    ressaltamos, em vista do papel dominante dos americanos como "consumidores de    última instância", qualquer desaceleração na economia    dos EUA pode prejudicar também diversas outras regiões.
Ao mesmo tempo,    contudo, há indicações de que o padrão de crescimento    global pode estar mudando (IMF, 2007). A recente desaceleração    na economia norte-americana ainda não apresentou qualquer efeito significativo    em outras economias, o que sugere que pode estar havendo algum "desacoplamento"    entre o resto do mundo e os Estados Unidos. A economia dos EUA totaliza cerca    de 20% do PIB global, quando calculado com base na paridade do poder de compra,    comparada a uma parcela de 25% das cinco maiores economias de mercado emergentes.    Certamente, há indicações de que o resto do mundo está    se tornando menos dependente da economia dos EUA a longo prazo, não devendo    ser desconsiderada a importância crescente da integração    regional na Europa, Ásia e América Latina. No longo prazo, estamos    gradualmente nos movendo em direção a um padrão de crescimento    global multipolar, levado adiante pelo aprofundamento da integração    regional. No entanto, como assinalado acima, ao passo que essas (ou outras)    forças de realinhamento podem ajudar a evitar o pior no curto prazo,    provavelmente não avançarão rápido o bastante para    neutralizar os velozes efeitos em cascata da explosão da bolha imobiliária    americana ou do colapso da securitização.
7.3 O paradigma    da gestão de riscos das finanças modernas
A crise dos subprime    revelou que as finanças modernas não são mais capazes de    cumprir com uma das suas funções essenciais, a da gestão    dos riscos. E nesse sentido essa é uma crise profunda, que afeta sobremaneira    todos os atores das finanças internacionais: banqueiros, investidores,    agências de classificação, bancos centrais, reguladores    bancários.
• A securitização    e os derivativos privaram os bancos da sua função tradicional    como intermediários financeiros e os transformaram em corretores de mercados    financeiros. Dessa forma, os bancos não mais carregam eles mesmos os    riscos, mas os transferem para os mercados financeiros - uma tendência    ainda mais acentuada pelo novo regime regulatório para os bancos, conhecido    como Basiléia II.13    Sabendo que revenderão grande parte dos seus ativos, os bancos não    estão mais preocupados com a avaliação correta dos riscos,    os quais esperam ser assumidos por terceiros. Isso provoca a erosão gradual    da qualidade dos riscos, uma inclinação para subestimar riscos    na busca por maiores retornos.
• Os bancos    de investimento encarregados da securitização combinam todos os    tipos de empréstimos nos pools a serem securitizados, o que dificulta    a avaliação adequada do risco. Adicionalmente a isso, há    a proliferação de técnicas de transferência de risco    especialmente obscuras em mercados de balcão não-regulados (e.g.    derivativos de crédito, garantias de passivos contingentes), o que deixa    todos os tipos de atores financeiros mais vulneráveis à medida    que assumem riscos ocultos, desconhecidos para eles.
• Nesse novo    contexto, as instituições financeiras não querem assumir    os riscos de crédito e de mercado dos seus compromissos, mas, em vez    disso, preferem transferi-los por todo o percurso até o poupador final    - uma tendência que explica a construção de várias    camadas de securitização, onde os produtos securitizados são    combinados em pools para ulterior securitização. Nesse    ponto, o sistema financeiro não desempenha mais seu papel primordial    de avaliação e gestão dos riscos.
• As agências    de classificação (Moody's, Standard & Poor's, etc.) também    pararam de fazer apropriadamente seu trabalho de avaliação da    reputação de crédito dos mutuários, uma vez que    acreditam que todos os empréstimos podem ser transformados em títulos    e vendidos a investidores.
• E no meio    de todas essas falhas sistêmicas da gestão apropriada de riscos,    os bancos centrais se viram obrigados a socorrer bancos passando por sérias    dificuldades. Eles tiveram de intervir, com receio de que uma crise de confiança    no mercado interbancário desencadeasse uma crise sistêmica que    paralisasse o sistema de crédito. Embora os bancos centrais estejam totalmente    cientes de que tais operações de salvamento induzem os bancos    a ignorar ou dar menos atenção ao nível de risco dos seus    compromissos (o problema do risco moral), eles não podem arcar    com as conseqüências de não intervir. Ao injetar quantidades    maciças de liquidez no sistema bancário hoje, o banco central    pode estar pavimentando o caminho para mais uma crise financeira amanhã.
7.4 Fragilidade    financeira de Minsky
O capitalismo conduzido    pelas finanças, com sua ampla provisão de crédito a baixas    taxas de juros, tem a vantagem de separar os gastos da renda. Essa separação    permite que a demanda agregada seja mantida em níveis suficientemente    altos para evitar ajustes recessivos. Desde o último declínio    importante no início dos anos 1980, a economia mundial, notavelmente    a americana como sua principal componente, enfrentou apenas dois declínios    relativamente superficiais e de curta duração (1990-1991, 2000-2001).    Ambos foram superados com relativa rapidez devido à atuação    agressiva da política monetária, empurrando as taxas de juros    para baixo; à elevação acentuada dos déficits orçamentários,    aumentando os gastos; e às fontes ininterruptas de crédito, sustentando    os gastos do setor privado a despeito da estagnação ou mesmo queda    dos rendimentos.
Esses longos períodos    de estabilidade, todavia, semearam as sementes de sua própria destruição    ao produzirem, como H. Minsky (1964) afirmou de modo tão convincente,    estruturas financeiras cada vez mais frágeis que culminariam, eventualmente,    em uma grande crise. Como as unidades deficitárias de gastos (i.e.    empresas, famílias) obtiveram êxito com suas ações    anteriores, elas se tornaram mais propensas a assumir um risco maior em seus    compromissos subseqüentes. Pode-se observar o mesmo viés entre seus    prestamistas. Na ausência de qualquer ajuste recessivo significativo,    os agentes econômicos deixam de perceber a possibilidade de falha. Tornam-se    muito otimistas, inclinados a subestimar os riscos na busca por maiores retornos.    Essa euforia é socialmente construída, logo amplamente compartilhada.    Ao longo do tempo, normalmente em questão de poucas décadas ou    um quarto de século sem nenhuma desaceleração importante,    as posições financeiras dos devedores e credores ficarão    progressivamente mais precárias em virtude de uma assunção    de riscos aumentada. Nesse contexto, Minsky distinguiu entre três posições    de financiamento: hedge, onde a posição líquida    dos fluxos monetários dos devedores é suficientemente positiva    para nunca pôr em risco o pagamento do serviço da dívida;    especulativo, onde as posições líquidas dos fluxos monetários    podem ser, às vezes, inadequadas para honrar os compromissos de pagamento    à medida que chegam seus vencimentos; e financiamento Ponzi, quando é    necessário endividamento adicional para atender aos encargos do serviço    da dívida existentes. Na ausência de qualquer ajuste recessivo    que elimine os devedores mais vulneráveis e relembre a todos sobre os    perigos de assumir riscos excessivos, a estrutura financeira torna-se cada vez    mais frágil, contendo uma proporção crescente de unidades    especulativas e Ponzi nas ultimas fases de um boom prolongado. É    nesse ponto que um evento (de outro modo relativamente insignificante) pode    expor o grau de extensão excessivo prevalecente na estrutura financeira    da economia, deflagrando uma atitude de pânico que irrompe numa reação    em cadeia de defaults, vendas compulsórias de ativos, colapsos    no mercado financeiro, e escassez generalizada de crédito disponível    - a configuração de uma crise financeira.
Nós temos    um bom motivo para nos perguntar em que medida a visão de Minsky sobre    a construção da crescente fragilidade financeira durante um longo    boom que perpasse vários ciclos também não se aplica    à família média americana e seu imenso acúmulo de    dívida sobre o consumo nos últimos 25 anos, com o estouro da bolha    imobiliária servindo como catalisador de uma grande crise financeira    em escala global. Se esse é realmente o caso, então acabamos de    entrar em um processo de ajuste acionado pela crise, o qual extrapola, tanto    em extensão quanto em profundidade, um mero ajuste recessivo.
Conclusão:    A necessidade de um arcabouço metateórico
Estamos conscientes    de que esta contribuição levanta mais questões do que respostas.    Mas isso é da natureza do objeto. Estamos apenas no princípio    do que parece ser uma crise sistêmica de grandes proporções    e, neste momento, não temos nenhuma idéia concreta de qual será    o desenrolar de toda essa história. Nossa capacidade de identificar os    cenários mais prováveis no futuro próximo e de presumir    o que de melhor há para se fazer a respeito depende da nossa compreensão    do que está acontecendo.
Essa questão    é de vital importância e exige, à luz de nossa dinâmica    de crescimento globalmente integrada, um novo arcabouço analítico    que trate o todo - a economia mundial - como mais do que a soma de suas partes    - isto é, das cento e noventa e uma economias nacionais vinculadas entre    si por meio de seus respectivos balanços de pagamentos e taxas de câmbio.    Tal arcabouço terá de aguardar uma revolução    metateórica, similar à revolução macroteórica    de Keynes de setenta anos atrás. Na ausência da mesma, podemos    somente identificar possíveis elementos centrais de tal arcabouço    metateórico, com base em nossa análise apresentada acima.
Já indicamos    anteriormente (na seção 2) que o modelo de consistência    entre fluxos e estoques (SFC) de Godley e Lavoie pode servir como um bom ponto    de partida. Refinamentos adicionais do papel que as finanças desempenham    no modelo SFC deveria ser um valioso exercício com a finalidade de apreendermos    um sentido ainda mais preciso da dinâmica subjacente aos processos de    crescimento atuais das economias capitalistas avançadas. Mudanças    em suas composições internas e/ou nos seus fluxos com outros setores    acrescentam uma dimensão de injeção de liquidez com a qual    o todo se torna mais do que a soma de suas partes. Em outras palavras, a criação    de moeda dentro do setor financeiro permite a qualquer dos outros quatro setores    separar os gastos das receitas, pelo menos por um tempo. Dado tal relaxamento    das restrições monetárias financiado por crédito,    qualquer um desses setores pode acumular dívidas e sustentar substanciais    déficits sem deflagrar ajustamentos autocorretivos durante algum tempo.    Podemos conceber os principais saldos setoriais - das empresas, das famílias,    do governo, e o externo - como os quatro pilares da nossa moderna "economia    do endividamento", e o setor financeiro como o provedor dos fundos para tal    gasto excedente.
Podemos então    usar o modelo SFC refinado como o ponto de partida para uma análise mais    profunda do modus operandi do capitalismo conduzido pelas finanças    e de como esse é movido adiante pela confluência de uma dependência    ampliada do financiamento a partir do endividamento, da inovação    financeira, e da globalização das instituições e    mercados financeiros. A principal alteração qualitativa que caracteriza    o capitalismo conduzido pelas finanças como tal, e que constitui um dos    fatores de difícil integração em modelos meramente quantitativos    no nível macro, é a capacidade do sistema como um todo de gerar    nova liquidez, além de quaisquer dados nível e distribuição    das poupanças, e ofertar essa moeda recém-criada via crédito    como renda disponível antes que esta tenha sido realmente auferida. Tal    criação de liquidez não é, todavia, um processo    linear, mas, pelo contrário, sujeito a um ciclo de crédito constituído    de recuperação, excesso, crise e reajustamento. Tanto a "hipótese    da instabilidade financeira" de Minsky, ciclicamente orientada, quanto sua freqüentemente    esquecida noção de uma propensão de onda mais longa rumo    à fragilidade financeira supracíclica, de 1964, são úteis    aqui, especialmente quando recontextualizadas como modelos de economias abertas    que levam em consideração as especificidades do sistema monetário    internacional prevalecente. Isso exige necessariamente um olhar mais detalhado    para a estrutura complexa dos diferentes fluxos transfronteiriços de    capitais.14
Tentando aplicar    esses elementos conceituais de uma abordagem metateórica à dinâmica    de crescimento global que está se revelando nesse momento, concluímos    que a simbiose de longa data entre o consumo excedente dos EUA e o crescimento    estimulado pelas exportações das EMEs está prestes a ter    um fim, graças ao estouro da bolha imobiliária americana e ao    colapso associado de um sistema bancário alternativo recentemente criado    com base em várias camadas de securitização. Embora ainda    seja muito cedo para falar aonde a crise nos levará, parece-nos que estamos    presenciando uma crise sistêmica. O primeiro teste de resistência    de um regime de acumulação qualitativamente novo pressionará    os policy-makers a procurarem novas soluções de regulação    e de política necessárias à estabilização    do capitalismo conduzido pelas finanças.
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1    Tradução do francês por Marcelo Freire. Revisão técnica    de Fabrício Pitombo Leite.    
2 Para uma explicação mais abrangente sobre a "economia do endividamento", ver Guttmann (1994).É preciso distinguir cuidadosamente esse conceito do seu equivalente semântico francês,"economie d'endettement" que, em reflexo à ênfase que a Europa Continental no pós-guerra deu ao"crédito administrado" rigidamente regulado, atribuindo ao estado um papel importante ao determinar a alocação e condições de crédito, enfatiza um sistema de crédito baseado em empréstimos bancários ao invés de em mercados financeiros.
3 A segunda explosão do preço do petróleo, na esteira da Revolução Islâmica do Irã, foi parte de um conjunto mais amplo de forças perturbadoras que abalaram a economia mundial em 1979; notavelmente uma aceleração acentuada no declínio do dólar, a rápida propagação das pressões inflacionárias ao redor do globo e a reviravolta espetacular na política monetária do FED, mudando a meta das taxas de juros para o controle dos agregados monetários, o que triplicou (para mais de 20%) as taxas de juros dos títulos denominados em dólares em poucas semanas.
4 As principais contribuições da Escola de Regulação Francesa a esse respeito foram Aglietta (1998), Orlean (1999), Boyer (2000), Plihon (2004), e Coriat, Petit, e Schmeder (2006).Entre os radicais americanos que enfatizam a dominação do capitalismo contemporâneo pelo capital financeiro, observar especialmente Epstein (2004) e a edição especial vindoura daReview of Radical Political Economics sobre"A financeirização do capitalismo global: análise, criticas e alternativas", prevista para o início de 2008.
5 Essa monetização ocorre independentemente da nova moeda ser criada por bancos comerciais, gastando suas reservas excedentes para comprar securities, ou pelo banco central, aumentando seu estoque de títulos do tesouro e pagando por tais aquisições através da injeção de mais reservas no sistema bancário. A compra de títulos governamentais também fornece uma injeção adicional de liquidez na economia que, desde que praticada com relativa moderação, torna a carga efetiva da dívida pública menos onerosa.
6 Consultar McConnell; Peach e Al-Hashimi (2003) para detalhes adicionais sobre os efeitos do refinanciamento e dos empréstimos sobre o saldo da valorização imobiliária aumentando o gasto dos consumidores e derrubando a taxa da poupança pessoal.
7 Em 2006, três quartos dos quase US$ 5.000 bilhões em títulos MBS em circulação foram emitidos pelos prestamistas de responsabilidade do governo Freddie Mac ou Fannie Mae, e muitos deles portavam a garantia da Ginnie Mae ou o seguro da FHA [Federal Housing Administration]. Esses tipos de MBS contavam nesse momento com um rendimento de 1,5% a 2% acima do retorno de 4,5% auferido em uma nota do tesouro americano de 5 anos, enquanto que o MBS mais arriscado, composto por subprimes e totalmente sem seguro, podia alcançar até 15% no pico de 2006.
8 Ver Simon; Haggerty e Areddy (2005) para maiores detalhes.
9 Essa questão também chegou a preocupar os economistas pós-keynesianos reunidos em torno de Wynne Godley no Levy Institute (www.levy.org), e C. Fred Bergsten no Peterson Institute for International Economics (www.iie.com). Ver também o interessante relatório do Banco Central Europeu (2007a) sobre essa questão.
10 Esse diferencial investimento-retorno, que vai evidentemente muito além das diferenças óbvias na composição dos direitos e obrigações na conta de capitais dos EUA (e.g. aquisições estrangeiras proporcionalmente maiores de títulos do tesouro de baixo rendimento, mais investimento direto estrangeiro das multinacionais americanas em outros países), tem sido objeto de muita discussão nos últimos anos. Ver, por exemplo, Bank for International Settlements (2007) ou Curcuru; Dvorak e Warnock (2007).
11 Esses pacotes são então divididos em fatias [ tranches] que representam graus variados de risco de default e diferentes classificações correspondentes, as quais, quando vendidas como títulos, também portam retornos maiores ou menores. Esses "produtos financeiros estruturados" concederam aos investidores uma grande possibilidade de escolha sobre como gerenciar suas preferências de comparação entre risco e retorno. O problema nessa crise tem sido que os investidores, uma vez atingidos pelo pânico e prevendo o pior, têm evitado todas as fatias de CDOs, mesmo as classificadas como supostamente à prova de falhas. Para mais sobre o colapso das diversas camadas de securitização, ver Guttmann (2007).
12 O "Consenso de Washington " se reporta às tendências da política de livre mercado da Casa Branca de Reagan, do Fundo Monetário Internacional, e do Banco Mundial, todos com sede em Washington, D.C. Para uma boa crítica desse viés ideológico desbalanceado exclusivamente a favor das soluções de livre mercado, ver Stiglitz (2002).
13 O assim chamado "Basiléia II ", uma revisão do Acordo de Basiléia de 1988 atualmente em implementação sob os auspícios do Bank for International Settlements (BIS), permite que os bancos ao redor do globo determinem seus próprios níveis de capitalização em função do êxito que obtêm ao calcular e gerenciar seus riscos (de crédito, de mercado, operacionais e outros).
14 Um bom esforço de reformulação da hipótese da instabilidade financeira de Minsky em um modelo de economia aberta (nesse caso, para compreender a crise das economias de mercado emergentes de 1997-99) pode ser encontrado em Wolfson (2000). Tanto Brender e Pisani (2007) quanto Aglietta e Berrebi (2007) fornecem excelentes análises dos padrões de crescimento global, o que nos move para mais perto do arcabouço metateórico que necessitamos.
2 Para uma explicação mais abrangente sobre a "economia do endividamento", ver Guttmann (1994).É preciso distinguir cuidadosamente esse conceito do seu equivalente semântico francês,"economie d'endettement" que, em reflexo à ênfase que a Europa Continental no pós-guerra deu ao"crédito administrado" rigidamente regulado, atribuindo ao estado um papel importante ao determinar a alocação e condições de crédito, enfatiza um sistema de crédito baseado em empréstimos bancários ao invés de em mercados financeiros.
3 A segunda explosão do preço do petróleo, na esteira da Revolução Islâmica do Irã, foi parte de um conjunto mais amplo de forças perturbadoras que abalaram a economia mundial em 1979; notavelmente uma aceleração acentuada no declínio do dólar, a rápida propagação das pressões inflacionárias ao redor do globo e a reviravolta espetacular na política monetária do FED, mudando a meta das taxas de juros para o controle dos agregados monetários, o que triplicou (para mais de 20%) as taxas de juros dos títulos denominados em dólares em poucas semanas.
4 As principais contribuições da Escola de Regulação Francesa a esse respeito foram Aglietta (1998), Orlean (1999), Boyer (2000), Plihon (2004), e Coriat, Petit, e Schmeder (2006).Entre os radicais americanos que enfatizam a dominação do capitalismo contemporâneo pelo capital financeiro, observar especialmente Epstein (2004) e a edição especial vindoura daReview of Radical Political Economics sobre"A financeirização do capitalismo global: análise, criticas e alternativas", prevista para o início de 2008.
5 Essa monetização ocorre independentemente da nova moeda ser criada por bancos comerciais, gastando suas reservas excedentes para comprar securities, ou pelo banco central, aumentando seu estoque de títulos do tesouro e pagando por tais aquisições através da injeção de mais reservas no sistema bancário. A compra de títulos governamentais também fornece uma injeção adicional de liquidez na economia que, desde que praticada com relativa moderação, torna a carga efetiva da dívida pública menos onerosa.
6 Consultar McConnell; Peach e Al-Hashimi (2003) para detalhes adicionais sobre os efeitos do refinanciamento e dos empréstimos sobre o saldo da valorização imobiliária aumentando o gasto dos consumidores e derrubando a taxa da poupança pessoal.
7 Em 2006, três quartos dos quase US$ 5.000 bilhões em títulos MBS em circulação foram emitidos pelos prestamistas de responsabilidade do governo Freddie Mac ou Fannie Mae, e muitos deles portavam a garantia da Ginnie Mae ou o seguro da FHA [Federal Housing Administration]. Esses tipos de MBS contavam nesse momento com um rendimento de 1,5% a 2% acima do retorno de 4,5% auferido em uma nota do tesouro americano de 5 anos, enquanto que o MBS mais arriscado, composto por subprimes e totalmente sem seguro, podia alcançar até 15% no pico de 2006.
8 Ver Simon; Haggerty e Areddy (2005) para maiores detalhes.
9 Essa questão também chegou a preocupar os economistas pós-keynesianos reunidos em torno de Wynne Godley no Levy Institute (www.levy.org), e C. Fred Bergsten no Peterson Institute for International Economics (www.iie.com). Ver também o interessante relatório do Banco Central Europeu (2007a) sobre essa questão.
10 Esse diferencial investimento-retorno, que vai evidentemente muito além das diferenças óbvias na composição dos direitos e obrigações na conta de capitais dos EUA (e.g. aquisições estrangeiras proporcionalmente maiores de títulos do tesouro de baixo rendimento, mais investimento direto estrangeiro das multinacionais americanas em outros países), tem sido objeto de muita discussão nos últimos anos. Ver, por exemplo, Bank for International Settlements (2007) ou Curcuru; Dvorak e Warnock (2007).
11 Esses pacotes são então divididos em fatias [ tranches] que representam graus variados de risco de default e diferentes classificações correspondentes, as quais, quando vendidas como títulos, também portam retornos maiores ou menores. Esses "produtos financeiros estruturados" concederam aos investidores uma grande possibilidade de escolha sobre como gerenciar suas preferências de comparação entre risco e retorno. O problema nessa crise tem sido que os investidores, uma vez atingidos pelo pânico e prevendo o pior, têm evitado todas as fatias de CDOs, mesmo as classificadas como supostamente à prova de falhas. Para mais sobre o colapso das diversas camadas de securitização, ver Guttmann (2007).
12 O "Consenso de Washington " se reporta às tendências da política de livre mercado da Casa Branca de Reagan, do Fundo Monetário Internacional, e do Banco Mundial, todos com sede em Washington, D.C. Para uma boa crítica desse viés ideológico desbalanceado exclusivamente a favor das soluções de livre mercado, ver Stiglitz (2002).
13 O assim chamado "Basiléia II ", uma revisão do Acordo de Basiléia de 1988 atualmente em implementação sob os auspícios do Bank for International Settlements (BIS), permite que os bancos ao redor do globo determinem seus próprios níveis de capitalização em função do êxito que obtêm ao calcular e gerenciar seus riscos (de crédito, de mercado, operacionais e outros).
14 Um bom esforço de reformulação da hipótese da instabilidade financeira de Minsky em um modelo de economia aberta (nesse caso, para compreender a crise das economias de mercado emergentes de 1997-99) pode ser encontrado em Wolfson (2000). Tanto Brender e Pisani (2007) quanto Aglietta e Berrebi (2007) fornecem excelentes análises dos padrões de crescimento global, o que nos move para mais perto do arcabouço metateórico que necessitamos.
Fonte; Scielo