"Sem lei sobre terceirização, TST atuará como legislador"
O nome de Nelson Mannrich costuma ser precedido pela palavra “professor”. Nada mais preciso. O advogado, que dá aulas de Direito do Trabalho na graduação da Universidade de São Paulo e em dois cursos de mestrado, já lecionou em oito instituições. Atualmente, divide o tempo em sala de aula com a atuação no escritório Mannrich Senra Vasconcelos — com 22 advogados —, para o qual foi em 2013, depois de 13 anos como sócio em uma banca com mais de 200 profissionais.
Mannrich costuma estar do lado das empresas na mesa de audiência e os desafios que aponta para o Direito do Trabalho são muitos. No dia a dia, enfrenta temas como terceirização, contratação de pessoas com deficiência, trabalho escravo e termos de ajustamento de conduta, os TACs, além da tão criticada falta de segurança jurídica. A insegurança, diz ele, vem inclusive da falta de um Código de Processo do Trabalho.
A falta de leis também atinge a bola da vez na Justiça do Trabalho: a terceirização. Atualmente, os limites são traçados pela jurisprudência, que, em vez de defini-los, discute o que são atividades-meio e o que são atividades-fim de cada empresa que chega aos tribunais por terceirizar. A discussão é vazia, na opinião de Mannrich, pois as empresas devem ser observadas por suas especialidades — o que não pode é uma empresa se especializar em ser “intermediadora de mão de obra sem ter um objeto especifico”.
O Brasil, porém, perdeu o momento certo de aprovar uma lei sobre a terceirização, diz ao se referir ao Projeto de Lei 4.330/2004, que estava na pauta do Congresso em meados de 2013, mas saiu da mira do Legislativo. O projeto foi alvo de críticas de 19 ministros do Tribunal Superior do Trabalho, que assinaram um manifesto contrário à peça, em uma atitude que, para Mannrich, não condiz com a de quem vai julgar casos relacionados a isso.
O advogado também critica o que o Judiciário aponta como um dos remédios para a insegurança jurídica: as súmulas. Para ele, elas são úteis, mas têm sido usadas para atender a demandas populares, criando normas — o que é papel do Legislativo.
Nelson Mannrich tem 67 anos e quase 50 de profissão. Foi advogado do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC nos anos 1970, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda atuava na entidade. Agora, atende empresários em seu escritório em São Paulo, na Avenida Paulista, onde recebeu a reportagem da revista eletrônica Consultor Jurídico duas vezes, para mais de duas horas e meia de conversa.
Leia a entrevista:
ConJur — O senhor diz que assinar um Termo de Ajustamento de Conduta é pedir para fechar as portas ou para pagar uma multa dobrada. Por quê?Nelson Mannrich — Tem situações em que a empresa não deve assinar o TAC, porque vai ficar sempre pendurada, vai ter aquela vinculação permanente com o Ministério Público. Um TAC coloca a empresa em um desequilíbrio em relação ao concorrente. Se todos têm que cumprir uma norma e o descumprimento implica o pagamento de uma multa que é igual para todo mundo, a empresa que assina o TAC assume o compromisso de cumprir aquela mesma obrigação, mas sob pena de uma multa milionária. O concorrente fica em uma situação confortável. O TAC não deveria ser a reprodução do que está na lei.
ConJur — O cumprimento da lei deveria independer de um TAC, correto?
Nelson Mannrich — Isso. A empresa acaba assinando por conta disso, mas não vê que tem um diferencial: o Ministério Público vai exigir que o Ministério do Trabalho sempre verifique se a empresa cumpriu aqueles itens que foram objeto do TAC. A fiscalização vai ser bem maior nela do que nos concorrentes.
Nelson Mannrich — Isso. A empresa acaba assinando por conta disso, mas não vê que tem um diferencial: o Ministério Público vai exigir que o Ministério do Trabalho sempre verifique se a empresa cumpriu aqueles itens que foram objeto do TAC. A fiscalização vai ser bem maior nela do que nos concorrentes.
ConJur — É difícil negociar TAC com o MP?Nelson Mannrich — É muito difícil discutir os termos de um TAC para depois assinar. Normalmente o Ministério Público dá pouca abertura. Uma vez assinado o TAC, dificilmente a empresa vai se livrar dele. Uma vez dei parecer sobre se era possível rever um TAC. Era uma empresa que tinha um dificuldade de cumpri-lo e a discussão era muito interessante, envolvia terceirização. Eles haviam se comprometido a não terceirizar, mas os concorrentes de um determinado setor continuaram terceirizando, e o custo da empresa ficou inviável. Por conta disso, a discussão judicial de um TAC se justifica.
ConJur — É comum discutir o TAC na Justiça?Nelson Mannrich — Não é comum a empresa tentar mudar ou anular um TAC. O que é comum é discutir o cumprimento dele. Ou seja, o Ministério Público alega que ele não foi cumprido e a empresa tentar provar que cumpriu.
ConJur — E quando vale a pena assinar um TAC?Nelson Mannrich — As empresas às vezes assinam em um momento de muito desespero. É uma forma de tentar resolver um problema urgente, como a pressão da comunidade por conta de um problema enfrentado, mas é uma ilusão, pois vai ficar aquela dívida para sempre. É uma forma, digamos, de resolver do ponto de vista sociológico. Do ponto de vista jurídico, o Ministério Público desiste da ação trabalhista, mas praticamente ganha uma cadeira no conselho da empresa. Por exemplo, se você assinou um TAC de não mais terceirizar, então não vai terceirizar, dependendo do que está escrito, nem contador, nem advogado.
ConJur — Com anda a discussão a respeito da terceirização?Nelson Mannrich — Nós perdemos o momento histórico de regrá-la, no ano passado. Lá em Brasília, tem, seguramente, mais de dez projetos de lei sobre terceirização. Uns bons, outros mais ou menos. Esse do Sandro Mabel (4.330/2004) foi “retocado” e estava bem adiantado. Parecia que ia ser aprovado, mas, de repente, deu problema no andamento. Veio, então, aquele manifesto dos ministros do TST contra qualquer tipo de terceirização. Aquilo foi uma coisa terrível. Foi inclusive questionado em eventos públicos: como é que pode um ministro se posicionar sobre uma questão que ele vai ter que julgar amanhã? Ele tem que ser neutro.
ConJur — Estavam se posicionando contra o projeto de lei antes mesmo de ele ser aprovado...Nelson Mannrich — Quando o ministro [João Oreste] Dalazen era presidente do TST e convocou uma audiência pública sobre terceirização, o objetivo dele foi bastante interessante: ele queria que a sociedade levasse ao tribunal quais eram os fatos, as questões econômicas, as questões políticas envolvidas na terceirização. Ele queria elementos para poder entender melhor o fenômeno. Na pratica, essa audiência pública infelizmente não deu o resultado que a gente esperava. Esperávamos que o TST revisse a Súmula 331, porque o tribunal não pode dar uma de legislador e criar regra que não está na lei.
ConJur — Mas as súmulas têm sido muito usadas pelo TST, não é?Nelson Mannrich — Sim, e com o alcance de um dispositivo legal. Existe a possibilidade de interpretar por esse caminho, por aquele caminho ou por outros caminhos. Mas não pode criar uma obrigação, uma norma. E o TST tem feito isso, lamentavelmente.
ConJur — A ideia das súmulas não é interessante para dar segurança jurídica?Nelson Mannrich — É. A súmula tem a ideia de que o TST desenvolve o papel de unificar a jurisprudência, papel que ele tem feito muito bem. Mas às vezes temos uma pressão da sociedade por conta da leniência ou omissão do Legislativo e o tribunal acaba ocupando aquele espaço vazio. Às vezes acontece algo pior: na área trabalhista, a visão ideológica das relações do trabalho.
ConJur — O senhor acha que a gente perdeu o momento certo para discutir a terceirização. E agora, para onde a gente vai?Nelson Mannrich — Começar tudo de novo. Tem que começar a costurar uma nova norma. Porque essa norma era a melhor possível naquele momento, era a mais adequada.
ConJur — É melhor do que a indefinição que a gente tem hoje?Nelson Mannrich — É. Sem uma lei regulando a terceirização, o TST vai ocupar esse espaço se arvorando a legislador. Ou, pelo menos, como não tem uma lei que diga quais são as regras, as diretrizes, quais são os limites da terceirização, vai aflorar uma visão ideologia para dizer que é assim, não assado. Dizem que terceirização é uma forma de precarização, que é o retorno da era industrial. Não conseguem ver que houve uma transformação da empresa. A empresa não é mais aquela vertical, grande, que faz tudo. Não. É uma empresa horizontal — e aqui não tem espaço para aquele modelo antigo. A visão ideológica protecionista, que são princípios que deviam ser revistos à luz de questões muito mais importantes, como a questão da igualdade, a dignidade e a segurança do trabalhador, proíbe qualquer tipo de terceirização, e as empresas fecham.
ConJur — O TST julgou há pouco tempo, em 2013, que o call center não poderia ser terceirizado. Como é que isso mexeu com as empresas?Nelson Mannrich — Isso é muito importante e agora está sendo levado adiante, para ser discutido no Supremo Tribunal Federal. Eu, confesso, fiquei perplexo. Como é que pode um call center ter que ser empregado da própria empresa, se ela tem uma especialidade? Não tem nada a ver com a realidade da empresa. Eu acho uma incoerência grande. O próprio Estado terceiriza muito. Em uma reunião no Ministério Público, eu apontei para os presentes que eles terceirizavam os recepcionistas, a equipe da limpeza...
ConJur — Nesse caso há ainda as multinacionais, muitas com call center até em outros países.Nelson Mannrich — Exatamente. Em grandes empresas de aviação, a área para emissão de passagem está na China ou na Índia. Alias, tem um debate muito interessante sobre essa questão da globalização. Um autor francês chamado Antoine Jamour tem uma visão incrível, mostrando que, como nós temos os Direitos do Trabalho, uma empresa francesa não consegue impor regras para uma filial brasileira.
ConJur — A Justiça do Trabalho busca definir a atividade-fim para decidir sobre a terceirização. No caso do call Center foi dito que resolver problema do cliente era atividade-fim. É possível fazer essa definição?Nelson Mannrich — Não tem como. Nós temos que partir da ideia de especialidade. Em tese, não precisaria ter uma lei sobre terceirização. Quando você parte do conceito de empregador, que é a empresa, significa que ela tem que ter uma especialidade, ela não pode é ser uma intermediadora de mão de obra sem um objeto especifico. Ser empregador é dirigir a atividade do empregado, ter responsabilidade pelo cumprimento das obrigações trabalhistas. O conceito de empregador que exerce uma atividade resolve o problema da terceirização.
ConJur — A ideia do empregador respondendo solidariamente aos terceirizados faz sentido?Nelson Mannrich — Não tem sentido, porque quando a companhia assume uma terceirização, se a terceirizada sabe que a responsabilidade é solidária, se acomoda. A responsabilidade deve ser da terceirizada, não da tomadora. A responsabilidade da tomadora de serviço é subsidiária, porque se a terceirizada não pagar, a conta vai para a outra empresa. A companhia não pode ficar em uma posição tão confortável.
ConJur — Parece que vai ser muito difícil este ano, com Copa e eleição, discutir isso.Nelson Mannrich — Nenhum político vai querer se comprometer na sua base. Mudar a legislação trabalhista significa mexer com o privilégio de uma minoria. No fundo é isso. E falam de pleno emprego... Imagina. O tamanho do trabalho informal no Brasil é uma coisa incrível. É a terceirização a culpada? Absolutamente. Com terceirização, a empresa exige que a terceirizada registre seus empregados, recolha o fundo de garantia, pague férias, pague horas extras, e ainda provar que recolheu e pagou tudo direitinho.
ConJur — Então, a terceirização facilita a formalização?Nelson Mannrich — A formalização e o cumprimento efetivo das leis. Porque existe hoje, digamos assim, estruturas dentro da empresa, ou empresas especializadas para controlar o processo de terceirização, de exigir o cumprimento da legislação trabalhista.
ConJur — O Presidente do Sindicato dos Advogados de São Paulo fala que a contratação de advogados como associado é ilegal, porque não está prevista na lei e nem na CLT, só no regulamento do Estatuto da Advocacia. Qual a sua opinião a respeito? Tende a acabar esse tipo de contratação como associado?Nelson Mannrich — Não. Ao contrário, tem que manter e regulamentar isso. É muito interessante examinar como é que funciona em outros países. Na Itália, por exemplo, se o bacharel faz o curso até certo período, pode trabalhar internamente como empregado do escritório, e se ele continuar o curso, pode atuar externamente — e esse nunca será empregado. Tem uma lei também interessante da Espanha nesse sentido. Há situações realmente complicadas, mas, de modo geral, o associado de uma sociedade de advogados define a linha que adota, avisa quando quer sair de férias, escolhe quando vai de manhã ou de tarde, ou se nem quer ir ao escritório no dia. Existe de fato um espírito societário. Eu acho que há fraudes, há situações específicas, mas a figura do advogado é típica de um profissional liberal, que, com apoio até na própria OAB, tem instrumentos para dar uma estrutura legal para isso.
ConJur — O senhor não acha que o crescimento das bancas vai aumentar o número de advogados empregados, por exemplo? Porque as bancas estão ficando muito grandes, a gente está vendo muito escritório de massa. Faz sentido manter um advogado associado em um escritório de massa?Nelson Mannrich — Depende da situação, do tipo de atividade. Porque às vezes ele pode assumir, por exemplo, um tipo de atividade onde ele tenha autonomia para definir o que e como ele vai fazer e vai ganhar por resultado. Tem que ver cada caso concreto, mas se você colocar um advogado em uma linha de produção, como temos notícia de algumas bancas enormes, se de fato ele tiver hora pra entrar, hora pra sair e subordinação, ele é empregado. A CLT está ai para dizer isso.
ConJur — E faz sentido ter advocacia trabalhista sem ser de massa, não hoje, mas daqui uns cinco anos?Nelson Mannrich — Olha, no nosso caso especifico, não somos só advocacia trabalhista, fazemos as cinco áreas principais do Direito. Mas nós não fazemos massa aqui. Não porque eu acho que seja errado, mas porque acho que não tenho vocação para isso.
ConJur — Mas vai ter como um escritório sobreviver, daqui cinco anos, sem fazer demandas de massa, sendo que a parte trabalhista é o carro-chefe? Nelson Mannrich — Tem, porque, cada vez mais, a legislação trabalhista será sensível para as empresas. Nós estamos criando uma complexidade, uma rede tão complexa de relações trabalhistas, das mais variadas fontes, seja do Estado ou das organizações sindicais, com obrigações para as empresas de todo tipo. Então é cada vez mais difícil para o empresário manter o seu negócio sem ter um passivo. Ele tem que ter sempre a atuação preventiva do advogado trabalhista, que é aquele vai dar mais consultoria, que vai trabalhar muito em arbitragem, em negociação.
ConJur — Arbitragem no Direito do Trabalho faz sentido?Nelson Mannrich — Não. Nós temos uma cultura de que só o Estado pode resolver o conflito, que só o Estado pode criar a norma. A causa dos maiores problemas é o monopólio do Estado. Se nós tivéssemos mais negociação, teríamos menos conflito. Se nos tivéssemos mais formas de solução de conflitos, nós teríamos um custo Brasil menor.
ConJur — Essa ideia de o Estado ser o detentor das normas, acaba colocando-o como o detentor do Direito, na prática, não é? Vemos casos de o Estado impedir o trabalhador negociar, por exemplo, horário de almoço. Por que isso acontece?Nelson Mannrich — O que se coloca é que a matéria objeto de negociação é saúde, e saúde não se negocia. Eu acho uma coisa muito complicada, porque qualquer pessoa pode dizer que prefere almoçar em 20 minutos — tomar um lanche — e ir para casa mais cedo. Eu pergunto: Será verdade que a questão da hora de almoço envolve saúde do trabalhador? Não tem sentido nenhum. Nós já tivemos uma portaria que permitia ao sindicato negociar com a empresa a redução da hora do almoço. Foi um escândalo, porque o sindicato negociava com a empresa meia hora de almoço, o empregado demitido ia para a Justiça do Trabalho e a empresa era obrigada a pagar indenização para o empregado. Eu estou falando de uma visão ultrapassada de colocar como interesse da sociedade questões que não têm nada a ver. O interesse público não se confunde com os interesses da coletividade, de um determinado grupo. A saúde do trabalhador, no sentido de ele trabalhar com substância agressiva, em um ambiente que possa ser inseguro para ele, tem regras. Não tem sentido dizer que o problema da hora de almoço está na mesma dimensão de grandeza desse valores da ordem pública da sociedade.
ConJur — Que outros direitos têm sido tutelados pelo estado?Nelson Mannrich — As férias, por exemplo. A lei diz que as férias são de 30 dias e você pode negociar um terço em dinheiro. Então, eu teria 20 em descanso e 10 em dinheiro. Mas se as férias forem coletivas, você pode fracionar as férias, mas nenhum período pode ser inferior a 10 dias. Mas o juiz do Trabalho, por exemplo, pode dividir as férias dele em diversos períodos, como é no serviço público.
ConJur — A ideia do assédio moral tem bastante repercussão na imprensa. É impressionante como ele se replica, como aparece em diversos ambientes completamente diferentes. Como se explica a quantidade de casos de assédio moral no país?Nelson Mannrich — Existe uma cultura do poder dentro das empresas, e não há espaço para democracia. Isso é um problema complicado. Existe uma visão de que você trabalha para ganhar salário e tem que ficar quieto. Existe hoje um cuidado por parte das empresas, principalmente as que já sofreram ação por assédio moral. De modo particular, quando aquela ação foi movida pelo Ministério Público, porque aí ela dá uma repercussão nacional. O Ministério Público tem exercido um papel importante na mudança desse perfil da empresa, no trato com o empregado. Tem exageros, mas esse ponto é muito importante, porque as empresas hoje tem a preocupação com a cultura do respeito à dignidade do trabalhador. Nós mudamos o Direito do Trabalho da era em que se valorizava muito o princípio da proteção para uma época em que valorizamos o trabalhador pela sua dignidade e pela participação que ele tem na empresa, sua cidadania. Mas isso não é uma coisa que o Estado impõe, é uma coisa que se conquista. É educação. Evidente que assédio moral não é um problema jurídico, é um problema que envolve psicologia e outras matérias, evidentemente. Mas o Direito tem uma influencia aí.
ConJur — Faz falta um Código de Processo do Trabalho?Nelson Mannrich — Sim. O Código de Processo Civil é usado para preencher lacunas, mas cada um entende que uma coisa diferente sobre o que é lacuna. Um processo lá em Manaus é totalmente diferente do processo em João Pessoa, diferente do Rio Grande do Sul. Por exemplo, aqui [em São Paulo], se não levar testemunha, não pode adiar um julgamento. É um processo por vara. Nós temos que ter um processo único para a Justiça do Trabalho.
ConJur — Podemos prever uma reforma trabalhista em alguns anos ou parece fora de cogitação?Nelson Mannrich — Nós só introduzíamos segurança na empresa depois de um assalto. Nós esperamos uma desgraça acontecer. Tem uma estrada em Ibiúna, que cada lombada corresponde a um acidente. Eu tenho, porém, que fazer uma lombada antes de ocorrer o acidente. Nós não podemos esperar uma grande crise de desemprego no Brasil para fazer a reforma. Mas isso não interessa para o governo. A Dilma, quando abriu a conferência da CNI, falou de tudo, de aeroportos, de portos, de infraestrutura, do paraíso de pleno emprego, mas não disse uma palavra sobre a parte trabalhista.
ConJur — E está na hora de mexer na CLT?Nelson Mannrich — Precisa mexer na base da CLT, dessa visão paternalista, do Estado protetor. Significa quebrar monopólios do Estado na criação de norma e permitir uma participação do trabalhador na negociação coletiva e na solução do conflito. É preciso ter estímulos a um sistema de solução de conflitos dentro da empresa, ao dialogo interno, ao mecanismo onde o trabalhador possa resolver com seu chefe diretamente o seu conflito, e, se ele não resolver, que ele possa ir ao superior. O processo não pode ser uma possível vingança, resultado da vida de um trabalhador isolado, não ouvido, uma panela de pressão sem válvula de escape... Ele não tem com quem conversar, com quem resolver, e deixa tudo guardado para no final processar. Isso é um desafio para o governo e para o empresário também. O empresário deve abrir um espaço dentro da empresa para criar instâncias de negociação. E aí entra aí obviamente a questão sindical.
ConJur — A estrutura dos sindicatos e a estrutura de relação com os sindicatos deve ser alterada?Nelson Mannrich — O Direito do Trabalho começa pela reforma sindical. Esse é o grande desafio. Enquanto não fizer isso, nada vai mudar no Brasil. Tem que introduzir a liberdade sindical, para pensar então em negociação coletiva. Porque o sindicato que está aí... Tem muitos sindicatos bons, mas eles estão naquela velha estrutura. Quem vai ser o representante do trabalhador na solução do conflito é aquele que nós vamos entender que é o mais adequado.
ConJur — Vemos muita pressão por acordos na Justiça do Trabalho. Essa é a função da Justiça?Nelson Mannrich — O papel da Justiça é pacificação. A pacificação não depende de uma sentença. Depende de uma solução imposta, que é a sentença, ou uma solução acordada. O importante é que haja uma solução do conflito. Eu acho que 50% dos conflitos são resolvidos já na fase inicial, por acordo. Aí você percebe que nós precisaríamos rever o nosso modelo, que nós poderíamos ter uma instância aonde as questões pendentes seriam resolvidas sem necessidade de movimentar o Judiciário.
ConJur — A CLT deveria tratar diferente cada escalão de empregado?Nelson Mannrich — A minha proposta é essa. Ter uma legislação própria para altos quadros, diretores e altos executivos, em uma linha de exclusão desse protecionismo da CLT. Países europeus fazem isso. Na França tem o operário, que é o trabalhador braçal, o empregado, que é o colarinho branco, e tem o alto quadro, que são os dirigentes.
ConJur — Isso desafogaria a Justiça de alguma forma?Nelson Mannrich — Sim. E daria mais segurança jurídica para todo mundo.
ConJur — É possível reduzir o custo de um trabalhador sem reduzir direitos.Nelson Mannrich — Ninguém entende direito o que é custo trabalhista. Os economistas mesmo falam em 102% de custo, outros reduzem para 67% ou 50%. Eu tenho que definir o que vai para o Estado: isso é custo. O que vai para o empregado não é custo trabalhista. INSS sem encargo, fundo de garantia sem encargo e um terço de acréscimo no salário das férias não é custo trabalhista, é uma forma de pagar o salário dele. Nós não temos uma transparência em relação a isso ou um levantamento claro para dizer se o Brasil tem mais ou menos custo trabalhista que outros países. Como eu posso falar que temos o custo trabalhista mais alto do mundo se nós temos um dos salários mais baixos do mundo?
ConJur — Mas aí entram questões tributárias também, não é?Nelson Mannrich — Estou muito convencido de que a reforma trabalhista passa por uma reforma fiscal. O governo tentou desonerar a folha de pagamento cobrando INSS sobre faturamento em alguns segmentos em vez de vir na folha. Alguns criticam que o Estado, dizendo que só se fez isso porque é uma forma de arrecadar mais. Eu vejo que nós poderíamos resolver grande parte dessa questão do custo desonerando a folha. Por que hoje tem tanto empregado chamado PJ (pessoa jurídica) ou não registrado? Porque se eu registro o empregado, preciso pagar o dobro. Então, se eu tiver uma reforma tributária, não será pelo fato de ele ser empregado ou não que vai dar mais imposto ao Estado.
ConJur — O que o Brasil tem a enfrentar ainda para conseguir acabar com o trabalho análogo à escravidão?Nelson Mannrich — Do ponto de vista jurídico, tem que primeiro definir o que é trabalho escravo, com uma lei clara, objetiva, e não um conceito em aberto, que não define claramente as regras do jogo. Nós não sabemos exatamente o que é trabalho escravo.
ConJur — Não existe uma jurisprudência fechada sobre isso?Nelson Mannrich — Tem muita coisa, descrevendo aquela situação. Mas quais são os critérios? Tem o artigo 149 do Código Penal. Por exemplo, jornada excessiva. Aí vêm as instruções normativas do Ministério do Trabalho, que não são leis. Segundo elas, se você tiver uma empregada doméstica em casa que um dia trabalhou 15 horas, é trabalho escravo, pois é jornada excessiva. Precisamos de parâmetros objetivos, critérios.
ConJur — Já noticiamos que uma empresa foi acusada de ter trabalho escravo porque não tinha o bebedouro na altura certa. Como isso é possível?Nelson Mannrich — Um desses quatro itens do Código Penal fala de condições de saúde e segurança. Uma portaria do Ministério do Trabalho sobre as condições de saúde tem 35 normas regulamentadoras. Cada norma regulamentadora pode ter até mais de mil itens. Tem vestiário, refeitório, sinalização, rede elétrica. Se uma dessas normas é descumprida, é, em tese, trabalho escravo. Mas a realidade não é assim. A lei tem que dizer o que é trabalho escravo de verdade. Uma das penas é por usar trabalho escravo é privar da liberdade o autor do crime. Ora, eu não posso privar alguém da liberdade de uma maneira simplista. Ele tem que ser acusado da prática de um crime que a lei estabeleça de forma clara e definida para que possa se defender. A lei não pode simplesmente criar uma nuvem da qual vão extrair gotas que interessam caso a caso.
ConJur — Quanto às cotas para pessoas com deficiência, vemos diferentes decisões sobre a obrigação de contratar ou não deficientes, de acordo com a disponibilidade de alguém para o serviço específico da empresa. A jurisprudência parece bem dividida. Como o senhor enxerga a questão?Nelson Mannrich — No começo, houve uma lei bastante complicada para as empresas. Nós não tínhamos a cultura ou o devido respeito ao deficiente que ele fosse um homem produtivo. Com a lei, verificamos que de fato tem espaço, e muito espaço, para pessoas com deficiência. Foi adotada uma posição muito dura por parte dos órgãos de fiscalização, em parte do Ministério Público, e até da própria Justiça do Trabalho. Hoje nós avançamos muito. Há uma integração muito grande, mas ainda temos o problema de formação de mão de obra. Com isso esbarramos em um critério discutível: precisamos saber se a porcentagem de deficientes a serem contratados será feita a partir dos cargos que podem ser ocupados por esses funcionários ou a partir de todos os postos da empresa. Se eu não tiver pessoas com deficiência que possam, por exemplo, dirigir caminhão, coloco em risco o patrimônio da empresa, a sociedade e terceiros ao obrigar uma empresa a ter uma cota de motoristas com deficiência. Aí a discussão pega fogo. Uma vez fiz um acordo com determinada empresa que, em vez de contratar, ela se comprometeu a qualificar mão de obra para outros utilizarem. O que se pretende hoje é excluir do cálculo da cota os empregados que estão na área técnica, onde não posso colocar ninguém. Então, onde eu tenho 200 empregados, mas só posso alocar um deficiente em uma área com 100, então eu vou calcular a cota em cima de 100.
ConJur — As decisões do TST são seguidas nos tribunais regionais e nas varas?Nelson Mannrich — Normalmente são, mas há uma relutância em levar em conta o TST como uniformizador da jurisprudência.
ConJur — Qual é a função do Conselho Superior da Justiça do Trabalho e qual tem sido a aplicação dele?Nelson Mannrich — É uma revolução que ocorreu dentro do Judiciário. Eu, pessoalmente, acho que é fundamental esse papel de supervisionar o trabalho dos magistrados, mas há uma cobrança muito forte por metas. Isso cria uma pressão muito grande, que gera uma reação por parte dos juízes. Gera estresse, depressão... É muito fácil o tribunal condenar as empresas porque submeteu o trabalhador a uma meta difícil de ser atingida, quando seu próprio integrante é submetido a esse estresse.
ConJur — Existe algum incentivo para o advogado que está saindo da faculdade atuar na Justiça do Trabalho?Nelson Mannrich — Tem um mercado incrível para as pessoas que são bem preparadas. Mas precisa gostar do que faz. Quando começa meu curso na faculdade, eu sempre digo: Olha, vamos enfrentar um curso que é obrigatório para vocês, mas que não será provavelmente a escolha de vocês como profissionais. Eu estou falando para 5% da turma só. Por isso que eu vou exigir de todos o mínimo daquilo que é o básico. Advogado tem que saber tudo aquilo que é básico. Há um preconceito muito grande na área Trabalhista, com diversas explicações. Talvez porque alguns vejam um viés ideológico na área, como algo mais ligado ao empregado, ao proletariado, ao sindicato.
Marcos de Vasconcellos é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 30 de março de 2014
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