terça-feira, 11 de março de 2014

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM PROCESSOS ADMINISTRATIVOS


Embargos de declaração em processos administrativos.
Um conceito em evolução
Matheus dos Santos Buarque Eichler


Publicado em 01/2012. Elaborado em 09/2011.


Com o passar do tempo, devido à evolução do pensamento jurídico adotado pela Administração Pública, os embargos passarão a ser cada vez mais adotados em suas formas regimentais.


I – Introdução

O presente artigo tem como objetivo, de forma sucinta, analisar a possibilidade da interposição de embargos de declaração em processos administrativos, de acordo com a dinâmica dos eventuais pontos omissos, contraditórios ou obscuros. Com a adoção de procedimento semelhante pela Administração Pública, estar-se-ia municiando a todos de ferramentas mais precisas e de esboço mais próximo à lógica da cognição do Processo Civil, sem se descuidar dos Princípios que regem os Princípios e Regras que devem ser observados pela Administração Pública.

Quanto à definição do que seriam os Embargos de Declaração, em sede do processo civil, não nos restam dúvidas ou pontos controvertidos, com exceção das discussões doutrinárias a respeito da sua natureza (se estaríamos diante de um recurso em sentido estrito ou uma petição de reconsideração).

A Doutrina majoritária aponta no sentido de que os Embargos de Declaração são espécie do gênero Recursos, por estarem previstos no capítulo "Dos Recursos", da Lei nº. 5869/73 (Código de Processo Civil):


"Art. Art. 496. São cabíveis os seguintes recursos:

IV - embargos de declaração;

Art. 535. Cabem embargos de declaração quando:

I - houver, na sentença ou no acórdão, obscuridade ou contradição; (Redação dada pela Lei nº 8.950, de 1994)

II - for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal. (Redação dada pela Lei nº 8.950, de 1994)

Art. 536. Os embargos serão opostos, no prazo de 5 (cinco) dias, em petição dirigida ao juiz ou relator, com indicação do ponto obscuro, contraditório ou omisso, não estando sujeitos a preparo

Art. 537. O juiz julgará os embargos em 5 (cinco) dias; nos tribunais, o relator apresentará os embargos em mesa na sessão subseqüente, proferindo voto.

Art. 538. Os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de outros recursos, por qualquer das partes.

Parágrafo único. Quando manifestamente protelatórios os embargos, o juiz ou o tribunal, declarando que o são, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente de 1% (um por cento) sobre o valor da causa. Na reiteração de embargos protelatórios, a multa é elevada a até 10% (dez por cento), ficando condicionada a interposição de qualquer outro recurso ao depósito do valor respectivo."

A CLT também prevê os Embargos de Declaração:

Art. 897-A Caberão embargos de declaração da sentença ou acórdão, no prazo de cinco dias, devendo seu julgamento ocorrer na primeira audiência ou sessão subseqüente a sua apresentação, registrado na certidão, admitido efeito modificativo da decisão nos casos de omissão e contradição no julgado e manifesto equívoco no exame dos pressupostos extrínsecos do recurso.

Em relação aos efeitos da sua interposição, no que diz respeito a possibilidade de interrupção dos demais prazos recursais (efeito suspensivo):


AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA INTEMPESTIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NÃO CONHECIDOS. NÃO-INTERRUPÇÃO DO PRAZO RECURSAL. 1. A teor do disposto no artigo 538, caput, do CPC, os embargos de declaração somente interrompem o prazo recursal quando conhecidos, já que recursos praticados sem observância dos pressupostos extrínsecos de admissibilidade não podem produzir validade e eficácia ao ato processual praticado e devem ser tidos como inexistentes. Desse modo, os embargos de declaração não conhecidos por irregularidade de representação são considerados inexistentes e não interrompem o prazo recursal. 2. Intempestivo o recurso de revista interposto fora do prazo recursal previsto no artigo 895 da CLT, não merece provimento o agravo de instrumento. 3. Agravo de instrumento a que se nega provimento (TST - AIRR - 1152/2004-067-01-40.9 - Ac. 7ª T – Rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos - DJ 13/06/2008)

‘Os embargos de declaração interrompem o prazo recursal, mesmo em hipóteses de não-conhecimento ou inadmissibilidade, à exceção quando intempestivos, o que impõe o óbice da coisa julgada formal (art. 538 do CPC). Esse entendimento deve ser aplicado até em casos de embargos meramente protelatórios, visto que, para combatê-los, o próprio CPC prevê a imposição de multa (art. 538, parágrafo único, do CPC), tal como em caso de litigância irresponsável (arts. 17, 18, e 20, do CPC). REsp 544.038-BA, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 11/5/2004".


Torna-se evidente que tais efeitos suspensivos inserem-se na seara dos pontos mais críticos para a aceitação de Embargos de Declaração interpostos em sede de Processos Administrativos, quando não previstos nos Regimentos Internos da Administração.

Os Embargos de Declaração são definidos por Humberto Theodoro Junior, da seguinte forma:


"Recurso destinado a pedir ao juiz ou tribunal prolator da decisão que afaste obscuridade, supra omissão ou elimine contradição existente no julgado"

De acordo com o magistério de Ovídio Batista da Silva [01], o sentido e o alcance do instituto, no que diz respeito aos embargos em face de uma sentença seria:


[...] instrumento de que a parte se vale para pedir ao magistrado prolator de uma dada sentença que a complete em seus pontos obscuros, ou a complete quando omissa ou, finalmente que lhe repare ou elimine z)".

Os Embargos de Declaração visam combater eventuais obscuridades, contradições ou omissões. Neste sentido, Rodrigo Mazzei [02] define:


"Ato judicante obscuro é aquele que, em razão de sua má redação, não permite inequívoca e objetiva compreensão, pelo que reclama correta explicitação; contraditório, por sua vez, é aquele que adota premissas internas inconciliáveis, justificando-se a sua desintoxicação".

Com relação ao vício da omissão conforme preleciona Araken de Assis [03]:


"sucede quando o órgão judiciário abstém-se de apreciar as questões de fato e de direito, suscitadas ou não pelas partes – há as que comportam exame ex officio, a teor dos arts. 267, § 3°, e 301, § 4° -, debatidas ou não, embora o contraditório legitime o resultado obtido, desde que se configure pertinência com os elementos do processo"

II - Embargos de Declaração Em Processos Administrativos

Ponto pacífico é que o devido processo legal deve ser observado nos processos administrativos, certamente uma das características intrínsecas à manutenção do Estado Democrático de Direito é a fiel observância deste princípio maior, amparado pelos princípios consagrados pela CFRB/88.

A Lei 9784/99, que estabelece normas gerais para o processo administrativo na esfera da Administração Pública Federal, prevê de maneira expressa em seu art. 2º a necessária observância do Poder Público, no sentido de Administração Pública lato sensu, dos princípios da ampla defesa e do contraditório, regulando-se no âmbito infraconstitucional o cumprimento do art. 5º, inciso LV da Constituição Federal vigente de modo direto, e indiretamente o art. 5º, inciso LIV, já que se violados o contraditório e a ampla defesa, restará liquidado o princípio do devido processo legal.

Celso Antonio Bandeira de Melo [04] atenta sobre a importância da possibilidade de se suscitar a revisão das decisões administrativas através da via recursal, sempre esta decisão seja capaz de contribuir para que as decisões administrativas sejam adequadas, justas e corretas:


"Deveras, seriam impossíveis ‘o contraditório e a ampla defesa’, constitucionalmente previstos, sem audiência do interessado, acesso aos elementos do expediente e ampla instrução probatória. Assim, também seria impossível exercitá-los eficientemente sem direito a ser representado e assistido por profissional habilitado. De outra parte, uma vez que o Texto Constitucional fala em ‘recursos a ela inerentes’ [no art. 5º, LV da CF] (isto é, inerentes à ampla defesa), fica visto que terá de existir revisibilidade da decisão, a qual será obrigatoriamente motivada, pois, se não o fosse, não haveria como atacá-la na revisão."

José Frederico Marques [05] caminha no mesmo sentido:

"O devido processo legal, corolário e decorrência, na evolução histórica do direito anglo-saxônico, do princípio da "lei da terra" ("law of the land"), é expressão que se condensa uma lei genérica, como dizia Webster "lei que ouve antes de condenar, que mantém a vida, a liberdade e a propriedade "sob a proteção das coordenadas que governam a sociedade" ("apud" A.R. Sampaio Dória, "Princípios Constitucionais Tributários", e a Cláusula "Due processo of law", 1964, pág. 32, nota n. 30. Isto posto, evidente se torna que a administração pública, ainda que exercendo seus poderes de autotutela, não tem o direito de impor aos administrados, gravames e sanções que atinjam, direta ou indiretamente, seu patrimônio, sem ouvi-los adequadamente, preservando-lhes o direito de defesa.Seguem-se, neste passo, vias análogas às do procedimento judicial, através de atos de comunicação procedimental destinados a estabelecer a bilateralidade no processo administrativo, para que, assim, fiquem estendidos os princípios básicos do "due process of law".

Nesta esteira, a previsão de Embargos Declaratórios na Administração Pública soaria como uma forma de dar efetividade aos Princípios do Contraditório e Ampla Defesa, tomando-se por empréstimo um Recurso previsto nos Códigos de Processo, ou seja, de Direito Adjetivo, processual.

Entretanto, um dos obstáculos claros à interposição de Embargos de Declaração na esfera administrativa seria a falta de previsão legal expressa na legislação que cuida do processo administrativo. Quanto a omissão legislativa, acredito que, caso o julgador ou determinado órgão encarregado de formular pareceres viesse a receber "embargos de declaração", poderia recebê-lo como tal, sob fundamento do art. 5º, LV da CFRB/88 e em conjugação com o Princípio da Máxima Eficácia das Normas Constitucionais.

A título de exemplo, o Regimento Interno do CADE prevê em seu art. 147 a figura dos embargos de declaração:


"Art. 147. Aos acórdãos das decisões proferidas pelo Plenário do CADE, poderão ser opostos Embargos de Declaração, nos termos do art. 535 e seguintes do Código de Processo Civil, no prazo de 05 (cinco) dias, contados de sua publicação, em petição dirigida ao Relator, na qual será indicado o ponto obscuro, contraditório ou omisso, cuja declaração se imponha."

Art. 148 O Relator, se assim entender necessário, poderá abrir vista à parte ou interessado a quem eventual modificação do julgado possa causar gravame, para manifestação, no prazo de 05 (cinco) dias e, após, poderá colher parecer da Procuradoria do CADE"

Verifica-se também a semelhança dos efeitos ocasionados pela interposição dos Embargos perante o Conselho do CADE com os previstos pelo atual Código de Processo Civil de 1973:


"Art. 150 Existe a previsão expressa que de que os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição da Reapreciação e suspendem a execução do julgado."

Semelhante previsão de Embargos de Declaração pode ser verificada no Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF):

Em relação ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, há previsão expressa sobre a possibilidade de interposição de Embargos de Declaração em face de decisões proferidas pelos seus órgãos colegiados:


Art. 64. Contra as decisões proferidas pelos colegiados do CARF são cabíveis os seguintes recursos:

I - Embargos de Declaração;

Art. 65. Cabem embargos de declaração quando o acórdão contiver obscuridade, omissão ou contradição entre a decisão e os seus fundamentos, ou for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se a turma.

§ 1º Os embargos de declaração poderão ser interpostos, mediante petição fundamentada dirigida ao presidente da Turma, no prazo de cinco dias contado da ciência do acórdão:

I - por conselheiro do colegiado;

II - pelo contribuinte, responsável ou preposto;

III - pelo Procurador da Fazenda Nacional;

IV - pelos Delegados de Julgamento, nos casos de nulidade de suas decisões;

V - pelo titular da unidade da administração tributária encarregada da liquidação e execução do acórdão.

§ 2º O presidente da Turma poderá designar conselheiro para se pronunciar sobre a admissibilidade dos embargos de declaração

§ 3º O despacho do presidente será definitivo se declarar improcedentes as alegações suscitadas, sendo submetido à deliberação da turma em caso contrário.

§ 4º Do despacho que rejeitar os embargos de declaração será dada ciência ao embargante.

§ 5º Os embargos de declaração opostos tempestivamente interrompem o prazo para a interposição de recurso especial.

§ 6º As disposições deste artigo aplicam-se, no que couber, às decisões em forma de resolução.

Art. 3º Os recursos já sorteados aos conselheiros anteriormente à edição desta Portaria não serão devolvidos ou redistribuídos e serão julgados na turma para a qual o conselheiro for designado.

4º Os processos que retornem de diligência e os com embargos de declaração interpostos em face de acórdãos exarados em sessões anteriores à vigência deste Regimento Interno serão distribuídos ao relator original do recurso, salvo quando estiver atuando em colegiado com especialização diversa da do anterior.

Em suma, advogamos no sentido de que, nos casos em que seja verificada omissão, contradição ou obscuridade de decisões provenientes da atuação Administração Pública, seria possível a interposição de Embargos de Declaração, consoante a conjugação do Direito de Petição com o Princípio do Devido Processo Legal c/c o Princípio do Aproveitamento dos Atos das Partes, mesmo quando não previstos em sua forma regimental.

Nas lições de Cândido Rangel Dinamarco, em seu livro Teoria Geral do Processo, o autor cita que uma decisão obscura, contraditória ou omissa seria, por vezes, pior que uma não decisão. Evidencia-se que, tanto em processos quanto em procedimentos, a previsão de Embargos de Declaração ou de modelos análogos seria um importante instrumento de efetividade ao contraditório.

Acredito que, por razões de equidade e de ordem principiológica, não obstante a eventual falta de previsão legal, a interposição de Embargos de Declaração seria, mesmo assim, possível, com a ressalva da não afetação dos demais recursos, sob pena de se estar conferindo um efeito suspensivo onde não há.

Seguimos, em conclusão, o seguinte raciocínio: caso não exista previsão expressa, na legislação aplicável ao órgão competente, sobre suspensão de prazo no caso de Embargos de Declaração (efeitos suspensivos, como é previsto no RI do CARF), os demais recursos e prazos não poderiam se restar prejudicados. Sendo assim, caso o administrado estivesse diante de uma situação que demandasse a interposição de um recurso, este deveria ser interposto no prazo previsto, pois, aqueles embargos teriam sido recebidos apenas na sua forma de embargos por analogia, inexistindo eventuais efeitos suspensivos.

Acreditamos que, com o passar do tempo, devido à evolução do pensamento jurídico adotado pela Administração Pública, os embargos passarão a ser cada vez mais adotados em suas formas regimentais. Diversos institutos do Processo Civil poderiam ser "exportados" para o processo administrativo, sobretudo considerando que o primeiro oferece mecanismos cada vez mais sofisticados para a composição de interesses, tantas vezes divergentes e controvertidos.
Notas
BAPTISTA, Sônia Marcia Hase de Almeida. Dos Embargos de Declaração. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. (Recursos no Processo Civil; vol. 4).
MAZEI, Rodrigo, Embargos de Declaração e a Omissão Indireta (Matérias que devem ser resolvidas de ofício,independentemente de argüição prévia pelo interessado, in Revista Forense, v. 399, 2008, p. 163.
ASSIS, Araken, Manual dos Recursos, 2ª Ed., São Paulo: RT, 2008, pág. 600.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Ob. cit., p. 436.
Marques, José Frederico. "A Garantia do "Due Process of Law" no Direito Tributário", Revista de Direito Público, Ano II,Jul/Set de 1968, Vol. 5, p. 29.
 

Autor
Matheus dos Santos Buarque Eichler

Advogado Especialista em Propriedade Intelectual, Direito Tributário, Empresarial e Marítimo, formado em Direito pela Universidade Cândido Mendes - Centro - Rio de Janeiro - RJ. Membro da Associação Brasileira de Agentes da Propriedade Industrial, da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual e da Licensing Executives Society.
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FONTE: JUS NAVIGANDI

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