segunda-feira, 29 de setembro de 2014

PROFESSORA RECEBERÁ COMO HORAS EXTRAS PERÍODO REDUZIDO ENTRE JORNADA NOTURNA E DIURNA


Professora receberá como horas extras período reduzido entre jornada noturna e diurna



A Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu, em decisão unânime, o direito de uma professora de receber como horas extras o tempo reduzido do seu intervalo interjornada, entre as aulas que ministrava no período da noite e as diurnas. Os ministros determinaram à Fundação Cultural de Belo Horizonte (Fundac) o pagamento das horas extras com reflexos em outras verbas trabalhistas.

De acordo com o artigo 66 da CLT, o intervalo interjornada mínimo deve ser de 11 horas, mas a professora da Fundac tinha um intervalo de apenas 8h40min nos dias em que lecionava à noite, pois as aulas se encerravam às 22h40 e seu expediente no dia seguinte tinha início às 7h20. Segundo a docente, isso acontecia três vezes por semana. Em ação judicial, a professora pediu o pagamento das 2h15 reduzidas do seu intervalo, três vezes por semana, como horas extras com reflexos em outras verbas.

O Juízo de primeiro condenou a Fundac a pagar as 2h15min reduzidas do intervalo três vezes por semana como extras, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) entendeu que o artigo 66 da CLT não se aplicava ao caso. Para o TRT, além dos artigos 317 a 323 da CLT, que tratam especificamente dos professores, havia ainda a convenção coletiva de trabalho, "que contempla as especificidades das condições de trabalho dos docentes".

A professora alegando equívoco do Regional ao entender que as normas gerais trabalhistas não se aplicariam às categorias diferenciadas e regulamentadas - caso dos professores.

O ministro Caputo Bastos, relator do processo, destacou que os artigos 317 a 323 da CLT, ao tratarem da jornada especial de professores, não excluem dessa categoria o direito ao intervalo do artigo 66. O fato de não ter sido assegurado esse intervalo mínimo entre turnos justifica o pagamento dessas horas como extraordinárias.

Caputo Bastos ressaltou ainda que, ao negar o direito à professora, o Regional contrariou a Orientação Jurisprudencial 355 da Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do TST, que determina o pagamento integral das horas subtraídas do intervalo interjornadas do trabalhador, acrescidas do adicional. Com essa fundamentação, a Turma restabeleceu a sentença.

(Elaine Rocha/CF)


Fonte: TST

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

"BANCA QUE RECEBE R$14 POR PROCESSO VAI PAGAR MAL SEUS ADVOGADOS"


"Banca que recebe R$ 14 por processo vai pagar mal seus advogados"




Chegou à metade o mandato deMarcus Vinicius Furtado Coêlho no comando do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Olhando para trás, ele cita vitórias como a inclusão da advocacia no Simples, a previsão de honorários no projeto do novo Código de Processo Civil e a organização do maior evento voltado para advogados brasileiros, que acontece em outubro. Para o futuro, enxerga ainda desafios como a mudança no Código de Ética da OAB, a criação da sociedade de um advogado só e a mudança no sistema eleitoral — do Brasil e da própria entidade.

Para buscar a entrada da advocacia no Simples, a Comissão de Direito Tributário da OAB fez um estudo apontando que a mudança deve resultar na adesão ao sistema de 35% dos advogados, como aconteceu com os contadores. Aplicando esse percentual aos 850 mil advogados registrados, chega-se a quase 300 mil sociedades formalizadas no Simples — atualmente, são cerca de 40 mil escritórios registrados na Ordem.

Enquanto a atuação da OAB na área legislativa parece bem encaminhada, com a proximidade da entidade com o Congresso, o mercado parece um ponto mais desafiador. Campanhas para a criação do piso salarial de advogados nos estados não impedem que profissionais continuem ganhando menos de R$ 20 para acompanharem uma audiência. “Obviamente há a lei de mercado. Mas a lei de mercado não pode ser a lei da selva”, diz o presidente do Conselho Federal, antes de falar da possibilidade de regulamentar no Código de Ética a infração de pagar “honorários aviltantes”.

O novo Código de Ética, aliás, deverá ser votado pelo Conselho Federal da OAB em novembro. Antes disso, a entidade ainda receberá sugestões de advogados, durante a XXII Conferência Nacional dos Advogados, de 20 a 23 de outubro, no Rio de Janeiro. Um dos pontos que Marcus Vinícius adianta sobre o novo código é que ele deverá acelerar o julgamento de processos administrativos contra advogados por questões éticas. A Ordem identificou que 3% desses processos estavam prescrevendo por demora nos julgamentos. Agora, criou metas para evitar isso.

Em visita à redação da revista Consultor Jurídico, Marcus Vinicius fez um balanço de sua gestão até agora. Falou sobre a busca da entidade pelo fim do financiamento de campanha eleitoral por empresas, sobre uma possível greve de juízes e sobre a atuação de escritórios estrangeiros em arbitragens no Brasil.

Leia a entrevista:

ConJur — O que a mudança na Lei do Simples traz para a advocacia?
Marcus Vinícius — Com o Simples os advogados têm uma primeira grande conquista na redução da carga tributária. Somando todos os tributos municipais, estaduais e federais, cerca de 80% da advocacia pagará apenas 4,5% de tributo. Hoje o patamar de contribuição é de 17,5%, 12,5% ou até 27%, dependendo das circunstâncias dos profissionais. O segundo aspecto é que será feito apenas um pagamento. Ele não terá que pagar várias vias ou várias notas para a Receita municipal, estadual e federal. Ele faz um pagamento e a Receita distribui de acordo com os seus critérios para os entes da federação. E tem também um terceiro ganho: o fato de que o escritório de advocacia não poderá mais ser multado ou punido na primeira visita do fiscal. A primeira visita tem que ser de orientação. Detectado um problema, deve ser feita a orientação, para, posteriormente na segunda visita, não sendo a conduta adequada da maneira como foi orientado, haver a multa. Assim, acaba a indústria da multa.

ConJur — A maioria dos advogados ainda atua como pessoa física, sem abrir uma sociedade, com a tributação de 27%?
Marcus Vinicius — A maioria. Hoje nós temos cerca de 850 mil advogados para algo como 35 ou 40 mil pessoas jurídicas. É um grande exército de advogados fora da formalidade. Desde a nossa campanha [para o Conselho Federal da OAB] tivemos um compromisso com a advocacia do Brasil, com seus lideres, de lutar pela aprovação do Simples. E na metade do mandato é muito gratificante poder oferecer ao advogado brasileiro essa conquista. O próximo ponto será a aprovação da “sociedade individual”.

ConJur — Foi feita uma projeção do quanto se passará a arrecadar com a mudança?
Marcus Vinicius — A nossa Comissão de Direito Tributário fez um estudo partindo do que aconteceu com os contadores. Eles estão no Simples desde a aprovação da lei, era a única categoria de profissionais liberais incluída. Em cinco anos de Simples, houve uma formalização de 35% dos contadores. Se esse fenômeno acontecer com os advogados, o que é possível, teremos 35% de formalização de cerca de 850 mil profissionais. Como cada pessoas jurídica necessita em média de quatro empregados, vamos gerar novos empregos e contribuições. A nossa tese é de que haverá ganho tributário para o Estado a longo prazo, porque mais pessoa pagarão menos. Isso aconteceu em todas as atividades econômicas em que o Simples foi implantado.

ConJur — O ultimo levantamento que tem do IBGE sobre a advocacia é aquele cruzamento de dados de 2010. Lá aparece que os escritórios maiores pagam melhor. A ideia do Simples é gerar, a princípio, muitos escritórios pequenos. Mas há uma intenção da OAB de que esses escritórios fiquem maiores?
Marcus Vinicius — A ideia é que haja, a partir da formalização, um estímulo para que o escritório cresça, inclusive gerando faixas de transição. Isso será tratado pela OAB com a Secretaria da Micro e Pequena Empresa, para buscar uma inovação legislativa em seguida. Inclusive há estudos encomendados à FGV e a outras instituições para que sejam criadas essas faixas de transição, para que não ocorra um fenômeno abrupto e as pessoas não tenham medo de sair do Simples. Algo como pagar o tributo excedente apenas sobre o que superar a faixa do Simples.

ConJur — E quanto à diferença entre os salários de advogados?
Marcus Vinicius — Nós temos a campanha de valorização dos honorários. Quanto aos honorários de sucumbência — devidos pela parte que perde a ação — o Conselho Federal da OAB ingressa como assistente do advogado em cada ação que tramita no Superior Tribunal de Justiça discutindo a matéria, permitindo êxitos reais, que chegam a aumentar em 100 vezes os valores de honorários fixados na corte. No novo Código de Processo Civil conseguimos constar o tratamento igualitário do advogado particular com a Fazenda Pública. Atualmente, quando a Fazenda Pública é vencedora, os honorários são de 10% a 20% do valor da causa. Quando ela é vencida, o juiz fixa honorários — que normalmente são gritantes, de mil reais, de um salário mínimo, de 0,1% do valor da causa... No novo CPC, isso desaparece. Vencida ou vencedora a Fazenda terá o mesmo tratamento que o particular. E tem uma tabela de honorários que vai de 10% a 20% do valor da causa, com um escalonamento.

ConJur — No que diz resepito aos honorários contratuais, qual é a proposta?
Marcus Vinicius — Que se respeite a liberdade contratual do advogado com o poder público, para que não haja qualquer tipo de tentativa de criminalização da advocacia. Isso é o princípio que nós temos na própria lei de licitação: o advogado deve ser qualificado pela inexigibilidade de licitação como é fixado por súmula do Conselho Federal da OAB. Essa matéria está em tramitação no Supremo Tribunal Federal, o ministro Dias Toffoli é o relator e já pediu inclusão do caso na pauta, estamos aguardando apenas o dia do julgamento. Ganhamos recentemente no Tribunal Superior do Trabalho o direito de o advogado ser contratado pelo sindicato de forma livre. O Ministério Público do Trabalho havia questionado a contratação dos advogados por sindicatos e o TST definiu que essa matéria é de relação privada, de direito disponível. Ora, a Constituição assegura aos sindicatos o poder de substituir processualmente os seus associados. Do ponto de vista dos honorários contratuais também estamos muito preocupado com o fenômeno, que é o fenômeno do aviltamento de empresas privadas na contratação de escritórios de advocacia. Fixa por processo judicial/mês o valor de R$ 14. O escritório que pratica este valor é obrigado, na ponta, a pagar valores aviltantes ao advogado, que é chamado “pautista”. É o advogado que vai fazer uma pauta, que vai fazer uma audiência. A origem do problema está lá na contratação.

ConJur — Qual é a possível atuação especifica para isso? Qualquer pessoa que vá a um juizado especial vê o preposto ou o advogado da empresa ganhando R$ 25 para simplesmente comparecer, sem acrescentar nada às audiências.
Marcus Vinicius — Essa é uma matéria muito sensível, porque obviamente há a lei de mercado. Mas a lei de mercado não pode ser a lei da selva. O mínimo da dignidade profissional tem que ser respeitada. Há quem defenda, no âmbito da discussão do novo Código de Ética do advogado, a possibilidade de se constituir o tipo de falta ética que é a prática de honorários aviltantes. E nós temos a campanha de valorização do jovem advogado, que defende o piso do advogado. Em 11 estados do Brasil, as secionais da OAB já conseguiram o piso por lei estadual.

ConJur — Em números absolutos, nós estamos falando de quanto, em média?
Marcus Vinicius — Os estados fixam pelo menos R$ 2 mil. Porque há infelizmente escritórios que pagam ao advogado menos do que pagam a funcionários do escritório que não têm nível superior. Há a possibilidade de lançarmos a campanha “Escritório Legal”, que é o escritório que cumpre com o piso para divulgar ser um elemento do bom conceito. Nós defendemos também o piso para o professor de Direito. Um dos problemas da falta de qualidade de boa parte das faculdades de Direito é que a faculdade finge que paga o professor, o professor finge que ensina o aluno e o aluno finge que aprende. E isso repercute depois na má aprovação no Exame de Ordem e no não ingresso na profissão da advocacia.

ConJur — O Código de Ética está sendo revisto. O que o advogado pode esperar desse novo código?
Marcus Vinicius — Há duas formas de valorizar a profissão, igualmente importantes. A primeira é a defesa das prerrogativas: honorários, direitos e garantias profissionais. A segunda é a defesa da conduta ética do advogado. A advocacia tem que ter cada vez mais o respeito da sociedade. A OAB não é complacente com a falta de ética. Nós excluímos da advocacia, suspendemos da profissão... Não com satisfação, obviamente, mas com uma imposição do dever das nossas atribuições. Porque o sistema existe para que o advogado faça a defesa de uma parte com fidelidade, que seja leal à pessoa do seu cliente. Se ele não o faz, a injustiça é feita.

ConJur — A parte de publicidade será revista no código?
Marcus Vinicius — Isso está em discussão também. Claro que jamais será uma tentativa de igualar o Brasil aos Estados Unidos, em que se tem publicidade no metrô, em outdoor. Mas será feito dentro de uma lógica de moderação, que não fira a própria ideia de que a advocacia não é um bem de comércio. Mas dentro disso, é preciso, sim, discutir a matéria acerca da publicidade. Um ponto que aflige muito é o procedimento ético-disciplinar. Nós queremos que seja mais célere. Há, inclusive, casos de prescrição em processos para suspensão de alguém que praticou conduta antiética. Então nós criamos a meta de julgamento da OAB.

ConJur — Fazendo um trabalho como o do CNJ...
Marcus Vinicius — ... para evitar a prescrição. Então, nós temos como meta julgar todos os processos instaurados até 2009, para evitar a prescrição quinquenal. O procedimento ético disciplinar ainda é muito moroso e temos que contribuir para que tenha o máximo de celeridade. Essa meta foi criada nessa gestão por uma questão pragmática e paliativa, mas, na minha opinião, o que vai resolver mesmo o problema é o novo Código de Ética e um procedimento mais célere. Os tribunais seguirão assegurando o direito de defesa dos colegas, óbvio.

ConJur — A taxa de prescrição dos processos disciplinares é muito alta?
Marcus Vinicius — Já foram feitos vários encontros de corregedores do Conselho Federal da OAB com os corregedores estaduais para levantar esses problemas. Identificamos uma taxa de 3%, o que é considerado por nós um número alto. Mas, com a meta de julgamentos, isso acabou. E o colégio de presidentes das seccionais da OAB já discutiu o Código de Ética artigo por artigo. Já tem a redação de todo o código, os 66 artigos, com aprovação do colégio de presidentes. Na Conferência Nacional dos Advogados, que será de 20 a 23 de outubro, a discussão do novo Código de Ética é um dos temas centrais. Nós queremos ouvir os colegas que lá estarão e queremos pautar, em novembro ou dezembro deste ano, a discussão sobre a matéria no plenário no Conselho Federal da OAB. De tal modo que no próximo ano, ainda nessa gestão, teremos um novo Código de Ética da advocacia, depois de ouvir todos os setores.

ConJur — A OAB vem se mobilizando bastante em relação às eleições. A entidade defendeu o não financiamento de campanhas por empresas, agora tem a campanha Eleições Limpas, junto com a CNBB. As eleições viraram uma bandeira da Ordem?
Marcus Vinicius — A sociedade brasileira foi às ruas ano passado e expressou um desejo de que muitas coisas da estrutura do poder fossem revistas. E chegamos à conclusão de que o papel da Ordem não seria substituir a movimentação social nas ruas nem tentar liderá-las, mas tentar dar uma vazão institucional às reivindicações da sociedade. Em primeiro lugar, buscamos dar andamento a uma ação que já tramitava, proposta pela OAB em 2011, que visa por fim ao investimento empresarial em candidatos e partidos. Pedimos ao Supremo Tribunal Federal preferência de julgamento, que começou em dezembro do ano passado — e já temos seis votos, ou seja, a maioria do Supremo já declarou que está lei é inconstitucional. Achamos que as empresas cumprem um papel fundamental para economia do Brasil, geram empregos e dividendos. E também não partimos da premissa errada de que todos que recebem doação de empresa cometem ilícito, como se a contribuição fosse fruto de corrupção. Nunca fiz essas defesas, porque eu acho que toda generalização é burra e comete equívocos. A defesa que a Ordem faz é com base no princípio da igualdade, nós defendemos que em pelo menos um momento o pobre e o rico devem ter o mesmo valor: no momento das eleições. Alguém, por ter muitos mais recursos ou por ser dono de uma empresa, não pode ter um fator de participação maior do que o outro. É só isso. Respeitando as opiniões contrárias, defendi, na tribuna do Supremo, o princípio do “um homem, um voto”.

ConJur — Mas, mesmo com a proibição do financiamento por empresas, as doações de pessoas físicas continuam sendo diferentes umas das outras. Ou seja, a desigualdade se mantém...
Marcus Vinicius — A nossa tese na ADI é que deve haver um limite máximo fixado em valores absolutos, que pode ser de R$ 700 ou R$ 1 mil. A diferenciação que interfere no resultado das eleições é alguém contribuir com R$ 500 e outro contribuir com R$ 5 milhões. Mas um contribuir com R$ 100 e outro com R$ 500 não vai ferir o princípio republicano no voto.

ConJur — O financiamento público não é interessante na visão da OAB?
Marcus Vinicius — Eu acho que a aposta tem que ser pelo barateamento do preço de campanha. Não podemos só acabar com o financiamento de empresas mantendo o modelo atual — de campanhas individuais milionárias. O que deve haver, em nossa opinião, é, por decorrência dessa matéria declarada inconstitucional pelo Supremo, a adaptação do modelo eleitoral brasileiro. O voto uninominal e proporcional, em que você vota em um e elege outro, só existe no Brasil. Não existe em nenhum outro lugar do mundo. 

ConJur — E qual seria o modelo mais interessante?
Marcus Vinicius — Nós temos dois modelos mais praticados no mundo. O modelo europeu clássico é o voto em lista partidária — o partido faz uma lista e quem vota no partido sabe que vai eleger as pessoas daquela lista.. A proposta da Ordem é que, em primeiro turno, a votação seja feita em lista, para definir o número de candidatos que cada partido terá direito de eleger. No segundo turno, serão definidos quais os nomes. Nunca por campanhas individuais. O mais importante é que nós tenhamos campanhas coletivas, partidárias. O custo onde cada candidato faz sua campanha inteira é uma enormidade. O segundo modelo mais praticado é o misto, como da Alemanha. Em que você vota em metade dos eleitos e a outra metade vem da lista. E tem o sistema americano, que é o distrital puro. O certo é que nós teremos que construir um modelo de eleições mais barato. O Brasil gasta proporcionalmente 10 vezes mais dinheiro de campanha do que na Inglaterra.Só a disputa para presidente da República equivale a um gasto de R$ 1 bilhão em 3 meses de campanha.

ConJur — As disputas para presidente de seccional da OAB costumam envolver muito dinheiro também. Há perspectiva de isso mudar?
Marcus Vinicius — Estamos em um processo também de discussão. Isso foi discutido no ultimo colégio de Presidentes e convocamos outra reunião para os dias 6 e 7 de outubro. E iremos pautar a questão na sessão do plenário do Conselho Federal de novembro. A ideia é que o sistema eleitoral da OAB se aproxime cada vez mais do que pregamos em termos do sistema eleitoral geral. Eu criei uma Comissão de Revisão do Sistema Eleitoral da OAB, cujo presidente é o presidente da OAB da Bahia, Luis Viana. No colégio de presidentes em Recife riscamos as linhas gerais do projeto. No colégio de presidentes que fizemos em Brasília, em setembro, esse esboço voltou a ser discutido. Fizemos a convocação de uma reunião extraordinária em outubro para chegar a esse novo modelo, que faça internamente o que pregamos externamente.

ConJur — E a eleição direta para o Conselho Federal?
Marcus Vinicius — É um tema que está na pauta também dessas discussões. Estudamos até mesmo fazer um plebiscito sobre isso. A ideia majoritária na Ordem, pelo que eu sinto, é a instauração da eleição direta federativa, em que o advogado em cada estado ao votar na chapa estadual, vote também no candidato a presidente nacional, mas que seja federativo, garantindo a importância dos estados menos populosos. Esse é o grande problema: como fazer eleição direta sem que os estados menos populosos percam completamente a sua importância. Porque a Ordem tem que cuidar de todos os estados e os menos populosos são os que mais precisam do Conselho Federal. Até março do próximo ano, ou faremos o plebiscito ou, se o sistema entender que o plebiscito já tem uma resposta óbvia, vamos mandar o projeto de lei para o Congresso criando eleições diretas.

ConJur — Hoje, se um policial, um integrante do Ministério Público ou mesmo um juiz prejudica uma pessoa com uma investigação, uma acusação abusiva ou uma sentença descabida, quem responde, no caso de abuso comprovado, é o Estado. Existem projetos de responsabilização do agente público que venha a prejudicar pessoas de maneira deliberada. Qual é o posicionamento da OAB a respeito?
Marcus Vinicius — Entendemos que é realmente preocupante a situação hoje no Brasil, em que os órgãos de controle são muito mais estruturados do que os órgãos de execução no serviço público. Isso está ocasionando hoje no Brasil a paralisação das atividades públicas. Poucos agentes públicos querem tomar decisões, porque depois responderão a uma ação de improbidade, fazendo ou não fazendo. E não há sequer uma orientação prévia. E se ele chamar os órgãos de controle para dizer o que ele deve fazer, ninguém vai querer orientar. Esse é o problema do Brasil. Quer dizer, tem que haver um maior diálogo das instituições. Então, essa é uma primeira preocupação. A segunda preocupação é com o abuso em si. Temos que rever a Lei de Abusos de Autoridade, para que a lei, aprovada na ditadura militar, seja mais enérgica contra a autoridade que abusar de seus direitos. A OAB tem interesse de que a lei seja revista, para que se torne mais eficaz contra autoridades que usa um cargo não para defender o interesse público, mas muitas vezes para tomar medidas arbitrárias contra o cidadão.

ConJur — O Sindicato dos Advogados de São Paulo afirma que a contratação de advogados como associados é ilegal, pois ela não é prevista por lei, apenas na regulamentação do Estatuto da Advocacia. Existe alguma discussão sobre esse regime de contratação no Conselho Federal da OAB?
Marcus Vinicius — A OAB nacional defende que o associado não tem relação de emprego com os sócios. Essa é uma orientação do Conselho Federal da OAB. Há casos de escritórios que sofreram ações do Ministério Público do Trabalho — inclusive alguns nos quais os Tribunais Regionais do Trabalho já se posicionaram contra essa tese da OAB. O Conselho Federal da OAB entrou com recurso junto com escritório que se encontra para ser julgado no Tribunal Superior do Trabalho. Obviamente, se alguém usar a contratação de um associado para ter um empregado, comete uma fraude. Eu estive pessoalmente com o procurador geral do Trabalho que se comprometeu em fazer com a OAB uma comissão, um grupo de trabalho, para orientar os escritórios. O escritório deve ter balizas. É óbvio que um associado não pode bater ponto.

ConJur — Como está a busca pela “sociedade individual” de advogados?
Marcus Vinicius — Nossa próxima meta é aprovar no Congresso Nacional a possibilidade do advogado ter a sociedade individual. O problema hoje existente é que nosso estatuto diz claramente que a sociedade de advogados é composta por dois ou mais advogados. Hoje já existem as empresas individuais. Seria natural que o advogado se incluísse nisso. Se não tivesse a restrição no estatuto, a advocacia estaria automaticamente incluída na lei geral que prevê a possibilidade da empresa individual. Nós não podemos tratar a advocacia como empresa, diferentemente dos Estados Unidos e da Inglaterra, em que há um sentido mais comercial para profissão. No Brasil, advocacia é um empreendimento, mas é também uma missão pública. A sociedade individual vai também facilitar a formalização e o ingresso dos colegas no mercado de trabalho.

ConJur — Depende apenas de uma alteração no estatuto?
Marcus Vinicius — Sim. Já há um projeto de lei tramitando no Congresso, que queremos aperfeiçoar e aprovar ainda nessa gestão. O que se somará como uma terceira conquista legislativa importante para advocacia: a criminalização da violação das prerrogativas dos advogados. O texto já foi aprovado na Câmara e a CCJ do Senado alterou a redação e aprovou também. Como houve alteração da redação, após aprovação do plenário do Senado, voltará para Câmara. Como também para concluir essas conquistas legislativas. A próxima vitória é o novo Código de Processo Civil, que, além daquela questão sobre os honorários advocatícios com a Fazenda Pública, trará também os honorários como sendo de natureza alimentar. Isso já foi o reconhecimento pelo Superior Tribunal de Justiça, em um brilhante voto do ministro Luis Felipe Salomão. Vamos também acabar com a compensação de honorários. Atualmente, quando a parte é vencedora parcialmente na demanda os advogados não têm direito a honorários de sucumbência. O novo CPC acaba com isso, que já foi objeto de súmula pelo STJ. Também com o código, os prazos serão contados em dias uteis e teremos as férias dos advogados entre os dias 20 dezembro e 20 de janeiro, com prazos suspensos. Além disso, o novo CPC traz a possibilidade de defesas orais em agravos de instrumento, que é algo com uma reclamação muito antiga da advocacia. Além de outras conquistas.

ConJur — O novo código muda mais coisas em relação a honorários?
Marcus Vinicius — Os honorários que hoje são fixados de 10% a 20% a serem pagos de uma vez só. Agora, haverá também honorários recursais. Em cada etapa de julgamento que houver um recurso, o advogado que teve que trabalhar a mais na segunda instância terá direito a novos honorários arbitrados em torno de 10%, até o patamar máximo de 25%. E também há mudanças na pauta de julgamento. Todos os processos deverão seguir a pauta de julgamento com antecedência de cinco dias, e não 48 horas, como é hoje.

ConJur — Mas isso tudo ainda está sendo debatido no Congresso?
Marcus Vinicius — Essas questões sobre as quais falamos não foram objeto de alteração, logo, não tem mais como voltarem atrás.

ConJur — Temos acompanhado escritórios estrangeiros atuando no Brasil em casos de arbitragem. Isso é um problema para a OAB?
Marcus Vinicius — Essa matéria dos estrangeiros foi bem discutida, amplamente discutida, e o conselho federal da OAB tomou uma posição: a não abertura do mercado brasileiro para filiais de escritórios estrangeiros. A banca de outro país pode ter um determinado processo e fixar parceria com um escritório do Brasil para atuar naquele caso. O que não pode ter é uma relação de dependência. Isso na área de litígio. Na matéria de consultoria, a OAB já entendeu que é possível o advogado estrangeiro atuar como consultor em Direito estrangeiro. Inclusive, nós estamos já aprovando no Conselho Federal a carteira de consultor estrangeiro, de acordo com o que foi decidido. A discussão agora que se faz necessária é sobre a arbitragem, que não é contencioso, mas não é consultoria. Qual a natureza exata de uma arbitragem?

ConJur — É um litígio, mas ele não está no Judiciário.
Marcus Vinicius — Alguns entendem que vetar a participação do advogado estrangeiro poderá fazer com que a arbitragem desapareça no Brasil — porque nenhum contrato internacional vai estabelecer a arbitragem aqui se o advogado não puder aqui atuar ou ser árbitro. Há outra vertente que acha que não. É uma matéria ainda em aberto.

ConJur — Outra questão polêmica é a ampliação da quarentena para todo o escritório. Esse posicionamento da OAB tem levado a grandes discussões no Judiciário...
Marcus Vinicius — Eu nunca encarei do ponto de vista ético. Eu nunca criminalizei ou generalizei as acusações ao magistrado que se aposenta e vai advogar. O plenário chegou ao seguinte entendimento: os honorários da sociedade são pagos a todos os advogados, pela distribuição de lucros. Assim, o advogado proibido de advogar é beneficiário de qualquer vitória. O fato de ele não assinar uma petição não excluiria a proibição constitucional. A interpretação dessa matéria está em discussão no Judiciário. Eu respeito, como sempre, as decisões. Recorremos e cumprimos a decisão em vigor.

ConJur — É possível que a OAB reveja esse posicionamento?
Marcus Vinicius — Não. Não há tendência de que internamente seja discutido. O que a Justiça decidir, iremos cumprir.

ConJur — Outra questão que saiu no noticiário recente foi a decisão de que defensor público não precisa estar inscrito na Ordem. Isso é debatido na entidade?
Marcus Vinicius — Isso aconteceu no Pará. Nós fizemos um Agravo de Instrumento e o desembargador do Tribunal Regional Federal cassou a decisão. Há também uma sentença do estado de Minas Gerais, e nós já fizemos apelação. A OAB entende que todos os advogados devem ser inscritos na Ordem. O defensor público é um advogado muito importante, que a Constituição Federal diz que tem que advogar para o pobre. Não faz a menor diferença financeira para a OAB ter a inscrição de talvez 3 mil defensores em um universo de 850 mil advogados. A questão é institucional. Ninguém pode ser advogado sem estar na Ordem. A OAB, inclusive, foi a entidade que mais defendeu a necessidade de Defensoria Pública. Eu não consigo compreender por que setores da Defensoria defendem sair da Ordem. Talvez seja falta de pauta. Devemos nos unir por uma estrutura melhor para a defensoria, para valorizar os honorários de defensores, para valorizar a carreira e a importância da assistência aos pobres. Sair da OAB não me parece uma atitude adequada do ponto de vista jurídico nem do ponto de vista pragmático para os defensores públicos.

ConJur — Há queixas de que a Defensoria quer advogar para pessoas que não são pobres e também que o órgão está invadindo competências do Ministério Público. O senhor acredita que a Defensoria Pública está vivendo uma fase de busca de identidade?
Marcus Vinicius — Eu não compreendo um fenômeno em que certas defensorias não advogam apenas para o necessitado, como a Constituição Federal obriga. Querem advogar para a classe média e até para empresas de pequeno porte. Criou-se a figura do necessitado juridicamente. Quando a Constituição fala de necessitado, é o necessitado socialmente, o pobre. A Defensoria não tem estrutura suficiente para dar conta dos pobres. Se aumentar o seu raio de ação, vai ter menos possibilidade de defender os pobres. Outro ponto é repulsa que vejo em certas defensorias contra a advocacia dativa. Ora, enquanto a Defensoria não tem condições de dar conta e de estar presente em todo o Brasil, a advocacia brasileira já está presente. Por que não utilizar, como é feito em alguns estados, ainda que provisoriamente, a advocacia dativa? É algo incompreensível. Nós estamos reivindicando no Conselho de Justiça Federal — e acho que teremos essa vitória ainda esse ano — a correção do valor dos honorários dos advogados dativos da Justiça Federal. Desde 2007 não tem correção. Então, hoje, no processo criminal inteiro na Justiça Federal tem honorários de R$ 500. O ministro Francisco Falcão e o ministro Humberto Martins nos disseram que estão empenhados em pautar isso no CJF, até porque os dois são do quinto constitucional e têm sensibilidade quanto a importância da advocacia.

ConJur — A OAB tem posição sobre greve de juiz?
Marcus Vinicius — Acho que o advogado brasileiro quer que o juiz seja bem remunerado. Queremos uma Justiça valorizada. Eu costumo dizer que juiz e advocacia são duas asas do mesmo pássaro, que é a jurisdição. O juiz valorizado, independente do poder público e econômico, é o que queremos. Temos um regulamento sobre greve em serviços essenciais, e a Justiça é um serviço essencial. O Supremo Tribunal Federal já disse que ao serviço público se aplica por analogia à Lei de Greve enquanto não houver uma lei especifica. Os juízes significam um exercício de poder do Estado. Penso que há outras formas de tentar convencer o próprio Estado de ter a devida atenção a essas pautas remuneratórias. A advocacia brasileira não se opõe a reajustes remuneratórios dentro da lei, dentro da Constituição, cabíveis para recuperar a perda salarial dos juízes. Mas entendemos e proclamamos no sentido de que a greve não seja utilizada, principalmente como um primeiro artifício de luta, porque a justiça parada é ruim para o cidadão. E tudo que é ruim para o cidadão tem que ser ao máximo evitado.


Márcio Chaer é diretor da revista Consultor Jurídico.

Marcos de Vasconcellos é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.



Revista Consultor Jurídico, 21 de setembro de 2014, 06:31

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

VIVEMOS ENTRE ANOREXIA E BULIMIA INFORMACIONAIS: ASSISTAM AO VÍDEO!


Vivemos entre anorexia e bulimia informacionais: assistam ao vídeo!




Não queria voltar tão cedo ao assunto da tortura e da violência estatais. Há duas semanas faleiaqui do empalamento medieval feito e filmado na prisão de Anápolis (GO). O interessante — e trágico — é que não mais se soube o que ocorreu com a vítima e com o diretor do presídio. Aliás, não há accountabillity nestas plagas. O diretor saiu? Conseguiram “saí-lo”? E em que circunstâncias foi dada a ordem de prisão? O indiciado (depois empalado) tinha advogado? Foram cumpridos os requisitos constitucionais da prisão? Mais: já existe ação penal instaurada contra o indiciado-empalado? Três promotores assinaram o pedido de destituição do diretor do ergástulo, mas nenhum deles se dignou a informar à ConJur ou à própria imprensa o que ocorreu efetivamente. Para que serve a opinião pública?

Notícia cobre notícia. Banalizamos o mal, para repetir ad nauseam a máxima cunhada por Hannah Arendt. E quando o mal se banaliza, perdemos a capacidade de perceber a diferença. Perdemos a capacidade de separar o joio do trigo. E quando o fazemos, ficamos com o joio. Vai mal a sociedade. E por quê? Porque não consegue fazer uma antropofagia do mal e das maldades cotidianas. Indignamo-nos no varejo e nos omitimos no atacado. Somos um misto de anorexia e bulimia informacionais. Não queremos mastigar informações mais complexas e que possam nos fazer refletir; e quando alguma delas passar pelo nosso filtro do mal-estar-civilizacional, vomitamos (bulimia) tudo. Assim, vamos enfraquecendo. É o raquitismo gnosiológico pós-moderno. Não tem saída. Não dá nem para estocar alimentos epistêmicos. Quem os comerá?

A coluna não é e nem quer ser sensacionalista. Senso Incomum é o lugar da sofisticação. Da crítica. Da ironia. Do sarcasmo. Não é o lugar do programa do Ratinho ou do Datena. Mas as cenas que irão ver merecem ser vistas pela população. Já devem ter passado na TV. Mas logo foram esquecidas. Desapareceram em face de outras cenas do dia seguinte. Como sempre, notícia cobre notícia. São camadas de sentido alienadas e alienantes, que, uma vez incrustadas, obnubilam um olhar mais crítico. Por isso, esta coluna serve para fazer des-leituras do cotidiano. Des-ler os fatos. Eis a tarefa!



Então? Como chegamos a isto? Todos queremos bem estar e estar bem. Mas isso parece impossível.[i] Como diz Freud em seu Mal Estar na Civilização, há uma questão inconciliável entre as exigências pulsionais e as restrições da civilização. O mal-estar na civilização está encalastrada em todos nós. Parece ser o nosso destino. A miséria, a barbárie, a violência e a tortura fazem parte de nosso cardápio. Machado de Assis tem um conto chamado A Causa Secreta, onde nos revela a personalidade de um sádico, capaz de realizar "boas ações" desde que estas lhe permitam o exercício de seu prazer. A descrição da tortura a que submete um rato é página antológica na literatura brasileira. O personagem é Fortunato, que tem prazer com a desgraça alheia. Qual é o verdadeiro sentido da palavra “sadismo”? Penso que Fortunato representa a sociedade. É a metáfora do mal-estar. A alegoria de que nós não damos certo e que somos um projeto fracassado. Talvez ao sabermos que somos finitos e nada podermos fazer com relação a isso e que nada podemos fazer contra a natureza, nosso maior problema se volte à nossa relação homem-homem. Eis o nosso mal-estar. Daí que buscamos paliativos e compensações. A violência, a miséria, a tortura serão assim, coisas-de-nosso-cotidiano. Ao final, naturalizamos tudo. E vamos vivendo.

Falamos dos alemães que ficaram inertes vendo os nazistas mandarem os judeus para os campos de concentração. No fundo, não há muita diferença entre os campos de concentração e a prisão de Pedrinhas ou de Anápolis ou do Presídio Central de Porto Alegre ou de Cascavel. E não se faz nada. Diz-se sempre o chavão: haverá investigação... Onde está nossa intelligentia? Há um ministério que trata do assunto “direitos humanos”. Mas que tem muito mais um efeito de flambar as coisas. Como está Pedrinhas, hoje? Outro dia houve fuga em massa. E como está o caso de Anápolis? Diz-se que o acusado-empalado foi para prisão domiciliar. Mas, se isso é verdade, porque teve sua preventiva decretada? Gostaria de por os olhos na decisão de preventiva do acusado-empalado. Quem a tiver, mande-a, por favor. E o parecer do Ministério Público. Aliás, como a Coluna será lida pelos promotores que pediram o afastamento do diretor, eles mesmo poderiam me mandar (ou para a ConJur) tanto o pedido de preventiva como o parecer ministerial e a decisão do magistrado.

Do mesmo modo que gostaria de saber o que houve com os policiais do vídeo que os leitores acabaram de ver. Passou-se no Pará. Belém. Esta coluna não é um Observatório de Direitos Humanos. Mas, na falta dele, na precariedade da atuação de quem é pago para isso, posso, no limite, prestar esse serviço à comunidade.

Pronto. E nada mais precisa ser dito. Por ora.

Numa palavra final:
Kafka também nos mostra a maldade humana, o corolário de que Hobbes tinha razão e que o motor da história é(ra) o medo. O livro é Colônia Penal. Trata-se da história de explorador que, em uma visita a uma colônia penal francesa, testemunha a execução de um prisioneiro (na verdade, prestes a ser executado). O sistema que o condenou está baseado numa doutrina jurídica arbitrária, em que o acusado não tem direito à defesa (quem olha o vídeo objeto desta coluna percebe bem isso, pois não?). Quem administra essa "justiça maquinal" é um instrumento de tortura que escreve lentamente sobre a pele, no corpo do condenado, com agulhas de ferro, presas à uma estrutura de vidro, a sentença do crime que, muitas vezes, ele mesmo não sabe que cometeu.

O interessante é a metáfora que a tal máquina de tortura representa. Ela é infalível. A única coisa que destoa da estória de Kafka é que, diferentemente de A Colônia Penal, na vida real os chefes não se auto-imolam. Eles riem. Eles “curtem”. No livro de Kafka, as agulhas se enterram no couro do oficial nessa auto-imolação:

"Não apresentava sinal algum da redenção prometida. O que outros teriam encontrado na máquina acabara por lhe ser negado. Os lábios se achavam apertados com firmeza, os olhos abertos, com a mesma expressão que tinham quando vivos, o olhar seguro de si, convencido. A testa se achava perfurada pela grande agulha de ferro".

Post scriptum:
Mas, atenção: saber do mal-estar civilizacional implica também compreender o grau de responsabilidade do “outro lado”. A interdição hobbesiana (entre civilização e barbárie) quer dizer, também, limites. A ausência de limites também é fator fundante desse estado de coisas. Gritar que “Deus morreu” não resolve. Agora pode tudo? Estado de natureza? Esgarçar a autoridade do Estado “ajuda” a que se chegue ao abismo mais rapidamente. Discursos niilistas e relativistas também são responsáveis pela violência e pela tortura. Afinal, se não há verdades, tudo é relativo... Inclusive a violência. E também o que o relativista acabou de dizer. Por exemplo: se tudo é relativo, também as cenas que vimos são “verdades relativas”? Hein?

Tenho lido e visto discursos empolgados pregando a “morte da verdade”. Ou tudo vira psicologia cognitiva (o que é isto, afinal, aplicado ao direito? Quem sabe substituímos os juízes por psicólogos? Ou por filósofos morais?). E tudo vira relativismo. Fora com a verdade. Li um livro sobre prova e verdade dizendo que Heidegger é relativista (ou algo assim “tipo subjetivista”). Outra coisa que fragiliza o direito é pensar que o jurista (o juiz, por exemplo) pode se contentar com discursos de segundo nível (apofânticos), isto é, o juiz primeiro decide, para, só depois, “fundamentar” (como se fosse possível atravessar o abismo gnosiológico do conhecimento, chegar lá e depois voltar para construir a ponte pela qual o intérprete já passou — é o que eu chamo, no meu Verdade e Consenso, de “o dilema da ponte”). Vi a série Os Borgias, inspirada na obra de Mario Puzo que trata da primeira família mafiosa da história. Trata do Papa Alexandre VI e de sua família (a filha era a famosa Lucrécia Borgia). Da série (e do livro) podemos aprender muito sobre esse modo-teleológico-de-aplicar-a-lei (primeiro decido, depois fundamento): cada vez que o Papa tomava uma decisão, pedia, em seguida, para seus escribas-advogados encontrarem um precedente para justificar a sua decisão-já-tomada. Bingo! E tem gente que pensa que, ainda por estes dias, decisões devem e podem ser tomadas desse jeito: primeiro decidir...e depois buscar o fundamento. Consequência: decide-se como se quer. O restante todos sabemos. É só olhar em redor.

Ah: Para quem pensa que as cenas do filme acima ocorrem por ausência de Rousseau, digo, tranquilamente: não! Isso ocorre por falta de Hobbes. A sociedade não soube fazer interdições. E o Estado não interdita a si mesmo. Como já disse: também os que bradam "é proibido proibir”, como se quisessem reviver woodstock’s jurídicos, são responsáveis por tudo-isso-que-está-aí! Por exemplo: o que dizer da soltura do policial que matou o camelô em São Paulo? Nisso também não está o ovo (ou um ovinho) da serpente? Na verdade, pensando bem... a serpente já está bem criada, pois não? E como la ley es como la serpiente... também aqui o resto todos sabemos!



[i] Conforme a notícia (veja aqui), o “flanelinha” agredido sumiu e continua desaparecido. Impressão minha ou é queima de arquivos?!




Lenio Luiz Streck é jurista, professor, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.



Revista Consultor Jurídico, 25 de setembro de 2014, 08:00

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Quem só pode se defender dos fatos acaba sendo atingido pelo Direito


Quem só pode se defender dos fatos acaba sendo atingido pelo Direito




"No princípio era o Verbo (...). Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens.” (João 1:1-4).

Nesse ponto não poderia ser mais correto o Evangelho: no princípio sempre estará o verbo, pois o ser humano só apreende e consegue organizar o caos em que se apresentam os fatos através da linguagem. “Ser que pode ser compreendido é linguagem”.

No direito, contudo, não obstante a imanente vinculação entre normas e fatos, isto é, entrelinguagem normativa e realidade, muitas decisões e julgamentos que são desenvolvidos nos tribunais pressupõem, como se fosse possível, uma clara e indiscutível separação entre os juízos de direito e juízos de fatos. O presente artigo pretende discutir a correção ou falibilidade dessa premissa, que tem, notadamente em processos acusatórios, especial importância.

Quando se cuida de conhecer a vida pelo olhar do direito, não é difícil demonstrar, há uma indefectível relação entre fatos e normas. Se, por um lado, não há como destacar na ordem jurídica as normas que aplicaremos ao caso concreto sem uma prévia consideração dos fatos que foram entendidos como importantes para a questão a ser decidida, por outro, também não é possível destacar do caos — que é a realidade — os fatos que julgamos elementares ao caso concreto, sem anteciparmos, ainda que abstratamente, as normas que — pressupomos — deverão ser aplicadas à situação da vida tornada litigiosa. 

Explicando ainda mais um pouco, o jurista apenas pode aproximar-sejuridicamente dos fatos a partir da classificação ou descrição jurídica que, certo ou errado, entenda por bem imputar-lhes. No mundo do direito, não há possibilidade de conhecer fatos — distingui-los da realidade total — sem a intermediação das normas jurídicas, como também não há possibilidade de conhecer as normas — distingui-las da ordem jurídica total — sem a intermediação dos fatos antecipados como importantes à nossa decisão. Um concorre para a distinção cognoscitiva do outro.

Podemos, é certo, tomar conhecimento de “fatos puros” — “fatos puros” que, de todo modo, bem observados, não passam de distinção cognoscitiva filtrada por nossa linguagem comum, ou linguagem de alguma ciência natural -, mas, se desejarmos pensar ou descrever os fatos juridicamente, apenas podemos fazê-lo à consideração simultânea de normas que utilizamos como premissa de descrição-distinção jurídica dos fatos que observamos; de outra mão, em verdadeiro círculo hermenêutico (H-G Gadamer e Konrad Hesse), apenas conseguimos destacar essas premissas normativas do emaranhado que é a ordem jurídica total, porque, em simultâneo processo, nos valemos dos fatos que destacamos – abstratamente – da realidade. É, simplificando, o contínuo ir do fato à norma e da norma ao fato de que falava K. Engisch[1].

Não obstante essas considerações, no direito brasileiro, especialmente nos processos acusatórios — na ação penal e de improbidade administrativa —, tem-se admitido a condenação do acusado com base em dispositivo diverso do que foi proposto na petição inicial; tudo sob a consideração de que o acusado se defende dos fatos, não da norma que os qualifica, partindo-se da premissa de que a sua condenação com base em norma diversa da apontada na inicial não lhe prepara qualquer prejuízo, nomeadamente, diante dos princípios do contraditório e da ampla defesa.

O que fundamenta essa orientação jurisprudencial, contudo, agora podemos dizê-lo, é a crença de que haveria sempre uma clara distinção entre a atividade de delimitar os fatos e aquela outra, em que eles são classificados ou definidos juridicamente. Ou seja, persiste a crença, divulgada sem contestação, de que o juízo sobre os fatos não compromete o juízo sobre a sua qualificação jurídica (juízo sobre normas), e vice-versa. 

Entretanto, como veem, a estarem corretas as premissas que introduziram o presente artigo, no mínimo, devemos tomar a sério essa antiga orientação de nossos tribunais de que, em nenhuma circunstância, o acusado sairá prejudicado pelo fato de o magistrado, ao final do processo, conferir aos fatos que lhe são imputados uma classificação jurídica diferente daquela que foi expressamente sugerida na inicial e que, o que é mais grave, foi tomada em consideração durante toda a instrução do processo. Confrontemos essas questão de forma analítica.

Tanto nas ações penais como nas ações de improbidade administrativa, como se sabe, costuma-se ressaltar a possibilidade de o órgão judicial conferir aos fatos qualificação diversa daquela constante da inicial acusatória, para, inclusive, condenar o acusado em sanção mais grave do que a sugerida pelo acusado. Aliás, o Código de Processo Penal veicula comando expresso sobre o tema, ao dispor no seu art. 383 que “O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave”. No artigo 384, do CPP, permite-se, mais do que isso, a possibilidade de novo enquadramento, inclusive para incluir elementar não contida na ação penal (mutatio libelli), exigindo-se, nesse passo entretanto, que a petição acusatória seja emendada com o fim de propiciar o contraditório[2].

No processo civil, o tratamento é diferenciado, já que conjugados os artigos 264 e 294 do CPC, conclui-se que o autor poderá aditar livremente o pedido, apenas até a citação do acusado (artigo 264), mas, após esse momento processual, só poderá alterar o pedido ou a causa de pedir com o consentimento do réu (artigo 294). Entretanto, não obstante os limites expressos do artigo 293 e artigo 460, do CPC, que estabelecem, respectivamente, a interpretação restritiva do pedido bem como a vinculação da decisão judicial aos limites do pedido e dos seus fundamentos, a jurisprudência, seguindo orientação do STJ, tem entendido que também na ação de improbidade administrativa, à similitude do que ocorre no processo penal, o magistrado poderá conferir qualificação/classificação jurídica aos fatos diversa daquela que foi proposta na petição inicial, com base na teoria da substanciação (veja o REsp 439.280/RS)[3].

Como se sabe, numa como noutra esfera, na ação penal como na ação de improbidade administrativa, a conduta do magistrado orienta-se pela máxima de que o réu se defende dos fatos, e não da qualificação jurídica que tenha sido proposta pelo acusador. Portanto, exaurida a instrução probatória, certificados os fatos, não implicaria qualquer dificuldade ou prejuízo aos direitos do réu a circunstância de o magistrado conferir aos fatos qualificação jurídica diversa da proposta na inicial. Nós estamos acostumados, portanto, a acreditar que o magistrado apenas confere aos fatos — que seriam trazidos puros pelas partes — a correta qualificação jurídica, não alterando com isso a substância dos fatos que lhe foram trazidos a consideração (da mihi factum, dabo tibi jus), ou seja, na nossa tradição hermenêutica, acredita-se que há uma clara distinção entre a atividade de delimitar os fatos e aquela outra de lhes qualificar juridicamente.

Contudo, como dizíamos, mais contemporaneamente, a partir de H-G Gadamer, juristas como Konrad Hesse, têm acentuado que, na atividade de qualificação dos fatos, o mais certo é que ocorra um verdadeiro círculo hermenêutico, em que o intérprete seleciona a norma a partir do fato colhido na realidade, mas, da mesma forma, o fato é selecionado tendo em consideração uma prévia antecipação da norma que se pretende aplicar. Se isso é verdade, não é difícil perceber que, no mais das vezes, o acusado tenderá — durante toda a instrução probatória — defender-se não apenas dos fatos puros, mas dos fatos como foram qualificados pelo autor. Aliás, em processo judicial e no âmbito do direito, não existem fatos puros, mas fatos qualificados por uma ou outra norma.

O autor não imputa “fatos puros” ao acusado. Diversamente, são-lhe imputados fatos previamente destacados da realidade à luz de abstrata consideração ou qualificação normativa. Descrição de fatos no direito é, em primeiro lugar, descrição ou imputação jurídica de fatos. 

Ao jurista hoje não representa qualquer novidade afirmar-se que a relação entre fatos e normas nem sempre é de fácil concretização. E não fosse por outras razões, lembra R. Alexy, uma dificuldade imanente encontra-se presente em qualquer submissão de fatos concretos a normas jurídicas: enquanto as normas se revelam, em regra, com considerável índice de abstração e generalidade, contendo poucos caracteres distintivos (Merkmale), os fatos são individuais e concretos, apresentando-se ao mundo com infinitos indícios e marcas distintivas que os podem separar no universo de acontecimentos que os cercam. Na verdade, são essas infinitas marcas distintivas que individualizam um fato e o distinguem dos restantes fatos que o rodeiam[4].

Entretanto, no que tange ao fato ao qual se dirige uma norma, para que se possa isolá-lo do mundo da vida com as características que têm importância para a aplicação do direito, há de se perceber e descrevê-lo com a ajuda doTatbestand hipotético da norma. De outro lado, na exata dedução de Alexy, essas características relevantes do fato podem oferecer motivo para, no caso concreto, não se aplicar a norma que inicialmente se tinha diante dos olhos, assim como para precisar, ou rejeitar algumas marcas distintivas do próprioTatbestand normativo, ou mesmo para acrescentar-lhe alguns indícios antes considerados como não relevantes[5]. Dá-se aqui o instrutivo ir e vir de perspectiva de que nos falava K. Engisch, isto é, para compreender e delimitar o caso concreto, carecemos da perspectiva da norma; para compreender a norma, precisamos da perspectiva no fato[6].

Assim, não obstante se reconheça que o acusado deva se defender dos fatos, o certo é que ele se defenderá dos fatos como foram qualificados pelo próprio autor. Como consequência, por exemplo, dificilmente, o autor irá imputar ao acusado a prática de fato juridicamente por ele classificado como suporte fático (motivo) de aplicação da artigo 9º da Lei 8.429/92, e o acusado irá se defender destes fatos como suporte fático previsto no artigo 10 da mesma lei — e vice-versa. A exceção de classificação normativa abertamente indevida e teratológica, o mais certo é que o acusado se defenderá, durante toda a instrução probatória, dos fatos como juridicamente descritos e qualificados pelo autor.

Atento a isso, em posição contrária à nossa jurisprudência, tem o Tribunal Constitucional alemão emprestado especial homenagem ao princípio da não-surpresa processual, não aceitando que qualquer condenação seja importa ao acusado sem que antes ele possa falar dos motivos de fato e de direito que, ao final, concretamente servirão de base à sua condenação. Cumpre ao Tribunal, portanto, não lhe surpreender com condenação baseada em fatos, ou normas de direito, que não foram indicadas na ação inicialmente admitida pelo órgão julgador.

Fala-se na verdade em três níveis ou estágios de realização do direito à audiência perante os Tribunais (das Recht auf rechtliches Gehör): (1) num primeiro nível, obrigam-se os Tribunais a proporcionar à parte conhecimento completo sobre todas as manifestações da outra parte, o que abrange todos os fatos por e meios de prova apresentados e indicados pela parte contrária; envolve também as opiniões jurídicas com base nas quais o próprio Tribunal pretende tomar sua decisão, além de informar a parte sobre aquelas opiniões sobre as quais elas não precisam contar (direito a não se surpreender); (2) no outro nível, implica a possibilidade efetiva de a parte poder se manifestar por escrito sobre as questões de fato e de direito; (3) e, por fim, no terceiro nível, o direito a que os Tribunais considerem nas suas decisões os argumentos essenciais apresentados pelas partes[7].

Aliás, no processo penal, anote-se, o Código de Processo Penal alemão (SfPO) é absolutamente rígido quanto à impossibilidade de mudança nos fundamentos legais de uma decisão, ao ponto de estabelecer no seu parágrafo 265, (1), que o acusado não pode ser condenado com base em uma lei diferente daquela que foi indicada na ação inicialmente admitida pelo tribunal, sem que antes seja comunicado desse mudança de posição e sem que seja dada a ele oportunidade de defesa[8].

No Brasil, também já encontra repercussão entre ilustradas vozes o princípio da não surpresa em matéria de processo acusatório. Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero acentuam o direito à segurança do cidadão, precisamente, na suas relações com o poder judiciário, especialmente, em respeito ao princípio do contraditório e ampla defesa. De fato, “por força dessa nova conformação da ideia de contraditório, a regra está em que todas as decisões definitivas do juízo se apoiem tão somente em questões previamente debatidas pelas partes, isto é, sobre matéria debatida anteriormente pelas partes. Em outras palavras, veda o juízo de ‘terza via’. Há proibição de decisões surpresa (Verbot der Überrachungsentscheidungen)[9]”. É isso.


[1] K. Engisch. Logische Studien zur Gesetzesanwendung, p. 15, cfe. nota de rodapé em Robert Alexy. Elemente einer juristischen Begründungslehre, p. 115.

[2] Veja-se por todos o excepcional estudo de Calil Simão. Improbidade Administrativa. Teoria e Prática. 2ª ed., J.H. Mizuno, 2014, p. 662.

[3] Calil Simão. Improbidade Administrativa. Teoria e Prática. 2ª ed., J.H. Mizuno, 2014, p. 661 e seguintes.

[4] Robert Alexy. Elemente einer juristischen Begründungslehre, 115.

[5] Robert Alexy. Elemente einer juristischen Begründungslehre, p. 115/116.

[6] K. Engisch. Logische Studien zur Gesetzesanwendung, p. 15, cfe. nota de rodapé em Robert Alexy. Elemente einer juristischen Begründungslehre, p. 115.

[7]BodoPieroth/Bernhard Schlink. Grundrechte – Staatsrecht II. 16ª ed., Heidelberg, 2000, p. 274/275.

[8] SfPO - § 265 (1) Der Angeklagte darf nicht auf Grund eines anderen als des in der gerichtlich zugelassenen Anklage angeführten Strafgesetzes verurteilt werden, ohne daß er zuvor auf die Veränderung des rechtlichen Gesichtspunktes besonders hingewiesen und ihm Gelegenheit zur Verteidigung gegeben worden ist.

[9] Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero. Curso de Direito Constitucional. SP: Revista dos Tribunais, 2ª ed., 2013, p. 732.



Néviton Guedes é desembargador federal do TRF da 1ª Região e doutor em Direito pela Universidade de Coimbra.



Revista Consultor Jurídico, 23 de setembro de 2014, 20:47

A Sexta Turma do STJ aplica o princípio da insignificância em caso de réu reincidente


6ª Turma do STJ aplica insignificância em caso de réu reincidente



Só o fato de o réu ser reincidente não afasta a aplicação do princípio da insignificância. Devem ser analisadas também particularidades do caso, como a expressividade da lesão, o valor do objeto furtado e o que significava para a vítima ou se houve violência. Foi o que decidiu a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao trancar ação penal aberta contra homem que furtou chocolate e já tinha uma condenação transitada em julgado.

A 6ª Turma seguiu o voto do relator, ministro Sebastião Reis Júnior. Seguindo orientação do Supremo Tribunal Federal, ele afirmou que, em casos com este, deve ser aplicado o princípio da ponderação entre o dano causado pelo crime e a pena que será imposta ao réu depois.

O réu foi preso em flagrante pelo furto de uma barra de chocolate em um supermercado em São Paulo. O chocolate custava R$ 28 e foi imediatamente devolvido, mas, por conta de sua outra condenação também por furto, o homem acabou condenado.

Em Habeas Corpus, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que o caso não deveria ser trancado. O tribunal entendeu que aplicar o princípio da insignificância ao caso de réu reincidente seria como estimular a prática criminosa.

Mas o ministro Sebastião Reis Júnior discordou. “Nem a reincidência nem a reiteração criminosa, tampouco a habitualidade delitiva, são suficientes, por si sós e isoladamente, para afastar a aplicação do denominado princípio da insignificância”, afirmou. Seu voto foi seguido à unanimidade.

Questão pendente
Com a decisão, o STJ contribui para uma discussão que ainda não foi travada no Plenário do Supremo Tribunal Federal. No início do mês, o ministro Luis Roberto Barroso afetou ao Pleno um HC do qual era relator na 1ª Turma.

Na 1ª Turma do Supremo, a jurisprudência é no sentido de que não se aplique a bagatela a casos de reincidentes. E ambas as turmas afastam o princípio quando há qualificadoras no cometimento do crime.

Mas a intenção de Barroso com a afetação é que o STF defina parâmetros para a aplicação da insignificância. Segundo o voto do ministro na concessão da liminar no caso afetado, “não são incomuns” decisões do próprio STF conflitantes umas com as outras.

No caso do homem que furtou o chocolate em São Paulo, o ministro Sebastião Reis Júnior, do STJ, afirmou que devem ser levadas em conta todas as particularidades do caso concreto, não algumas. Por isso entendeu, e foi acompanhado pelos colegas, que a bagatela se aplica a réus reincidentes, a depender das circunstâncias.

O caso que será julgado pelo Supremo veio justamente da 6ª Turma do STJ. Em decisão monocrática, a ministra Maria Thereza de Assis Moura entendeu que, para analisar as peculiaridades do caso concreto e decidir se aplicaria ou não a bagatela, deveria analisar questões probatórias e factais. E isso é proibido pela Súmula 7 do STJ. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.


Revista Consultor Jurídico, 24 de setembro de 2014, 06:01

terça-feira, 23 de setembro de 2014

ESTUDOS SOBRE TERCEIRIZAÇÃO

Por Luiz Cláudio Borges

Seguem abaixo dois materiais de pesquisa, um artigo científico e uma dissertação de mestrado, ambos tratando do instituto da terceirização.
Boa leitura!





Por uma definição de terceirização

Paula MarcelinoI; Sávio CavalcanteII

IDoutora em Ciências Sociais. Professora do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP). Avenida Professor Luciano Gualberto, 403 /315, Departamento de Sociologia. Cidade Universitária. Cep: 05508-900 - São Paulo, SP - Brasil. prpmarcelino@gmail.com
IIDoutor em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (IFCH/Unicamp). saviomc@gmail.com

RESUMO

O leitor tem em mãos um texto cujo objetivo principal é propor uma definição de terceirização que seja, ao mesmo tempo, rigorosa do ponto de vista analítico e útil do ponto de vista político. Defenderemos que a terceirização étodo processo de contratação de trabalhadores por empresa interposta, cujo objetivo último é a redução de custos com a força de trabalho e (ou) a externalização dos conflitos trabalhistas. Se a formulação parece e é simples, de maneira alguma ela é consensual. Tal como veremos ao longo do texto, a terceirização é objeto de estudo de várias disciplinas e, dentro de cada uma delas, muitas são as controvérsias em torno da sua definição. Este texto é resultado de ampla pesquisa bibliográfica e de estudos de casos específicos realizados pelos autores ao longo de suas pesquisas de pós-graduação.

Palavras-chave: terceirização, subcontratação, trabalho.







A terceirização no contexto de eficácia dos direitos fundamentais

Resumo em português

O presente trabalho tem por objeto central o estudo do fenômeno da terceirização, propondo uma análise a partir de diferentes enfoques a fim de compreendê-lo de forma integral. Inicialmente, apresenta-se uma reconstrução histórica para entendermos os fatores determinantes em sua origem, bem como os interesses por trás de sua disseminação. Em sequência, são apresentadas as alterações jurídicas promovidas tanto pelo Poder Legislativo quanto pelo Judiciário que, se primeiro proibiram a terceirização- porquanto contrária ao ordenamento jurídico pátrio -, a seguir foram alterando seu posicionamento e cedendo espaço à sua utilização até que alcançasse o estado atual de ampla disseminação. O estudo prossegue apresentando a forma como esse mecanismo de gestão da mão de obra é aplicado na prática, bem como os efeitos gerados aos atores envolvidos: empresas, sindicatos e trabalhadores. Por fim, tendo em mente os direitos e princípios fundamentais constantes de nossa Constituição Federal, bem como a realidade produzida pela terceirização e sua ampla aceitação através do desmonte promovido em nosso ordenamento jurídico, o presente estudo propõe sugestões de solução ao rastro de precarização da classe operária, baseando-se não em sugestões a serem legisladas, mas na interpretação jurídica a partir da consideração de princípios constitucionais e específicos do Direito do Trabalho e demais regras já positivas em nosso ordenamento.

Judiciário atingiu ápice da produtividade, enquanto demanda continua a aumentar



JUSTIÇA EM NÚMEROS
Judiciário atingiu ápice da produtividade, enquanto demanda continua a aumentar


Por Pedro Canário


O Judiciário parece ter chegado ao máximo de produtividade que pode oferecer com sua atual estrutura. Enquanto entre 2012 e 2013 aumentou o número de casos novos na Justiça e a quantidade de processos pendentes, a produtividade dos juízes manteve-se estável. Foi o que mostrou a edição 2014 do relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça, lançado nesta terça-feira (23/9).

De acordo com o estudo, o número de casos baixados em 2013 subiu só 100 mil em relação a 2013, e ficou em 27,7 milhões, enquanto que o número de novas ações aumentou 400 mil em relação ao mesmo período e fechou em 28,3 milhões. Ao todo, há 95,14 milhões de processos em tramitação no país, sendo 67 milhões pendências de antes de 2013.

Desde 2011 o número de processos baixados ou resolvidos pelo Judiciário é menor que a quantidade de novas ações na Justiça. No entanto, 2013 foi o primeiro ano em que houve descompasso nas demonstrações entre o volume de trabalho e a produção: ao mesmo tempo que tanto o número de casos novos quanto o de pendentes aumentou, a quantidade de processos baixados manteve-se estável entre 2012 e 2013.

A estagnação da produtividade em 2013 fica clara ao se comparar os dados de 2012, quando foram baixados 27,6 milhões de processos, alta de 7,5% em relação ao ano anterior. No período, o número de ações novas subiu 1,2% e o número de casos pendentes subiu 4,2%, o que aumentou a carga de trabalho por magistrado em 1,8%.


Proporcionalmente, a relação entre casos novos e antigos manteve-se a mesma de 2012. Do total, 70% são acervo e 30% são novidade. Mas o Índice de Atendimento à Demanda (IAD) vem caindo. O número é o resultado da divisão do número de casos baixados pelo número de casos novos. Em 2009, o quociente era de 103%. Em 2013, ficou em 98% — mesmo cada juiz brasileiro tendo julgado, em média, 6 mil processos no ano.

E os números não são só gerais. O Índice de Produção por Magistrado (IPM) caiu 1,7% no ano passado em relação ao ano anterior. O mesmo aconteceu com o Índice de Produção por Servidor (IPS), que caiu 1,8%. “O Poder Judiciário não consegue baixar nem o quantitativo de processos ingressados, aumentando ano a ano o número de casos pendentes”, conclui o CNJ.


Pedro Canário é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.



Revista Consultor Jurídico, 23 de setembro de 2014, 09:10

Trabalhadora discriminada e desrespeitada por ser mulher será indenizada




Trabalhadora discriminada e desrespeitada por ser mulher será indenizada  





A juíza June Bayao Gomes Guerra, titular da Vara Trabalhista de Araxá/MG, reconheceu a uma trabalhadora o direito a receber indenização por danos morais, por ter sido tratada de forma discriminatória e humilhante no ambiente de trabalho pelo simples fato de ser mulher.

Ela era empregada de uma empresa produtora de cana e trabalhava na moenda. De acordo com os depoimentos das testemunhas, havia um líder nesse setor que tinha preconceito contra todas as mulheres que ali prestavam serviços. Dizia que o serviço da moenda era pesado e por isso não gostava de mulheres por lá. Gritava com a reclamante e depois jogava papel no chão e pedia para ela pegar. Alem disso, conforme informou uma testemunha, um gerente da empresa não aceitou um atestado médico apresentado pela empregada, dizendo a ela para ir trabalhar e chamando-a de "negra preguiçosa".

Com base nessas declarações, a juíza entendeu comprovado que a ex-empregada era discriminada e desrespeitada por seus superiores hierárquicos no ambiente de trabalho. "Não há dúvida quanto ao constrangimento causado e à ilicitude do procedimento dos prepostos da reclamada. Trata-se de nítida ofensa à dignidade do empregado, bem como ao direito à honra e a imagem da pessoa humana, assegurados pelo artigo 1o., III e 5a., X da CF/88, tendo a reclamada tolerado e permitido o comportamento de seus prepostos em relação à autora.", destacou.

Segundo esclareceu a julgadora, o procedimento da empresa causou constrangimento, humilhação e dor, configurando claramente o dano moral alegado pela reclamante. E não há necessidade de prova específica desse dano, que está implícito na própria situação, considerado o padrão do homem médio.

Considerando a gravidade do dano, o grau de culpa do ofensor e a condição econômica das partes, a juíza arbitrou a indenização em R$7.000,00. A decisão está ainda pendente de recurso em tramitação no TRT de Minas.( 0000604-51.2013.5.03.0048 RO )

Fonte: TRT3ª

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Presidente o c. STF defende diálogos com a sociedade na análise de temas sensíveis



Presidente do STF defende diálogo com a sociedade na análise de temas sensíveis


O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, defendeu o maior uso de instrumentos de participação social nas discussões levadas ao Tribunal como uma forma de democratizar as atividades do Poder Judiciário. Isso significa, no STF, intensificar a abertura de audiências públicas para discutir temas sensíveis e ampliar a participação dos chamados “amigos da Corte”.

"O presidente do Supremo Tribunal Federal não pode atuar, exercer seu mister sem dialogar com aqueles que o cercam. Essa é a democracia participativa”, afirmou o ministro na sua apresentação em seminário organizado pelo Tribunal de Justiça da Paraíba (TJ-PB). O seminário “Judiciário e democracia – perpectivas de efetividade” foi realizado nesta sexta-feira (19) em João Pessoa.

Concretização dos direitos humanos

O ministro também destacou que nesse novo modelo de participação popular na atuação da Justiça, o Poder Judiciário passa a ser um ator na concretização dos direitos humanos, considerados fundamentais pela Constituição de 1988, buscando a efetiva aplicação através de políticas públicas. "O Poder Judiciário, de modo geral, assim como o Supremo Tribunal Federal, passa dentro desse cenário, valorizando os direitos fundamentais, a ser um copartícipe na formatação de políticas públicas na área do consumidor, meio ambiente, proteção da família, do idoso. O Poder Judiciário do século XIX ganhou um corpo e uma visibilidade extraordinários”, disse o presidente do STF.

Solução de conflitos

Questionado sobre o seu maior desafio à frente do STF, o presidente destacou a tarefa de ajudar a solucionar os 100 milhões de processos que tramitam no país. Mencionou como medidas a serem adotadas no STF a aprovação de novas súmulas vinculantes e a prioridade ao julgamento dos processos com repercussão geral. Também destacou a necessidade de ampliação da solução extrajudicial de conflitos. “Vamos fazer um esforço com todos os juízes brasileiros e com a sociedade para que grande parte dos conflitos sejam resolvidos fora do Judiciário, com uso dos instrumentos da mediação, da conciliação e da arbitragem”, afirmou.

Carga de trabalho

Ao introduzir a participação do presidente do STF no seminário, a presidente do TJ-PB, desembargadora Fátima Bezerra Cavalcanti , destacou a missão que o ministro Ricardo Lewandowski tem à frente do STF, com um acervo de 68 mil processos, e cerca de 5 mil novas ações distribuídas anualmente para cada ministro.

A desembargadora mencionou dados da gestão do presidente do STF, como o julgamento de processos que obstruíam a pauta e a criação de uma força tarefa para zerar o estoque de 2,6 mil processos pendentes de distribuição. Mencionou ainda o esforço do ministro para reduzir o estoque de processos em seu próprio gabinete antes de assumir a Presidência.

Destacou ainda, a necessidade de mudanças no quadro de congestionamento da Justiça, lembrando que a Justiça da Paraíba atingiu as metas 1 e 2 do CNJ. “Sabemos que toda mudança necessita de tempo. Mas fique certo que Vossa Excelência não estará sozinho nesse projeto, pois, sem dúvida, os magistrados de todo o Brasil estarão juntos nessa caminhada, porque confiam e têm muita esperança no seu presidente”.

FONTE: STF

A LEGITIMIDADE DO PROCON EM QUESTÃO


Procon não pode exigir que empresa devolva a cliente valor pago por produto



O Procon não tem legitimidade para obrigar, sob pena de aplicação de multa, uma empresa a devolver ao consumidor valor pago por um produto defeituoso. Com esse entendimento, a Vara da Fazenda Pública de Lages (SC) suspendeu penalidade de R$ 10,4 mil imposta às Lojas Colombo.

Segundo o processo, o Procon, no Processo Administrativo 545/11, multou as Lojas Colombo por vender um celular quebrado. Além disso, determinou que a empresa devolvesse ao cliente o valor pelo aparelho. O advogado da companhia, Robson Fronchetti, do escritório Andrade Maia, argumentou que o órgão tem que se limitar a apurar e fiscalizar ofensas aos direitos do consumidor.

A tese foi aceita pelo juiz Ricardo Alexandre Fiuza. Em sua decisão, ele afirma que, no caso, a entidade “extrapolou seu poder de polícia, pois, aparentemente, impôs o cumprimento de obrigação de natureza individual entre as partes, qual seja, a restituição à consumidora do valor pago pelo produto, o que, em tese, ocasionaria a nulidade do proceso administrativo e das penalidades dele decorrentes”.

Fiuza cita também caso similar julgado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Na apelação cível 2013.065052-0, o relator, desembargador Luiz César Medeiros, afirma: “A solução de litígio com a obrigatoriedade de submissão de um dos litigantes à decisão que favorece a outra parte é prerrogativa da jurisdição, cujo exercício incumbe exclusivamente ao poder Judiciário”.

Processo 0302506-2.2014.8.24.039

Clique aqui para ler a decisão.


Revista Consultor Jurídico, 22 de setembro de 2014, 07:29

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Por analogia, advogados devem invocar em seu favor o princípio da amorosidade!


Por analogia, advogados devem invocar em seu favor o princípio da amorosidade!




É simples. O que me levou a escrever esta coluna foi ter lido sobre alguns novos princípios inventados por aí. Já havia falado aqui na ConJursobre esse fenômeno que não me canso de denunciar: o pamprincipiologismo, doença contemporânea do direito, algo como uma espécie de direito-alternativo-tardio (woodstock jurídico) utilizado contra a lei e a Constituição, tudo em nome de valores morais (o que seria isto?) e coisas como “princípio da primazia da realidade” (o que é isto – a real-idade?). Listei já dezenas de pseudo princípios, que não passam de enunciados com pretensões performativas[1] que vicejam em dissertações, teses, acórdãos e cardápios de cursinhos de preparação. Cito, de cabeça, alguns como “princípio” da confiança no juiz da causa, proibição do atalhamento constitucional (este deve ser indicado ao oscar dos princípios), da pacificação e reconciliação nacional, da eventual ausência do plenário (nesse, a deontologia é ontológica!), do livre convencimento, da livre apreciação da prova (esses dois são princípiosomnibus), da rotatividade (também conhecido como princípio Fogo de Chão por causa da remessa ao significante “rodízio”), do deduzido e do dedutível, da proibição do desvio de poder constituinte, da parcelaridade (princípio Casas Bahia), do subprincípio da promoção pessoal (princípio série B ou princípio Instagram), da nulidade do ato inconstitucional (cuja inutilidade é autoexplicativa), etc. Trata-se de uma bolha especulativa dos princípios, espécie de subprime do Direito. Ou seja: uma fábrica de derivados e derivativos. No meu Verdade e Consenso, faço uma listagem de mais de quarenta desses standards jurídicos, construídos de forma voluntarista no seio da comunidade jurídica.

Para não esquecer: um dos meus preferidos é o Princípio da afetividade. Sobre ele já muito falei. Esse standard apenas escancara a compreensão do Direito como subsidiário a juízos morais (sem levar em conta os problemas relacionados pelo “conceito” de afetividade no âmbito da psicanálise, para falar apenas desse campo do conhecimento). Isso para dizer o mínimo. Trata-se, na verdade, de mais um álibi para justificar decisões pragmatistas e que dão capa de jornal. É evidente que a institucionalização das relações se dá por escolhas pela relevância delas na sociedade. Ocorre que as decisões devem ocorrer a partir de argumentos de princípio e não por preferências pessoais, morais, teleológicas, etc. No fundo, acreditar na existência desse “princípio” é fazer uma profissão de fé em discursos pelos quais a moral corrige as “insuficiências ônticas” das regras jurídicas. Em nome da “afetividade”, tudo é possível, como registrar dois ou três pais para um filho (duas mães e um pai – leia aqui) registrar filho só com pais (sem mãe), dar a metade da herança para a amante-concubina-adulterina, etc (rogo para que os comentaristas não se digladiem sobre se um filho pode ser registrado com dois pais e sem mãe; usei apenas como exemplo a partir doprincípio da aleatoriedade!). Aliás, a vingar a tese, por que razão não elevar ao status de princípio o amor,[2] o companheirismo, a paz, a proibição da tristeza, enfim, tudo o que pode ser derivado do respeito (ou não) do princípio da dignidade da pessoa humana, alçado, aliás, à categoria de “superprincípio”? Por que só a afetividade?

Qual é o “busílis” desses princípios-que-não-são-princípios? Simples: servir de katchanga real (ler aqui). Quando a lei e/ou a Constituição estão contra o que se pensa, bingo! Saca da manga do colete um princípio. Se ainda não existir um que caiba na tese, construa um. É facinho. Algo como o conselho que o pai dá ao seu filho Janjão, ao completar 18 anos, no conto A teoria do Medalhão, de Machado de Assis: “Longe de inventar um Tratado Científico da Criação de Carneiros, compra um carneiro e dá-o aos amigos sob a forma de um jantar...”. É bem fácil, útil e proveitoso...

Diz-se por aí que “princípios são valores”. Em nome disso outro dia a juíza Carine Labres, de Santana do Livramento, a propósito do casamento homoafetivo[3] em um Centro de Tradições Gaúchas (CTG) no RS: “Estou tentando mudar a sociedade, suprimindo o véu da hipocrisia para que as minorias tenham voz ativa e possam concretizar seus direitos e felicidade como ser humano”. De acordo. Sou contra discriminações. Óbvio. Mas esse não é o busílis da questão. O ponto é: de que lugar queremos mudar a sociedade? Perguntando de outro modo: Por que não tínhamos pensado nisso antes? Juízes, promotores, delegados e defensores (e por que não procuradores do Estado, da Fazenda e oficias de justiça) todos querendo “mudar e melhorar a sociedade”. A sociedade não sabe pensar. É ruim. Nós, da guerrilha da VPJJ (Vanguarda do “Povo Jurídico-Judiciário”) temos a salvação dessas almas corrompidas. O lema: “Tudo o que ruim está na política; e tudo o que é bom está no nosso meio...”. Pois é. Vejam o que o PDP (Partido do Pamprincipiologismo) conseguiu fazer.

Sendo bem científico, digo: Ora, essa referência reiterada aos “valores” demonstra bem o ranço neokantiano que permeia o imaginário[4] de amplos setores do Direito (com pretensões críticas ou não). De fato, não é exagero afirmar que, em termos teóricos, parcela dos juristas brasileiros permanece, de algum modo, atrelada ao paradigma filosófico que se formou a partir do neokantismo oriundo da escola de Baden. Ou seja, ainda estamos reféns de um culturalismo ultrapassado que pretendia fundar o elemento transcendental do conhecimento na ideia sintética de valores, sendo que a união de todos esses valores, portanto, representaria o mundo cultural. Chega a ser intrigante o fato de que toda tradição constituída depois dolinguistic turn — inclusive alguns setores da filosofia analítica — tenha criticado o objetivismo ingênuo dessa concepção do neokantismo valorativo, demonstrando que a questão dos valores não dava conta radicalmente dos fundamentos linguístico-culturais que determinam o processo de conhecimento. Sim: eu já escrevi isso. Mas não esqueçamos que sofro de LEER (Lesão por Esforço Epistêmico Repetitivo). Ou seja, invoco o “princípio da LEER”... E invoco também o “paradoxo de Humboldt”: nós possuímos linguagem porque temos cultura ou temos cultura porque possuímos linguagem? Portanto, o discurso axiológico no interior do Direito deveria ter sucumbido junto com o paradigma filosófico que o sustentava. A despeito disso, continua-se a falar — acriticamente, por certo — em “valores”, sem levar em conta a sua conhecida e problemática origem filosófica. Quando alguém fala em valores, tenho tremores. E vejo o direito esfarinhando. Dúctil. Fofo. Flambado.

E surgiram novos “princípios”...
Um deles é o mote desta coluna. Trata-se do “princípio” da coloquialidade, que, segundo consta, quer dizer o seguinte: que as palavras da lei devem ser entendidas no seu sentido coloquial, usual, “normal” (sic). Como assim? Quer dizer que se uma lei diz que três pessoas disputarão uma cadeira no Senado, a interpretação correta é que três pessoas disputarão o móvel do Parlamento? Cada uma pegando em um pé da cadeira? Como se interpreta “remédio heroico”? Como Fontol ou Melhoral? Aliás, como se afere o sentido “coloquial” de Teilnichtigerklärung ohne Normtextreduzierung, a famosa nulidade parcial sem redução de texto? E por que ele — o SC (sentido coloquial) — deve ser melhor do que o SJ (sentido jurídico)?[5] Mas, não somos juristas? O direito é uma mera questão de linguística? Por que então não substituímos os juristas por professores de português? Em que momento, por exemplo, esse “princípio” (sic) poderia entrar em campo (“campo”, aqui, não tem sentido coloquial...!)? E, raios, qual é a sua normatividade? Onde reside o seu caráter deontológico? Aliás, aqui vai uma pergunta: qual seria o sentido coloquial da palavra “deontológico”? Será que não estamos indo longe demais?

Sigo. Recebi, semana passada, uma sentença proferida por um juiz do Espírito Santo, nos Juizados Especiais, em que ele manda emendar uma inicial porque esta tinha dezoito laudas, com citação de doutrina e jurisprudência. Fundamento para o emendamento: o princípio da simplicidade. Bingo. Katchanga! Agora vai. Outro argumento usado foi o de que a lei dos juizados fala em “pedido”. Como o advogado fez uma petição, haveria, ali, uma ilegalidade. Minha pergunta: entraria, aqui, o “princípio” da coloquialidade, para “determinar” o sentido de “pedido”? Petição não é o mesmo que pedido? E onde está escrito que o causídico não pode sustentar o “pedido” com doutrina e jurisprudência? Vão nos impedir até de fazer isso? Teremos que escrever como no twitter?

Pois é: advogar está se tornando, além de uma corrida de obstáculos e um exercício de humilhação, um mal-estar para a “civilização jurídica”. Chegará o tempo em que o advogado, para protocolar uma petição, terá que passar por um fosso de jacarés e escapar, ziguezagueando, de um snipper postado no edifício do fórum. E ainda terá que passar pelo detector de metais, o mau humor do porteiro e enfrentar o olhar sobranceiro do escrevente-atendente da Vara. Que coisa, não? Dias atrás um juiz do Rio Grande do Norte indeferiu uma petição porque era muito extensa. Por favor: deixemos os advogados trabalharem. Cada um no seu quadrado.

Vamos aplicar a amorosidade por analogia?
Por fim, nessa toada (estou sendo coloquial, entendem?), ainda gostaria de registrar um “princípio” sobre o qual aqui já falei, mas, no contexto, vale repetir, até para invocá-lo contra decisões e despachos como o do Juiz que indeferiu a petição e daquele que mandou emendar a petição mandando transformá-la em “pedido”: falo do Princípio da amorosidade. Faço uma conclamação aos magistrados de todo o Brasil: Eis um princípio a ser invocado por todos os causídicos. Esse princípio está no Diário Oficial e deverá nortear o atendimento no SUS (leia aqui). Ou seja: se no SUS deve haver amorosidade e sensibilidade no atendimento aos utentes, deduzo que nos-fóruns-e-tribunais-deve-haver-também (minha dedução vem a partir doprincípio do deduzível — boa essa, não?). E a aplicação é por analogia, conforme o artigo 4º da LINDB (boa essa também, não?). Pronto. Eis aí uma ideia para uma SV — súmula vinculante. Nada mais preciso dizer, pois não?

Numa palavra final
Vejam os leitores que, se substituirmos os aludidos princípios por qualquer palavra com caráter retórico (por exemplo, canglingon), nada mudará, por uma razão simples: onde está a normatividade dos aludidos standards? Onde está o caráter deontológico? Se princípios são normas (dever-ser), restaria ainda uma pergunta fatal: qual-é-a-legitimidade-de-sua-constituição? Quem os elaborou? Em que condições? Mas, e a lei e a Constituição, construídos democraticamente, o que fazer com esse material? Afinal, somos juristas, pois não? Se decidir é algo como “escolha moral”, não é melhor deixar que gente mais especializada cuide disso, como filósofos morais? Se a realidade tem primazia, não é melhor chamar os sociólogos?

Invocando o princípio da economia de linhas vigorante na ConJur, descanso minha causa (sendo coloquial, para não dizer I rest my case!). 



[1] Estagiário levanta a placa com os dizeres: procurar nas colunas anteriores o significado de “enunciado performativo”.


[2] Deixei de fora, deliberadamente, o propalado “princípio da felicidade”. Sobre ele falarei em coluna própria. Já o fiz em outros tempos. Mas prometo voltar ao tema.


[3] Por favor: que os leitores não abram polêmica sobre se os gaúchos do CTG devem aceitar nos seus clubes casamentos heterodoxos. Não é disso que trata esta coluna. Poupemo-nos, pois, dessa discussão. Estou tratando da relação direito-moral e os limites da fabricação de princípios. Estamos entendidos?


[4] Com se explicaria o conceito de “imaginário” a partir do “princípio da coloquialidade”? Ganha um exemplar de Lições de Crítica Hermenêutica do Direito quem acertar.


[5] Por que as siglas SC e SJ? Por nenhuma razão. Fi-lo apenas para flambar epistemicamente a discussão...! É que, quando escrevi a coluna, estava de bom humor.


Lenio Luiz Streck é jurista, professor, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.



Revista Consultor Jurídico, 18 de setembro de 2014, 08:00

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...