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quarta-feira, 11 de maio de 2016

Se não for revisada, Súmula 555 do STJ sepulta trecho do artigo 150 do CTN





Por Paulo Roberto Andrade


O Código Tributário Nacional (CTN) dedica duas conhecidas normas ao prazo decadencial do direito de lançar o crédito tributário, distribuindo-as conforme a modalidade de lançamento a que se sujeite o tributo: (a) a norma do artigo 173, I, merecedora da condição de “regra geral” da matéria, aplicável aos tributos lançáveis de ofício ou por declaração; e (b) a norma do artigo 150, §4º, aplicável aos tributos lançáveis por homologação.

Ambas, como se sabe, prescrevem um mesmo prazo quinquenal; a diferença está nos respectivos dies a quo, quais sejam, (a) o primeiro dia do exercício seguinte ao da ocorrência do fato gerador e (b) o dia da ocorrência do fato gerador.

A jurisprudência vem há muito lapidando tais normas. A primeira grande contribuição pretoriana à sua hermenêutica consistiu em rechaçar a marota tese dos “cinco+cinco”, que postulava-lhes uma incidência concomitante, de modo que o quinquênio do artigo 173, I se iniciasse após o termo do quinquênio do artigo 150, §4º. Fixou-se no Superior Tribunal de Justiça (EREsps 276.142[1] e 432.984), em boa hora, o entendimento de que as normas têm hipóteses de incidência autônomas, vinculadas cada qual, como se viu, à modalidade de lançamento aplicável ao tributo.

Ato contínuo, amadureceu no seio do STJ a compreensão de que, no lançamento por homologação, o objeto da chancela fiscal superveniente não é propriamente o “lançamento”[2] efetuado pelo contribuinte, mas o pagamento por este realizado; forte nessa premissa, concluiu o tribunal que, inexistindo pagamento sequer parcial do tributo pelo contribuinte, o fisco simplesmente não teria o que homologar, fato que deslocaria a disciplina decadencial para o artigo 173, I, mesmo em se tratando de tributo lançável por homologação.

A ausência total de pagamento foi, pois, erigida a critério definidor da regra decadencial, somando-se à existência fraude, dolo ou simulação — já prevista expressamente no texto legal — como fator inibidor de incidência do artigo 150, §4º.

Ficaram, em resumo, assim definidas as hipóteses de aplicação das duas normas:

(a) se o lançamento é de ofício, aplica-se o artigo 173, I;

(b) se o lançamento é por homologação, mas o contribuinte atua com fraude, dolo ou simulação, aplica-se o artigo 173, I;

(c) se o lançamento é por homologação, o contribuinte atua sem fraude, dolo ou simulação, mas incorre na inadimplência integral do tributo, aplica-se o artigo 173, I; e

(d) se o lançamento é por homologação, o contribuinte atua sem fraude, dolo ou simulação, mas paga parcialmente tributo, aplica-se o artigo 150, §4º.

Rendeu acirrado debate doutrinário a exegese do STJ sobre os efeitos do inadimplemento total/parcial do tributo sobre o prazo decadencial. Não pretenderemos aqui, contudo, investigar nem firmar posição dogmática a respeito. Importa apenas constatar que foi esse o entendimento afinal consolidado no célebre REsp 973.733, julgado em 2009 sob o rito dos recursos repetitivos (antigo CPC, artigo 543-C).

Desde então — e nem poderia ser diferente — a jurisprudência do STJ estabilizou-se nesse sentido. Pela clareza e concisão, fiquemos com a seguinte ementa de 2012:

“1. A Primeira Seção, conforme entendimento exarado por ocasião do julgamento do Recurso Especial repetitivo 973.733/SC, Rel. Min; Luiz Fux, considera, para a contagem do prazo decadencial de tributo sujeito a lançamento por homologação, a existência, ou não, de pagamento antecipado, pois é esse o ato que está sujeito à homologação pela Fazenda Pública, nos termos do art. 150 e parágrafos do CTN.

2. Havendo pagamento, ainda que não seja integral, estará ele sujeito à homologação, daí porque deve ser aplicado para o lançamento suplementar o prazo previsto no § 4º desse artigo (de cinco anos a contar do fato gerador). Todavia, não havendo pagamento algum, não há o que homologar, motivo porque deverá ser adotado o prazo previsto no art. 173, I, do CTN”[3].

Após anos de uníssono jurisprudencial, era então chegado o momento de consolidá-lo mediante edição de súmula, seguindo a inexorável e elogiável tendência de uniformizar e espraiar o entendimento dos nossos tribunais superiores.

O enunciado foi finalmente aprovado pela 1ª Seção no final de 2015, com a seguinte redação:

“Súmula nº 555. Quando não houver declaração do débito, o prazo decadencial quinquenal para o Fisco constituir o crédito tributário conta-se exclusivamente na forma do art. 173, I, do CTN, nos casos em que a legislação atribui ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa”.

Pois bem. O verbete inicia-se com a passagem “quando não houver declaração do débito”. A ressalva tem origem na anterior Súmula STJ 436, segundo a qual “a entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco”.

É dizer, a confissão do débito pelo contribuinte (em DCTF, GIA, NFe etc.) tem efeitos constitutivos do crédito tributário; portanto, uma vez confessado o crédito, não será mais necessário lançá-lo de ofício, o que faz impertinente qualquer especulação sobre prazos decadenciais de lançamento.

Essa primeira parte do verbete equivale, pois, a dizer “sempre que for necessário o lançamento, o prazo decadencial para o lançamento será de...”. Trata-se, já se vê, de aparte completamente desnecessário. Ora, é evidente que o prazo decadencial de lançamento (objeto regulado pela súmula) só se aplica quando for o caso de se realizar um lançamento. Enfim, embora não prejudique, a primeira parte em nada agrega à compreensão do alcance da norma sumulada.

Na sequência, diz a súmula que o quinquênio decadencial conta-se “exclusivamente na forma do artigo 173, I” sempre que “a legislação atribui ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa”.

A hipótese aí aludida — a saber, a de antecipação do pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa — é, nada mais, nada menos, que a do lançamento por homologação.

E cessa assim o verbete, sem qualquer ressalva complementar, sem qualquer menção à relevância e influência do pagamento parcial sobre o prazo decadencial. Trocando em miúdos, fica assim a norma sumulada: “O prazo decadencial quinquenal para o Fisco constituir o crédito tributário conta-se exclusivamente na forma do artigo 173, I, do CTN, nos casos de tributos sujeitos a lançamento por homologação”.

A súmula sugere, pois, que a decadência dos tributos lançáveis por homologação rege-se exclusivamente (isto é, sempre, em todo e qualquer caso) pelo artigo 173, I do CTN.

Isso é tudo o que nunca disse o STJ!

Em sua literalidade, a súmula sepulta o artigo 150, §4º do CTN, retirando-lhe todo e qualquer campo de incidência, e dissocia-se completamente da diretriz jurisprudencial que se propõe justamente a resumir e representar.

Com o tempo, toda súmula tende a ser aplicada cada vez mais acriticamente pelos tribunais país afora. É, aliás, para isso mesmo que servem. Tal como está, a Súmula 555 poderá tornar-se a “verdade” na disciplina da matéria, induzindo toda a jurisprudência, inclusive a do próprio STJ, ao erro grave de aplicar o artigo 173, I do CTN aos tributos sujeitos a lançamento por homologação, em toda e qualquer hipótese.

Daí a urgência na revisão de sua redação. Eis a sugestão deste autor:

“Súmula STJ nº 555. Em caso de inadimplemento integral do tributo sujeito a lançamento por homologação, a decadência do direito ao lançamento rege-se pelo art. 173, I do CTN”.


1 “As normas dos artigos 150, §4º e 173 não são de aplicação cumulativa ou concorrente, antes são reciprocamente excludentes, tendo em vista a diversidade dos pressupostos da respectiva aplicação: o art. 150, §4º aplica-se exclusivamente aos tributos ‘cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa’: o art. 173, ao revés, aplica-se aos tributos em que o lançamento, em princípio, antecede o pagamento” (1ª Seção. Rel. Min. Luiz Fux. j. 13.12.2004).


2 Até porque, na lógica concebida pelo CTN, quem lança o tributo é, sempre e necessariamente, a autoridade administrativa (art. 142).


3 2ª Turma. AgRg no REsp nº 1.277.854. Rel. Min. Humberto Martins. j. 12.6.2012.



Paulo Roberto Andrade é advogado, mestre em direito tributário pela USP e sócio do escritório Tranchesi Ortiz, Andrade e Zamariola Advocacia. Conselheiro da 4ª Câmara do Conselho Municipal de Tributos da Secretaria Municipal de Finanças de São Paulo.

Revista Consultor Jurídico, 11 de maio de 2016, 8h38

quinta-feira, 10 de março de 2016

Repetição de indébito fruto de desconsideração e outras questões








Em uma ação judicial, foi discutido o reverso da medalha de uma desconsideração de uma operação feita pelo fisco federal.

É que um contribuinte “AA”” adquiriu debêntures de “BB”. Na época, os rendimentos dessas debêntures foram deduzidos como despesa por “BB” e tributados como receita financeira por “AA”.

Mas, devido às condições tidas como anormais de mercado, o caso foi tratado como planejamento tributário abusivo e “toda a operação foi questionada pela Receita Federal em dois processos administrativos. Um em face da “BB” no qual houve a glosa de despesas relativas à participação nos lucros de debenturistas e consequente cobrança de IRPJ e CSLL (processo 12448.728319/2012-75). No outro, em face da autora, o Fisco defendia que os rendimentos das debêntures deveriam ser tratados como "distribuição de lucros à controladora" (processo 16682.720703/2012-16)”.

Ou seja, para afastar a natureza de pagamento de prêmio de debênture, e glosar a dedução como despesa em “BB”, o fisco requalificou a parcela para “distribuição de lucros”.

Então, como a parcela recebida por “AA” foi tratada como “distribuição de lucros”, que é isenta, a contribuinte pleiteou judicialmente que lhe fossem devolvidos os tributos pagos; afinal já registrado que “como os fatos ocorridos foram qualificados de ofício de forma diversa, deve­se aplicar a nova qualificação com todas as suas consequências. Não é possível se contar a história pela metade, apenas na parte que aumenta a tributação”.

Apreciando o caso, houve sentença concedendo a repetição do que passou a ser indébito, e ainda afastando um complicador, pois “BB” tinha parcelado seu débito, o que gerou a alegação de que a confissão de “BB” afetaria o pedido de “AA”; assim fundamentada:

Ação 0119200-07.2015.4.02.5101 (publicada em 03.03.2016)
Na realidade a requalificação da operação gerou para a autora um crédito tributário, posto que recolheu IRPJ e CSLL em todo o período e que não eram devidos, considerando a natureza jurídica posteriormente reconhecida em âmbito administrativo fiscal, do valor que auferiu em função das debêntures adquiridas da “BB”. (...)

A ré alega, outrossim, que o fato de a “BB” ter requerido parcelamento do seu débito importaria em impossibilidade jurídica do pedido da “AA”, em razão da confissão de dívida imposta como condição para o acolhimento do pedido de parcelamento.

Embora engenhoso, não me parece possível acolher tal argumento.

Explico.

A situação fiscal da “BB”, apurada no processo no. 12448.728319/2012-75, embora seja correlacionada com a “AA”, não pode ser tratada como um débito único.

Em outras palavras, as decisões administrativas trazem efeitos diversos e individualizados para cada empresa.

A “BB” tem um débito fiscal a pagar e por isso pediu o parcelamento e o encerramento do processo no. 12448.728319/2012-75. A “AA” obteve, a partir da decisão proferida em seu processo administrativo, uma decisão que acabou por descaracterizar o fato gerador de IRPJ e CSLL.

Desse modo é evidente que possui o direito de ser restituída do que pagou indevidamente.

E mesmo que assim não fosse, há que se considerar que a confissão da dívida parcelada, assim me parece, é formulada rebus sic stantibus. Ocorrendo alteração da natureza jurídica do substrato fático do fato gerador do tributo, por interpretação do próprio Fisco, não seria razoável vincular o contribuinte à uma confissão de dívida de um tributo já descaracterizado, por assim dizer.

Ou seja, a citada confissão da “BB” não elide o direito à repetição almejado pela “AA”. (...)

O pedido, portanto, é procedente.

Decisões variadas
a) No Agravo de Instrumento 0008018-83.2016.4.01.0000 (publicado em 1.3.2016), apreciada ação de contribuinte que pediu anulação de acórdão do Carf por ofensa ao contraditório, já que Embargos de Declaração foram julgados com efeitos infringentes, sem ter sido aberta a oportunidade para contrarrazões. E decisão monocrática do Tribunal Regional Federal da 1ª Região mantém decisão de primeiro grau que antecipou a tutela; assim fundamentada: “O princípio do contraditório/ampla defesa também deve nortear o processo administrativo. Ainda que as contrarrazões não estejam previstas no regimento interno isso não afasta o direito assegurado na Constituição Federal, art. 5º/LV. Dessa forma, INDEFIRO o efeito suspensivo, ficando mantida a decisão recorrida”.

b) No Acórdão 9101-002.177 (publicado em 4.3.2016), analisados Embargos de Declaração que alegava haver contradição em anterior acórdão, pois “decisão da CSRF utilizou como fundamento a prática de simulação, argumento que não foi mencionado pela acusação fiscal. Assim, teria ocorrido, primeiro, inovação no critério jurídico, e segundo, cerceamento de defesa, vez que o assunto não foi trazido pelo recurso especial interposto pela PGFN”. Porém, a CSRF do Carf, por maioria, não conheceu os Declaratórios, pois inovação não caracterizaria contradição; assim ementado: “Contradição prevista na legislação processual refere-se aos fundamentos adotados pelo voto, ou seja, o cotejo encontra limites no corpo da decisão, numa acepção endógena. Elementos exógenos, como as razões apresentadas por uma das partes, por outras decisões anteriores, ou pela peça acusatória, encontram-se fora do alcance da admissibilidade”.

c) No Acórdão 9101-002.196 (publicado em 27.2.2016), discutida, para fins de IRPJ, a “dedutibilidade, ou não, de multas administrativas aplicadas por órgãos de regulação”. E a CSRF do Carf, por maioria, mantém a indedutibilidade, também porque um ato antijurídico não pode ser considerado necessário à atividade da empresa; assim ementado: “A dedução das multas administrativas das bases de cálculo dos tributos resultaria em verdadeiro benefício, eis que a empresa repassaria para a Administração Pública, e maior extensão, para a sociedade brasileira, parte dos custos pela sua desídia, o que ofenderia o sistema jurídico vigente, na medida em que a pena não pode passar da pessoa do infrator”.

d) No Acórdão 9101-002.185 (publicado em 4.3.2016), analisada glosa de amortização de ágio adquirido em operação societária, mas feita no tempo em que o fisco autuava quando a adquirida incorporava a adquirente, pois enxergava “inconsistência lógica” na operação; o que sofreu uma virada interpretativa, já que atualmente o fisco preconiza justamente o contrário, qual seja, que só pode deduzir o ágio se adquirente e adquirida desaparecerem para formar uma única pessoa jurídica, em estado deconfusão. E enfrentando autuação do período anterior, a CSRF do Carf, por maioria, não conhece recurso especial e assim mantém o cancelamento da autuação, exatamente porque a interpretação atual é que a Lei 9.532/97 imporia a junção de adquirente e adquirida, inclusive por incorporação inversa; assim ementado: “Estando a acusação fiscal da glosa da amortização de ágio baseada no desconhecimento dos arts. 7º e 8º da Lei 9.532/97, em juízos de valor e em digressões, impõe-se o cancelamento do lançamento”.



Mary Elbe Queiroz é pós-doutora e doutora em Direito Tributário. Membro do CONJUR da FIESP. Membro da Comissão de Juristas do Senado para estudar a Desburocratização. Membro Imortal da ANE. Presidente do IPET. Professora. Advogada sócia de Queiroz Advogados.

Antonio Elmo Queiroz é advogado, sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil.



Revista Consultor Jurídico, 10 de março de 2016, 8h00

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Alienação como lucro no exterior e outras questões tributárias


Inicialmente na via administrativa e depois em uma ação ordinária, discutido se o resultado de uma alienação de uma participação societária no exterior deveria ter sido considerado distribuição de lucros, a ser tributado pela coligada brasileira.

É que o fisco federal lavrou um auto de infração, apontando que o valor desse tipo de alienação seria como lucros de uma filial no exterior, que deveria ter sido adicionado ao lucro líquido da pessoa jurídica brasileira que detém a participação, já que equivalia à previsão normativa de “emprego do valor, em favor da beneficiária, em qualquer praça, inclusive no aumento de capital da controlada ou coligada, domiciliada no exterior” (Lei 9.532/97, artigo 1º, parágrafo 2º, alínea b, item 4).

Mas Turma do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais cancelou a autuação considerando que o caso não se amoldava à norma, já que “há alienação de participação societária na qual está contido o lucro, pela coligada-participante no Brasil (a recorrente), e não pela investida, para pessoa jurídica sócia da recorrente no Brasil” (Acórdão 1103-000.469).

Porém, apreciando o recurso seguinte, a Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf manteve a autuação, aduzindo que “a finalidade da norma contida no item 4 da alínea b do 2º, da Lei 9.532, de 1997, foi de caracterizar como disponibilização qualquer forma de realização dos lucros que não estivesse compreendida nas demais situações previstas no parágrafo, entre elas a alienação do investimento mediante conferência para integralização de capital de outras empresas" (Acórdão 9101-001.768).

Por último, tendo o contribuinte levado a discussão para a via judicial, houve sentença afastando a autuação, apoiando-se em voto vencido na CSRF; assim fundamentada:

Ação 0001709-59.2015.4.03.6100 (publicada em 25.08.2015)

A questão do processo é saber se alienação de participação societária caracteriza disponibilização de lucros auferidos no exterior. (...)

O julgamento do problema tributário precisa ter fundamento jurídico e este é encontrado no voto vencido que explica:

“A alienação da coligada no exterior para pessoa jurídica sócia da autuada no Brasil, com entrega de seu investimento, não implica qualquer hipótese de pagamento prevista na lei. Ressalte-se, ainda, que esta não pode ser interpretada de maneira ampla, de modo a abarcar outras hipóteses não previstas na norma legal, eis que não cabe ao aplicador da lei criar um direito novo.

Em todas as hipóteses de disponibilização de lucros por meio de pagamento instituída pelo legislador (alínea b, no qual se insere o emprego de valor - item 4), há saídas de recursos do ativo da controlada ou da coligada no exterior. Isso não ocorre na entrega de sua participação societária no exterior, pela coligada - participante no Brasil, em favor de pessoa jurídica, que seja sua sócia no Brasil, por alienação”. (...)

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido e declaro a nulidade do auto de infração que originou o processo administrativo n. 16327.001265/2005-03.

Decisões variadas
a) No Acórdão 3803-006.144 (publicado em 14 de julho de 2015), Turma do Carf concede direito a ressarcimento de IPI, ao afastar a interpretação de que o crédito escriturado, quando há devolução de vendas, não poderia ser computado para fins de ressarcimento, por não ser estritamente um crédito fruto de insumo, como a norma literalmente exigiria; assim ementado: “o fato gerador do IPI é a saída de produto tributado do estabelecimento industrial, com isso nasce à obrigação tributária, por conseguinte surge o crédito tributário, que somente se modifica ou se extingue, por uma das modalidades previstas no CTN (arts. 156, 170 e 175). Ou seja, a devolução de mercadorias não tem o condão de afastar o creditamento”.

b) No Acórdão 1401-001.364 (publicado em 13 de julho de 2015), Turma do Carf segue o entendimento de que é possível fazer um lançamento tributário mesmo tendo por base uma norma suspensa pelo STF, desde que a tributação permaneça com suspensão de exigibilidade; assim fundamentado: “não há que se confundir os conceitos de “vigência” e “eficácia” da lei. A Medida Cautelar deferida parcialmente no âmbito de ADIN que suspendeu apenas, a vigência de dispositivos da Lei nº 9532, de 1997, mantém incólume a eficácia do dispositivo legal. É legítimo e válido lançamento tributário feito com fundamento legal, cuja vigência está suspensa por força da Medida Cautelar em ADIN, mantendo-se, porém, suspensa a sua exigibilidade, nos termos dos artigos 142 e 151, V, do CTN e no artigo 63, da Lei nº 9430/96”.







Revista Consultor Jurídico, 10 de setembro de 2015.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Anulação judicial de decisão administrativa e outras questões tributárias







Uma discussão judicial sobre o marco inicial para a contagem do prazo decadencial de tributos, quando se trata de uma entidade que perde a imunidade, gerou o cancelamento de uma decisão administrativa.

A causa teve início em ação popular cujo objetivo era anular acórdão do Conselho Administrativo de Recurso Fiscais que, concordando com o julgamento de Delegacias da Receita Federal (DRJ), tinha desonerado a autuação de uma entidade de educação que perdeu a imunidade. Aplicada na solução do caso a regra geral da decadência tributária: “o prazo decadencial das contribuições previdenciárias é de 05 (cinco) anos, nos termos do art. 150, § 4º e 173, I do CTN, independentemente de antecipação ou não de pagamento, por força da Súmula Vinculante nº 08 do Supremo Tribunal Federal que declara inconstitucional o art. 45 da Lei 8.212/91, dispositivo esse que previa prazo de decadência de 10 (dez) anos para as contribuições previdenciárias”.

Mas o autor popular, com o qual aderiu a União, objetou que a autuação deveria ser mantida sem nenhum reconhecimento de decadência, ante o específico caso de perda de imunidade, devendo a contagem decadencial ser diferente, pois “o termo inicial da decadência, tratando-se de entidade imune, seria o primeiro dia do exercício seguinte ao que houve o afastamento da imunidade tributária (no caso, 1º/01/2005, considerando que o Ato Cancelatório foi proferido em 2004)”.

Houve sentença anulando o acórdão do Carf porque “uma vez reconhecida que a entidade não faz jus à imunidade, somente a partir de tal reconhecimento torna-se possível a constituição do crédito e, consequentemente, passa a ser contado o prazo decadencial”.

Porém, em apelação tal decisão foi reformada por Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, sendo aduzido que “a decisão do CARF não importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo. Pelo contrário, a ilegalidade apontada pelo autor ampara-se em mero desacerto que poderia resultar da prevalência de uma tese jurídica sobre outra, mas não de uma ilegalidade”.

Contudo, ainda ocorreu outra reviravolta, já que a Seção do TRF-4 deu provimento a Embargos Infringentes para anular o acórdão do Carf, e manter a autuação original sem decair o crédito tributário, fundamentando-se na impossibilidade de correr prazo decadencial enquanto o fisco estivesse limitado pela imunidade; assim ementado:

EMBARGOS INFRINGENTES 5027999-11.2012.4.04.7100 (julgado em 30.07.2015)

TRIBUTÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO POPULAR. ILEGALIDADE DE ACÓRDÃO DO CARF. PREJUÍZO AO ERÁRIO. CABIMENTO.

1. O prazo decadencial para o fisco efetuar o lançamento de ofício de tributos em face de ato cancelatório de imunidade tem início no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que proferido o ato. Assim, incorreu em ilegalidade o CARF ao emprestar entendimento contrário à regra prevista no art. 173, inc. I, do CTN, causando vultoso prejuízo ao erário, de modo que caracterizada a hipótese de cabimento da ação popular.

2. Embargos infringentes acolhidos. 

Decisões variadas
a) No Acórdão 9303-003.011 (publicado em 20.4.2015), a CSRF do Carf decide que não cabe aplicar correção monetária em pedido de ressarcimento de IPI, independentemente do tempo transcorrido para o fisco conceder o direito, pois a possibilidade dessa correção, veiculada no Recurso Repetitivo do STJ (REsp 993.164), só cabe se houver resistência do fisco, situação que não se iguala a demora: “a interpretação de que o tempo transcorrido entre o pedido de ressarcimento e o despacho decisório, per si, constituiria oposição administrativa indevida amplia o escopo dos termos do recurso repetitivo, na tentativa de criar direitos que nem o legislador e tampouco os Tribunais Superiores tiveram intenção de criar”.

b) No Acórdão 3401-002.877 (publicado em 18.6.2015), Turma do Carf mantém autuação de IOF, que tratou como mútuo o que pessoa jurídica considerou como antecipação de lucros para sócio, porque a contabilização não observou formalidades essenciais; assim ementado: “para a caracterização da distribuição antecipada de lucros deve ser apurado balancete para demonstrar a possibilidade de tal distribuição. Além disso, não basta que haja saldo na conta de Reserva de Lucros do Patrimônio Líquido da empresa, é necessário que a distribuição seja prevista em contrato social e que haja deliberação dos sócios acerca de tal antecipação. A forma como as operações foram contabilizadas no ativo da contribuinte demonstram a natureza de mútuo”.





Revista Consultor Jurídico, 13 de agosto de 2015.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Fisco desobedece à jurisprudência do STJ no que tange à decadência

Fisco desobedece à jurisprudência do STJ no que tange à decadência


Quem milita na advocacia tributária certamente já se deparou com decisões administrativas do Fisco ignorando a aplicação do artigo 150, parágrafo 4º, do Código Tributário Nacional (CTN), para reconhecimento de decadência nos tributos lançados por homologação. Frequentemente, o Fisco afasta o artigo 150, parágrafo 4º, CTN, pelo qual o termo a quo da decadência se dá a partir do fato gerador, e aplica o artigo 173, inciso I, em que o termo a quo é o primeiro dia do exercício seguinte ao que o lançamento poderia ter sido efetuado. O que muitos contribuintes não sabem é que há jurisprudência forte do STJ que costuma ser pisoteada pelo Fisco. É justamente a intenção deste artigo realçar tal jurisprudência, reconhecida pelo juízo de 1º grau.
O CTN trata do instituto da decadência para os tributos lançados por homologação em dois momentos. Vejamos:
Primeiro momento: Art. 150, §§ 1º e 4º, CTN:
Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.
§ 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento.
(...)
§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado,considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação." 
Segundo momento: art. 173, I e II, CTN:.
Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:
I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;
II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.
Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento." 
Ressalta-se que os artigos citados não são complementares, pelo contrário: são excludentes entre si.
Assim, tenha o fisco conhecimento ou não, real ou presumido, do termo inicial do fato gerador, a inércia acarreta a perda do direito do Estado em constituir o crédito tributário, sem necessidade de uma exegese mais sofisticada.
Deste modo, se a modalidade de lançamento é por homologação e o contribuinte antecipa o pagamento, corretamente ou a menor, o termo inicial da contagem do prazo decadencial se dá na data de ocorrência do fato gerador, conforme o disposto no artigo 150, parágrafo 4º do CTN, pois o fisco tem conhecimento da ocorrência do fato gerador. Ora, se o Fisco recebeu o dinheiro do contribuinte, obviamente está informado sobre o fato gerador e tem como analisar se o pagamento está ou não adequado, inclusive por dever de ofício.
Por outro lado, em não havendo a antecipação do pagamento, o fisco não tem como conhecer a data do fato gerador e, assim, o prazo inicial da decadência será contado a partir do primeiro dia do ano seguinte em que o lançamento deveria ter sido efetuado, conforme o art. 173, inciso I do CTN.
Vejamos a jurisprudência do STJ, julgamento de 23 de abril de 2009, no AgRg no REsp 1044953 / SP, tendo, como relator, o ministro Luiz Fux, hoje no STF. Diz o ministro:
A decadência do direito de lançar do Fisco, em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, quando ocorre pagamento antecipado inferior ao efetivamente devido, sem que o contribuinte tenha incorrido em fraude, dolo ou simulação, nem sido notificado pelo Fisco de quaisquer medidas preparatórias, obedece a regra prevista na primeira parte do § 4º, do artigo 150, do Codex Tributário, segundo o qual, se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador: "Neste caso, concorre a contagem do prazo para o Fisco homologar expressamente o pagamento antecipado, concomitantemente, com o prazo para o Fisco, no caso de não homologação, empreender o correspondente lançamento tributário. Sendo assim, no termo final desse período, consolidam-se simultaneamente a homologação tácita, a perda do direito de homologar expressamente e, conseqüentemente, a impossibilidade jurídica de lançar de ofício" (In Decadência e Prescrição no Direito Tributário, Eurico Marcos Diniz de Santi, 3ª Ed., Max Limonad , pág. 170). (Grifamos)
Outras decisões vieram após esta.
Observem que o ministro, na decisão supra, ainda cita o doutrinador Eurico Marcos Dinis de Santi.
Em outra jurisprudência, diz a ministra Eliana Calmon, do STJ:
“Nas exações cujo lançamento se faz por homologação, havendo pagamento antecipado, conta-se o prazo decadencial a partir da ocorrência do fato gerador (art. 150, §4º, do CTN). Somente quando não há pagamento antecipado, ou há prova de fraude, dolo ou simulação é que se aplica o disposto no art. 173, I, do CTN. (...) – (STJ, 2ª T., AgRg no Ag. 939.714/RS).
Essencial ainda os ensinamentos de Gabriel Lacerda Troianelli, citado por Leandro Paulsen, na obra Direito Tributário, 11ª Edição, página 1037:
“(...) o que se homologa é a atividade de apuração do tributo efetuada pelo sujeito passivo, e não o pagamento do tributo, que pode, como já vimos, nem mesmo ocorrer, se o contribuinte, no período de apuração, por exemplo, não praticar fato gerador, ou, mesmo tendo tributo devido, contar com créditos compensáveis ou prejuízos que resultem no não-pagamento efetivo de tributo. Conclui-se, assim, que não é necessária a existência de pagamento para que se opere a decadência mediante a homologação tácita de que trata o artigo 150, parágrafo 4º do Código Tributário Nacional, bastando, para tanto, que o sujeito passivo tenha efetuado regularmente a atividade de apuração do tributo devido (se houver), com o correspondente registro ou entrega de declaração, na forma que estabelecer a legislação pertinente.” (Grifamos)
Para colocar a pá de cal, observamos o que diz a obra Código Tributário Nacional Comentado, organizado por Vladimir Passos de Freitas, Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, página 641, comentando o artgo 150, CTN:
“Segundo o §4º, se a Fazenda Pública não proceder à expressa homologação dentro desse prazo, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito. (...) O transcurso do prazo, sem nenhum pronunciamento da Fazenda Pública quanto à homologação, ou não, tem como consequência não só a homologação ficta, mas também a extinção definitiva do crédito tributário (...). Como consequência, estará igualmente extinto o direito de a Fazenda Pública efetuar o lançamento de ofício pelas diferenças que, devidas, não foram pagas”.
Há sim decadência nos tributos que tiveram valores recolhidos em prazo superior a cinco anos da ocorrência do fato gerador. E esta é a posição do STJ, o órgão que interpreta a legislação federal do país, interpretação esta que deve ser seguida pela administração pública, pelo princípio da legalidade.
Em decisão liminar recente, maio de 2014, do Judiciário de Mato Grosso, o juiz da 4ª Vara de Fazenda Pública da Comarca de Cuiabá assim se manifestou em Ação Anulatória de nossa autoria:
Já no que tange à decadência do direito ao lançamento de impostos sujeitos à homologação – como é o caso do ICMS –, o Superior Tribunal de Justiça, por meio de sua mais recente jurisprudência, firmou entendimentos distintos.
Segundo a Corte Superior, em se tratando de casos em que o contribuinte tem o dever de antecipar o pagamento do imposto sem que haja o prévio exame da autoridade administrativa, caso se apure o remanescente do imposto, nos casos de recolhimento a menor, o prazo decadencial para o lançamento deve ser contado da ocorrência do fato gerador, nos termos do artigo 150, § 4º do CTN; todavia, nos casos em que a lei não prevê a necessidade do pagamento antecipado ou, a despeito da existência de previsão legal, não há o pagamento, o prazo decadencial deve ser contado na forma do artigo 173, I, do CTN, o qual prevê que o prazo decadencial tem início no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado.
Portanto, se o contribuinte recolheu tributos por lançamento e, posteriormente, o Fisco apontou que tal recolhimento era insuficiente, deve-se observar se ocorreu a decadência nos termos do artigo 150, parágrafo 4º, CTN, a contar do fato gerador, a menos que tenha havido dolo, fraude ou simulação, situação que compete ao Fisco provar.

 é advogado do escritório Abreu Advogados – Assessoria Jurídica, em Cuiabá.
 é advogado do escritório Abreu Advogados – Assessoria Jurídica, em Cuiabá.
 é advogado do escritório Abreu Advogados – Assessoria Jurídica, em Cuiabá.

Revista Consultor Jurídico, 11 de junho de 2014, 07:02h

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