Informativo STF
Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.
Plenário
Aposentadoria de magistrado e art. 184, II, da Lei 1.711/1952 - 3
Aposentadoria de magistrado e art. 184, II, da Lei 1.711/1952 - 4
Servidor público: acesso e provimento de cargo - 2
Voto impresso e art. 14 da CF - 1
Voto impresso e art. 14 da CF - 2
Voto impresso e art. 14 da CF - 3
Voto impresso e art. 14 da CF - 4
Voto impresso e art. 14 da CF - 5
Responsabilidade subsidiária da Administração Pública por débitos trabalhistas
Repercussão Geral
ICMS: Importação e EC 33/2001 - 7
ICMS: Importação e EC 33/2001 - 8
ICMS: Importação e EC 33/2001 - 9
Lei penal no tempo e combinação de dispositivos - 1
Lei penal no tempo e combinação de dispositivos - 2
Lei penal no tempo e combinação de dispositivos - 3
Lei penal no tempo e combinação de dispositivos - 4
1ª Turma
Impedimento e nulidade
2ª Turma
“Sursis”: recurso posterior e aumento de pena
Remessa oficial e embargos infringentes
Repercussão Geral
Clipping do DJe
Transcrições
ADO: mora legislativa e elaboração da lei de defesa do usuário de serviços públicos (ADO 24/DF)
Inovações Legislativas
Outras Informações
Em conclusão de julgamento, o Plenário, por maioria, denegou mandado de segurança em que se pleiteava o aumento de 20% sobre os proventos referentes à remuneração da última classe da carreira de magistrado de TRT, nos termos do art. 184, II, da Lei 1.711/1952 (“O funcionário que contar 35 anos de serviço será aposentado: ... II - com provento aumentado de 20% quando ocupante da última classe da respectiva carreira”) — v. Informativo 726. No caso, o impetrante se aposentou como Ministro do TST. Sustentava que, mesmo antes de sua posse no cargo de Ministro do TST, já possuía mais de 35 anos averbados para fins de aposentadoria, ou seja, já teria direito adquirido a se aposentar como juiz do TRT. Prevaleceu o voto do Ministro Gilmar Mendes, relator. Afirmou que não haveria direito ao benefício de acréscimo de 20% sobre os proventos do cargo de Ministro do TST, com fundamento no art. 184, III, da Lei 1.711/1952 (“O funcionário que contar 35 anos de serviço será aposentado: ... III - com a vantagem do inciso II, quando ocupante de cargo isolado se tiver permanecido no mesmo durante três anos”), porquanto o impetrante confessara, expressamente, na petição inicial, não cumprir o requisito temporal de permanência de três anos no cargo isolado de Ministro até a data em que essa norma deixara de vigorar. Rememorou precedente do STF em que se afirmara que ocupante de cargo de Ministro de tribunal superior não poderia pleitear o benefício do inciso II do art. 184 da Lei 1.711/1952, apenas o do inciso III do dispositivo legal supracitado (MS 24042/DF, DJU de 31.10.2003). Consignou que, ao assumir cargo isolado, não poderia o impetrante alegar direito a benefício cujos requisitos fossem inerentes à carreira que deixara por vontade própria. Desta forma, destacou que o impetrante abrira mão do regime jurídico de magistrado trabalhista para assumir o cargo isolado de Ministro do TST e, assim, assumira novas regras a serem cumpridas (Lei 1.711/1952, art. 184, III, c/c a Lei 8.112/1990, art. 250).
MS 25079/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 6.11.2013. (MS-25079)
O Ministro Teori Zavascki sublinhou que o impetrante poderia requerer aposentadoria tanto como juiz do TRT, com o adicional de 20%, quanto como Ministro do TST, sem os 20%. Entretanto, não poderia pleitear o referido adicional sobre a remuneração de Ministro do TST, como fizera na petição do mandado de segurança. O Ministro Marco Aurélio ressaltou que o impetrante, para chegar ao TST, teria sido exonerado do cargo de juiz do TRT, motivo pelo qual não teria direito à aposentadoria neste cargo. Vencidos os Ministros Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, que ponderavam ser possível interpretar o pedido, ao analisar toda a petição e não apenas o capítulo final “do pedido”. Deste modo, inferiam ser possível conceder a ordem, em menor extensão, para reconhecer o direito à aposentadoria no cargo de juiz do TRT com o aludido adicional. Assinalavam que o impetrante reunira os requisitos para se aposentar como magistrado do TRT, beneficiando-se da vantagem do art. 184, II, da Lei 1.711/1952. Sublinhavam que o fato de ter tomado posse, depois, como Ministro do TST não afetaria essa situação jurídica, que constituiria direito adquirido em seu favor (Enunciado 359 da Súmula do STF). Asseveravam que, embora as posições de Ministro do TST fossem consideradas cargos isolados para vários fins, o juiz do trabalho que ocupasse cargo de Ministro do TST, em vaga reservada à magistratura de carreira, não renunciaria à condição de juiz, especialmente porque manteria os direitos adquiridos nessa condição. Reputavam que a finalidade do art. 184, II, da Lei 1.711/1952 seria premiar o agente público que tivesse atingido o topo da carreira, razão pela qual não poderia ser interpretado de forma a prejudicar o magistrado que avançasse para além desse topo.
MS 25079/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 6.11.2013. (MS-25079)
Por ofensa ao princípio da ampla acessibilidade aos cargos públicos (CF, art. 37, II), o Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade do §§ 1º ao 5º do artigo 27 da Lei 10.961/1992, do Estado de Minas Gerais, que dispõem sobre o acesso como forma de provimento dos cargos públicos naquela unidade federativa — v. Informativo 726. Apontou-se que a norma impugnada permitiria que o procedimento de acesso viabilizasse a investidura em cargo de carreira diversa por meio de provimento derivado. Asseverou-se não haver base constitucional para manter na norma estadual o instituto do acesso a novas carreiras por seleções internas. Ponderou-se que essa forma de provimento privilegiaria indevidamente uma categoria de pretendentes que já possuia vínculo com a Administração estadual, em detrimento do público externo. Destacou-se que a norma estaria em antagonismo com o postulado da universalidade que, por imposição constitucional, deveria reger os procedimentos seletivos destinados à investidura em cargos, funções ou empregos públicos. Vencido, em parte, o Ministro Marco Aurélio, que dava parcial provimento ao pedido. Aduzia que o concurso público para ingresso na carreira significaria tratamento igualitário àqueles que se apresentassem para o certame. Frisava que a ordem jurídica constitucional não protegeria a movimentação vertical do servidor, apenas a horizontal, ou seja, dentro da mesma carreira. Afastava a interpretação da norma que contemplasse a denominada movimentação vertical.
ADI 917/MG, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Teori Zavascki, 6.11.2013. (ADI-917)
O Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade do art. 5º da Lei 12.034/2009, que dispõe sobre o voto impresso [“Art. 5º Fica criado, a partir das eleições de 2014, inclusive, o voto impresso conferido pelo eleitor, garantido o total sigilo do voto e observadas as seguintes regras: § 1º A máquina de votar exibirá para o eleitor, primeiramente, as telas referentes às eleições proporcionais; em seguida, as referentes às eleições majoritárias; finalmente, o voto completo para conferência visual do eleitor e confirmação final do voto. § 2º Após a confirmação final do voto pelo eleitor, a urna eletrônica imprimirá um número único de identificação do voto associado à sua própria assinatura digital. § 3º O voto deverá ser depositado de forma automática, sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado. § 4º Após o fim da votação, a Justiça Eleitoral realizará, em audiência pública, auditoria independente do software mediante o sorteio de 2% (dois por cento) das urnas eletrônicas de cada Zona Eleitoral, respeitado o limite mínimo de 3 (três) máquinas por município, que deverão ter seus votos em papel contados e comparados com os resultados apresentados pelo respectivo boletim de urna. § 5º É permitido o uso de identificação do eleitor por sua biometria ou pela digitação do seu nome ou número de eleitor, desde que a máquina de identificar não tenha nenhuma conexão com a urna eletrônica”].
ADI 4543/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 6.11.2013. (ADI-4543)
Asseverou-se que, nos termos do caput da norma questionada, seria permitido ao eleitor conferir seu voto, pois associado o conteúdo desse ato de cidadania com a assinatura digital da urna. Entretanto, anotou-se que a inviolabilidade e o segredo do voto suporiam a impossibilidade de se ter, no exercício do voto ou no próprio voto, qualquer forma de identificação pessoal. Registrou-se, ademais, que o sigilo da votação também estaria comprometido caso ocorresse falha na impressão ou travamento de papel na urna eletrônica, visto que necessária intervenção humana para resolver o problema, o que exporia os votos registrados até então. Além disso, em eventual pedido de recontagem, seria novamente possível a identificação dos eleitores. Salientou-se que a introdução de impressoras potencializaria falhas e impediria o transcurso regular dos trabalhos nas diversas seções eleitorais. O módulo impressor, além de apresentar problemas de conexão, seria vulnerável a fraudes. Ademais, haveria a possibilidade de cópia, adulteração e troca de votos decorrente da votação impressa. Seria também maior a vulnerabilidade do sistema, porque o voto impresso não atingiria o objetivo de possibilitar a recontagem e a auditoria.
ADI 4543/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 6.11.2013. (ADI-4543)
Lembrou-se que o voto impresso teria sido anteriormente previsto, por força da Lei 10.408/2002, mas não teria sido levado a efeito em razão das dificuldades jurídicas e materiais constatadas. Por esse motivo, promulgara-se a Lei 10.740/2003, que abandonara aquele modelo, segundo o qual o voto digital era impresso e depositado em urna lacrada. Rememorou-se, ademais, que a partir da implementação paulatina do voto eletrônico, desde 1996, abandonara-se a impressão de votos, para incrementar o segredo desse ato, conforme assegurado na Constituição. A respeito, discorreu-se que o segredo do voto seria conquista destinada a garantir a inviolabilidade do querer democrático do eleitor e a intangibilidade do seu direito por qualquer forma de pressão. Registrou-se que a história do País conteria diversos vícios nos processos eleitorais, que teriam sido consideravelmente atenuados com o sistema de votação eletrônica. Retroagir nesse ponto configuraria afronta à Constituição, e a impressão do voto feriria o direito ao segredo. Consignou-se que o cidadão não poderia ser compelido a prestar contas sobre seu voto, porquanto a urna seria espaço de liberdade cidadã, onde ele poderia realizar sua escolha livre e inquestionável, não podendo ser tolhido pelo exigir do outro, sob pena de viciar todo o sistema.
ADI 4543/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 6.11.2013. (ADI-4543)
Frisou-se que, se o ato de votar seria próprio, não haveria necessidade de prová-lo ou de prestar contas. Corroborou-se que o sistema seria dotado de segurança incontestável, como reiteradamente demonstrado. Acentuou-se que eventual vulneração do segredo do voto comprometeria não apenas o art. 14 da CF (“A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: ...”), mas também o art. 60, § 4º, II (“§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: ... II - o voto direto, secreto, universal e periódico”), que é núcleo imodificável do sistema. Acresceu-se que o § 2º do dispositivo questionado retiraria o segredo do voto, pois o número de identificação associado à assinatura digital poderia favorecer a coação de eleitores pela possibilidade de vincular o voto a compromissos espúrios. O eleitor seria identificado e poderia ser compelido a comprovar sua ação na cabine de votação. Explicou-se que o sistema atual permitiria que o resultado fosse transmitido às centrais sem a identificação do eleitor e com alteração sequencial dos eleitores a cada sessão, a reforçar o segredo. Sublinhou-se, ademais, que a impressão do voto criaria discrímen em relação às pessoas com deficiência visual e aos analfabetos, que não teriam como identificar seus votos, razão pela qual pediriam ajuda de terceiros, em violação ao direito de sigilo constitucionalmente assegurado. Destacou-se o princípio “um eleitor, um voto”, conquista recente que seria reforçada no sistema eletrônico, pois somente seria aberta a urna após a identificação do eleitor, que não seria substituído e não votaria mais de uma vez. Entretanto, vedada a conexão entre o instrumento de identificação e a respectiva urna, nos termos da lei questionada, possibilitar-se-ia a permanência da abertura da urna, e o eleitor poderia votar mais de uma vez, a contrariar a garantia da unidade eleitor e voto. Esse princípio sustentaria a democracia representativa, haja vista que asseguraria a correlação entre o conteúdo das urnas e a vontade do eleitorado.
ADI 4543/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 6.11.2013. (ADI-4543)
Pontuou-se que a justiça eleitoral estaria em constante aperfeiçoamento de rigoroso sistema de segurança, paralelamente ao sistema de informatização, o que garantiria total inviolabilidade e transparência da votação eletrônica. Destacou-se, ainda, a Lei 10.740/2003, que instituíra o Registro Digital de Voto - RDV, a permitir o armazenamento dos votos em formato digital e a resguardar o sigilo. Com o RDV seria possível recontar os votos de forma automatizada, sem comprometer o segredo dos votos ou a credibilidade do sistema de votação. Além disso, os interessados poderiam auditar o sistema antes, durante e depois das eleições. Mencionou-se, também, outro sistema de segurança, a denominada “votação paralela”, uma simulação realizada um dia antes das eleições, monitorada por empresa de auditoria externa e acompanhada pela imprensa, pelo Ministério Público, pela OAB e por fiscais dos partidos. O Ministro Celso de Mello sublinhou o art. 312 do Código Eleitoral, a tipificar o crime de violar ou tentar violar o sigilo do voto, o que demonstraria a gravidade dessa prática. Além disso, destacou que esse diploma estabeleceria, em seu art. 220, a sanção da nulidade de votação, quando preterida a formalidade essencial do sigilo dos sufrágios.
ADI 4543/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 6.11.2013. (ADI-4543)
O Plenário iniciou julgamento conjunto de três reclamações nas quais se alega que decisões do TST e dos TRT’s da 3ª e da 9ª Região teriam afastado a aplicação do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/1993 (“[a] inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis”). Referida norma teria sido declarada constitucional no julgamento da ADC 16/DF (DJe de 9.9.2011). Os reclamantes sustentam que as decisões questionadas teriam ainda descumprido o Enunciado 10 da Súmula Vinculante do STF. No caso, a Administração Pública (tomadora de serviços) fora condenada a responder, de forma subsidiária, pelo cumprimento das obrigações trabalhistas de empresas contratadas. Os acórdãos reclamados foram fundamentados no Enunciado 331, IV e V, do TST (“IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada”). As decisões reclamadas concluíram haver presunção da culpa in eligendo ou culpa in vigilando por parte do ente estatal. A Ministra Cármen Lúcia, relatora, julgou procedentes os pedidos formulados nas reclamações. Destacou que os atos da Administração Pública presumir-se-iam válidos, legítimos e legais. Apontou que a escolha do contratado privado não seria livre, tampouco discricionária, mas segundo processo licitatório em que seriam observadas todas as fases. Asseverou que, para se comprovar que a Administração Pública teria sido relapsa ou omissa, necessária a prova de que teria assinado contrato e não mais o fiscalizara, o que não ocorrera. Ponderou que, ao contrário do que decidido nas decisões impugnadas, competiria às partes reclamadas o ônus de comprovar, nos autos, que a Administração Pública agira com culpa in eligendo ou culpa in vigilando. Após, pediu vista dos autos a Ministra Rosa Weber.
Rcl 14996/MG, rel. Min. Cármen Lúcia, 7.11.2013. (Rcl-14996)
Rcl 15106/MG, rel. Min. Cármen Lúcia, 7.11.2013. (Rcl-15106)
Rcl 15342/PR, rel. Min. Cármen Lúcia, 7.11.2013. (Rcl-15342)
REPERCUSSÃO GERAL
Após a EC 33/2001, é constitucional a instituição do ICMS incidente sobre a importação de bens, sendo irrelevante a classificação jurídica do ramo de atividade da empresa importadora. Ademais, a validade da constituição do crédito tributário depende da existência de lei complementar sobre normas gerais e de legislação local de instituição do ICMS incidente sobre operações de importação realizadas por empresas que não sejam comerciantes, nem prestadoras de serviços de comunicação ou de transporte interestadual ou intermunicipal. Além disso, a incidência do tributo também depende da observância das regras de anterioridade e de irretroatividade, aferidas em cada legislação local de instituição dos novos critérios materiais, pessoais e quantitativos da regra-matriz. Também não se poderia falar em constitucionalidade superveniente para legitimar legislação local anterior à EC 33/2001 ou à Lei Complementar 114/2002, com o único objetivo de validar crédito tributário constituído em momento no qual não haveria permissão constitucional. Com base nesse entendimento, o Plenário negou provimento ao RE 474267/RS, interposto pela Fazenda Pública, e deu provimento ao RE 439796/PR, interposto pelo contribuinte. No caso, discutia-se a constitucionalidade da incidência do ICMS sobre operações de importação de bens realizadas por pessoas jurídicas que não se dedicariam habitualmente ao comércio, durante a vigência da EC 33/2001 — v. Informativos 569 e 613.
RE 439796/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, 6.11.2013. (RE-439796)
RE 474267/RS, rel. Min. Joaquim Barbosa, 6.11.2013. (RE-474267)
Rememorou-se que nenhuma das três restrições observadas pela Corte no julgamento de precedentes relacionados ao tema, firmados antes da EC 33/2000, continuaria aplicável. Afirmou-se que a caracterização de bem como mercadoria independeria da qualidade jurídica do adquirente. Apontou-se a inexistência de cumulatividade a ser equilibrada com a compensação, na medida em que haveria apenas uma única operação. Além disso, mencionou-se que, com a alteração realizada no texto constitucional em 2000, a falta do critério para definição do sujeito ativo teria sido suprida com a inserção da palavra “domicílio” no art. 155, § 2º, IX, a, da CF [Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: ... II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior ... § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte. ... IX - incidirá também: a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço”]. Lembrou-se que, de acordo com a jurisprudência desta Corte, a existência de competência tributária seria insuficiente para justificar a cobrança do tributo e a constituição do crédito tributário. Sublinhou-se que a competência legislativa deveria ser observada e que se deveria seguir o procedimento legislativo previsto. Essa diretriz jurisprudencial viria desde a antiga discussão sobre a incidência do ICM no fornecimento de alimentos e bebidas por restaurantes e congêneres (Enunciado 574 da Súmula do STF). Consignou-se que a própria norma que instituísse o tributo deveria encontrar fundamento de validade nas normas gerais para assegurar estabilidade e previsibilidade.
RE 439796/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, 6.11.2013. (RE-439796)
RE 474267/RS, rel. Min. Joaquim Barbosa, 6.11.2013. (RE-474267)
Asseverou-se que, para se considerar válida a constituição do crédito tributário, a sua incidência deveria ocorrer na presença concomitante de três condicionantes: existência de competência; exercício dessa competência pela União, com base em norma geral em matéria tributária; e exercício de competência por cada um dos Estados-membros e pelo Distrito Federal, resultante na regra-matriz de incidência tributária. Observou-se que alguns entes federados teriam se precipitado, ora à EC 33/2001, ora à LC 114/2002, e teriam criado regras-matrizes sem o necessário fundamento de validade. Nesses casos, entendeu-se aplicável a orientação firmada por esta Corte no julgamento do RE 346084/PR (DJU de 1º.9.2006) e do RE 390840/MG (DJU de 15.8.2006), que teria afastado o fenômeno da constitucionalidade superveniente do sistema jurídico pátrio. Reputou-se que, para ser constitucionalmente válida a incidência do ICMS sobre operações de importação de bens, as modificações no critério material na base de cálculo e no sujeito passivo da regra-matriz deveriam ter sido realizadas em lei posterior à EC 33/2001 e à LC 114/2002. O relator reajustou, parcialmente, o voto.
RE 439796/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, 6.11.2013. (RE-439796)
RE 474267/RS, rel. Min. Joaquim Barbosa, 6.11.2013. (RE-474267)
É vedada a incidência da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 (“§ 4o Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa”), combinada com as penas previstas na Lei 6.368/76, no tocante a crimes praticados durante a vigência desta norma. Essa a conclusão do Plenário que, por maioria, proveu parcialmente recurso extraordinário para determinar o retorno dos autos à origem, instância na qual deverá ser realizada a dosimetria de acordo com cada uma das leis, para aplicar-se, na íntegra, a legislação mais favorável ao réu. Prevaleceu o voto do Ministro Ricardo Lewandowski, relator. Inicialmente, o relator frisou que o núcleo teleológico do princípio da retroatividade da lei penal mais benigna consistiria na estrita prevalência da lex mitior, de observância obrigatória, para aplicação em casos pretéritos. Afirmou que se trataria de garantia fundamental, prevista no art. 5º, XL, da CF e que estaria albergada pelo Pacto de São José da Costa Rica (art. 9º). Frisou que a Constituição disporia apenas que a lei penal deveria retroagir para beneficiar o réu, mas não faria menção sobre a incidência do postulado para autorizar que algumas partes de diversas leis pudessem ser aplicadas separadamente para favorecer o acusado.
RE 600817/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 7.11.2013. (RE-600817)
O relator destacou que o caso em exame diferenciar-se-ia da simples aplicação do princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, pois pretendida a combinação do caput do art. 12 da Lei 6.368/76 com a causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006. Explicou que a lei anterior estabelecera, para o delito de tráfico, pena em abstrato de 3 a 15 anos de reclusão, mas a norma atual cominara, para o mesmo crime, reprimenda de 5 a 15 anos de reclusão. Assim, este diploma impusera punição mais severa para o delito, mas consagrara, em seu art. 33, § 4º, causa especial de diminuição a beneficiar o agente primário, de bons antecedentes, não dedicado a atividade criminosa e não integrante de organização criminosa. Concluiu, no ponto, que o legislador teria procurado diferenciar o traficante organizado do traficante eventual. Observou, entretanto, que essa causa de diminuição de pena viera acompanhada de outra mudança, no sentido de aumentar consideravelmente a pena mínima para o delito. Assim, haveria correlação entre o aumento da pena-base e a inserção da minorante.
RE 600817/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 7.11.2013. (RE-600817)
O relator considerou não caber ao julgador aplicar isoladamente a pena mínima prevista na lei antiga em combinação com a novel causa de diminuição, que teria sido prevista para incidir sobre pena-base mais severa. Acresceu que a minorante representaria benefício para os que tivessem praticado crime de tráfico sob a vigência da lei anterior. Porém, para que isso ocorresse, dever-se-ia considerar a pena-base nos termos da Lei 11.343/2006. Não seria lícito, portanto, combinar a pena mínima de uma norma com a minorante de outra, criada para incidir sobre pena-base maior. Ressaltou que, ao assim proceder, o juiz criaria nova lei e atuaria como legislador positivo. Embora o crime fosse o mesmo, a combinação de dosimetrias implicaria uma sanção diversa da previamente estabelecida pelo legislador, seja sob o enfoque da lei antiga, seja sob a ótica da lei nova. Destacou precedentes da Corte a corroborar esse entendimento. Vislumbrou, ainda, situação absurda provocada por essa combinação, a significar que o delito de tráfico poderia ser punido com reprimenda de até um ano de reclusão, semelhante às sanções cominadas a crimes de menor potencial ofensivo. Ponderou que, na dúvida sobre qual o diploma que seria mais benéfico em determinada hipótese, caberia ao juiz analisar o caso concreto para verificar qual a lei que, aplicada integralmente, seria mais favorável ao réu.
RE 600817/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 7.11.2013. (RE-600817)
O Ministro Luiz Fux acrescentou que o Código Penal Militar contém norma que serviria de norte interpretativo para solucionar a questão, em seu art. 2º, § 2º (“§2° Para se reconhecer qual a mais favorável, a lei posterior e a anterior devem ser consideradas separadamente, cada qual no conjunto de suas normas aplicáveis ao fato”). Vencida a Ministra Rosa Weber e os Ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello, que proviam o recurso. Consideravam cabível a retroação da norma penal nos aspectos em que beneficiaria o réu, sem que isso implicasse a criação de terceira lei. Ressaltavam que a minorante não existia na legislação pretérita e, por seu ineditismo, constituiria lei nova mais benéfica, razão pela qual deveria retroagir. Nesse caso, adequar a causa especial de diminuição à pena prevista na lei antiga não significaria combinar normas, porque o juiz, ao assim agir, somente movimentar-se-ia dentro dos quadros legais para integrar o princípio da retroatividade da lei mais benéfica. Vencido, também, parcialmente, o Ministro Marco Aurélio, que desprovia o recurso, por considerar que o caso diria respeito apenas à inadmissível mesclagem de normas, sem que se pretendesse relegar ao juízo de origem a definição da lei a ser aplicada.
RE 600817/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 7.11.2013. (RE-600817)
A 1ª Turma, por maioria, denegou habeas corpus em que se alegava nulidade processual em razão da participação de magistrada impedida no julgamento de recurso interposto pelo paciente. No caso, desembargadora convocada participara de julgamento no STJ, apesar de haver proferido voto vogal em órgão judicante de 2º grau de jurisdição. Reputou-se não ocorrer prejuízo, sobretudo porque nesse órgão — composto por dez membros — a decisão teria sido unânime. Assim, não haveria alteração no julgamento, caso se desconsiderasse a presença da magistrada. Consignou-se que se tornaria inútil o pronunciamento de nulidade quando a exclusão do voto de Ministro impedido não modificasse o resultado do julgamento. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que concedia a ordem para reconhecer a nulidade. Salientava que o prejuízo seria ínsito à participação indevida. Pontuava que, relativamente ao mesmo processo, não seria possível pronunciar-se como desembargadora em tribunal de justiça e como desembargadora convocada no STJ.
HC 116715/SE, rel. Min. Rosa Weber, 5.11.2013. (HC-116715)
“Sursis”: recurso posterior e aumento de pena - 3
Reveste-se de ineficácia a decisão que declara extinta a punibilidade pelo cumprimento do sursis se, em decorrência do provimento de apelação interposta pelo Ministério Público Militar, for aumentada a pena aplicada, de modo a excluir o benefício (CPPM, art. 613). Com base nesse entendimento, a 2ª Turma, em conclusão de julgamento, conheceu, em parte, do pedido e, nessa parte, denegou a ordem — v. Informativo 720. Salientou-se que o STM, ao prover o recurso interposto pelo Ministério Público Militar, teria condenado a paciente a crime diverso e mais gravoso do que aquele pelo qual fora condenada em primeiro grau, afastada a possibilidade de se obter o sursis. Deliberou-se não se conhecer do writ na parte relativa ao abatimento dos dois anos de sursis. Afirmou-se que essa matéria não constaria do acórdão do STM, e o exame pelo STF caracterizaria decisão per saltum. Quanto ao restabelecimento da decisão de primeiro grau, pontuou-se que a interposição de apelação pelo órgão ministerial não impediria a realização de audiência admonitória. Asseverou-se que o art. 613 do CPPM preveria exatamente a situação posta nos autos, no sentido de que “[a] suspensão também ficará sem efeito se, em virtude de recurso interposto pelo Ministério Público, for aumentada a pena, de modo que exclua a concessão do benefício”. Aduziu-se que o contido naquele artigo não diria respeito à revogação do sursis, mas à sua ineficácia. Portanto, não seria possível a produção de efeitos semelhantes ao art. 705 do CPPM, que também trataria de ineficácia e não de revogação. Citou-se precedente da Corte (HC 65604/SP, DJU de 27.5.88) que fizera a distinção entre a revogação contida no art. 708 do CPP (repetida no art. 615 do CPPM) e a ineficácia estabelecida no art. 706 daquele mesmo diploma, cuja regra fora repisada no art. 613 do CPPM. Esclareceu-se que a ineficácia decorrente de causa verificada no curso de execução do sursis, ou depois de ele estar extinto, apaga os efeitos já produzidos, não se confundindo, portanto, com a revogação. Concluiu-se que, à luz do sistema legal, outra não poderia ser a conclusão senão condicionar a eficácia do sursis ao resultado do recurso interposto pelo Parquet.
HC 115252/BA, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 5.11.2013. (HC-115252)
A 2ª Turma iniciou julgamento de agravo regimental em que se discute o cabimento de embargos infringentes de decisão não unânime, em julgamento de remessa de ofício. Na decisão agravada, o Ministro Ricardo Lewandowski, relator, negara seguimento ao recurso ao fundamento de que a recorrente não teria esgotado as vias recursais ordinárias, porque cabível o recurso de embargos infringentes (CPC, art. 530). No presente agravo regimental, alega-se que seriam pacíficas as jurisprudências do STF e do STJ no sentido do não cabimento de embargos infringentes quando a demanda fosse julgada em sede de remessa oficial. O Ministro Ricardo Lewandowski manteve a decisão agravada e negou provimento ao recurso. Destacou a ausência de esgotamento da via recursal ordinária, visto que cabíveis embargos infringentes, a incidir o Enunciado 281 da Súmula do STF (“É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber na justiça de origem recurso ordinário da decisão impugnada”). Após o voto do relator, pediu vista dos autos o Ministro Teori Zavascki.
ARE 761446 AgR/MG, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 6.11.2013. (ARE-761446)
Sessões | Ordinárias | Extraordinárias | Julgamentos |
Pleno | 6.11.2013 | 7.11.2013 | 128 |
1ª Turma | 5.112013 | — | 137 |
2ª Turma | 5.11.2013 | 6.11.2013 | 148 |
DJe 4 a 8 de novembro de 2013
REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 719.870-MG
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
PRESTAÇÃO JURISDICIONAL – COMPLETUDE – CARGOS – DEFINIÇÃO – AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM QUANTO À EXCEÇÃO A AFASTAR O CONCURSO – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. Possui repercussão geral a controvérsia relativa à nulidade do acórdão formalizado pelo Tribunal de origem, quando, instado a emitir entendimento sobre o tema de defesa versado no recurso, quedar-se silente, incorrendo em negativa de prestação jurisdicional.
REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 745.811-PA
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
Recurso extraordinário. Repercussão geral da questão constitucional reconhecida. 2. Direito Administrativo. Servidor público. 3. Extensão, por meio de emenda parlamentar, de gratificação ou vantagem prevista pelo projeto do Chefe do Poder Executivo. Inconstitucionalidade. Vício formal. Reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo para edição de normas que alterem o padrão remuneratório dos servidores públicos. Art. 61, § 1º, II, “a”, da Constituição Federal. 4. Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis da Administração Direta, das Autarquias e das Fundações Públicas do Estado do Pará (Lei 5.810/1994). Artigos 132, inciso XI, e 246. Dispositivos resultantes de emenda parlamentar que estenderam gratificação, inicialmente prevista apenas para os professores, a todos os servidores que atuem na área de educação especial. Inconstitucionalidade formal. Artigos 2º e 63, I, da Constituição Federal. 5. Recurso extraordinário provido para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 132, XI, e 246 da Lei 5.810/1994, do Estado do Pará. Reafirmação de jurisprudência.
REPERCUSSÃO GERAL EM ARE N. 738.109-RS
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. SUSPENSÃO DE AÇÃO INDIVIDUAL EM RAZÃO DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM A MESMA FINALIDADE. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL (ART. 543-A DO CPC).
1. A controvérsia a respeito da viabilidade da suspensão de ação individual, por força de propositura de ação coletiva é de natureza infraconstitucional não havendo, portanto, matéria constitucional a ser analisada (AI 830.805-AgR/DF, Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, DJe de 23.5.2012; ARE 642.119-AgR/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, DJe de 15.3.2012; AI 807.715-AgR/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, DJe de 25.11.2010; AI 789.312-AgR/MG, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, DJe de 25.10.2010).
2. Não há violação ao art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, por suposta omissão não sanada pelo acórdão recorrido ante o entendimento da Corte que exige, tão somente, sua fundamentação, ainda que sucinta (AI 791.292 QO-RG/PE, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe de 13.8.2010), nem ao seus incisos II, XXXVI, LIV e LV, em razão de necessidade de revisão de interpretação de norma infraconstitucional (AI 796.905-AgR/PE, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe de 21.5.2012; AI 622.814-AgR/PR, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe de 08.3.2012; ARE 642.062-AgR/RJ, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, DJe de 19.8.2011).
3. A matéria infraconstitucional utilizada como razão de decidir pelo acórdão recorrido tendo sido confirmada, definitivamente, pelo Superior Tribunal de Justiça, torna-se imutável e, sendo suficiente para sua manutenção, faz incidir o óbice da Súmula/STF 283.
4. Norma definidora de princípios fundantes da República, por ser disposição demasiado genérica, é insuficiente para infirmar o juízo formulado pelo acórdão recorrido.
5. É cabível a atribuição dos efeitos da declaração de ausência de repercussão geral quando não há matéria constitucional a ser apreciada ou quando eventual ofensa à Constituição Federal se dê de forma indireta ou reflexa (RE 584.608-RG/SP, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Pleno, DJe de 13.3.2009).
6. Ausência de repercussão geral da questão suscitada, nos termos do art. 543-A do CPC.
Decisões Publicadas: 3
4a 8 de novembro de 2013
AG. REG. NO SEGUNDO AG. REG. NO RE N. 590.164-SP
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: Agravo regimental no segundo agravo regimental no recurso extraordinário. Verba de representação de Procuradores do Estado de São Paulo. Inclusão no teto remuneratório. Precedentes.
1. A verba de representação recebida pelos Procuradores do Estado de São Paulo não se caracteriza como vantagem de natureza pessoal e, por isso, deve ser incluída no teto remuneratório da categoria.
2. Agravo regimental não provido.
RHC N. 116.672-SP
RELATORA: MIN. ROSA WEBER
EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CORRUPÇÃO PASSIVA. ADEQUAÇÃO TÍPICA. QUESTÃO NÃO ANALISADA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS.
1. Comprovada a solicitação de vantagem indevida para pleitear perante a Administração Pública o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato da vítima, a conduta do Recorrente amolda-se ao tipo previsto no art. 317 do Código Penal (corrupção passiva).
2. Não prospera o pleito fundado em suposto equívoco na tipificação do delito pelas instâncias ordinárias, perante as quais a Defesa não apresentou essa tese, suscitada apenas quando da impetração do habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça, via que não permite a ampla valoração dos fatos e provas necessária para seu acolhimento.
3. Recurso ordinário a que se nega provimento.
*noticiado no Informativo 717
EMB. DECL. NO Inq N. 2.471-SP
RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, OBSCURIDADE OU CONTRADIÇÃO. REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. EFEITOS INFRINGENTES. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS DECLARATÓRIOS REJEITADOS.
I - Da leitura do voto condutor do acórdão ora embargado, verifica-se que o embargante apenas busca renovar a discussão de questões já apreciadas no acórdão embargado.
II - Inexistência de omissão, ambiguidade, obscuridade ou contradição que devam ser reparadas.
III- Embargos declaratórios rejeitados.
*noticiado no Informativo 642
HC N. 108.749-DF
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. INSTALAÇÃO DE NOVAS VARAS POR PROVIMENTO DE TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL. REDISTRIBUIÇÃO DE PROCESSOS. NÃO-CONFIGURAÇÃO DE NULIDADE. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA.
1. A al. a do inc. I do art. 96 da Constituição Federal autoriza alteração da competência dos órgãos do Poder Judiciário por deliberação dos tribunais. Precedentes.
2. Redistribuição de processos, constitucionalmente admitida, visando a melhor prestação da tutela jurisdicional, decorrente da instalação de novas varas em Seção Judiciária do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, não ofende os princípios constitucionais do devido processo legal, do juiz natural e da perpetuatio jurisdictionis.
3. Ordem denegada.
* noticiado no Informativo 726
Acórdãos Publicados: 411
Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
ADO: Mora legislativa e elaboração da lei de defesa do usuário de serviços públicos (Transcrições)
ADO 24/DF*
DECISÃO: Vistos.
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade por omissão, com pedido de medida cautelar, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) em face da Presidente da República, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, tendo como objeto a mora legislativa na elaboração da lei de defesa do usuário de serviços públicos, nos termos do art. 27 da Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, cujo teor é o seguinte:
“Art. 27. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação desta Emenda, elaborará lei de defesa do usuário de serviços públicos.”
Sustenta o requerente ser manifesta a omissão legislativa do Congresso Nacional, tendo em vista que já transcorreram mais de 14 (quatorze) anos da promulgação da Emenda Constitucional nº 19 (1998) sem que tenha sido elaborada a lei de defesa do usuário de serviços públicos, não obstante o expresso estabelecimento do prazo de 120 (cento e vinte) dias.
Informa a parte que, na Câmara dos Deputados, tramita o Projeto de Lei nº 6.953/2002 (Substitutivo do PL nº 674/1999), atualmente pendente de análise e de deliberação no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) daquela Casa.
Aponta, ademais, para a imprescindibilidade da imediata edição da lei em comento, uma vez que “a atividade de serviço público emerge como um instrumento de satisfação direta e imediata dos direitos fundamentais, notadamente a dignidade da pessoa humana, expressamente disposta no art. 1º, inciso III[,] da Constituição Federal”.
Acrescenta, a propósito, as previsões contidas no art. 37, § 3º, e no art. 175, II, ambos da Carta Magna, os quais alçaram a defesa do usuário de serviço público ao status de preceito constitucional.
Defende, então, o requerente que, enquanto não for editada a referida legislação, sejam aplicadas, subsidiariamente, as disposições do Código de Defesa e Proteção do Consumidor (CDC), de forma a suprimir o vácuo legislativo e garantir o mínimo de proteção aos usuários de serviços públicos, inclusive para aqueles prestados diretamente pelo Poder Público, pois, de certa forma, a jurisprudência dos Tribunais brasileiros já adota essa diretriz na solução das lides entre os cidadãos e as empresas concessionárias de serviços públicos.
Por essas razões, com fundamento no art. 12-F da Lei 9.868/99, pede o autor, in verbis, o deferimento de medida cautelar para, imediatamente:
“(a.1) determinar aos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, bem assim à Presidência da República, que adotem providências para que a análise do Projeto de Lei nº 6.953/2002 (Substitutivo do PL nº 674/1999) e sua conversão em lei ocorram, no prazo máximo, de 120 (cento e vinte) dias, a contar da intimação da r. decisão que deferir a medida cautelar;
(a.2) determinar a aplicação subsidiária e provisória da Lei nº 8.078/90 Código de Proteção e Defesa do Consumidor enquanto não editada Lei de Defesa dos Usuários de Serviços Público, de modo a resguardar minimamente o cidadão contribuinte em suas relações com o Poder Público.”
No mérito, requer:
“(e) a procedência do pedido de mérito para que seja declarada a mora legislativa do Congresso Nacional na elaboração da Lei de Defesa do Usuário de Serviços Públicos, em evidente afronta aos termos do artigo 27 da Emenda Constitucional nº 19/1998.
(f) por fim, e caso não deferida a medida cautelar, o estabelecimento/determinação dessa Eg. Corte de prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias, contados da data de julgamento da presente ação, para que o Congresso Nacional elabore a Lei de Defesa do Usuário de Serviços Públicos, conforme fundamentação aduzida nesta ação.”
É o breve relato.
Examinados os elementos havidos nos autos, em caráter excepcional, diante da relevância da matéria e da gravidade do quadro narrado, bem como da proximidade do recesso desta Suprema Corte, examino monocraticamente, ad referendum do Plenário, o pedido de medida cautelar, sem a audiência dos órgãos ou das autoridades responsáveis pela apontada inconstitucionalidade por omissão, conforme precedentes desta Corte, tais como: ADPF nº 130/DF-MC, Rel. Min. Ayres Britto, DJ de 27/2/08; ADI nº 4.307/DF-MC, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJ de 8/10/09; ADI nº 4.598/DF-MC, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 1º/8/11; ADI nº 4.638/DF-MC, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 1º/2/12; ADI nº 4.705/DF-MC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 1º/2/12; ADI nº 4.635-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 5/1/12; ADI nº 4.917-MC, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJ de 21/3/13.
Conforme relatado e claramente exposto pelo autor da presente ação, a quem louvo pela iniciativa cidadã de ajuizar a presente ação, estamos diante de caso de inatividade legislativa referente a regulamentação de norma constitucional, na espécie, do art. 27 da Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, o qual determinou a elaboração, pelo Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias, da lei de defesa do usuário de serviços públicos.
Trata-se de ação das mais interessantes, não somente por consistir em ação direta de inconstitucionalidade por omissão – tema tormentoso que vem ganhando espaço e destaque na teoria jurídica nacional –, mas, principalmente, pela temática de fundo: a prestação de serviços públicos no País e os instrumentos de defesa dos seus usuários.
Lembre-se, a propósito, o pensamento de Leon Duguit, segundo o qual o serviço público constituiria a própria essência do Estado.
Nesse contexto, Celso Antônio Bandeira de Mello pontua que:
“(...) ao erigir-se algo em serviço público, bem relevantíssimo da coletividade, trata-se não apenas de buscar-lhe a mais adequada prestação em benefício do público, mas também se trata de impedir, de um lado, que terceiros os obstaculizem e, de outro, que o titular deles ou quem haja sido credenciado a prestá-los proceda, por ação ou omissão, de modo abusivo, quer por desrespeitar direitos dos administrados em geral, quer por sacrificar direitos ou conveniências dos usuários do serviço” (Grandes Temas de Direito Administrativo. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 276).
Em nosso ordenamento jurídico, a prestação de serviços públicos mereceu tratamento no próprio texto constitucional. A Constituição de 1988 disciplinou, de forma bastante contundente, certos serviços públicos, estabelecendo direitos, deveres e formas de prestação, de organização e de fruição, como, por exemplo, no âmbito da saúde (art. 197 e 198), da assistência social (art. 204) e da educação (arts. 205 e 206).
A Constituição da República consignou, ainda, que a prestação de serviços públicos é dever do Poder Público, realçando a necessidade de haver definição legal dos direitos dos usuários, conforme estabelecido no seu art. 175:
“Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
II - os direitos dos usuários;
III - política tarifária;
IV - a obrigação de manter serviço adequado.”
Com a Emenda Constitucional nº 19, de 1998, a proteção dos usuários de serviço público, de forma mais enfática, ganhou novos contornos constitucionais. O art. 37, § 3º, da Carta da República, alterado pela referida emenda constitucional, previu a necessidade de haver disciplina legislativa sobre as formas de participação dos usuários, sobre as reclamações, os meios de informações e os instrumentos jurídicos relativos à prestação de serviços públicos. Vide:
“Art. 37 (...)
§ 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente:
I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços;
II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII;
III - a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública.”
Conferindo papel de destaque na ordem constitucional à defesa do usuário de serviço público, a referida emenda constitucional, em uma clara demonstração de sensibilidade do legislador para com os cidadãos, impôs ao Estado a obrigação de adotar mecanismos destinados à proteção e à defesa dos usuários dos serviços públicos, assim dispondo, de forma expressa, no seu art. 27, objeto da presente ação direta:
“Art. 27. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação desta Emenda, elaborará lei de defesa do usuário de serviços públicos.”
Com efeito, a cláusula constitucional inscrita no art. 27 da EC nº 19, de 1998, para além de proclamar uma garantia social dos direitos dos usuários dos serviços públicos, consubstanciou verdadeira imposição legiferante, a qual, dirigida ao Estado legislador, tem por finalidade vinculá-lo à efetivação de uma legislação destinada: (a) a assegurar a prestação de serviços públicos de qualidade à coletividade e (b) a estabelecer mecanismos específicos de proteção e defesa dos usuários.
Ocorre que, passados exatos 15 (quinze) anos, ainda não foi editada a referida lei de defesa do usuário de serviços públicos. É evidente, portanto, a existência de alargado lapso temporal (mais de uma década), a caracterizar, já neste juízo sumário, a inatividade do Estado em cumprir o inequívoco dever constitucional de legislar, o que resulta em afronta à Constituição.
Como salienta Clèmerson Merlin Clève,
“[n]ão é apenas a ação do Estado que pode ofender a Constituição. Deveras, a inércia do Poder Público e o silêncio legislativo igualmente podem conduzir a uma modalidade específica de ilegalidade definida, pelo direito contemporâneo, como inconstitucionalidade por omissão” (A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2000. p. 51).
De fato, a omissão inconstitucional é tema dos mais sedutores e complexos da Teoria Constitucional, abrangendo questionamentos contemporâneos acerca da força normativa da Constituição, do papel da jurisdição constitucional, da harmonia e da separação dos Poderes. Antes de tudo, porém, o tema realça a necessária e premente concretização da Constituição pelos Poderes da República. Ainda que as soluções das inconstitucionalidades por omissão induzam a questionamentos dos mais controvertidos, há muito não se têm dúvidas sobre a gravidade da não observância da imposição constitucional de legislar. Como já lecionava o Ministro Celso de Mello em seu voto no julgamento da medida cautelar da ADI nº 1.439/DF:
“A omissão do Estado, que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional, qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.
É por essa razão que J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (‘Fundamentos da Constituição’, p. 46, item n. 2.3.4, 1991, Coimbra Editora), analisando a força normativa da Constituição - e assinalando que a eficácia preponderante e subordinante de suas cláusulas impede o reconhecimento de situações inconstitucionais -, acentuam, na perspectiva da inquestionável preeminência normativa da Carta Política, que:
‘(...) tanto se viola a Lei fundamental quando as acções estaduais não estão em conformidade com as suas normas e princípios, como quando os preceitos constitucionais não são ‘actuados’, dinamizados ou concretizados pelos órgãos que constitucionalmente estão vinculados a fornecerem-lhe operatividade prática.
A Constituição impõe-se normativamente, não só quando há uma acção inconstitucional (fazer o que ela proíbe), mas também quando existe uma omissão inconstitucional (não fazer o que ela impõe que seja feito).’ (grifei)
(...)
Dentro desse contexto, foi instituída a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, vocacionada a preservar a supremacia da Carta Política e destinada, enquanto instrumento de controle abstrato, a impedir o desprestígio da própria Constituição, eis que - tal como adverte PONTES DE MIRANDA, em magistério revestido de permanente atualidade (‘Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1, de 1969’, tomo I/15-16, 2ª ed., 1970, RT) – ‘Nada mais perigoso do que fazer-se Constituição sem o propósito de cumpri-la. Ou de só se cumprir nos princípios de que se precisa, ou se entende devam ser cumpridos - o que é pior (...). No momento, sob a Constituição que, bem ou mal, está feita, o que nos incumbe, a nós, dirigentes, juízes e intérpretes, é cumpri-la. Só assim saberemos a que serviu e a que não serviu, nem serve. Se a nada serviu em alguns pontos, que se emende, se reveja. Se em algum ponto a nada serve - que se corte nesse pedaço inútil. Se a algum bem público desserve, que pronto se elimine. Mas, sem na cumprir, nada saberemos. Nada sabendo, nada poderemos fazer que mereça crédito. Não a cumprir é estrangulá-la ao nascer’.
É preciso proclamar que as Constituições consubstanciam ordens normativas cuja eficácia, autoridade e valor não podem ser afetados ou inibidos pela voluntária inação ou por ação insuficiente das instituições estatais. Não se pode tolerar que os órgãos do Poder Público, descumprindo, por inércia e omissão, o dever de emanação normativa que lhes foi imposto, infrinjam, com esse comportamento negativo, a própria autoridade da Constituição e afetem, em conseqüência, o conteúdo eficacial dos preceitos que compõem a estrutura normativa da Lei Maior” (Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 30/5/03).
É bem verdade que não estamos, no presente caso, diante de ausência total de proposição legislativa, tendo em vista que, como informado pelo requerente, no âmbito da Câmara dos Deputados, tramita o Projeto de Lei nº 6.953/2002 (Substitutivo do PL nº 674/1999), o qual, atualmente, está pendente de análise e deliberação pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) daquela Casa.
Assim, a presente omissão diz respeito ao que o Ministro Gilmar Mendes denominou, na ADI nº 3.682/MT, de inertia deliberandi (discussão e votação) no âmbito das Casas Legislativas.
Com efeito, esta Suprema Corte, de início, considerava que, desencadeado o processo legislativo, não havia que se falar em omissão inconstitucional do legislador (ADI nº 2.495/SC, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 2/8/02). Contudo, no julgamento da já citada ADI nº 3.682/DF, o Tribunal entendeu que, não obstante os vários projetos de lei complementar apresentados e discutidos no âmbito do Congresso Nacional, a inertia deliberandi também poderia configurar omissão passível de ser reputada inconstitucional, no caso de os órgãos legislativos não deliberarem dentro de um prazo razoável sobre o projeto de lei em tramitação. Vide a ementa do julgado paradigmático:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. INATIVIDADE DO LEGISLADOR QUANTO AO DEVER DE ELABORAR A LEI COMPLEMENTAR A QUE SE REFERE O § 4º DO ART. 18 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, NA REDAÇÃO DADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL NO 15/1996. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. A Emenda Constitucional nº 15, que alterou a redação do § 4º do art. 18 da Constituição, foi publicada no dia 13 de setembro de 1996. Passados mais de 10 (dez) anos, não foi editada a lei complementar federal definidora do período dentro do qual poderão tramitar os procedimentos tendentes à criação, incorporação, desmembramento e fusão de municípios. Existência de notório lapso temporal a demonstrar a inatividade do legislador em relação ao cumprimento de inequívoco dever constitucional de legislar, decorrente do comando do art. 18, § 4º, da Constituição. 2. Apesar de existirem no Congresso Nacional diversos projetos de lei apresentados visando à regulamentação do art. 18, § 4º, da Constituição, é possível constatar a omissão inconstitucional quanto à efetiva deliberação e aprovação da lei complementar em referência. As peculiaridades da atividade parlamentar que afetam, inexoravelmente, o processo legislativo, não justificam uma conduta manifestamente negligente ou desidiosa das Casas Legislativas, conduta esta que pode pôr em risco a própria ordem constitucional. A inertia deliberandi das Casas Legislativas pode ser objeto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. 3. A omissão legislativa em relação à regulamentação do art. 18, § 4º, da Constituição, acabou dando ensejo à conformação e à consolidação de estados de inconstitucionalidade que não podem ser ignorados pelo legislador na elaboração da lei complementar federal. 4. Ação julgada procedente para declarar o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, em prazo razoável de 18 (dezoito) meses, adote ele todas as providências legislativas necessárias ao cumprimento do dever constitucional imposto pelo art. 18, § 4º, da Constituição, devendo ser contempladas as situações imperfeitas decorrentes do estado de inconstitucionalidade gerado pela omissão. Não se trata de impor um prazo para a atuação legislativa do Congresso Nacional, mas apenas da fixação de um parâmetro temporal razoável, tendo em vista o prazo de 24 meses determinado pelo Tribunal nas ADI nºs 2.240, 3.316, 3.489 e 3.689 para que as leis estaduais que criam municípios ou alteram seus limites territoriais continuem vigendo, até que a lei complementar federal seja promulgada contemplando as realidades desses municípios.” (ADI nº 3682/MT, Relator(a): Min. Gilmar Mendes, DJe de 5/9/07, grifos nossos).
De fato, conquanto não se desconheça a complexidade de determinados projetos legislativos, as peculiaridades e as dificuldades da atividade parlamentar não justificam inércia demasiadamente longa diante de imposições ditadas pelo texto constitucional.
É o que ocorre na espécie. Não obstante esteja em tramitação, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 6.953/2002, visando à regulamentação do art. 27 da EC nº 19/98, já decorreu mais de uma década desde a edição da referida emenda, o que configura manifesta omissão inconstitucional quanto à efetiva aprovação de lei sobre o tema.
Ademais, embora eu reconheça que, em muitos casos, a inércia do Poder Legislativo possa ser considerada uma legítima decisão política de não deliberação, entendo que, na presente hipótese, a decisão política já foi tomada pelo Constituinte Derivado, quando determinou, no art. 27 da EC nº 19/98, a elaboração de lei de defesa do usuário de serviços públicos, inclusive com a fixação de prazo para a sua concretização (cento e vinte dias). Nesse caso, o legislador tem o dever jurídico de legislar, por força de expresso mandamento constitucional e, no caso de inércia, configurada está a omissão inconstitucional.
Nas sempre elucidantes palavras de Luís Roberto Barroso:
“A simples inércia, o mero não fazer por parte do legislador não significa que se esteja diante de uma omissão inconstitucional. Esta se configura com o descumprimento de um mandamento constitucional no sentido de que atue positivamente, criando uma norma legal. A inconstitucionalidade resultará, portanto, de um comportamento contrastante com uma obrigação jurídica de conteúdo positivo.
Como regra, legislar é uma faculdade do legislador. Insere-se no âmbito de sua discricionariedade ou, mais propriamente, de sua liberdade de conformação a decisão de criar ou não lei acerca de determinada matéria. De ordinário, sua inércia ou sua decisão política de não agir não caracterizarão comportamento inconstitucional. Todavia, nos casos em que a Constituição impõe ao órgão legislativo o dever de editar norma reguladora da atuação de determinado preceito constitucional, sua abstenção será ilegítima e configurará caso de inconstitucionalidade por omissão.” (O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 5. ed. São Paulo: 2011. p. 55/56).
Em conclusão, a omissão legislativa, no presente caso, está a inviabilizar o que a Constituição da República determina: a edição de lei de defesa do usuário de serviços públicos. A não edição da referida disciplina legal, dentro do prazo estabelecido constitucionalmente, ou mesmo de um prazo razoável, consubstancia autêntica violação da ordem constitucional.
Como bem lembra Antônio Carlos Cintra do Amaral acerca do tema,
“[é] lamentável que uma emenda constitucional aprovada em 19 de junho de 1998 determine que o Congresso Nacional elabore, em 120 dias, uma lei de defesa do usuário de serviços públicos, e até hoje, decorridos 14 anos, o Congresso não tenha cumprido o comando constitucional. Fala-se muito em ‘marco regulatório’ das concessões de serviço público no Brasil, mas pouco tenho tomado conhecimento de algo em favor da necessidade dessa lei. Mais ainda: a omissão do Congresso constitui uma inconstitucionalidade, prevista no art. 103, § 2º, da Constituição da República. Vale dizer: o Congresso, por omissão, praticou inconstitucionalidade, e o que ocorreu? Nada!” (Concessão de serviços públicos: novas tendências. São Paulo: Quatier Latin, 2012. p. 121).
Verificada, portanto, a presença de mora legislativa quanto à regulamentação do art. 27 da Emenda Constitucional nº 19, de 1998, resta saber se seria possível e viável a concessão dos pedidos liminares requeridos na presente ação.
Acerca das liminares em ação direta de inconstitucionalidade por omissão, a jurisprudência tradicional da Corte era no sentido de não ser possível sua concessão, tendo em vista que, no mérito, a decisão de inconstitucionalidade não teria o efeito de afastar a omissão, restringindo-se a autorizar o Tribunal a cientificar o Poder competente para a adoção das providências necessárias à superação do estado de omissão inconstitucional, determinando, no caso de órgão administrativo, que o faça em trinta dias (Cf. ADI nº 267/DF-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 19/5/95; ADI nº 361/DF-MC, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 26/10/90; ADI nº 529/DF-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 5/3/93; ADI nº 1387/DF-MC, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 29/3/96).
Todavia, a Lei nº 12.063/09, ao disciplinar o procedimento específico da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, superou esse entendimento jurisprudencial e autorizou, expressamente, no art. 12-F, § 1º, da Lei 9.868/99, o deferimento de cautelar em ADO, que poderá consistir em: i) suspensão da aplicação da lei ou do ato normativo questionado, no caso de omissão parcial; ii) suspensão de processos judiciais ou de procedimentos administrativos; ou ainda iii) qualquer outra providência a ser fixada pelo Tribunal.
Como bem evidenciado pelo Ministro Gilmar Mendes, em obra doutrinária:
“(...) a complexidade das questões afetas à omissão inconstitucional parece justificar a fórmula genérica utilizada pelo legislador, confiando ao Supremo Tribunal Federal a tarefa de conceber providência adequada a tutelar a situação jurídica controvertida” (Controle abstrato de constitucionalidade – ADI, ADC e ADO: comentários à Lei n. 9.868/99. São Paulo: Saraiva, 2012).
De igual modo, segundo Luís Roberto Barroso, “[e]ssa última previsão, de conteúdo aberto, parece abrir caminho para eventuais decisões de conteúdo aditivo, não apenas em sede de liminar, mas também nos provimentos finais” (O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 5. ed. São Paulo: 2011. p. 286).
Nesse veio, e já aplicando a autorização contida no art. 12-F, § 1º, da Lei 9.868/99, o eminente Ministro Ricardo Lewandowski, no exercício da Presidência desta Corte, deferiu, em parte, liminar pleiteada na ADO nº 23/DF (DJe 1º/2/13), determinando que as regras de distribuição do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE), fixadas pela Lei Complementar nº 62, de 28 de dezembro de 1989, continuassem em vigor por mais 150 (cento e cinquenta) dias, conferindo conteúdo aditivo à decisão liminar em ação direta de inconstitucionalidade por omissão.
No presente caso, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil pede o deferimento de medida cautelar para, imediatamente:
“(a.1) determinar aos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, bem assim à Presidência da República, que adotem providências para que a análise do Projeto de Lei nº 6.953/2002 (Substitutivo do PL nº 674/1999) e sua conversão em lei ocorram, no prazo máximo, de 120 (cento e vinte) dias, a contar da intimação da r. decisão que deferir a medida cautelar;
(a.2) determinar a aplicação subsidiária e provisória da Lei nº 8.078/90 Código de Proteção e Defesa do Consumidor enquanto não editada Lei de Defesa dos Usuários de Serviços Públicos, de modo a resguardar minimamente o cidadão contribuinte em suas relações com o Poder Público.”
É inevitável observar que o caso em tela coincide com a atual pauta social por melhorias dos serviços públicos. Os movimentos sociais que hoje irradiam várias partes do país e o respectivo anseio da população por qualidade na prestação dos serviços disponibilizados à sociedade brasileira são uma demonstração inequívoca da urgência na regulamentação do art. 27 da EC nº 19/98.
É dever inescusável do Estado a prestação de serviços públicos eficientes e de qualidade à coletividade. Nas palavras do argentino Héctor Jorge Escola: “Por ello se dice, com razón, que el grado de desarollo y progreso de un país se mide por el grado de organización y prestación de sus servicios públicos, y la satisfacción y complacencia com que los usuarios los utilizan.” (El interés publico: como fundamento del derecho administrativo. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1989. p. 120).
Contudo, há de se ressaltar as dificuldades da cidadania em acessar, interagir e influenciar o Estado nas decisões relacionadas à prestação de serviços. Mais que destinatários dos serviços públicos, os usuários devem ser sujeitos de uma cidadania ativa e efetiva, o que exige evidentemente canais diretos de comunicação entre Estado e sociedade.
É chegada a hora dos usuários dos serviços públicos. E mais efetivo será o respeito aos direitos dos usuários se forem expressos os meios formais e os instrumentos específicos disponíveis para que os próprios usuários formulem suas reclamações e defendam seus direitos. Faz-se necessária, portanto, a definição de mecanismos reguladores e fiscalizadores eficientes para que a cidadania possa, de modo consequente, exigir qualidade, regularidade e segurança na prestação dos serviços públicos.
Sendo assim, dada a manifesta e inequívoca omissão inconstitucional, que já perdura mais de uma década, é dever desta Suprema Corte determinar a imediata ação do Estado legislador para a concretização do direito constitucionalmente previsto no art. 27 da EC nº 19/98, eliminando-se, o mais rápido possível, o estado de inconstitucionalidade.
Destarte, impõe-se a concessão imediata de medida cautelar para, de forma semelhante ao que estabelecido por esta Corte no julgamento da ADI nº 3.682/MT, definir-se, desde já, prazo razoável para que os requeridos adotem as medidas necessárias à edição da lei de defesa do usuário de serviço público, mediante análise e conversão em lei seja do Projeto de Lei nº 6.953/2002 (Substitutivo do PL nº 674/1999), já em tramitação na Câmara dos Deputados, seja de outra proposição que venha a ser apresentada pelos órgãos competentes.
Nesses termos, acolho a sugestão do autor da demanda e fixo o prazo razoável de 120 (cento e vinte) dias para a edição da lei em questão, tendo em vista ter sido esse o prazo definido no próprio art. 27 da EC nº 19/98. Como afirmado pelo requerente, em sua inicial, a presente decisão, “na prática, teria o condão de renovar o prazo inicialmente concedido pela própria Emenda Constitucional nº 19/98, não implicando, no mais, em maiores consequências jurídicas”.
Por certo, o prazo aqui indicado não tem por objetivo resultar em interferência desta Corte na esfera de atribuições dos demais Poderes da República. Antes, há de expressar como que um apelo ao Legislador para que supra a omissão inconstitucional concernente a matéria tão relevante para a cidadania brasileira - a defesa dos usuários de serviços públicos no País.
Deixo, contudo, de deferir, neste momento, o pedido de medida cautelar, na parte em que se requer a aplicação subsidiária e provisória da Lei nº 8.078/90, deixando-o para análise mais aprofundada por parte do Tribunal - caso ainda subsista a mora -, e após colhidas as informações das autoridades requeridas e as manifestações do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República, os quais permitirão o exame mais aprofundado do tema.
Assim sendo, defiro em parte a medida cautelar pleiteada na presente ação, ad referendum do Plenário, para reconhecer o estado de mora do Congresso Nacional, a fim de que os requeridos, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, adotem as providências legislativas necessárias ao cumprimento do dever constitucional imposto pelo art. 27 da Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998.
Comunique-se, com urgência.
Tendo em vista o recesso do Tribunal, solicitem-se informações aos requeridos e, na sequência, abra-se vista, sucessivamente, ao Advogado-Geral da União e ao Procurador-Geral da República, após o que o processo estará devidamente pronto para ser decidido pela Corte.
Publique-se.
Brasília, 1º de julho de 2013.
Ministro DIAS TOFFOLI
Relator
*decisão publicada no DJe de 1º.8.2013
Lei nº 12.878, de 4.11.2013 - Altera a Lei nº 6.815, de 19.8.1980 (Estatuto do Estrangeiro), para estabelecer nova disciplina à prisão cautelar para fins de extradição. Publicado no DOU em 5.11.2013, Seção 1, p.2.
Lei nº 12.879, de 5.11.2013 - Dispõe sobre a gratuidade dos atos de registro, pelas associações de moradores, necessários à adaptação estatutária à Lei nº 10.406, de 10.1.2002 - Código Civil, e para fins de enquadramento dessas entidades como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público. Publicada no DOU em 6.11.2013, Seção 1, p.1.
OUTRAS INFORMAÇÕES
Decreto nº 8.135, de 4.11.2013 - Dispõe sobre as comunicações de dados da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, e sobre a dispensa de licitação nas contratações que possam comprometer a segurança nacional. Publicado no DOU em 5.11.2013, Seção 1, p.2.
Decreto nº 8.136, de 5.11.2013 - Aprova o regulamento do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial - Sinapir, instituído pela Lei nº 12.288, de 20.7.2010. Publicado no DOU em 6.11.2013, Seção 1, p.1.
Secretaria de Documentação – SDO
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