segunda-feira, 31 de março de 2014

NÃO HA INTEMPESTIVIDADE DE RECURSO INTERPOSTO ANTES DA PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA

Turma considera válido recurso interposto antes da publicação da sentença
O que ocorreu foi que a fundação entrou com o recurso ordinário no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) em 30/7/2012, antes da publicação da sentença no Diário Oficial Eletrônico, ocorrida no dia 7/8/2012. Considerando que o recurso foi interposto extemporaneamente, o Tribunal Regional negou-lhe conhecimento.
A fundação recorreu ao TST, alegando que, na audiência de encerramento da instrução na Vara do Trabalho, realizada em 25/6/2012, as partes foram intimadas da publicação da sentença em 20/7/2012 (sexta-feira) e, portanto, o prazo recursal iniciou-se em 23/7/2012. Assim, sustentou que o recurso foi interposto dentro do prazo legal.
Segundo o relator do recurso no TST, ministro Alexandre Agra Belmonte, a questão da intempestividade do recurso interposto antes de publicada a sentença deve ser interpretada restritivamente, "aplicando-se somente nos casos de interposição de recurso em face de acórdãos proferidos pelos Tribunais Trabalhistas". Isso, em razão da informalidade da primeira instância, onde as partes podem ser intimadas das decisões por diversas formas. É o que dispõe o item I da Súmula 434 do TST.
(Mário Correia/CF)
 
FONTE: TST

CINCO NOVAS SÚMULAS DA PRIMEIRA SEÇÃO REFORÇAM TESES DE RECURSOS REPETITIVOS

Cinco novas súmulas da Primeira Seção reforçam teses de recursos repetitivos
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovou nesta quarta-feira (26) cinco novas súmulas, todas baseadas em teses firmadas em recursos representativos de controvérsia repetitiva.

Anatel

A Súmula 506 afirma que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) não é parte necessária nas ações contra operadoras que discutem contratos. Diz o texto aprovado: “A Anatel não é parte legítima nas demandas entre a concessionária e o usuário de telefonia decorrentes de relação contratual.”

A tese foi firmada no âmbito do Recurso Especial (REsp) 1.068.944, que tratou também da legitimidade da cobrança de tarifa básica de telefonia. O caso foi julgado em 2008 pela Seção.

Auxílio-acidente e aposentadoria

Na Súmula 507, a Seção esclarece que “a acumulação de auxílio-acidente com aposentadoria pressupõe que a lesão incapacitante e a aposentadoria sejam anteriores a 11/11/1997, observado o critério do artigo 23 da Lei 8.213/91 para definição do momento da lesão nos casos de doença profissional ou do trabalho”.

Esse entendimento foi consolidado pela Seção em 2012, no REsp 1.296.673. A data corresponde à edição da Medida Provisória 1.596/97-14, convertida na Lei 9.528/97. Até essa norma, o artigo 86 da Lei 8.213 permitia a cumulação dos benefícios. Depois, a aposentadoria passou a computar em seu âmbito o auxílio-acidente.
Cofins de sociedades civis
A Súmula 508 reitera que “a isenção da Cofins concedida pelo artigo 6º, II, da LC 70/91 às sociedades civis de prestação de serviços profissionais foi revogada pelo artigo 56 da Lei 9.430/96”.

Entre 2003 e 2008, o STJ manteve súmula que afirmava essa isenção. No julgamento da Ação Rescisória 3.761, em novembro de 2008, a Seção cancelou o enunciado, entendendo que o tema era de competência do Supremo Tribunal Federal (STF). Esse tribunal havia julgado o tema em repercussão geral em setembro daquele ano.

Em 2010, no REsp 826.428, a Primeira Seção alinhou-se ao entendimento do Supremo, julgando incidente a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) sobre o faturamento das sociedades civis de prestação de serviços profissionais.

ICMS de nota inidônea

O comerciante que compra mercadoria com nota fiscal que depois se descobre ter sido fraudada pela vendedora tem direito ao aproveitamento de crédito do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), desde que comprove ser real a aquisição.

É o que diz a Súmula 509, na linha do estabelecido pelo STJ no REsp 1.148.444 em 2010: “É lícito ao comerciante de boa-fé aproveitar os créditos de ICMS decorrentes de nota fiscal posteriormente declarada inidônea, quando demonstrada a veracidade da compra e venda.”

Para o STJ, o comprador de boa-fé não pode ser penalizado pela verificação posterior de inidoneidade da documentação, cuja atribuição é da Fazenda.

Transporte irregular

A Súmula 510 repete e consolida outro entendimento do STJ pacificado em repetitivo de 2010: “A liberação de veículo retido apenas por transporte irregular de passageiros não está condicionada ao pagamento de multas e despesas.”

Naquele julgamento, os ministros entenderam que a pena administrativa por transporte irregular de passageiros não inclui o pagamento prévio de multas e despesas com a apreensão do veículo.

Segundo o Código de Trânsito Brasileiro, essas medidas são cabíveis no caso de apreensão de veículo sem licenciamento. Mas não há essa previsão específica na hipótese de apreensão por transporte irregular de passageiros.

SAIU EDITAL PARA O CARGO DE JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO DO SUL

Justiça Federal do Sul abre concurso para juiz substituto

 
 O Diário Oficial da União publicou na sexta-feira (28/3) o edital de abertura do XVI Concurso Público para Provimento de Cargo de Juiz Federal Substituto da 4ª Região, jurisdição que cobre os estados do Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. As inscrições preliminares tê início às 13h do próximo dia 7 de abril e se estendem até às 18h do dia 6 maio. Atualmente, são oferecidas 16 vagas, mas este número pode aumentar durante o prazo de validade do concurso.
Para se isncrever, o candidato deve preencher o Requerimento de Inscrição Preliminar, disponível no Portal da Justiça Federal da 4ª Região, pelo link Concursos e Estágios – Juízes (www.trf4.jus.br/concursojfs). O edital e outras informações também estão disponíveis na página do concurso.
A previsão é de que a prova objetiva seletiva seja realizada no dia 20 de julho, nas três capitais da Região Sul. Nos dias 31 de outubro e 1º e 2 de novembro, os aprovados na primeira etapa deverão realizar as provas escritas (discursiva, de prática de sentença civil e de sentença penal). As datas das demais etapas do concurso serão divulgadas posteriormente.
As provas previstas no programa do concurso incluirão questões sobre Direito Constitucional, Previdenciário, Penal, Processual Penal, Econômico e de Proteção ao Consumidor, Civil, Processual Civil, Empresarial, Financeiro e Tributário, Administrativo, Ambiental e Internacional Público e Privado. Também é exigido conhecimento sobre Sociologia e Filosofia do Direito, Psicologia Jurídica, Ética e Estatuto Jurídico da Magistratura Nacional e Teoria Geral do Direito e da Política.
A taxa de inscrição é de R$ 190,00. Há reserva de 5% das vagas a candidatos com deficiência. A remuneração do cargo de juiz federal substituto é de R$ 23.997,19

"SEM LEI SOBRE TERCEIRIZAÇÃO, TST ATUARÁ COMO LEGISLADOR"

"Sem lei sobre terceirização, TST atuará como legislador"

 
O nome de Nelson Mannrich costuma ser precedido pela palavra “professor”. Nada mais preciso. O advogado, que dá aulas de Direito do Trabalho na graduação da Universidade de São Paulo e em dois cursos de mestrado, já lecionou em oito instituições. Atualmente, divide o tempo em sala de aula com a atuação no escritório Mannrich Senra Vasconcelos — com 22 advogados —, para o qual foi em 2013, depois de 13 anos como sócio em uma banca com mais de 200 profissionais.
Mannrich costuma estar do lado das empresas na mesa de audiência e os desafios que aponta para o Direito do Trabalho são muitos. No dia a dia, enfrenta temas como terceirização, contratação de pessoas com deficiência, trabalho escravo e termos de ajustamento de conduta, os TACs, além da tão criticada falta de segurança jurídica. A insegurança, diz ele, vem inclusive da falta de um Código de Processo do Trabalho.
A falta de leis também atinge a bola da vez na Justiça do Trabalho: a terceirização. Atualmente, os limites são traçados pela jurisprudência, que, em vez de defini-los, discute o que são atividades-meio e o que são atividades-fim de cada empresa que chega aos tribunais por terceirizar. A discussão é vazia, na opinião de Mannrich, pois as empresas devem ser observadas por suas especialidades — o que não pode é uma empresa se especializar em ser “intermediadora de mão de obra sem ter um objeto especifico”.
O Brasil, porém, perdeu o momento certo de aprovar uma lei sobre a terceirização, diz ao se referir ao Projeto de Lei 4.330/2004, que estava na pauta do Congresso em meados de 2013, mas saiu da mira do Legislativo. O projeto foi alvo de críticas de 19 ministros do Tribunal Superior do Trabalho, que assinaram um manifesto contrário à peça, em uma atitude que, para Mannrich, não condiz com a de quem vai julgar casos relacionados a isso.
O advogado também critica o que o Judiciário aponta como um dos remédios para a insegurança jurídica: as súmulas. Para ele, elas são úteis, mas têm sido usadas para atender a demandas populares, criando normas — o que é papel do Legislativo.
Nelson Mannrich tem 67 anos e quase 50 de profissão. Foi advogado do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC nos anos 1970, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda atuava na entidade. Agora, atende empresários em seu escritório em São Paulo, na Avenida Paulista, onde recebeu a reportagem da revista eletrônica Consultor Jurídico duas vezes, para mais de duas horas e meia de conversa.
Leia a entrevista:
ConJur — O senhor diz que assinar um Termo de Ajustamento de Conduta é pedir para fechar as portas ou para pagar uma multa dobrada. Por quê?Nelson Mannrich — Tem situações em que a empresa não deve assinar o TAC, porque vai ficar sempre pendurada, vai ter aquela vinculação permanente com o Ministério Público. Um TAC coloca a empresa em um desequilíbrio em relação ao concorrente. Se todos têm que cumprir uma norma e o descumprimento implica o pagamento de uma multa que é igual para todo mundo, a empresa que assina o TAC assume o compromisso de cumprir aquela mesma obrigação, mas sob pena de uma multa milionária. O concorrente fica em uma situação confortável. O TAC não deveria ser a reprodução do que está na lei.
ConJur — O cumprimento da lei deveria independer de um TAC, correto?
Nelson Mannrich — Isso. A empresa acaba assinando por conta disso, mas não vê que tem um diferencial: o Ministério Público vai exigir que o Ministério do Trabalho sempre verifique se a empresa cumpriu aqueles itens que foram objeto do TAC. A fiscalização vai ser bem maior nela do que nos concorrentes.
ConJur — É difícil negociar TAC com o MP?Nelson Mannrich — É muito difícil discutir os termos de um TAC para depois assinar. Normalmente o Ministério Público dá pouca abertura. Uma vez assinado o TAC, dificilmente a empresa vai se livrar dele. Uma vez dei parecer sobre se era possível rever um TAC. Era uma empresa que tinha um dificuldade de cumpri-lo e a discussão era muito interessante, envolvia terceirização. Eles haviam se comprometido a não terceirizar, mas os concorrentes de um determinado setor continuaram terceirizando, e o custo da empresa ficou inviável. Por conta disso, a discussão judicial de um TAC se justifica.
ConJur — É comum discutir o TAC na Justiça?Nelson Mannrich — Não é comum a empresa tentar mudar ou anular um TAC. O que é comum é discutir o cumprimento dele. Ou seja, o Ministério Público alega que ele não foi cumprido e a empresa tentar provar que cumpriu.
ConJur — E quando vale a pena assinar um TAC?Nelson Mannrich — As empresas às vezes assinam em um momento de muito desespero. É uma forma de tentar resolver um problema urgente, como a pressão da comunidade por conta de um problema enfrentado, mas é uma ilusão, pois vai ficar aquela dívida para sempre. É uma forma, digamos, de resolver do ponto de vista sociológico. Do ponto de vista jurídico, o Ministério Público desiste da ação trabalhista, mas praticamente ganha uma cadeira no conselho da empresa. Por exemplo, se você assinou um TAC de não mais terceirizar, então não vai terceirizar, dependendo do que está escrito, nem contador, nem advogado.
ConJur — Com anda a discussão a respeito da terceirização?Nelson Mannrich — Nós perdemos o momento histórico de regrá-la, no ano passado. Lá em Brasília, tem, seguramente, mais de dez projetos de lei sobre terceirização. Uns bons, outros mais ou menos. Esse do Sandro Mabel (4.330/2004) foi “retocado” e estava bem adiantado. Parecia que ia ser aprovado, mas, de repente, deu problema no andamento. Veio, então, aquele manifesto dos ministros do TST contra qualquer tipo de terceirização. Aquilo foi uma coisa terrível. Foi inclusive questionado em eventos públicos: como é que pode um ministro se posicionar sobre uma questão que ele vai ter que julgar amanhã? Ele tem que ser neutro.
ConJur — Estavam se posicionando contra o projeto de lei antes mesmo de ele ser aprovado...Nelson Mannrich — Quando o ministro [João Oreste] Dalazen era presidente do TST e convocou uma audiência pública sobre terceirização, o objetivo dele foi bastante interessante: ele queria que a sociedade levasse ao tribunal quais eram os fatos, as questões econômicas, as questões políticas envolvidas na terceirização. Ele queria elementos para poder entender melhor o fenômeno. Na pratica, essa audiência pública infelizmente não deu o resultado que a gente esperava. Esperávamos que o TST revisse a Súmula 331, porque o tribunal não pode dar uma de legislador e criar regra que não está na lei.
ConJur — Mas as súmulas têm sido muito usadas pelo TST, não é?Nelson Mannrich — Sim, e com o alcance de um dispositivo legal. Existe a possibilidade de interpretar por esse caminho, por aquele caminho ou por outros caminhos. Mas não pode criar uma obrigação, uma norma. E o TST tem feito isso, lamentavelmente.
ConJur — A ideia das súmulas não é interessante para dar segurança jurídica?Nelson Mannrich — É. A súmula tem a ideia de que o TST desenvolve o papel de unificar a jurisprudência, papel que ele tem feito muito bem. Mas às vezes temos uma pressão da sociedade por conta da leniência ou omissão do Legislativo e o tribunal acaba ocupando aquele espaço vazio. Às vezes acontece algo pior: na área trabalhista, a visão ideológica das relações do trabalho.
ConJur — O senhor acha que a gente perdeu o momento certo para discutir a terceirização. E agora, para onde a gente vai?Nelson Mannrich — Começar tudo de novo. Tem que começar a costurar uma nova norma. Porque essa norma era a melhor possível naquele momento, era a mais adequada.
ConJur — É melhor do que a indefinição que a gente tem hoje?Nelson Mannrich — É. Sem uma lei regulando a terceirização, o TST vai ocupar esse espaço se arvorando a legislador. Ou, pelo menos, como não tem uma lei que diga quais são as regras, as diretrizes, quais são os limites da terceirização, vai aflorar uma visão ideologia para dizer que é assim, não assado. Dizem que terceirização é uma forma de precarização, que é o retorno da era industrial. Não conseguem ver que houve uma transformação da empresa. A empresa não é mais aquela vertical, grande, que faz tudo. Não. É uma empresa horizontal — e aqui não tem espaço para aquele modelo antigo. A visão ideológica protecionista, que são princípios que deviam ser revistos à luz de questões muito mais importantes, como a questão da igualdade, a dignidade e a segurança do trabalhador, proíbe qualquer tipo de terceirização, e as empresas fecham.
ConJur — O TST julgou há pouco tempo, em 2013, que o call center não poderia ser terceirizado. Como é que isso mexeu com as empresas?Nelson Mannrich — Isso é muito importante e agora está sendo levado adiante, para ser discutido no Supremo Tribunal Federal. Eu, confesso, fiquei perplexo. Como é que pode um call center ter que ser empregado da própria empresa, se ela tem uma especialidade? Não tem nada a ver com a realidade da empresa. Eu acho uma incoerência grande. O próprio Estado terceiriza muito. Em uma reunião no Ministério Público, eu apontei para os presentes que eles terceirizavam os recepcionistas, a equipe da limpeza...
ConJur — Nesse caso há ainda as multinacionais, muitas com call center até em outros países.Nelson Mannrich — Exatamente. Em grandes empresas de aviação, a área para emissão de passagem está na China ou na Índia. Alias, tem um debate muito interessante sobre essa questão da globalização. Um autor francês chamado Antoine Jamour tem uma visão incrível, mostrando que, como nós temos os Direitos do Trabalho, uma empresa francesa não consegue impor regras para uma filial brasileira.
ConJur — A Justiça do Trabalho busca definir a atividade-fim para decidir sobre a terceirização. No caso do call Center foi dito que resolver problema do cliente era atividade-fim. É possível fazer essa definição?Nelson Mannrich — Não tem como. Nós temos que partir da ideia de especialidade. Em tese, não precisaria ter uma lei sobre terceirização. Quando você parte do conceito de empregador, que é a empresa, significa que ela tem que ter uma especialidade, ela não pode é ser uma intermediadora de mão de obra sem um objeto especifico. Ser empregador é dirigir a atividade do empregado, ter responsabilidade pelo cumprimento das obrigações trabalhistas. O conceito de empregador que exerce uma atividade resolve o problema da terceirização.
ConJur — A ideia do empregador respondendo solidariamente aos terceirizados faz sentido?Nelson Mannrich — Não tem sentido, porque quando a companhia assume uma terceirização, se a terceirizada sabe que a responsabilidade é solidária, se acomoda. A responsabilidade deve ser da terceirizada, não da tomadora. A responsabilidade da tomadora de serviço é subsidiária, porque se a terceirizada não pagar, a conta vai para a outra empresa. A companhia não pode ficar em uma posição tão confortável.
ConJur — Parece que vai ser muito difícil este ano, com Copa e eleição, discutir isso.Nelson Mannrich — Nenhum político vai querer se comprometer na sua base. Mudar a legislação trabalhista significa mexer com o privilégio de uma minoria. No fundo é isso. E falam de pleno emprego... Imagina. O tamanho do trabalho informal no Brasil é uma coisa incrível. É a terceirização a culpada? Absolutamente. Com terceirização, a empresa exige que a terceirizada registre seus empregados, recolha o fundo de garantia, pague férias, pague horas extras, e ainda provar que recolheu e pagou tudo direitinho.
ConJur — Então, a terceirização facilita a formalização?Nelson Mannrich — A formalização e o cumprimento efetivo das leis. Porque existe hoje, digamos assim, estruturas dentro da empresa, ou empresas especializadas para controlar o processo de terceirização, de exigir o cumprimento da legislação trabalhista.
ConJur — O Presidente do Sindicato dos Advogados de São Paulo fala que a contratação de advogados como associado é ilegal, porque não está prevista na lei e nem na CLT, só no regulamento do Estatuto da Advocacia. Qual a sua opinião a respeito? Tende a acabar esse tipo de contratação como associado?Nelson Mannrich — Não. Ao contrário, tem que manter e regulamentar isso. É muito interessante examinar como é que funciona em outros países. Na Itália, por exemplo, se o bacharel faz o curso até certo período, pode trabalhar internamente como empregado do escritório, e se ele continuar o curso, pode atuar externamente — e esse nunca será empregado. Tem uma lei também interessante da Espanha nesse sentido. Há situações realmente complicadas, mas, de modo geral, o associado de uma sociedade de advogados define a linha que adota, avisa quando quer sair de férias, escolhe quando vai de manhã ou de tarde, ou se nem quer ir ao escritório no dia. Existe de fato um espírito societário. Eu acho que há fraudes, há situações específicas, mas a figura do advogado é típica de um profissional liberal, que, com apoio até na própria OAB, tem instrumentos para dar uma estrutura legal para isso.
ConJur — O senhor não acha que o crescimento das bancas vai aumentar o número de advogados empregados, por exemplo? Porque as bancas estão ficando muito grandes, a gente está vendo muito escritório de massa. Faz sentido manter um advogado associado em um escritório de massa?Nelson Mannrich — Depende da situação, do tipo de atividade. Porque às vezes ele pode assumir, por exemplo, um tipo de atividade onde ele tenha autonomia para definir o que e como ele vai fazer e vai ganhar por resultado. Tem que ver cada caso concreto, mas se você colocar um advogado em uma linha de produção, como temos notícia de algumas bancas enormes, se de fato ele tiver hora pra entrar, hora pra sair e subordinação, ele é empregado. A CLT está ai para dizer isso.
ConJur — E faz sentido ter advocacia trabalhista sem ser de massa, não hoje, mas daqui uns cinco anos?Nelson Mannrich — Olha, no nosso caso especifico, não somos só advocacia trabalhista, fazemos as cinco áreas principais do Direito. Mas nós não fazemos massa aqui. Não porque eu acho que seja errado, mas porque acho que não tenho vocação para isso.
ConJur — Mas vai ter como um escritório sobreviver, daqui cinco anos, sem fazer demandas de massa, sendo que a parte trabalhista é o carro-chefe? Nelson Mannrich — Tem, porque, cada vez mais, a legislação trabalhista será sensível para as empresas. Nós estamos criando uma complexidade, uma rede tão complexa de relações trabalhistas, das mais variadas fontes, seja do Estado ou das organizações sindicais, com obrigações para as empresas de todo tipo. Então é cada vez mais difícil para o empresário manter o seu negócio sem ter um passivo. Ele tem que ter sempre a atuação preventiva do advogado trabalhista, que é aquele vai dar mais consultoria, que vai trabalhar muito em arbitragem, em negociação.
ConJur — Arbitragem no Direito do Trabalho faz sentido?Nelson Mannrich — Não. Nós temos uma cultura de que só o Estado pode resolver o conflito, que só o Estado pode criar a norma. A causa dos maiores problemas é o monopólio do Estado. Se nós tivéssemos mais negociação, teríamos menos conflito. Se nos tivéssemos mais formas de solução de conflitos, nós teríamos um custo Brasil menor.
ConJur — Essa ideia de o Estado ser o detentor das normas, acaba colocando-o como o detentor do Direito, na prática, não é? Vemos casos de o Estado impedir o trabalhador negociar, por exemplo, horário de almoço. Por que isso acontece?Nelson Mannrich — O que se coloca é que a matéria objeto de negociação é saúde, e saúde não se negocia. Eu acho uma coisa muito complicada, porque qualquer pessoa pode dizer que prefere almoçar em 20 minutos — tomar um lanche — e ir para casa mais cedo. Eu pergunto: Será verdade que a questão da hora de almoço envolve saúde do trabalhador? Não tem sentido nenhum. Nós já tivemos uma portaria que permitia ao sindicato negociar com a empresa a redução da hora do almoço. Foi um escândalo, porque o sindicato negociava com a empresa meia hora de almoço, o empregado demitido ia para a Justiça do Trabalho e a empresa era obrigada a pagar indenização para o empregado. Eu estou falando de uma visão ultrapassada de colocar como interesse da sociedade questões que não têm nada a ver. O interesse público não se confunde com os interesses da coletividade, de um determinado grupo. A saúde do trabalhador, no sentido de ele trabalhar com substância agressiva, em um ambiente que possa ser inseguro para ele, tem regras. Não tem sentido dizer que o problema da hora de almoço está na mesma dimensão de grandeza desse valores da ordem pública da sociedade.
ConJur — Que outros direitos têm sido tutelados pelo estado?Nelson Mannrich — As férias, por exemplo. A lei diz que as férias são de 30 dias e você pode negociar um terço em dinheiro. Então, eu teria 20 em descanso e 10 em dinheiro. Mas se as férias forem coletivas, você pode fracionar as férias, mas nenhum período pode ser inferior a 10 dias. Mas o juiz do Trabalho, por exemplo, pode dividir as férias dele em diversos períodos, como é no serviço público.
ConJur — A ideia do assédio moral tem bastante repercussão na imprensa. É impressionante como ele se replica, como aparece em diversos ambientes completamente diferentes. Como se explica a quantidade de casos de assédio moral no país?Nelson Mannrich — Existe uma cultura do poder dentro das empresas, e não há espaço para democracia. Isso é um problema complicado. Existe uma visão de que você trabalha para ganhar salário e tem que ficar quieto. Existe hoje um cuidado por parte das empresas, principalmente as que já sofreram ação por assédio moral. De modo particular, quando aquela ação foi movida pelo Ministério Público, porque aí ela dá uma repercussão nacional. O Ministério Público tem exercido um papel importante na mudança desse perfil da empresa, no trato com o empregado. Tem exageros, mas esse ponto é muito importante, porque as empresas hoje tem a preocupação com a cultura do respeito à dignidade do trabalhador. Nós mudamos o Direito do Trabalho da era em que se valorizava muito o princípio da proteção para uma época em que valorizamos o trabalhador pela sua dignidade e pela participação que ele tem na empresa, sua cidadania. Mas isso não é uma coisa que o Estado impõe, é uma coisa que se conquista. É educação. Evidente que assédio moral não é um problema jurídico, é um problema que envolve psicologia e outras matérias, evidentemente. Mas o Direito tem uma influencia aí.
ConJur — Faz falta um Código de Processo do Trabalho?Nelson Mannrich — Sim. O Código de Processo Civil é usado para preencher lacunas, mas cada um entende que uma coisa diferente sobre o que é lacuna. Um processo lá em Manaus é totalmente diferente do processo em João Pessoa, diferente do Rio Grande do Sul. Por exemplo, aqui [em São Paulo], se não levar testemunha, não pode adiar um julgamento. É um processo por vara. Nós temos que ter um processo único para a Justiça do Trabalho.
ConJur — Podemos prever uma reforma trabalhista em alguns anos ou parece fora de cogitação?Nelson Mannrich — Nós só introduzíamos segurança na empresa depois de um assalto. Nós esperamos uma desgraça acontecer. Tem uma estrada em Ibiúna, que cada lombada corresponde a um acidente. Eu tenho, porém, que fazer uma lombada antes de ocorrer o acidente. Nós não podemos esperar uma grande crise de desemprego no Brasil para fazer a reforma. Mas isso não interessa para o governo. A Dilma, quando abriu a conferência da CNI, falou de tudo, de aeroportos, de portos, de infraestrutura, do paraíso de pleno emprego, mas não disse uma palavra sobre a parte trabalhista.
ConJur — E está na hora de mexer na CLT?Nelson Mannrich — Precisa mexer na base da CLT, dessa visão paternalista, do Estado protetor. Significa quebrar monopólios do Estado na criação de norma e permitir uma participação do trabalhador na negociação coletiva e na solução do conflito. É preciso ter estímulos a um sistema de solução de conflitos dentro da empresa, ao dialogo interno, ao mecanismo onde o trabalhador possa resolver com seu chefe diretamente o seu conflito, e, se ele não resolver, que ele possa ir ao superior. O processo não pode ser uma possível vingança, resultado da vida de um trabalhador isolado, não ouvido, uma panela de pressão sem válvula de escape... Ele não tem com quem conversar, com quem resolver, e deixa tudo guardado para no final processar. Isso é um desafio para o governo e para o empresário também. O empresário deve abrir um espaço dentro da empresa para criar instâncias de negociação. E aí entra aí obviamente a questão sindical.
ConJur — A estrutura dos sindicatos e a estrutura de relação com os sindicatos deve ser alterada?Nelson Mannrich — O Direito do Trabalho começa pela reforma sindical. Esse é o grande desafio. Enquanto não fizer isso, nada vai mudar no Brasil. Tem que introduzir a liberdade sindical, para pensar então em negociação coletiva. Porque o sindicato que está aí... Tem muitos sindicatos bons, mas eles estão naquela velha estrutura. Quem vai ser o representante do trabalhador na solução do conflito é aquele que nós vamos entender que é o mais adequado.
ConJur — Vemos muita pressão por acordos na Justiça do Trabalho. Essa é a função da Justiça?Nelson Mannrich — O papel da Justiça é pacificação. A pacificação não depende de uma sentença. Depende de uma solução imposta, que é a sentença, ou uma solução acordada. O importante é que haja uma solução do conflito. Eu acho que 50% dos conflitos são resolvidos já na fase inicial, por acordo. Aí você percebe que nós precisaríamos rever o nosso modelo, que nós poderíamos ter uma instância aonde as questões pendentes seriam resolvidas sem necessidade de movimentar o Judiciário.
ConJur — A CLT deveria tratar diferente cada escalão de empregado?Nelson Mannrich — A minha proposta é essa. Ter uma legislação própria para altos quadros, diretores e altos executivos, em uma linha de exclusão desse protecionismo da CLT. Países europeus fazem isso. Na França tem o operário, que é o trabalhador braçal, o empregado, que é o colarinho branco, e tem o alto quadro, que são os dirigentes.
ConJur — Isso desafogaria a Justiça de alguma forma?Nelson Mannrich — Sim. E daria mais segurança jurídica para todo mundo.
ConJur — É possível reduzir o custo de um trabalhador sem reduzir direitos.Nelson Mannrich — Ninguém entende direito o que é custo trabalhista. Os economistas mesmo falam em 102% de custo, outros reduzem para 67% ou 50%. Eu tenho que definir o que vai para o Estado: isso é custo. O que vai para o empregado não é custo trabalhista. INSS sem encargo, fundo de garantia sem encargo e um terço de acréscimo no salário das férias não é custo trabalhista, é uma forma de pagar o salário dele. Nós não temos uma transparência em relação a isso ou um levantamento claro para dizer se o Brasil tem mais ou menos custo trabalhista que outros países. Como eu posso falar que temos o custo trabalhista mais alto do mundo se nós temos um dos salários mais baixos do mundo?
ConJur — Mas aí entram questões tributárias também, não é?Nelson Mannrich — Estou muito convencido de que a reforma trabalhista passa por uma reforma fiscal. O governo tentou desonerar a folha de pagamento cobrando INSS sobre faturamento em alguns segmentos em vez de vir na folha. Alguns criticam que o Estado, dizendo que só se fez isso porque é uma forma de arrecadar mais. Eu vejo que nós poderíamos resolver grande parte dessa questão do custo desonerando a folha. Por que hoje tem tanto empregado chamado PJ (pessoa jurídica) ou não registrado? Porque se eu registro o empregado, preciso pagar o dobro. Então, se eu tiver uma reforma tributária, não será pelo fato de ele ser empregado ou não que vai dar mais imposto ao Estado.
ConJur — O que o Brasil tem a enfrentar ainda para conseguir acabar com o trabalho análogo à escravidão?Nelson Mannrich — Do ponto de vista jurídico, tem que primeiro definir o que é trabalho escravo, com uma lei clara, objetiva, e não um conceito em aberto, que não define claramente as regras do jogo. Nós não sabemos exatamente o que é trabalho escravo.
ConJur — Não existe uma jurisprudência fechada sobre isso?Nelson Mannrich — Tem muita coisa, descrevendo aquela situação. Mas quais são os critérios? Tem o artigo 149 do Código Penal. Por exemplo, jornada excessiva. Aí vêm as instruções normativas do Ministério do Trabalho, que não são leis. Segundo elas, se você tiver uma empregada doméstica em casa que um dia trabalhou 15 horas, é trabalho escravo, pois é jornada excessiva. Precisamos de parâmetros objetivos, critérios.
ConJur — Já noticiamos que uma empresa foi acusada de ter trabalho escravo porque não tinha o bebedouro na altura certa. Como isso é possível?Nelson Mannrich — Um desses quatro itens do Código Penal fala de condições de saúde e segurança. Uma portaria do Ministério do Trabalho sobre as condições de saúde tem 35 normas regulamentadoras. Cada norma regulamentadora pode ter até mais de mil itens. Tem vestiário, refeitório, sinalização, rede elétrica. Se uma dessas normas é descumprida, é, em tese, trabalho escravo. Mas a realidade não é assim. A lei tem que dizer o que é trabalho escravo de verdade. Uma das penas é por usar trabalho escravo é privar da liberdade o autor do crime. Ora, eu não posso privar alguém da liberdade de uma maneira simplista. Ele tem que ser acusado da prática de um crime que a lei estabeleça de forma clara e definida para que possa se defender. A lei não pode simplesmente criar uma nuvem da qual vão extrair gotas que interessam caso a caso.
ConJur — Quanto às cotas para pessoas com deficiência, vemos diferentes decisões sobre a obrigação de contratar ou não deficientes, de acordo com a disponibilidade de alguém para o serviço específico da empresa. A jurisprudência parece bem dividida. Como o senhor enxerga a questão?Nelson Mannrich — No começo, houve uma lei bastante complicada para as empresas. Nós não tínhamos a cultura ou o devido respeito ao deficiente que ele fosse um homem produtivo. Com a lei, verificamos que de fato tem espaço, e muito espaço, para pessoas com deficiência. Foi adotada uma posição muito dura por parte dos órgãos de fiscalização, em parte do Ministério Público, e até da própria Justiça do Trabalho. Hoje nós avançamos muito. Há uma integração muito grande, mas ainda temos o problema de formação de mão de obra. Com isso esbarramos em um critério discutível: precisamos saber se a porcentagem de deficientes a serem contratados será feita a partir dos cargos que podem ser ocupados por esses funcionários ou a partir de todos os postos da empresa. Se eu não tiver pessoas com deficiência que possam, por exemplo, dirigir caminhão, coloco em risco o patrimônio da empresa, a sociedade e terceiros ao obrigar uma empresa a ter uma cota de motoristas com deficiência. Aí a discussão pega fogo. Uma vez fiz um acordo com determinada empresa que, em vez de contratar, ela se comprometeu a qualificar mão de obra para outros utilizarem. O que se pretende hoje é excluir do cálculo da cota os empregados que estão na área técnica, onde não posso colocar ninguém. Então, onde eu tenho 200 empregados, mas só posso alocar um deficiente em uma área com 100, então eu vou calcular a cota em cima de 100.
ConJur — As decisões do TST são seguidas nos tribunais regionais e nas varas?Nelson Mannrich — Normalmente são, mas há uma relutância em levar em conta o TST como uniformizador da jurisprudência.
ConJur — Qual é a função do Conselho Superior da Justiça do Trabalho e qual tem sido a aplicação dele?Nelson Mannrich — É uma revolução que ocorreu dentro do Judiciário. Eu, pessoalmente, acho que é fundamental esse papel de supervisionar o trabalho dos magistrados, mas há uma cobrança muito forte por metas. Isso cria uma pressão muito grande, que gera uma reação por parte dos juízes. Gera estresse, depressão... É muito fácil o tribunal condenar as empresas porque submeteu o trabalhador a uma meta difícil de ser atingida, quando seu próprio integrante é submetido a esse estresse.
ConJur — Existe algum incentivo para o advogado que está saindo da faculdade atuar na Justiça do Trabalho?Nelson Mannrich — Tem um mercado incrível para as pessoas que são bem preparadas. Mas precisa gostar do que faz. Quando começa meu curso na faculdade, eu sempre digo: Olha, vamos enfrentar um curso que é obrigatório para vocês, mas que não será provavelmente a escolha de vocês como profissionais. Eu estou falando para 5% da turma só. Por isso que eu vou exigir de todos o mínimo daquilo que é o básico. Advogado tem que saber tudo aquilo que é básico. Há um preconceito muito grande na área Trabalhista, com diversas explicações. Talvez porque alguns vejam um viés ideológico na área, como algo mais ligado ao empregado, ao proletariado, ao sindicato.
 
Marcos de Vasconcellos é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 30 de março de 2014

sexta-feira, 28 de março de 2014

ESSENCIALIDADE DO APARELHO CELULAR À LUZ DO ORDENAMENTO JURÍDICO, COM ÊNFASE PAR A RECENTE NOTA TÉCNICA


Substituição imediata de aparelhos com defeito.
Essencialidade do aparelho celular à luz do ordenamento jurídico, com ênfase para a recente Nota Técnica 62/CGSC/DPDC

Melquisedec José Roldão


I – Introdução

O presente estudo se presta a fazer uma análise jurídica acerca dos aspectos legais que envolvem recente Nota Técnica do Departamento de Proteção de Defesa do Consumidor (DPDC), órgão vinculado à Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça.

Trata-se da nota técnica 62/2010, de 15 de junho de 2010, a qual crava interpretação de que os aparelhos celulares são produtos essenciais, na medida em que se prestam a viabilizar o acesso ao serviço de telecomunicações SMP (Serviço Móvel Pessoal), também essencial.

De início, cumpre assentar uma premissa: não há o que se falar em legalidade ou ilegalidade da nota técnica, em si, pois este ato não tem qualquer comando normativo, na medida em que expressa apenas e tão somente o entendimento jurídico do DPDC quanto às normas do artigo 18, §1º e §3º, do CDC, diante de uma situação concreta em que um usuário adquire aparelho celular, vindo este apresentar defeito. Concretamente, este ato de per si não impõe sanção, obrigação, condenação, enfim, qualquer tipo de comando obrigatório aos interessados.

Desta forma, pensamos que passível de controle de legalidade serão possíveis futuros atos concretos que decorrerão daquela interpretação, ou seja, autuações de PROCONS e ou Ministérios Públicos, bem como ações individuais fundadas na referida tese, em face de empresas prestadoras de serviços de telecomunicações ou fabricantes.

Feitas estas considerações introdutórias, passa-se ao exame das questões de direito envolvidas em torno do tema.

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Fonte: Jus navigandi

DEMISSÃO APÓS 30 ANOS DE SERVIÇO NÃO É DISCRIMINATÓRIA

Demissão após 30 anos de serviço não é discriminatória

 
Resolução interna do banco que prevê a demissão de todos os empregados com mais de 30 anos na empresa e que tenham direito de se aposentar não é discriminatória. Assim entendeu a 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, ao dar provimento a recurso do Banco do Estado do Espírito Santo (Banestes). A instituição não deve indenizar a empregada que questionou a legalidade de sua demissão.
A bancária trabalhou como caixa do banco de setembro de 1978 a março de 2009. Nesta data, foi demitida sem justa causa por força da Resolução 696 da empresa, por ter atingido mais de 30 anos de serviço e a condição de elegibilidade à aposentadoria. Ela pediu indenização por danos morais, alegando que sua demissão sumária com base no limite temporal foi discriminatória. Segundo ela, a fixação de idade para a vigência do contrato era ilegal por violar tanto o princípio da isonomia (artigo 5º da Constituição Federal) quanto a Lei 9.029/95, que veda atos discriminatórios para manutenção no emprego por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil ou idade.
Na contestação, o banco afirmou que a empregada não sofreu discriminação e que a norma interna contemplava o exercício regular do direito potestativo do empregador de rescindir unilateralmente contratos de trabalho, nos termos do artigo 7º, inciso I, da Constituição Federal, e da Orientação Jurisprudencial 247 e da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do TST. Destacou, ainda, que a política de desligamento se relacionava ao tempo de serviço prestado, não à idade do funcionário, e se justificava em razão da necessidade de renovação do quadro de empregados.
A Vara do Trabalho de São Mateus (ES) indeferiu o pedido de indenização da bancária. Para o juízo de 1° Grau, não é discriminatória a dispensa de natureza impessoal que envolve todos os empregados, em condição idêntica. Após recurso, o Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (ES) considerou que a despedida, embora disfarçada de direito potestativo, se deu de forma discriminatória com os empregados aposentados ou em condições de se aposentar. A indenização por danos morais foi fixada em R$ 100 mil, o que levou banco a recorrer.
A 3ª Turma deu provimento ao recurso por considerar não discriminatória a dispensa de empregado com base em norma de empresa que versa sobre política de desligamento tendo como critérios o tempo de serviço e a elegibilidade para a aposentadoria. O relator, ministro Alberto Bresciani, entendeu que a decisão do TRT violou o artigo 186 do Código Civil (que prevê a indenização em caso de ato ilícito) e determinou a exclusão da condenação por danos morais. Com informações da Assessoria de Imprensa do TST.
RR – 156300-88.2009.5.17.0191
 
Revista Consultor Jurídico, 28 de março de 2014

TRÂNSITO EM JULGADO PODE OCORRER EM MOMENTOS DIFERENTES

Trânsito em julgado pode ocorrer em momentos diferentes

 
 
O trânsito em julgado pode ocorrer em momentos diferentes em decisões autônomas de um mesmo acórdão. “O trânsito em julgado se mostra passível de ocorrer em momentos separados presentes os capítulos autônomos da decisão”, afirmou o ministro Marco Aurélio, relator de um Recurso Extraordinário no Supremo Tribunal Federal.  Segundo ele, não há dúvida de que “os capítulos não impugnados podem ser acionados em termos". Entretanto, explica ele, o mesmo não ocorre em situações de Embargos Infringentes.
Seguindo essa tese, a 1ª Turma do STF, por unanimidade, deu provimento a Recurso Extraordinário interposto por uma corretora de valores a fim de que o Banco Central seja condenado a indenizá-la. Na década de 1980, a corretora investiu em papéis emitidos pelo grupo Coroa Brastel e alegou que o Banco Central foi omisso na fiscalização das empresas.
O relator lembrou entendimento do Supremo firmado na 11ª Questão de Ordem na Ação Penal 470, julgada em 13 novembro de 2013. Na ocasião, a Corte, por unanimidade, concluiu pela imediata execução dos capítulos autônomos do acórdão condenatório, declarando o respectivo trânsito em julgado, excluídos aqueles que foram objetos de embargos infringentes. O ministro Marco Aurélio comentou que tal procedimento ocorreu no campo da liberdade de ir e vir e não simplesmente na área patrimonial.
O ministro observou que o Supremo admite há muitos anos, também no processo civil, a coisa julgada progressiva, tendo em vista a recorribilidade parcial. É o que consta da Súmula 354 do STF, segundo a qual “em caso de embargos infringentes parciais, é definitiva parte da decisão embargada em que não houve divergência na votação”. “Conforme a jurisprudência, a coisa julgada reconhecida na Carta como cláusula pétrea constitui aquela coisa julgada material, que pode ocorrer de forma progressiva quando fragmentada a sentença em partes autônomas”, disse.
Pedido negado No RE, a corretora questionava acórdão do Superior Tribunal de Justiça que negou pedido de indenização. Perante o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, havia dois pedidos autônomos, um deles referente à condenação por danos emergentes e outro por lucros cessantes. O TRF-1 deferiu a solicitação quanto aos danos emergentes e negou em relação aos lucros cessantes.
Em seguida, uma ação rescisória foi proposta no TRF-1, pelo Banco Central, insistindo na cassação do pedido deferido (danos emergentes). No entanto, aquela corte considerou a decadência do pedido por ter sido feito mais de dois anos depois do trânsito em julgado. Ao recorrer desta decisão ao STJ, o Banco Central teve recurso especial provido, o que levou a interposição do Recurso Extraordinário ao Supremo pela corretora.
A autora alegava no recurso extraordinário que a matéria tratada nos autos é constitucional, portanto o Supremo seria competente para analisá-la. Também sustentava que a decisão do STJ violou a Constituição Federal (artigo 5º, inciso XXXVI) referente à coisa julgada, ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, além de contrariar a jurisprudência do Supremo.
Para o Banco Central, a natureza da matéria é infraconstitucional. O BC argumentava que o recurso deveria ser desprovido, ao fundamento de que as partes de uma decisão – tratadas como “capítulos” no julgamento do RE pela 1ª Turma – não são autônomas e que, portanto, deveria haver necessária interconexão destes.
Ao analisar o caso, o relator do processo, ministro Marco Aurélio, votou pelo provimento do recurso, e foi seguido por unanimidade pela 1ª Turma. Segundo ele, a controvérsia consistia em saber se é possível o trânsito em julgado individual das decisões autônomas e a implicação dessa cisão para a contagem do prazo decadencial da ação rescisória. O caso, conforme o relator, diz respeito a “pressupostos diversos questionados mediante recursos interpostos por partes adversas em razão de fragmentos autônomos do mesmo acórdão”. Para o ministro, essa distinção provoca reflexos no cumprimento do ato que pode ser feito de modo independente.
Após lembrar o entendimento firmado pelo Supremo na AP 470 e a Súmula 354 do STF, o ministro concluiu que “ocorrendo em datas diversas o trânsito em julgado de capítulos autônomos da sentença ou do acórdão, tem-se a viabilidade de rescisórias distintas com fundamentos próprios”. Ele entendeu que o acórdão do STJ, atacado no RE, transgrediu o artigo 5º, inciso XXXVI, da CF, em desfavor da corretora.
Segundo o relator, a ação rescisória confirma a condenação quanto a danos emergentes cujo trânsito em julgado ocorreu em 8 de fevereiro de 1994, “data que corresponde ao termo inicial do prazo decadencial, e não aquela referente à preclusão maior da última decisão – 20 de junho de 1994 – envolvido o recurso especial da recorrente e versados lucros cessantes, matéria que não é objeto da demanda rescisória”.
Portanto, para o ministro Marco Aurélio devem ser reconhecidos, sob pena de afronta à garantia constitucional, dois momentos distintos do trânsito em julgado, “sendo apenas o primeiro relevante para a formulação do presente pedido rescisório”. De acordo com o relator, a ação rescisória foi formalizada no dia 6 junho de 1996, motivo que evidencia a decadência do pedido. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.
 
Revista Consultor Jurídico, 28 de março de 2014

quinta-feira, 27 de março de 2014

DICAS PARA A PRIMEIRA ENTREVISTA COM O CLIENTE

Cliente prioriza quem reconhece seus problemas rapidamente

 
Na primeira reunião com um possível cliente que o advogado quer conquistar, os tópicos que devem tomar menos tempo é a apresentação da qualidade dos serviços do escritório e da qualificação de seus profissionais. Isso tem sua importância. Mas a prioridade do cliente é encontrar alguém que entenda seus problemas jurídicos e visualize possíveis soluções. Por isso, o advogado deve empregar pelo menos 70% do tempo da reunião identificando e discutindo os problemas que o cliente tem ou poderá ter mais dia, menos dia. E discutir soluções.
Essa é a recomendação que o consultor de marketing para escritórios de advocacia e escritor Trey Ryder. Muitas vezes, é preciso recorrer a esforços de marketing, a estratégias e táticas para se chegar a essa primeira reunião. Portanto, a oportunidade deve ser bem aproveitada. Para que a reunião seja eficaz em seu propósito de conquista de um novo cliente, o consultor tem mais uma série de recomendações:
1. Garanta ao cliente sua inteira atenção. Isso significa impedir interrupções, de qualquer espécie. Esse é o momento em que cliente vai julgar sua capacidade de dar atenção a ele e a seus casos jurídicos.
2. Estabeleça empatia com o cliente. Tente sentir seu estado de espírito e faça com que se sinta bem. Isso reduz a resistência natural do cliente, quando lida com alguém ainda um tanto desconhecido, e cria um vínculo emocional, do tipo que aproxima as pessoas. Uma maneira de fazer isso é levar o cliente a falar um pouco sobre ele mesmo.
3. Coloque-se no lugar do cliente. A melhor maneira de entender o que o cliente sente é se imaginar “em seus sapatos”. Se conseguir fazer isso, poderá fazer uma apresentação dos serviços do escritório sob o ponto de vista do cliente — o que será muito mais eficaz.
4. Identifique o resultado que o cliente espera obter. Pode ser uma boa técnica simplesmente perguntar a ele que problemas jurídicos ele percebe que tem ou pode ter. E, então, fazer perguntas para determinar que tipo de serviço específico ele pensa que necessita. Saiba claramente o que ele acha mais importante. Siga esse roteiro para apresentar suas próprias ideias. E não fale de “bugalhos”, enquanto a mente do cliente estiver concentrada em “alhos”.
5. Explique bem ao cliente a “seriedade” de seu problema. Quanto melhor o cliente entender a “gravidade” de seu problema e desvendar os mistérios da situação, maior a probabilidade de ele pedir sua ajudar para resolvê-los. Mostre documentos, se possível. Mencione casos. Explique devagar e com clareza. E tente descobrir se ele realmente entendeu. Muitas vezes, o cliente faz de conta que entendeu e isso não é bom. Mas, neste ponto, não ofereça soluções Primeiro ele tem de entender o caso.
6. Antecipe perguntas que o cliente poderá fazer, por sua experiência, antes que ele as faça. Se o cliente for a única parte que faz perguntas e levanta dúvidas, a conversação pode parecer uma discussão entre adversários. Ao responder uma pergunta, pergunte ao cliente se ele entendeu ou se concorda. Assim, ele não voltará a repetir a pergunta.
7. Certifique-se de que o cliente entendeu claramente suas explicações. Fique atento para indícios de que algum ponto não ficou claro para ele. Lembre-se de que clientes não “compram” o que eles não entendem.
8. Pergunte ao cliente se ainda há alguma dúvida ou pergunta. Reconheça que cada pergunta é uma “boa pergunta” ou uma “preocupação válida”. Mesmo que pareçam uma objeção, interprete-as como uma pergunta normal — e não uma objeção. Provavelmente, ele não entendeu bem alguma coisa ou quer mais informações. O cliente quer ter certeza de que vai contratar o advogado certo.
9. Ofereça soluções específicas para problemas específicos. Discuta prós e contras de cada uma. Se houver apenas uma solução, você coloca o cliente em uma posição de responder apenas “sim” ou “não”. Se você lhe apresentar três opções positivas, a tarefa dele será escolher uma delas — e o “não” não é uma opção.
10. Ao oferecer soluções, faça-o do ponto de vista do cliente. Ele ficará mais receptivo à sua orientação, se ela for apresentada da perspectiva dele. Por exemplo, em vez de dizer “isso é o que você deve fazer”, diga “se eu fosse você, eu faria o seguinte” e, então, explique a razão.
11. Enumere os riscos e benefícios envolvidos no caso. Aponte os riscos de permitir que o problema continue sem solução. E os benefícios de resolvê-lo já e qual será o ganho.
12. Finalmente, apresente as razões porque ele deve contratar seu escritório. Explique como seu conhecimento, suas qualificações, experiência e capacidade de julgamento podem fazer com que os resultados esperados pelo cliente sejam conseguidos. Fale sobre casos semelhantes que chegaram a um bom desfecho. Mostre-lhe cópias de notícias ou artigos publicados em sites e jornais.
13. Forneça ao possível cliente razões lógicas e emocionais para contratá-lo. Muitas vezes, clientes contratam seus serviços por razões emocionais: o cliente “sente” que gosta de você, que confia em você e que você está realmente disposto a ajudá-lo. Mais tarde, ele usa a lógica para defender sua decisão para sócios, colegas de trabalho, amigos e familiares. Ou seja, muitas vezes, clientes tomam decisões emocionalmente e as explicam intelectualmente. Forneça-lhe munição para as duas empreitadas.
14. Diga ao cliente que realmente quer ajudá-lo. Use o plural: “nós”, “vamos” etc., para criar um espírito de trabalho de equipe, frente a uma empreitada conjunta.
15. Discuta seus honorários com naturalidade. Isto é, sem receio de que o cliente poderá considerá-los tão altos, se esse não é o caso. Os americanos, segundo o autor, gostam de citar o valor do serviço, normalmente bem mais alto do que ele realmente vai propor. Ou, de uma outra forma, explicar o que o cliente irá, no final das contas, economizar com a contratação de seus serviços.
16. Deixe o cliente tomar sua própria decisão sobre a contratação, sem pressões. Qualquer pressão gera resistência. Deixe claro para o cliente que a decisão é dele e se prontifique a responder qualquer pergunta ou a dar qualquer esclarecimento que quiser. Se for preciso relembrá-lo, faça-o de uma maneira que não pareça uma pressão – como a de informá-lo de que está pronto para ajudá-lo, assim que ele achar que é o momento certo. Ou de que um caso semelhante for resolvido favoravelmente por um tribunal.
17. Dê prosseguimento com uma carta (ou e-mail). Se o cliente o contratou, agradeça e relate alguma providência em curso. Se não o contratou, agradeça pela reunião e manifeste sua prontidão para cuidar de seus problemas a qualquer tempo.
 
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 27 de março de 2014

JUSTIÇA ENTRE EXEGETISMO E DECISIONISMO: O QUE FAZER?

Justiça entre exegetismo e decisionismo: o que fazer?

 
O título da coluna é bem provocativo. Mas tem absolutamente sentido. A falta de controles sobre as decisões judiciais e o invencível estado de barbárie interpretativo (no sentido hobbesiano do termo) que subjaz às práticas cotidianas justifica falar em “ativismo ou decisionismo a la Conselheiro Acácio” (cuja máxima era: as consequências vem sempre depois!) e um certo “exegetismo Jeca Tatu” (quem não lembra do personagem de Monteiro Lobato, que representava o atraso e o subdesenvolvimento?).
Os leitores sabem de minhas críticas ao ativismo e coisas desse gênero. Fruto de uma sociedade patrimonialista e de uma burocracia de perfil extrativista (é só ver o imbróglio da compra de uma refinaria em Pasadena, em que, ao que parece, sequer se teve a pachorra de ler uma cláusula no contrato, que qualquer néscio que tenha estudado direito na faculdade do Balão Mágico sabe),[1] parece que o discurso da autoridade em terrae brasilis desnecessita de justificação. “Faço porque faço”. “Eu não preciso lhe convencer”. E isso parece que se aprende na faculdade e até na pós-graduação. Estamos lascados.
No fundo, temos não só uma democracia delegativa, de cariz hobbesianista, como já denunciara há anos Guillermo O’Donnel, como temos também uma burocracia (incluindo judiciário e todo o sistema de justiça) delegativa. Ou seja, aquilo que é “delegativo” torna despicienda a accountability (prestação de contas). Por isso, O’Donnel preferia uma “democracia lockiana” (de Locke), que respeita o que se chama de “representatividade”. Em face da divisão de Poderes, isso se aplica a todas as esferas da administração.
O decisionismo e o ativismo tem direta relação com nossa maldita herança patrimonialista. Há uma dissertação de mestrado na Unisinos, de Danilo Pereira Lima, orientada por mim, que bem demonstra isso. Tem a ver com nossos “estamentos”. E e a delegação-para-que-um-decida-por-nós. E, o pior: o “um” (ou a uma, para não ser multado pela turma do politicamente correto) acredita que é o/a plenipotenciário/a. Por isso autores como Habermas fogem do solipsismo e optam por uma estrutura. E outros como Dworkin tem ojeriza ao discricionarismo. Assim como os hermeneutas. 
Dito isso, vejamos dois exemplosVou relatar dois casos que representam simbolicamente as duas faces (ou duas delas) da justiça brasileira. Nas duas é possível perceber o varejo de um grande atacado. Nos dois exemplos encontramos as camadas encobridoras do direito que acumulam resíduos desde os tempos em que se fazia eleição a bico de pena em Pindorama. De um tempo de baixíssima accountability.
Caso um: o advogado que deveria recolher as custas no domingo.No Paraná um causídico perdeu uma ação nos juizados[2] e ingressou com um recurso, interposto tempestivamente em 14 de março de 2014, uma sexta-feira, precisamente às 18h20min10seg (como é maravilhoso o processo eletrônico! Tem até os segundos!). Como se sabe, por força do artigo 42, parágrafo 1º da Lei 9.099, interposto recurso em face de sentença proferida, que no caso é para o próprio Juizado, o preparo deverá ser realizado nas 48 horas seguintes, sob pena de deserção. Pois o juiz considerou-o deserto, porque o prazo final para o preparo se daria em 16 de março de 2014 (às 18h20min10seg) e o causídico somente fez o preparo no dia 17. Só que 16 era... um domingo. Bingo.
Pouco importou para Sua Excelência o “detalhe” domingueiro. “Desertou” o recurso, claro! Cumprir a lei ao “pé da letra” como se letra tivesse pé. Cumpriu com um exegetismo Jeca Tatu (raquítico), porque não quis cumprir outro dispositivo que também-pode-ser-lido-ao-pé-da-letra, o artigo 132, parágrafo 1º do CC, que determina o seguinte: “Salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-se os prazos, excluído o dia do começo, e incluído o do vencimento”. Também o parágrafo 1º: “Se o dia do vencimento cair em feriado, considerar-se-á prorrogado o prazo até o seguinte dia útil”. Do mesmo modo, não importou que o artigo 175 do mesmo CC determina que para efeito forense, os domingos são feriados! E a Bíblia (católica), que fala em guardar domingos e festas.[3] Amém, irmão pecador! Isso além do artigo 184, parágrafo 1º do Código Civil.
Veja-se como o mais primário formalismo foi utilizado pelo juiz, talvez para “firmar sua posição pessoal” ou sei lá o que. Fez uma leitura “literal”, sem Constituição, sem teoria do direito, sem mais nada. O grande problema é que o mesmo juiz, em outros casos, não se mostra tão exegeta. Ou seja, não é porque teoricamente tenha feito uma opção metodológica pelo mais simplista positivismo do século XIX. Não. Longe disso. É porque, naquele caso, uma exegese “tipo Jeca Tatu” resolvia a parada. Pior: misturando dois paradigmas — para atender ao solipsismo, usou o mito do dado.
Assim, comportou-se como o personagem Ângelo da peça Medida por Medida, de Shakespeare, que disse que condenava Cláudio à morte porque ele, Ângelo, era apenas um “escravo da lei”. A interpretação do juiz paranaense foi “literal a fórceps”. Sim, porque nem um exegeta do século XIX faria uma leitura desse jaez. Por certo, buscaria consolidar uma interpretação a partir de outros casos similares...Ou só cumprir a lei! Bingão!
Caso dois: o FGTS e o saque para pagar pensão alimentíciaO artigo 20 da Lei 8.036 enumera as hipóteses de movimentação da conta do trabalhador vinculada ao FGTS. Lá há várias hipóteses, mas nenhuma delas contempla a possibilidade de saque para pagamento de pensão alimentícia.
Mesmo assim, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais[4] foi favorável a pedido de utilização do FGTS para tal fim, sob o fundamento de que o rol da lei seria apenas exemplificativo, reestabelecendo uma sentença de Santa Catarina. De forma “criativa”, um juiz federal mencionou a possibilidade da utilização do FGTS em situações não previstas em lei. O STJ — embora em um caso bem diferente — já havia aberto o caminho para isso, simplesmente “legislando” uma hipótese a mais das constantes no artigo 20.
Explicando: para o juiz — no que foi respaldado pela Turma Nacional —, em razão da aplicação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana (sempre esses dois princípios que servem até para proibir — ou permitir — a caça aos patos), o saque do FGTS para pagamento de pensão alimentícia seria franqueado pelo ordenamento, mesmo que não constando do rol legal. Fez isso alegando coadunar com entendimento do STJ, que já haveria realizado semelhante exercício, de ultrapassar hipóteses legais de liberação do FGTS, dizendo também que a pensão alimentícia seria viabilizadora do direito à vida.
Não importa, no caso, se a decisão foi “justa” ou se, efetivamente, o legislador “falhou” em não incluir os inadimplentes de pensão alimentícia como possíveis sacadores do FGTS. Também não importa que o governo tenha já autorizado utilizar o FGTS para comprar ações da Petrobrás (agora em baixa). Importa mostrar, sim, por princípio, que não é o Judiciário que deve tratar dessa matéria. É preciso que isso fique claro na República.
Por certo há sobejadas razões para que o legislador não tenha elencado essa hipótese de saque do FGTS. Ele não serve para socorrer problemas decorrentes de pensão alimentícia não paga. A questão que se coloca é: posso, amanhã, pedir para sacar meu FGTS se não tiver dinheiro para pagar a pensão que devo? Toda a malta endividada pode? Ou a decisão só vale para aquele caso? Por exemplo: uso o dinheiro do pagamento da pensão e torro em ingressos para a Copa e depois peço para usar o FGTS? Esse é o busílis de uma decisão. Qual é o caráter de generalização abrangente do decisum? Qual é o princípio que se retira da decisão da Turma? Qual é o limite dessa atitude ativista? Podemos, por exemplo, incluir mais uma hipótese do tipo “sacar o FGTS para comprar ingressos para a Copa com base no princípio da felicidade e da realização do lazer”? Sim, porque se cabe para pagar pensão...
E mesmo que se diga que o governo gere mal o FGTS e o utiliza de forma equivocada, o Judiciário só pode corrigir um tipo de má gestão em hipóteses restritas e que digam com a legislação em vigor. Neste caso, somente a partir do uso da jurisdição constitucional é que poderia o Judiciário intervir. Mas, com certeza, não para criar uma nova hipótese de uso do FGTS. Não me parece que a não inclusão pelo legislador da hipótese do uso do FGTS para pagamento de pensão alimentícia se constitua em uma omissão inconstitucional...
O que houve, portanto, foi uma nítida substituição do legislador. Dizendo ainda de outro modo, para evitar mal entendidos e comentários apressados: não se trata de fazer como o juiz do Paraná e fazer uma interpretação ao “pé-da-letra” do dispositivo legal que fala das hipóteses de movimentação do FGTS. Parece óbvio isso. Há casos, por exemplo, em que situações de omissões se resolvem com interpretação conforme a Constituição (verfassungskonforme Auslegung). Algo como “esse dispositivo somente será constitucional se entendido no sentido de...”. Ora, não me parece que poderíamos fazer isso no caso do uso do FGTS.
Enfim, se havia algum modo de resolver o caso concreto, antes disso o Judiciário deveria perguntar se a decisão poderia ser estendida para os demais patuleus. Neste caso, entre liberdade e igualdade, teríamos que ficar com a igualdade, ou seja, porque transferir recursos do restante da malta para resolver o problema de um caso (um inadimplente de pensão alimentícia, por mais dramática que pudesse ser a situação do vivente)? De todo modo, remeto o leitor para as seis hipóteses em que o judiciário pode deixar de aplicar uma lei (cf. Verdade e Consenso, capítulo final – Saraiva, 2011, 4ª. Edição).
Numa palavraPeço desculpas por insistir nesse assunto “ativismo-decisionismo-falta-de-democracia”. Tenho sido um chato. Mas, o que fazer? Alguém tem que dizer essas coisas. Dizer que o rei está nu. Dizer, mais uma vez, que decisão não é escolha subjetiva. Bater pé e dizer que não é! Decisão é um ato de responsabilidade política. Meus direitos não podem depender de escolhas subjetivas, pessoais, voluntaristas, políticas... Por melhor que seja o juiz. Por mais bondoso que seja. Mas, bondoso para quem?
Juiz é o garante da democracia e não o que a fragiliza. Deve julgar por princípios e não por políticas. Simples assim. Judiciário não governa o país (por mais que ele possa considerar equivocada a gestão do FGTS). Cada coisa no seu lugar, como diria Voltaire, falando do personagem Pangloss (e compreendamos as suas desventuras): “reparem que o nariz foi feito para sustentar óculos. Por isso usamos óculos. As pernas foram visivelmente instituídas para vestirem calças; por isso usamos calças. As pedras foram feitas para serem talhadas...”.
Judiciário não se substitui aos juízos políticos, éticos, morais do legislador e do governante. Estes não são dele. Claro que — e isso já expliquei à saciedade — juiz não é alface. Não é neutro. Não vou repetir o que tanto já disse acerca do que seja a applicatio de uma lei. Mas ele não substitui o governo ou o parlamento. Deixemos que a malta vote. Se vota mal, pelo menos pode-se substituir o incompetente de quatro em quatro anos (no caso do senador, de oito em oito). Mas não esqueçamos que um juiz ativista, além disso, é vitalício (atenção: tanto é ativista o que se coloca na ponta de uma exegese rasa, negando direitos como no caso do exemplo um, como o juiz ou Turma do exemplo dois). É impossível substituir juízes (e promotores) pelo voto. Peço que compreendam bem essa observação que faço — e a faço de forma absolutamente lhana e respeitosa. Pensando na democracia.
É espantoso o modo como a interpretação do Direito se transformou em um conjunto de posturas e teses utilizadas ad hoc. É possível ver um tribunal ou um órgão fracionário lançar mão de uma “metodologia exegético-subsuntiva” (na verdade, quase sempre uma vulgata) ao mesmo tempo em que ignoram totalmente os limites semânticos de um texto jurídico.[5] Por vezes, em um mesmo julgamento. Assim, em um determinado momento, escravo da lei (e com leituras rasas que passam longe de, porque não, desejadas sinonímias); em um segundo momento, o “proprietário dos sentidos da lei”, tal como acontece com a peça de Shakespeare, na parte em que Ângelo faz a proposta para que Isabela passe uma noite com ele em troca da liberdade de Cláudio. Mixagens... Nada mais do que isso.
Basta ver o ensino jurídico ministrado nas faculdades de Direito, assim como os cursinhos de preparação para concursos públicos. A produção de apostilas, manuais e compêndios recheados de raciocínios pequeno-gnosiológicos é o sustentáculo dessa reprodução standard (sem ar condicionado e direção elétrica e sem bancos de couro) do Direito. Para esse tipo de produção literária (e em sala de aula), o Direito não passa de uma mera racionalidade instrumental. Na verdade, para essa gente o Direito é uma mera técnica, que pode ser manipulada ao bel prazer do utente. Eis o ovo da serpente, agravado por setores da pós-graduação, onde continua-se a ensinar “a ponderação” (essa famosa Katchanga Real que serve para tudo...e para nada), “regras é no tudo ou nada e princípios e na ponderação” (argh)[6], “a vontade das partes como argumentos meta-jurídicos”, “que Kelsen é um representante da Escola da Exegese”, “que a discricionariedade é uma fatalidade”, etc. A filosofia olha para o direito e pergunta: em que século está essa gente? O Nobel é nosso. Vamos para Estocolmo.
Sigo, para perguntar: tem jeito ainda a justiça de terrae brasilis? Ou, irremediavelmente, está entregue ao leviatã hermenêutico, a partir de uma delegação sem accountabillity e sem constrangimentos epistemológicos? Cartas para a coluna. Faço — sei que de forma antipática — a minha parte.
E repito o que disse na coluna passada, a partir de T S Eliot: em terra de fugitivos, andar na contramão é dar a impressão que está fugindo... Pois não me importo que pensem que estou fugindo. Virou moda no Brasil dizer que “decisão é um ato de vontade”, “direito é o que os tribunais dizem que é”, “decidir é um ato solitário”, como disse, orgulhosamente, um jovem juiz federal, primeiro lugar de sua turma, no discurso de posse. Pensei: eis o próprio Selbstsüchtiger (o sujeito solipsista, o que se basta, o que não precisa fazer accountability).
Entre Ângelos e Azdaks e fazendo um círculo de giz caucasiano[7] no solo de terrae brasilis, lembro do que Voltaire mencionou em O Ingênuo e que encaixa como uma luva no que aqui foi dito:
“Mandaram chamar um médico da vizinhança. Era um desses que visitam os doentes correndo, que confundem a doença que acabaram de ver com a que estão examinando, que exercem uma cega rotina em uma ciência à qual nem toda a maturidade de um espírito são e prudente poderá tirar seus perigos e incertezas. Agravou o mal com uma precipitação em prescrever um remédio em moda da época. Há modas até na medicina! Essa mania era bastante comum em Paris. [...] Mandaram chamar outro médico. Este, em lugar de ajudar a natureza e deixá-la agir em uma jovem criatura cujos órgãos a induziam para a vida, só se preocupou em contrariar o seu colega. Em dois dias a doença tornou-se fatal.”
Como nos dois exemplos que apresentei: no primeiro caso (Juizados do Paraná), morreu o direito do utente; no segundo (caso do FGTS), o paciente pode até não ter morrido, mas saiu todo arranhado.

[1] Devem ter sido juristas e técnicos (conselheiros lato sensu) que estudaram na Faculdade do Balão Mágico (ou do Reco Reco, Bolão e Azeitona) os experts que deram parecer favorável à compra da Refinaria de Passaperna (em-brasileiro) comprada pela Petrobrasilis. Sim, porque isso não é obra de um conselheiro só. É uma operação que, se-não-for-desonesta, precisa de muita expertise. Foi um recorde histórico. Até a famosa compra da tal refinaria, consta que o pior negócio da história da humanidade tinha ocorrido 3.500 A.C, quando a empresa Primitivobrás (que explorava óleo de bisão) trocou um bisão bem gordinho por uma galinha de angola, com base em um parecer exarado por um conselheiro da estatal do reino. Devido ao sucesso do negócio, o tal conselheiro foi elogiado e promovido, tendo atuado durante os 8 anos seguidos no ramo da compra e venda de bisões, que, por alguma razão, achava que valiam menos que galinhas de angola. Em antanho e agora, a dúvida é: incompetência ou corrupção? Por exemplo, qual é a razão de o conselheiro do reino trocar o bisão por uma galinha de angola, se o bisão vale 1000 vezes mais do que a galinha? Hein?
[2] Processo 0001302.18.2012.8.16.0036.
[3] Placa levantada pelo estagiário: sarcasmo!
[4] Proc. 5000194-75.2011.4.04.7211 não disponibilizado.
[5] Sobre o que são limites semânticos nesta quadra da história, ver meu Hermenêutica Jurídica e(m) crise e O que é Isto – decido Conforme Minha Consciência. Mais recentemente, meu novo Lições de Crítica Hermenêutica do Direito (Livraria do Advogado, 2014).
[6] Argh é uma onomatopeia.
[7] Peça de Bertolt Brecht.
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.
Revista Consultor Jurídico, 27 de março de 2014

MARCO CIVIL DA INTERNET É UM VERDADEIRO NONSENSE

Marco Civil da Internet é um verdadeiro nonsense

 
Como o próprio nome já esclarece o Marco Civil da Internet possui precipuamente uma única finalidade: ser o ground zero da internet do Brasil.
Busca-se com esta pedra fundamental da internet normatizar, de modo geral, não apenas a utilização da própria internet em solo brasileiro, como também as situações reflexas à utilização desta. Portanto, sem qualquer dúvida, trata-se de valioso instrumento normativo que, aliás, há muito já vem fazendo falta em solo brasileiro.
Contudo, não obstante a valiosa iniciativa, não podemos deixar de externar nossa crítica ao substitutivo projeto de Lei 2.126/11, aprovado pela Câmara em 25 de março de 2014 e remetido ao Senado, notadamente em relação aos artigos 11 e 13, com a nova redação dada pela Câmara.
Isto porque, os dois dispositivos legais, à luz da atual dinâmica da tecnologia da informação, não possuirão qualquer eficácia no mundo fenomênico; não serão hábeis a coibir a prática de delitos praticados por meio ou contra sistemas informáticos. Vejamos:
Como já cediço, o ordenamento de ritos procedimentais em matéria penal não obriga o titular da ação penal, seja ela pública ou privada, à existência prévia do inquérito policial para poder embasar a peça acusatória inicial.
O legislador, em síntese, entendeu que bastam indícios de autoria e materialidade do crime para que se possibilite a instauração de uma ação penal. No entanto, como se verifica do cotidiano forense o inquérito policial é um valioso instrumento para se elucidar uma prática delitiva.
Contudo, é inegável que a investigação policial não é um procedimento célere o suficiente a atender as exigências investigativas de muitos crimes, como, por exemplo, os crimes eletrônicos.
Muito embora o Código de Processo Penal, em seu artigo 10, estabeleça que o inquérito policial possui prazo de duração de “(...) 10 (dez) dias se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente (...) ou “(...) 30 (trinta) dias, quando estiver solto (...)” prorrogáveis a critério do Magistrado, é certo que a praxis forense nos mostra que a duração média de uma investigação é de pelo menos 214 dias [1].
Trata-se, inequivocamente, de número bastante alto levando-se em consideração outro país, como os Estado Unidos da América que, por meio do Federal Speed Trial Act, propicia que determinados crimes sejam investigados, processados e julgados em no máximo 100 dias.
Pois bem. Esta ponderação parece mais do que óbvia e, portanto, o leitor deve estar se questionando o porquê de tantas palavras a respeito.
Acontece, pesa dizer, que não nos parece que esta obviedade atingiu a mente do legislador quando da redação dos artigos 11 e 13 (com a nova redação dada pela Câmara dos Deputados) do substitutivo ao projeto de Lei n. 2.126/11. Vejamos:
É que, determinará a lei — caso venha ser aprovada nestes termos — que o provedor de acesso à internet (administrador do sistema autônomo[2] ) registre e mantenha a guarda, sob sigilo, de todas as conexões que os endereços de IP que por ele passarem para acessar a internet, bem como que sites como o Google, guardem os históricos de navegação de seus usuários.
Pretende o legislador, assim, preservar os dados que correspondem aos registros de conexão e acesso a sites, informações indispensáveis à investigação, haja vista permitir identificar o computador por meio do Internet Protocol e, logo, o autor de um delito.
Trata-se de meio cujo fim é garantir a preservação de prova hodiernamente indispensável para a apuração e.g. de crimes que cada vez mais são praticados se não contra sistemas informáticos, o são cometidos por meio destes.
Contudo, se questiona: será que do modo como os citados artigos se encontram redigidos, a finalidade será alcançada? Será que se transportarmos a teoria colocada na lei à realidade prática brasileira, esta possuirá efetividade?
A nós, concessa venia, parece que não. E, para assim se concluir, não se mostra necessário muito esforço. Diga-se isso pois, como aqui já mencionado, as investigações de crimes no Brasil não é tarefa das mais fáceis e rápidas de se executar.
De fato, segundo estudo realizado pelo Juiz Federal Vilian Bollmann [3], entre a data da ocorrência de um crime e aquela em que o inquérito policial é instaurado decorrem, em média, nada menos do que 452 (quatrocentos e cinquenta e dois) dias.
Isto é, na média, a Autoridade Policial somente toma conhecimento dos fatos, ou inicia, formalmente a investigação dos fatos, decorridos praticamente 1 ano e 3 meses desde a sua ocorrência.
Significa dizer, assim, que apenas após este imenso prazo é que se poderá cogitar a realização de diligências no sentido de buscar identificar o autor de um crime, vez que neste número não está computado o prazo de duração do próprio inquérito policial que, como aqui citado, gastam outros 214 dias, em média.
Eis, pois, o motivo pelo qual, à luz do quanto dos prazos de guarda dos dados estipulado nos artigos 11 (um ano) e 13 (seis meses) do substitutivo ao projeto de lei 2.126/11, a eficácia da norma e, consequentemente, a própria punibilidade dos autores de crimes que se valem da internet para o seu cometimento estão colocadas em xeque.
Ora, se a instauração de uma investigação demanda mais de 1 ano para ser formalizada, parece mais do que óbvio que obrigar os provedores de internet a guardarem os registros de conexão pelo prazo de 1 ano ou 6 meses, no caso dos sites como o Google é o que basta para que as provas destes crimes se percam.
Como bem assenta o Professor Coriolano Aurélio de Almeida Camargo Santos, Presidente da Comissão de Direito Eletrônico e Crimes de Alta Tecnologia da Seccional Paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, “(...) As provas dos crimes cibernéticos possuem um alto grau de volatilidade, ou seja, quando se está analisando um sítio que está no ar, operando na rede mundial de computadores, estes de uma hora para outra se “apagam” (...)”[4].
Resta mais do que claro que, a persistir a estipulação de prazos tão ínfimos para se guardar registros de conexão e acessos a determinados sites, muitos dos delitos praticados contra ou por meio da internet não serão passíveis da devida investigação pelo só fato de que a prova que vista rastrear e identificar seus autores não existirá mais.
Não se nega que o próprio projeto de lei, ora na berlinda, tenta estabelecer meios que possam evitar esse perecimento da prova eletrônica, em especial ao estabelecer nos parágrafos do artigo 11 e 13 a possibilidade de se realizar uma guarda cautelar.
Porém, a nós parece que esta previsão ainda é deveras tímida, haja vista que, como aqui já se demonstrou, o momento de maior risco de perecimento desta prova não é após as autoridades policiais já terem tomado conhecimento do feito, instaurando-se o competente inquérito policial.
O grande problema, e daí a necessidade de se estender este prazo legal, reside no fato de que, no Brasil, o lapso temporal entre a ocorrência de um fato criminoso e a instauração da investigação correlata demora-se mais de um ano.
Em melhores palavras, ainda que a lei preveja a possibilidade de guarda cautelar desta prova, na prática, quando a Autoridade Policial viesse buscá-la, esta certamente seria inócua, posto que a prova pretendida não mais existirá nos sistemas informatizados dos provedores de conexão à internet. Mutatis mutandis, a subsistir este irrisório prazo, a própria Lei estaria afiançando que muitos — para não dizer a maioria — daqueles que praticam crimes contra ou por meio de computador conectados à internet, estariam “imunes” de qualquer ação punitiva do Estado no prazo máximo de 1 ano.
Isto mesmo, porque se transcorrido este prazo, sem que o Estado-Acusador tenha tido ciência da sua ocorrência e consequentemente tenha, por exemplo, determinado aos provedores de conexão de internet a guarda dos registros de conexão, a prova de que ocorreu e.g. um acesso indevido a um banco de dados da Administração Pública, crime previsto no artigo 325, parágrafo 1, I do Código Penal, já terá se perdido.
E, com isso, não será viável estabelecer um nexo de causalidade entre o acesso indevido e o agente criminoso, pelo só fato de que não se terá como saber qual foi o computador que acessou este banco de dados e, por conseguinte, não se poderá buscar sua localidade ou e principalmente, o seu usuário.
Em resumo, diante da ausência desta prova, não se conseguirá obter sequer o indício de autoria, indispensável para se iniciar uma persecutio criminis, quiçá prova concreta para ensejar uma condenação.
Afinal, embora o Direito Penal garanta ao Estado-Acusação prazo sempre pautado pela gravidade do delito (a prescrição), o Marco Civil — se aprovado nos termos atuais — acaba por restringir a apuração de uma prática delitiva em seu nascedouro, salvo se o crime já tiver sido descoberto e medidas cautelares já tiverem sido tomadas a fim de preservar a prova.
Afinal, de que adianta possuir 20 anos para investigar, processar e punir, se a rainha das provas, ou senão a única, muitas das vezes já pereceu? De que adianta garantir ao Estado anos para executar a sua pretensão punitiva se este, na prática, não dispõe de meios sequer para formular uma acusação?
Ao menos para nós, parece que ambas as perguntas só possuem uma única resposta: NADA, não adianta nada.
E eis o porquê de se registrar a ausência de razoabilidade entre os prazos dos artigo 11 e 13 (este último com a nova redação dada pela Câmara) ante aos prazos que o Estado possui para processar — leia-se investigar, processar e julgar — uma pessoa.
Aliás, esta ausência de razoabilidade torna-se mais ululante ao compararmos, por exemplo, o prazo de 1 ano estabelecido pelo artigo 11 do Marco Civil com os prazos que outras legislações de nosso ordenamento jurídico impõem às pessoas físicas e jurídicas brasileiras.
Neste ponto, cite o prazo de 5 anos que o Código Tributário Nacional estipula como sendo o obrigatório para conservação do livros de escrituração comercial e fiscal e os comprovantes dos lançamentos neles efetuados.
Isto é, quando o assunto é arrecadar, o legislador estabelece prazo cinco vezes maior para a guarda de documentos que, em última análise, são provas para a ação da fiscalização, ao passo que, quando se visa garantir o combate a determinada espécie de criminalidade, o prazo se resume a um.
Ora, nada mais se mostra necessário dizer para se concluir que o prazo de 1 ano e 6 meses ora em voga são absolutamente desarrazoado e não se prestam a conferir à norma a sua verdadeira eficácia e, como já diziam os adeptos do realismo jurídico, de nada presta uma lei que não seja eficaz.
Bem por isso, a nosso entender, o mais correto seria o alargamento deste prazo, estipulando um quantum de tempo que se mostre suficiente para que o Estado, com toda a sua infeliz burocracia, consiga, por exemplo, iniciar uma investigação criminal sabendo que os registros de conexão do agente criminoso ainda não foi licitamente inutilizado pelo provedor de conexão.
Em razão da tormentosa tarefa que é a investigação criminal no Brasil, dever-se-ia realizar, primeiramente, um levantamento em âmbito nacional para se aferir o tempo que hodiernamente as Autoridades Policiais vêm gastando até solicitar os registros de conexão quando deparadas com estas espécies de crimes.
Diga-se isso pois, somente de posse destes dados concretos é que se poderá estabelecer um prazo proporcional e razoável para que os provedores de conexão mantenham a guarda dos registros de conexão, máxime à luz das políticas públicas de repressão e combate à criminalidade moderna que se dá por meios informáticos e internet.

[1] BOLLANN. Vilian. Medindo o tempo no processo penal. Disponível em: http://www2.trf4.jus.br/trf4/upload/editor/apg_VilianBollmann.pdf. Acessado em 11.11.12, às 16:08 hrs.
 
[2] Vide Art. 5∘do mencionado dispositivo legal: “Art. 5º Para efeitos desta Lei, considera-se: (…) III – administrador de sistema autônomo: pessoa física ou jurídica que administra blocos de endereço de Internet Protocolo – IP específicos e o respectivo sistema autônomo de roteamento, devidamente cadastrada no ente nacional responsável pelo registro e distribuição de endereços IP geograficamente referentes ao País; (…)
[3] 3BOLLANN. Vilian. Medindo o tempo no processo penal. Disponível em: http://www2.trf4.jus.br/trf4/upload/editor/apg_VilianBollmann.pdf. Acessado em 11.11.12, às 16:08 hrs.
[4] SANTOS, Corliolano Aurélio de Almeida Camargo. As múltiplas faces dos Crimes Eletrônicos e dos Fenômenos Tecnológicos e seus reflexos no universo Jurídico. 2009. Disponível em http://www.oabsp.org.br/comissoes2010/direito-eletronico-crimes-alta-tecnologia/livro-sobre-crimeseletronicos. Acessado em 11.11.12, às 22:10 hrs.
Luiz Augusto Sartori de Castro é advogado, sócio do MCP Advogados — Machado Castro e Peret, formado em Direito pela PUC-SP, pós-graduando em Direito Eletrônico, Especialista em Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra, Portugal, professor Assistente de Direito Penal na PUC-SP, professor convidado do curso de pós-graduação em Direito Penal e Processual Penal da Escola Paulista de Direito (EPD) e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), da Comissão de Direito Eletrônico e Crimes de Alta Tecnologia da OAB-SP e do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD).
Revista Consultor Jurídico, 26 de março de 2014

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...