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quarta-feira, 30 de novembro de 2016

PEC 241 tenta apenas executar a estrutura jurídica prevista na LRF





Por Vera Lúcia Chemim


A atual polêmica em torno da futura aprovação ou não da PEC 241, que pretende limitar o teto dos gastos públicos, envolve diferentes aspectos que valem a pena ser expostos e minimamente analisados no contexto do presente artigo.

Tais aspectos dizem respeito, em primeiro lugar, ao caráter macroeconômico do tema, mais precisamente às questões sensíveis inseridas nos objetivos de política econômica governamental: a promoção do crescimento econômico e da distribuição de renda, pari passu com a preocupação de estabilizar, isto é, equilibrar os fundamentos da economia, quais sejam: o combate à inflação e ao desemprego, sem prejudicar sobremaneira as relações comerciais do país com o resto do mundo, assim como a adoção de estratégias fiscais e monetárias adequadas à atual conjuntura econômica brasileira.

Em segundo lugar, e não menos importante, há que se remeter à natureza jurídico-política da PEC, quanto à sua legalidade constitucional e ao seu significado político institucional no longo prazo.

Essas questões levam inevitavelmente ao debate sobre a independência e harmonia entre os poderes públicos, à problemática da obrigatoriedade de se atender à Lei Orçamentária Anual, que, por sua vez, conduz imediatamente ao contexto da Lei de Responsabilidade Fiscal e ao infinito trade-off entre a satisfação dos direitos sociais constitucionais e ao objetivo de equilíbrio fiscal e financeiro da União e, por consequência, dos estados-membros, do Distrito Federal e dos municípios, visto que vivemos em uma república federativa.

Trata-se de um tema complexo, razão pela qual o debate no presente artigo pretende apenas provocar a reflexão acadêmica.

A limitação dos gastos públicos por meio de uma emenda constitucional visa restabelecer o frágil equilíbrio do orçamento público (LOA), tendo em vista a significativa presença de um déficit fiscal, ou seja: G – T: a receita corrente é menor do que a despesa corrente, daí aquela expressão algébrica, em que G representa os gastos públicos, e T, a receita pública, isto é, a arrecadação em forma de tributos, os quais representam a sua quase totalidade (cerca de 90% da receita corrente do Estado).

Constatado o déficit público referente aos exercícios anteriores recentes, bem como aos futuros, é necessário estabelecer metas para neutralizá-lo, especialmente no curto prazo, com o fim de viabilizar a operacionalização de políticas públicas por meio de investimentos diretos da União, dando ênfase às políticas de caráter afirmativo, como a execução de gastos voltados para a educação, saúde, segurança e transportes coletivos.

Para tal, os recursos do Estado precisam ser devidamente saneados.

Do ponto de vista da política monetária, há algumas opções de financiamento desse déficit, tais como a própria emissão de moeda ou a venda de títulos da dívida pública, além da manipulação da taxa Selic (Serviço de Liquidação e Custódia de Títulos da Dívida Pública) — a taxa de juros que serve de referência ao mercado monetário e financeiro.

É, contudo, de notório saber que a primeira alternativa é inviável num contexto inflacionário, até porque, historicamente, o país já tem uma dolorosa experiência nesse sentido, principalmente a dos anos 1980, em que se viveu uma inflação inercial que conseguiu abater todas as teorias econômicas neoliberais, desafiando os economistas do mundo inteiro, quando se constatou ao mesmo tempo, o desemprego dos fatores de produção, levando à chamada “estagflação”: estagnação do PIB num cenário de inflação galopante, em que todas as políticas convencionais adotadas fracassaram sucessivamente, cujos exemplos podem ser aqui lembrados: Plano Verão, Bresser, Cruzado I e II, Collor I e II... até chegar finalmente ao Plano Real, o qual adotou estratégias inéditas de início (o equilíbrio dos preços relativos da economia), para posteriormente repetir as antigas políticas monetárias, fiscais e cambiais clássicas para efetivar o seu sucesso de forma definitiva sobre aquela inflação.

Quanto à segunda alternativa, embora se caracterize como um tradicional instrumento de política monetária, é preciso ter prudência na atual conjuntura econômica, para não agravar ainda mais a situação das contas públicas, por meio de um excesso de pagamento de juros e serviço da dívida pública, decorrente da venda de tais títulos, os quais só fazem aumentar ainda mais a dívida pública total do Estado[1] (interna e externa).

Por último, resta a administração da Selic, pelo Banco Central, como uma forma relativamente eficiente no combate à inflação de natureza clássica, isto é, de demanda, embora se tenha restrições quanto a essa questão no atual contexto, visto que o mercado está constatando o mesmo fenômeno dos anos 1980: uma estagflação com natureza e razões diferentes daquela.

No atual momento brasileiro, o que está em evidência é uma crise obviamente fiscal (como a dos anos 1980), cuja origem decorre de uma grave crise político-institucional, com reflexos diretos sobre o comportamento da sociedade civil.

Nesse sentido, a falta de confiança dos agentes econômicos nos poderes públicos, especialmente no Poder Executivo e no Legislativo como um todo, levou a uma diminuição da oferta, a qual provocou proporcionalmente um aumento de preços que prejudicou a demanda, desembocando inevitavelmente na inflação com desemprego.

Portanto, nos anos 1980, a origem da crise fiscal era exclusivamente econômica, proveniente dos empréstimos externos pari passu com a crise do petróleo de 1973 e 1979, que provocou o aumento internacional de preços e de juros, levando à grave crise brasileira, a despeito da existência de dois fatores causais de natureza endógena, conforme Roberto Campos observara de forma perfeitamente correta: a péssima administração e o superado modelo de substituição de importações.

Hoje, a crise política institucional provocou a crise econômica.

Quanto à política fiscal propriamente dita, há dois possíveis caminhos: o aumento da receita pública por meio do aumento das alíquotas dos tributos ou até mesmo a criação de um tributo[2], como a CPMF, além de empréstimos compulsórios que fazem parte da nossa história passada e presente.

Levando-se em consideração a alta e crônica porcentagem da tributação em relação ao PIB (Produto Interno Bruto) do país, a qual varia entre 32 e 36%, já tendo chegado a 38%, onerando significativamente os agentes econômicos (empresas e consumidores) e se caracterizando, portanto, como um dos fatores inibidores do crescimento econômico e da própria distribuição de renda, tal alternativa precisa e deve ser a ultima ratio para o governo federal.

Resta assim a estratégia igualmente dolorosa, principalmente para os investimentos privados, se nos lembrarmos de John Maynardes Keynes, de limitação dos gastos públicos, objeto de debate polêmico no Congresso Nacional e nos bastidores do Poder Judiciário.

No entanto, o remédio tem que ser aplicado proporcionalmente à gravidade da doença do paciente. De menos, o paciente continua doente, aumentando os seus riscos; demais, o remédio mata o doente, conforme bem observado no passado por Luís Carlos Bresser Pereira.

Quando se fala em limitar gastos públicos, é preciso focar nos gastos de consumo da máquina estatal, isto é, nos gastos relacionados à manutenção do funcionamento dos três Poderes, tanto na instância federal, quanto nas instâncias estaduais e municipais, o que leva imediatamente aos gastos referentes às despesas correntes de consumo, como por exemplo diárias de viagem, material de expediente, de limpeza, pagamento de prestação de serviços de terceiros, compras públicas em geral, excluindo o pagamento de juros e de serviços da dívida pública, pois a PEC foca as despesas primárias.

Se partirmos do pressuposto de que os investimentos públicos devem ser preservados, até por uma razão óbvia de que eles constituem o fundamento da intervenção do Estado na economia, os gastos de consumo devem inevitavelmente ser afetados de alguma forma, para se obter uma significativa racionalidade na sua gestão.

O que não se pode conceber é a redução de gastos correntes (de consumo) voltados especialmente às políticas sociais, tais como as transferências de renda para pessoas físicas que necessitam de suporte governamental, como as bolsas de estudo, Bolsa Família, assistência à saúde e à educação etc.

Os percentuais referentes às transferências da União para os estados e municípios, no que diz respeito à educação e saúde, estão previstos na Constituição Federal de 1988, não podendo, pois, serem desatendidos pelo governo federal.

Os investimentos dessa natureza devem ser priorizados, tanto pela União como pelos estados e municípios, pois constituem uma das principais formas de distribuição racional de renda: o acesso à saúde e à educação, para que se tenha um retorno a médio e longo prazo desses investimentos, inicialmente para as pessoas beneficiadas de forma individual e, por consequência, para o país, uma vez que um povo sadio e educado é garantia de uma mão de obra qualificada para que se obtenha o seu crescimento econômico pari passu com uma sociedade desenvolvida sob o ponto de vista social e político.

No curto prazo, os investimentos privados ainda sofrerão com a política fiscal restritiva. Porém, não mais do que já estavam prejudicados com as ações governamentais anteriores, uma vez que a confiança dos agentes econômicos (internos e externos) tem aumentado paulatinamente, criando um novo clima de otimismo que será determinante para a retomada do crescimento econômico e para o emprego dos fatores de produção.

Finalmente, no que se refere ao objetivo imediato de estabilidade econômica, mais especificamente o combate à inflação e ao desemprego, há que se estabelecer prioridades no atendimento das políticas públicas assumindo de forma quase que permanente o eterno conflito (trade off) entre os diversos interesses.

Nessa direção, cabe ao Poder Legislativo a tarefa de filtrar tais interesses e escolher os mais relevantes no contexto da presente crise, para que o Poder Executivo tenha condições de executá-los.

Portanto, a PEC 241 se caracteriza atualmente como um instrumento capaz de sanear as contas públicas no curto e médio prazo, possibilitando a retomada da economia brasileira para o caminho correto, para que se possa criar condições de aumentar o PIB e, por conseguinte, o emprego e a renda no longo prazo.

Por outro lado, a PEC 241 representa apenas o ponto de partida para a estabilidade econômica. Os objetivos de longo prazo, como o crescimento econômico e a distribuição de renda, só serão otimizados com o incremento de várias reformas, como a da Previdência e a política, além de outras que vêm sendo tentadas desde os anos 1960, sem sucesso, pois falta o principal ingrediente: o apoio político dos poderes Legislativo e Executivo, bem como o da participação efetiva da sociedade brasileira.

A segunda questão proposta por esse artigo é a natureza jurídico-política da PEC, isto é, as implicações legais e constitucionais que a acompanham e o seu papel político-institucional no longo prazo.

Do ponto de vista jurídico, a PEC, enquanto meio processual constitucional para se modificar um ou mais dispositivos constitucionais, é perfeitamente legal, atendendo às exigências elencadas no artigo 60 da Constituição Federal de 1988 para ser aprovada no Congresso Nacional.

Quanto ao mérito, a PEC estabelece padrões rígidos para o teto dos gastos públicos para os próximos anos, remetendo inevitavelmente para a disciplina já exaustivamente difundida pela criação da Lei de Responsabilidade Fiscal no governo FHC, com o mesmo fim, agora ratificado pela atual crise fiscal e pelo clamor do governo Temer para a importância da conscientização de se apoiar essa proposta.

É preciso destacar que a atual preocupação com o limite de gastos públicos não é uma inovação técnica do governo Temer, e sim uma tentativa de fazer valer a teoria contida na Lei de Responsabilidade Fiscal, que não foi respeitada em anos recentes.

Isso equivale a afirmar, por meio de Heraldo da Costa Reis e José Teixeira Machado Jr., em seu livro A Lei 4.320 comentada e a Lei de Responsabilidade Fiscal, que a LRF[3], além de já ter regulado os próprios artigos da Lei 4.320, inovou quanto à ótica técnico-contábil e política, ao reforçar juridicamente a exigência de prestação de contas entre os entes federativos e seus respectivos órgãos (federalismo fiscal), bem como evidenciar de forma clara e precisa os gastos em consonância com a receita pública de forma ampla, ou seja, abrangendo a administração pública direta e indireta (Princípio da Transparência e da Universalidade).

Princípios orçamentários tradicionais, tais como o da unidade e o da universalidade, são objeto de estudo das finanças públicas, embora nunca tenham sido levados a sério na prática da administração pública brasileira.

Da mesma forma, os dispositivos constitucionais constantes no artigo 165 da Carta Magna de 1988 parecem ter sido, até agora, relegados a segundo plano, especialmente do ponto de vista daqueles princípios, com o agravante de que os parágrafos 4º e 5º do referido artigo os traduzem.

A Lei de Responsabilidade Fiscal os contempla em vários de seus artigos, tais como o 1º, 2º e 3, que tratam das “Disposições Preliminares”, assim como o artigo 4º inserido no Capítulo II “Do Planejamento”, seção II “Da Lei de Diretrizes Orçamentárias”, além do artigo 9º, da seção IV “Da Execução Orçamentária e do Cumprimento das Metas”, com ênfase no parágrafo 3º e os artigos 15 e 16, do Capítulo IV “Da Despesa Pública”, seção I “Da Geração de Despesa”.

Todos eles dispõem as questões sensíveis discutidas atualmente em função da possível aprovação da PEC: a obrigatoriedade e conveniência da vinculação das Leis Orçamentárias Anuais (LOA’s) com os Planos Plurianuais (PP) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), e em consonância com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), no atendimento ao Princípio do Federalismo Fiscal, o qual diz respeito à interligação entre os Poderes e à intraligação em cada um deles, visando a compatibilidade entre receita e despesa pública, bem como o atingimento de metas fiscais, incluindo os riscos que lhe são inerentes, de modo a abranger toda a administração pública.

Em suma, a PEC 241 nada mais faz do que tentar executar a estrutura jurídica prevista na LRF, não ultrapassando os limites impostos pela Constituição Federal de 1988, especialmente as cláusulas pétreas, como o respeito ao princípio federativo e da separação de Poderes, contemplados no parágrafo 4º, incisos I e III, do artigo 60.

Ademais, é oportuna e relevante a observação de que os artigos a serem incorporados à ADCT constantes na PEC traduzem ipsis litteris os dispositivos constitucionais da Carta Magna.

Pode-se assinalar um fato novo que representa a principal medida a ser operacionalizada pela PEC: os gastos dos três Poderes estarão atrelados nos próximos 20 anos ao índice de inflação, caracterizando um mero reajuste (nominal), tendo-se estabelecido determinadas situações e alguns limites em percentuais para a justificação de um provável aumento real, embora criem também regras-sanções para os Poderes nas três instâncias que os ultrapassarem em cada exercício.

Isso remete novamente ao que poderá acontecer no curto prazo e especialmente no médio e longo prazo, no que diz respeito ao maior ou menor alcance das iniciativas de cada Poder quanto aos seus objetivos institucionais.

O que se questiona no interior de cada um daqueles Poderes é até que ponto as limitações financeiras impostas pelo governo federal, ou seja, pelo Poder Executivo, poderão caracterizar uma intervenção imperativa no âmbito dos demais Poderes.

O principal argumento direciona à ameaça, inicialmente potencial, de desequilíbrio das relações entre os poderes públicos, podendo ao longo do tempo estimado pela PEC ser efetiva, prejudicando a independência daqueles Poderes e desembocando num ativismo do Executivo.

No entanto, a restrição orçamentária é comum aos três Poderes, o que induz a se pensar que as dificuldades a serem enfrentadas serão isonômicas. Além disso, a PEC pode ser modificada no décimo ano, caso a situação venha a se normalizar ou pelo menos a ser amenizada do ponto de vista orçamentário.

Finalmente, a estratégia a ser operacionalizada por meio da PEC não pode ser taxada de política de direita, conservadora ou coisa que o valha. Até porque tais termos se encontram superados pelo tempo, desde que o Muro de Berlim foi destruído e não há mais razão para se manter o duelo entre os “ismos”: capitalismo, socialismo, comunismo..., pois a realidade acabou comprovando a fragilidade dessas ideologias, no sentido de que as políticas públicas serão inevitavelmente direcionadas para a prática de ações governamentais, ora de caráter estritamente econômico, se a conjuntura do país assim o exigir, ora em situação normal, de natureza voltada predominantemente às políticas sociais afirmativas, como o meio mais eficaz para uma justa e racional repartição de renda. É neste último contexto que se reforça a necessidade de se concretizar os direitos e garantias constitucionais previstos no artigo 5º pari passu com a incrementação dos direitos sociais dispostos nos artigos 6º ao 11º da Carta Magna



[1] Entenda-se como Estado o conjunto dos entes federativos, isto é, a União, estados-membros, Distrito Federal e municípios.
[2] Não esquecer que o conceito de tributos inclui os impostos, as taxas, as contribuições de melhoria e as demais contribuições sociais e econômicas, além dos empréstimos compulsórios.
[3] Lei de Responsabilidade Fiscal.


Vera Lúcia Chemim é advogada constitucionalista.

Revista Consultor Jurídico, 29 de novembro de 2016, 7h07

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Jornada aprova 87 enunciados para orientar solução extrajudicial de litígios

   
A I Jornada sobre Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios aprovou 87 enunciados de um total de 229 admitidos. Os verbetes têm como objetivo orientar a adoção de políticas públicas e práticas do setor privado para a prevenção e solução extrajudicial de litígios.
A íntegra dos enunciados aprovados será divulgada pelo Conselho da Justiça Federal (CJF), organizador da jornada.  Entre as principais proposições aprovadas, estão:
- Recomenda-se o desenvolvimento de programas de fomento de habilidades para o diálogo e para gestão de conflitos nas escolas, como elemento formativo-educativo, objetivando estimular a formação de pessoas com maior competência para o diálogo, a negociação de diferenças e a gestão de controvérsias.
- Propõe-se a implementação da cultura de resolução de conflitos por meio da mediação, como política pública, nos diversos segmentos do sistema educacional, visando auxiliar na resolução extrajudicial de conflitos de qualquer natureza, utilizando mediadores externos ou capacitando alunos e professores para atuarem como facilitadores de diálogo na resolução e prevenção dos conflitos surgidos nesses ambientes.
- Para estimular soluções administrativas em ações previdenciárias, quando existir matéria de fato a ser comprovada, as partes poderão firmar acordo para a reabertura do processo administrativo com o objetivo de realizar, por servidor do INSS em conjunto com a Procuradoria, procedimento de justificação administrativa, pesquisa externa e/ou vistoria técnica, com possibilidade de revisão da decisão original.
- O Poder Público, o Poder Judiciário, as agências reguladoras e a sociedade civil deverão estimular, mediante a adoção de medidas concretas, o uso de plataformas tecnológicas para a solução de conflitos de massa.
- A mediação é método de tratamento adequado de controvérsias que deve ser incentivada pelo Estado, com ativa participação da sociedade, como forma de acesso à Justiça e à ordem jurídica justa.
- É admissível, no procedimento de mediação, em casos de fundamentada necessidade, a participação de crianças, adolescentes e jovens – respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão – quando o conflito (ou parte dele) estiver relacionado aos seus interesses ou direitos.
- Sugere-se que as faculdades de direito instituam disciplinas obrigatórias e projetos de extensão destinados à mediação e à conciliação, nos termos do artigo 175, caput, do Código de Processo Civil, e dos artigos 2º, § 1º, VIII, e 8º, ambos da Resolução CNE/CES 9, de 29 de setembro de 2004.
- O Poder Público e a sociedade civil incentivarão a facilitação de diálogo dentro do âmbito escolar, por meio de políticas públicas ou parcerias público-privadas que fomentem o diálogo sobre questões recorrentes, tais como: bullying, agressividade, mensalidade escolar e até atos infracionais. Tal incentivo pode ser feito por oferecimento da prática de círculos restaurativos ou outra prática restaurativa similar, como prevenção e solução dos conflitos escolares. 
- É fundamental a atualização das matrizes curriculares dos cursos de direito, bem como a criação de programas de formação continuada aos docentes do ensino superior jurídico, com ênfase na temática da prevenção e solução extrajudicial de litígios e na busca pelo consenso.
 - O Poder Público, o Poder Judiciário e a sociedade civil deverão estimular a criação, no âmbito das entidades de classe, de conselhos de autorregulamentação, voltados para a solução de conflitos setoriais.
 - O Poder Público (estadual e municipal) promoverá a capacitação massiva de técnicas de gestão de conflitos comunitários para policiais militares e guardas municipais.
Comissão científica
A I Jornada sobre Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios aconteceu nos dias 22 e 23 de agosto, na sede do CJF, em Brasília. Durante dois dias, o evento reuniu dezenas de especialistas, magistrados e advogados.
Dos 365 enunciados enviados à Comissão Científica, 229 foram inicialmente admitidos e discutidos nas três comissões de trabalho: Arbitragem, Mediação e Prevenção e Outras formas de soluções de conflitos.  No último dia do evento, a plenária aprovou 87 enunciados.
A comissão científica da I Jornada sobre Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios foi composta pelos ministros do STJ Luis Felipe Salomão e Antonio Carlos Ferreira e pelos professores especialistas em mediação e conciliação Kazuo Watanabe e Joaquim Falcão.

Veja a íntegra dos enunciados escolhidos.
Fonte: STJ

quarta-feira, 2 de março de 2016

Novas súmulas abordam remissão de pena e monitoramento




A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovou a edição das Súmulas 562 e 567 do tribunal, que tratam de remissão de pena por atividade laborativa e de furto em estabelecimento com monitoramento eletrônico, respectivamente.

No enunciado da Súmula 562, ficou definido que “é possível a remição de parte do tempo de execução da pena quando o condenado, em regime fechado ou semiaberto, desempenha atividade laborativa, ainda que extramuros”.Já a Súmula 567 estabelece que “sistema de vigilância realizado por monitoramento eletrônico ou por existência de segurança no interior de estabelecimento comercial, por si só, não torna impossível a configuração do crime de furto”.

As súmulas são o resumo de entendimentos consolidados nos julgamentos do tribunal. Embora não tenham efeito vinculante, servem de orientação a toda a comunidade jurídica sobre a jurisprudência firmada pelo STJ, que tem a missão constitucional de unificar a interpretação das leis federais.

Súmulas Anotadas

Na página de Súmulas Anotadas do site do STJ, é possível visualizar todos os enunciados juntamente com trechos dos julgados que lhes deram origem, além de outros precedentes relacionados ao tema, que são disponibilizados por meio de links.

A ferramenta criada pela Secretaria de Jurisprudência facilita o trabalho das pessoas interessadas em informações necessárias para a interpretação e a aplicação das súmulas.

Para acessar a página, basta clicar em Jurisprudência > Súmulas Anotadas, a partir do menu principal de navegação. A pesquisa pode ser feita por ramo do direito, pelo número da súmula ou pela ferramenta de busca livre. Os últimos enunciados publicados também podem ser acessados pelo link Enunciados.

DL

Fonte STJ

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Corte Especial analisa resolução que regula o processamento de reclamação no STJ



A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) começou a analisar a ilegalidade e inconstitucionalidade daResolução STJ n. 12/2009, que regula o processamento da reclamação na corte. O julgamento foi interrompido pelo pedido de vista do ministro Felix Fischer, após os votos do relator, ministro Raul Araújo, e do ministro Luis Felipe Salomão.

O normativo foi editado em razão de decisão do Supremo Tribunal Federal (Edcl no RE 571.572/BA) que entendeu pela possibilidade de se ajuizar reclamação perante o STJ com a finalidade de adequar as decisões proferidas pelas turmas recursais dos juizados especiais à súmula ou jurisprudência do tribunal.

O objetivo era evitar a manutenção de decisões conflitantes a respeito da interpretação da legislação infraconstitucional no âmbito do Judiciário.

Descabimento

No caso, o Ministério Público Federal (MPF) interpôs agravo regimental contra decisão individual do ministro Raul Araújo, que acolheu reclamação contra acórdão proferido pela Primeira Turma Recursal Cível, Criminal e Fazenda do Colégio Recursal de Americana (SP). A decisão da turma recursal admitia a cobrança da taxa de cadastro, de acordo com a jurisprudência firmada pelo STJ em recurso repetitivo (REsp 1.252.331).

De acordo com o MPF, não foi examinada nenhuma das teses desenvolvidas no parecer apresentado no processo no sentido da ilegalidade e inconstitucionalidade da resolução e do descabimento da reclamação no caso.

Afirma ainda que a decisão individual somente poderia ser proferida quando a reclamação fosse manifestamente inadmissível, improcedente ou prejudicada, em conformidade ou dissonância com decisão proferida em procedimento anterior de conteúdo equivalente.

Princípio da colegialidade

O ministro Raul Araújo negou provimento ao recurso do MPF entendendo pela possibilidade de ajuizamento de reclamação perante o STJ para adequar as decisões proferidas pelas turmas recursais dos juizados especiais estaduais à súmula ou jurisprudência dominante da corte.

Araújo destacou também que não houve violação ao princípio da colegialidade, uma vez que a sua decisão individual foi proferida com base no parágrafo 1º-A do artigo 557 do Código de Processo Civil, que pode ser aplicado à reclamação por analogia.

Segundo esse parágrafo, “se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do STF, ou de tribunal superior, o relator poderá dar provimento ao recurso”.

Projeto de lei

Em seu voto, o ministro Luis Felipe Salomão afirmou ser preciso uma reflexão profunda sobre o impacto da resolução na realidade do STJ, principalmente por já terem se passado cerca de seis anos desde a decisão do STF e pela inércia do legislador em dar andamento ao PLC 16/2007, oferecido pelo Poder Executivo em 2004, e ao PL 5.741/2013, oriundo de grupo de trabalho instituído no STJ. Ambos os dispositivos buscam a criação da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais dos Estados e do Distrito Federal.

“O projeto de lei formulado por este STJ, alterando dispositivos da Lei n. 12.153/2009, para criar a Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais dos Estados e do Distrito Federal, seguindo o modelo da Lei n. 10.259/2001, resulta na solução definitiva para o problema, não só da uniformização da jurisprudência, mas também do excessivo volume de reclamações que chegam a esta corte de justiça”, enfatizou o ministro.

Caráter temporário

Salomão votou pela nulidade da Resolução STJ n. 12/2009 e, consequentemente, pela sua inaplicabilidade a partir do resultado final do julgamento, não se admitindo no tribunal as reclamações oriundas do sistema de juizados especiais. Segundo ele, a recomendação contida na decisão do STF teve caráter excepcional e temporário e, certamente, não anteviu a avalanche de reclamações que passaram a chegar ao STJ e a edição da resolução em questão.

Além disso, o ministro destacou que o STF proferiu decisão recente que restringe o cabimento da reclamação na corte constitucional.

“Não pode ser outra a prática processual no STJ, sob pena de se perpetrar manifesta incongruência no sistema jurídico recursal dos tribunais superiores, o qual, repita-se, não admite o controle concentrado ou abstrato de legalidade, pressuposto necessário ao cabimento da reclamação por quem não foi parte no processo de natureza subjetiva”, disse.

O julgamento foi interrompido pelo pedido de vista do ministro Felix Fischer. Ainda não há data prevista para que a questão volte a ser discutida pela Corte Especial.

Fonte: STJ

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Em Goiás, partes receberão por e-mail decisões, despachos e acórdãos





Os representantes das partes dos processos que correm com o desembargador Carlos Alberto França, do Tribunal de Justiça de Goiás, irão receber os despachos, decisões e acórdãos por e-mail a partir do dia 1º de fevereiro. A medida não tem efeito de intimação e, segundo o julgador, visa melhorar a prestação jurisdicional, uma vez que torna mais rápido o conhecimento do trâmite antes da cientificação oficial.

Os e-mails serão enviados após remessa dos autos e disponibilização nos sistemas oficiais do Poder Judiciário. Os endereços eletrônicos dos destinatários devem ser informados na qualificação das partes — prática, atualmente, observada na maioria dos instrumentos de mandatos ou peças processuais. Caso a informação seja inexistente nos autos, a equipe do gabinete poderá fazer contato telefônico com os representantes.

As instruções do procedimento estão na Circular 001/2016, assinada por França. Segundo o texto, para colocar em prática as inovações, foi considerado que os advogados das partes, embora recebam as intimações dos comandos judiciais pelo Diário da Justiça Eletrônico, quando se inicia a contagem dos prazos processuais, buscam informações sobre a prolatação de despachos e decisões judiciais em processos nas secretarias dos órgãos ou por meio de pesquisas nos sistemas disponibilizados pelo Poder Judiciário para consulta pública.

Além disso, a documento menciona que a intimação dos advogados, da advocacia e da Defensoria Pública pelo órgão oficial e a remessa dos autos para intimação do Ministério Público de Goiás demandam tempo, o que pode ocorrer, também, para a disponibilização do pronunciamento judicial nos sistemas de consulta pública. Assim, os interessados, se desejarem tomar conhecimento do teor da decisão judicial anteriormente à intimação, tinham que fazer pesquisas na busca de informações sobre o andamento processual.

O texto menciona o princípio da cooperação, que deve orientar a relação entre os sujeitos processuais na busca de uma prestação jurisdicional em tempo razoável. Esse ponto ocupa lugar de destaque nas normas do Código de Processo Civil, que irá entrar em vigor no mês de março. A mesma normativa prevê, inclusive, concessão de prazo para as partes sanarem irregularidades ou manifestarem nos autos, em prestígio da decisão de mérito mais justa e efetiva. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-GO.

Clique aqui para ler a circular.


Revista Consultor Jurídico, 27 de janeiro de 2016, 9h18

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Audiência pública: cobrança de direito autoral por música na internet gera divergência




A possibilidade cobrança de direito autoral de músicas transmitidas pela internet gerou divergência nesta segunda-feira (14) entre participantes de audiência pública no Superior Tribunal de Justiça (STJ). De um lado, representantes de empresas e de associações de radiodifusão mostram-se contrários à cobrança. De outro, entidades ligadas ao meio cultural defendem o recolhimento de direitos autorais pela transmissão na rede mundial de computadores.

Convocada pelo ministro Villas Bôas Cueva, a audiência pública teve por objetivo fornecer subsídios aos ministros do STJ no julgamento de um processo (Recurso Especial 1.559.264) que discute se quem transmite músicas via internet deve ou não pagar direitos autorais. O caso será julgado pela Segunda Seção do STJ. Ao longo de todo o dia, 23 expositores em 12 diferentes painéis apresentaram argumentos contrários e a favor da cobrança.

Na abertura da audiência, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), associação cível responsável pela defesa e cobrança de direitos autorais, defendeu o pagamento de direitos autorais nas modalidades webcasting (transmissão on demand que só se inicia no momento da conexão do internauta) e simulcasting (transmissão em tempo real, tanto pela rádio convencional quanto pela internet).

“Cada modalidade de utilização de bens intelectuais depende necessariamente de autorização prévia e expressa de seus autores ou de quem os represente. Assim, o uso de músicas na internet há de ser licenciado, há de remunerar com dignidade os criadores intelectuais levando em consideração todos os direitos ali existentes”, afirmou a representante do Ecad, Glória Cristina Rocha Braga.

O argumento do Ecad foi seguido também pelo Ministério da Cultura, pela Associação Brasileira de Música e Artes (Abramus), pela Associação de Músicos, Arranjadores e Regentes, pelo Instituto Latino de Direito e Cultura (ILDC), pela União Brasileira de Compositores (UBC), pela Confederação Internacional de Sociedades de Autores e Compositores (Cisac) e pela Associação Brasileira de Direitos Autorais (Abda).

O cantor e compositor Danilo Caymmi, diretor da Abramus, destacou que quem sofre nesse processo todo é o músico. Segundo ele, as músicas eram e são utilizadas de forma indevida, e as novas mídias favorecem a utilização sem remuneração. “Não é simples. É um assunto complexo, já que é uma questão de tecnologia versus autor. Mas é preciso que haja uma adaptação”, disse.

O representante da Abda, Hildebrando Pontes Neto, defendeu a cobrança em qualquer veículo de comunicação. Para ele, não há razão para dispensar a cobrança de direito autoral nas músicas executadas por meio eletrônico, já que a internet é apenas um meio alimentado pela criação intelectual analógica. “A criação intelectual resulta da inteligência analógica, não nasce da inteligência artificial, mas do pensamento humano e do universo analógico”, concluiu.

Dupla cobrança

A opinião não foi compartilhada pela representante da Oi Móvel S/A, Ana Tereza Basílio. Para ela, não é devido qualquer pagamento porque consistiria em dupla cobrança, uma vez que a Oi/FM sempre pagou direitos autorais pela execução pública. “A exigência de duplo pagamento de direito autoral pela simples disponibilização da mesma programação musical ao consumidor por duas modalidades distintas de acesso configura dupla cobrança”, afirmou Ana Tereza.

Esse entendimento foi seguido pela Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI), pela Associação Catarinense de Emissoras de Rádio e Televisão (Acaert), pela Associação de Emissoras de Rádio e Televisão do estado de São Paulo (AESP) e pela Associação Mineira de Rádio e Televisão (AMIRT).

“O que nós tentamos trazer para o tribunal hoje é que não se pode ter um novo direito autoral sobre o mesmo produto. Por se tratar do mesmo produto, do mesmo conteúdo, sem possibilidade de alteração, entende-se que não pode haver nova cobrança de direitos autorais”, declarou Fabrício Trindade de Souza, da Acaert. Tal posição mostra-se semelhante à do representante do Sindicado das Empresas de Rádio e Televisão do Paraná (SRT/PR), Ricardo Costa Bruno. 

“Não somos contra pagar direitos autorais, somos contra o pagamento em duplicidade”, explicou Bruno ao salientar que pequenas rádios já pagam direitos autorais pelas músicas transmitidas na forma convencional e que elas apenas repetem essa programação na internet. “Não vejo como possível uma dupla tributação de um mesmo fato gerador”, opinou.

Falando em nome da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Marco Antonio Fioravante também defendeu a isenção da cobrança pela veiculação na internet e ainda sugeriu tratamento diferenciado para emissoras públicas de radiodifusão focadas na difusão de conteúdos educacionais, artísticos e culturais e que não têm fim lucrativo. 

Para Alexandre Atheniense, da Escola Superior de Advocacia da OAB, a forma de cobrança por direitos autorais na internet não deve ser ampla e genérica, mas de acordo com a forma de divulgação dos conteúdos na rede de computadores. “Não há aqui um conceito taxativo (de cobrança), mas uma análise casuística sobre cada modelo de negócio”, disse.

Além de Villas Bôas Cueva, participaram da audiência os ministros Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi, Moura Ribeiro, Isabel Gallotti, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino e Marco Aurélio Bellizze.

Fonte: STJ

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

PEC das Domésticas - Direitos e Deveres Entre Patrões e Empregados




Autor:
TRINKEL, Josiane



A Lei complementar 150, sancionada em 01/06/15 que regulamentou a PEC das Domésticas (Emenda Constitucional 72/2013) teve como objetivo central alterar o § único do art. 7º da CF/88 com a finalidade de estabelecer a igualdade de direitos trabalhistas entre os domésticos e demais trabalhadores urbanos e rurais.

Importante esclarecer que o empregado doméstico é aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal a uma pessoa/família por mais de 02 dias na semana. Assim, desde que o serviço seja prestado no âmbito familiar sem fins lucrativos, vários são os cargos enquadrados como doméstico. Além da própria empregada doméstica, como o motorista, jardineiro, vigia, cozinheira, cuidador de crianças ou idosos, enfermeira, dentre outros.

É certo que a Lei 5.859/72 já estabelecia alguns direitos trabalhistas aos domésticos, mas faltavam alguns pontos a serem esclarecidos. A carga horaria de trabalho, jornada extraordinária, piso mínimo para a categoria, enfim alguns direitos que outras categorias tinham e os domésticos não.

Assim, com a PEC promulgada em abril/13, passaram a valer alguns dos direitos ali previstos, como piso de um salário mínimo ao mês ou o piso regional para os estados que o possuem, a jornada de 8 horas diárias e 44 semanais, horas extras, o cumprimento das normas de higiene, saúde e segurança do trabalho, bem como das convenções coletivas.

Outros, somente passaram a valer a partir de junho/2015 (com a sanção presidencial da PEC), conforme a seguir relacionado e com uma rápida abordagem sobre cada um deles. Vejamos:

- Adicional noturno: aplica-se tal adicional àquele que trabalha das 22h de um dia às 05h do outro. Considera-se para fins de cálculo, a hora noturna como de 52'50"(cinquenta e dois minutos e trinta segundos) e com acréscimo de 20% sobre a hora diurna;

- Adicional de viagem: quando previamente acordado entre as partes e o empregado é deslocado do seu local de trabalho e residência para atender as necessidades do patrão, tem direito a receber 25% sobre a hora normal. Existe a opção do empregado em converter este tempo para o banco de horas.

- Controle obrigatório do ponto: o controle da jornada pode ser feito de forma eletrônica ou manual. O portal "Doméstica Legal" disponibiliza um serviço gratuito de "Folha de Ponto Inteligente". O patrão se cadastra e imprime uma folha, que será anotada diariamente pelo empregado. Ao final do mês insere os horários registrados no sistema, que por sua vez vai contemplar se houve hora extra, desconto por atraso ou falta não justificada, etc.

- Utilização do banco de horas: as primeiras 40 horas extras devem ser pagas em pecúnia ao empregado, juntamente com o salário. Somente o que passar disso pode ir para o banco de horas, cuja compensação tem que se dar no prazo máximo de 01 ano. Na hipótese de rescisão, sem tempo hábil para compensação, o empregado faz jus ao pagamento das horas extras existentes no banco.

Finalmente, inseridos na aludida PEC, os direitos que passaram a valer a partir de outubro/15, conforme rápida abordagem abaixo:

- INSS patronal de 8%: a alíquota devida pelo empregador antes era de 12%. Até 2019, o empregador que optar pelo modelo completo na Declaração Imposto de Renda, poderá deduzir o valor recolhido ao INSS. Por parte do empregado continua valendo o percentual de 8, 9 ou 11% a ser recolhido, dependendo da faixa salarial recebida no mês;

- FGTS: era opcional desde 2001. Com a PEC a contribuição previdenciária passou a ser obrigatória e equivale a 8% da remuneração do empregado.

- Antecipação multa do FGTS: os empregados conquistaram o direito ao recebimento da multa de 40% do FGTS. Para o empregador doméstico, por não ter fins lucrativos, é pago de forma antecipada, à razão de 3,2% sobre o salário do empregado. Caso o vínculo se encerre por parte do empregado (pedido de demissão) ou por demissão por justa causa, a multa acumulada será ressarcida ao empregador;

- Seguro desemprego: o empregado demitido sem justa causa e que tenha trabalhado no mínimo por 18 meses, tem direito a um salário mínimo por um período máximo de 3 meses. Atenção patrões: para que o empregado tenha tal direito, as contribuições com o FGTS precisam estar em dia;

- Seguro acidente do trabalho: representará ao empregador um custo mensal de 0,8% sobre o salário do empregado. Considera-se como acidente do trabalho os casos de morte ou lesão corporal, que provoquem no empregado a perda ou a redução, temporária ou permanente, de sua capacidade para o trabalho. Caso o empregado sofra um acidente de trabalho, o patrão tem que comunicar a ocorrência no prazo máximo de 48 horas ao CAT (Cadastramento de Comunicação de Acidente do Trabalho).

- Salário Família: é uma remuneração complementar para empregados que possuem filhos até 14 anos ou portadores de deficiência de qualquer idade. Hoje o valor por filho é de R$ 26,20 para quem ganha até R$ 1.089,72. O patrão paga ao empregado junto com o salário, mas é estornado na guia do INSS do respectivo mês.

De modo a facilitar os recolhimentos devidos pelos empregadores, foi criado o SIMPLES DOMÉSTICO, um sistema elaborado pela CEF, que reúne em um único boleto os valores devidos a título de INSS, FGTS, fundo para demissão sem justa causa, seguro de acidente do trabalho e imposto de renda (para aqueles que se enquadrem no desconto).



Como se pode constatar, a referida lei trouxe direitos e deveres melhor definidos na relação entre patrão e empregado, representando o início de uma nova era para o empregado doméstico.

Fonte: Editora Magister

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Lei de Acesso à Informação no Judiciário é regulamentada





O texto que regulamenta a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011) em todos os órgãos do Judiciário brasileiro foi aprovado pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça por maioria de votos nesta terça-feira (1º/12), durante a 222ª Sessão Ordinária. Os tribunais e conselhos terão 120 dias, a partir da publicação da resolução, para colocar as novas normas em vigor.

A votação do tema foi retomada depois de cinco meses, com a apresentação do voto-vista do conselheiro Bruno Ronchetti, que sucedeu a conselheira Deborah Ciocci, responsável pela suspensão da análise em junho de 2015. Ronchetti se manifestou favorável ao voto do então relator, Gilberto Valente, propondo algumas alterações ao texto.

As proposituras foram acolhidas pelo atual relator, conselheiro Arnaldo Hossepian, sucessor de Valente. A resolução tem efeitos sobre dados, processados ou não, que podem ser usados para produção e transmissão de conhecimento, contidos em qualquer meio, suporte ou formato.

“Com essa aprovação, demos um grande passo na garantia da transparência e da publicidade da gestão pública”, comemorou o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski.

Longa discussão
O debate sobre como seria a inserção do Judiciário nos parâmetros estabelecidos pela Lei de Acesso à Informação se estendeu por três anos. Uma das maiores preocupações dos integrantes da Justiça brasileira era o acesso indiscriminado às informações sob análise das cortes. Devido a isso, comissões foram instituídas para tratar do tema.

No Supremo Tribunal Federal, o grupo foi formado pelo presidente da corte, Ricardo Lewandowski, o ministro Marco Aurélio e o ministro aposentado Joaquim Barbosa. No Superior Tribunal de Justiça, um comitê gestor formado pelo diretor-geral e secretários deliberou sobre o tema.

Em maio de 2012, uma comissão geral, composta de representantes dos tribunais superiores e de conselhos superiores de Justiça, foi anunciada para apresentar suas conclusões. À época, o tema principal era a criação de parâmetros gerais para classificação de documentos.

Transparência ativa e passiva
Com a legislação formalizada, as informações de interesse geral que são produzidas pelos órgãos do Poder Judiciário ou estão sob custódia dessas instituições devem ser prestadas por meio de sites dos tribunais e conselhos.

As páginas na internet deverão conter um campo chamado “Transparência”, onde devem ser alojados dados sobre a programação e execução orçamentária; tabela de lotação de pessoal de todas as unidades; estruturas remuneratórias; remuneração e proventos recebidos por todos os membros e servidores ativos, inativos, pensionistas e colaboradores do órgão; e relação de membros e servidores afastados para exercício de funções em outros órgãos da administração pública.

Em casos envolvendo informações parcialmente sigilosas ou pessoais, é assegurado o acesso à parte não sigilosa, que deve ser fornecida por meio de cópia com ocultação da parte sob sigilo. Quando a ocultação não for possível, o documento solicitado deverá ser fornecido mediante certidão ou extrato.

A medida busca garantir que o contexto da informação original não seja alterado devido à parcialidade do sigilo. A negativa de acesso às informações solicitadas, quando não houver fundamentação da decisão, fará com que o responsável pela resposta esteja sujeito a medidas disciplinares. Com informações da Assessoria de Imprensa do CNJ.


Revista Consultor Jurídico, 1 de dezembro de 2015, 21h36

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Lei 13.151/15 estabelece novo regime paras as fundações (parte 1)





Em primeiro lugar, cumpre registrar a enorme satisfação em estrear nessa respeitável coluna Direito Civil Atual, produzida pela Rede de Pesquisa em Direito Civil Contemporâneo, criada pelos ilustres professores Ignácio Poveda Velasco, Otavio Luiz Rodrigues Junior, José Antonio Peres Gediel, Rodrigo Xavier Leonardo e Rafael Peteffi.

Nesta primeira participação, busca-se oferecer aos leitores um breve panorama sobre as recentes modificações introduzidas no regime jurídico das fundações de direito privado, pela edição da Lei federal 13.151, de 28 de julho de 2015. Visa-se, ainda, a ampliar as oportunidades de reflexão e diálogo sobre esse importante tema das fundações, tendo em mira o seu relevante papel na própria configuração do Estado, na contemporaneidade.

A referida lei, resultante do Projeto de Lei 1.336, de 2011 [[1]], cuidou de: a) ampliar o rol de finalidades para as quais as fundações podem ser constituídas; b) fixar a atribuição do Ministério Público do Distrito Federal para a fiscalização das fundações sediadas nesses entes federativos; c) estabelecer um prazo de 45 dias para a manifestação do Ministério Público acerca das alterações estatutárias das fundações; além de d) permitir a remuneração de dirigentes das associações e fundações, sem fins lucrativos, beneficiários de imunidades tributárias, desde que em valores compatíveis com o mercado.

Quanto à finalidade dos entes fundacionais, lembre-se que, distintamente das associações e sociedades, as fundações não resultam da união de indivíduos, mas da afetação de um determinado patrimônio a um fim, especificado pelo seu instituidor, e para cuja consecução esse acervo patrimonial se destina. Ou seja, “nas fundações, não há sócios ou associados, mas apenas destinatários”. A propósito, Enneccerus, Kipp e Wolff pontuam que não é necessário que haja um círculo determinado de pessoas a quem a fundação favoreça, a exemplo das fundações para fins científicos gerais ou hospitais, para os quais não se tenha preestabelecido quem ali possa ser acolhido. Contudo, ainda que exista esse círculo de pessoas, não lhes caberá administrá-la [[2]].

Como se vê, a questão da finalidade das fundações é marcadamente ligada à sua natureza. Tanto assim que, sob o ponto de vista histórico, as fundações são identificadas como entidades que buscam beneficiar a coletividade, por meio de finalidades eminentemente sociais.

O Direito brasileiro acolheu a fundação como espécie de pessoa jurídica de interesse social ou coletivo (artigo 11 da Lei 4.657/42), ou seja, não admite a criação de fundações para administração de interesses particulares, mas somente daqueles que interessem à sociedade ou a uma dada coletividade. Trata-se de instituto dogmaticamente bem definido: dotação patrimonial, composta de bens livres e suficientes; finalidade voltada a um interesse social instituído pelo fundador; e afetação desse patrimônio a essa finalidade, de maneira perene e inalterável. Consequentemente, de natureza incompatível com qualquer finalidade que vise à distribuição de lucros.

Nessa linha, o caput do artigo 62 do Código Civil de 2002 preocupa-se apenas em estabelecer o primeiro passo para a constituição de uma fundação de direito privado, qual seja, um ato de dotação patrimonial. Portanto, à semelhança do que fizera o legislador do Código Civil de 1916 e, em consonância com o a maior parte da legislação comparada, não se preocupou em definir a fundação, evitando entrar nessa seara.

O Código Civil de 2002, todavia, visando a impedir a criação de fundações com objetivos fúteis, caprichosos [[3]] ou que tenham intuito de distribuir lucros, cuidou de estabelecer, por meio da inclusão do parágrafo único, a regra – sem correspondente no Código Civil de 1916 – segundo a qual a constituição de fundação somente poderia visar a fins religiosos, morais, culturais e de assistência, excluindo, aparentemente, desse rol os entes que desempenham finalidades de elevado conteúdo social, como se percebe em muitos casos de fundações de finalidade científica, de promoção à saúde, à educação, ao esporte ou ao meio ambiente, só para ficar com esses exemplos.

Assim, apesar da boa intenção do legislador, o fato é que o citado parágrafo único do art. 62 do Código Civil restringiu, demasiadamente, o escopo fundacional, a ponto de merecer severas críticas da doutrina, que o taxou de “desnecessário”, “nocivo” [[4]], “confuso”, “impróprio” [[5]], constituindo-se em “interferência desregrada na liberdade de escolha do instituidor” [[6]].

Por isso mesmo, já se vinha entendendo que o referido dispositivo legal deveria “ser interpretado de modo a excluir apenas as fundações de fins lucrativos” e que, portanto, “a constituição de fundação para fins científicos, educacionais ou de promoção do meio ambiente está compreendida no Código Civil, artigo 62, parágrafo único” (enunciados de 9 e 8, respectivamente, da I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal).

Com efeito, caso assim não fosse, chegar-se-ia ao maior de todos os absurdos, na medida em que seria imposta a extinção de uma fundação de preservação ambiental, por exemplo, simplesmente por seu fim ou objetivo não se subsumir à moldura estreita do referido dispositivo, qual seja, por não desempenhar uma finalidade religiosa, cultural, moral ou assistencial[[7]].

O artigo 2º da Lei Federal 13.151, de 28 de julho de 2015, alterou a redação do parágrafo único do artigo 62 do Código Civil, para o fim de ampliar o rol daquelas finalidades antes previstas. De acordo com a sua nova redação, “a fundação somente poderá constituir-se para fins de:

I – assistência social;

II – cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;

III – educação;

IV – saúde;

V – segurança alimentar e nutricional;

VI – defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável;

VII – pesquisa científica, desenvolvimento de tecnologias alternativas, modernização de sistemas de gestão, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos; 

VIII – promoção da ética, da cidadania, da democracia e dos direitos humanos;

IX – atividades religiosas; e

X – (VETADO).”

Pode-se dizer que a alteração veio em boa hora, na medida em que buscou escapar daquele figurino demasiadamente restritivo do legislador de 2002. Concorde-se ou não com o critério adotado pelo legislador, o fato é que a referida lei ampliou e melhorou a redação do malsinado parágrafo único do artigo 62 do Código Civil de 2002, na exata medida em que visou a atender aos reclamos da doutrina a respeito da extrema, e até nociva, limitação finalística das fundações, ainda que apenas em parte.

Exposta, assim, em breves linhas, a mudança, parece importante trazer à tona algumas reflexões.

A primeira diz respeito à clara tentativa de o legislador dar um tratamento isonômico às fundações e associações, declaradas como de Utilidade Pública ou de Assistência Social, em relação àquelas classificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPS), especialmente com relação à possibilidade de remuneração dos seus dirigentes executivos. Essa tentativa traz reflexos observáveis na simetria existente entre o rol das finalidades previstas no novo texto do parágrafo único do art. 62, do Código Civil, e aqueles fins exigidos pelo artigo 3º da Lei 9.790/99, para a qualificação de uma entidade como OSCIP.

Esse intento também se encontra expresso nos votos dos relatores do projeto de lei em questão.

Não se pode, entretanto, confundir os requisitos de qualificação das entidades que atuam na suplementação daquelas áreas onde o Estado se mostrou omisso ou ineficiente (dentre eles aqueles exigíveis para a qualificação de uma entidade como OSCIP), com os próprios pressupostos configuradores de uma fundação.

De fato, essas qualificações têm a função de estabelecer um regime jurídico especial, em relação ao regime geral das fundações, que permite benefícios fiscais ou contratação com o Poder Público, facilitando o mecanismo de controle estatal das entidades assim qualificadas [[8]]. Trata-se de uma realidade peculiar do Ordenamento Jurídico brasileiro, mas que não se confunde com os contornos dogmáticos do modelo jurídico em questão.

Portanto, mostra-se impertinente condicionar a constituição de uma fundação, por exemplo, que vise à promoção da saúde e da educação (artigo 62, parágrafo único, III e IV, do Código Civil), a que suas atividades sejam prestadas de maneira apenas gratuita, à maneira do que se exige para a qualificação de uma entidade como OSCIP (artigo 3º, III e IV, da Lei 9.790/99).

Isso soaria tão equivocado quanto dizer que uma fundação que venha a ser constituída deverá ser invariavelmente qualificada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Por mais socialmente relevante e nobre que seja a sua finalidade isso não é verdadeiro. Bem poderá ela não se enquadrar nos requisitos estabelecidos na lei de regência. Por exemplo, imagine-se que a finalidade social dessa fundação seja voltada para a disseminação de credos, cultos e práticas religiosas, ou que tenha ela sido constituída por algum partido político. Apesar de se constituírem fundações – cujas atividades estão inquestionavelmente previstas na nova redação do parágrafo único do art. 62 do Código Civil –, jamais alcançariam o status de Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), não pelo menos nos termos do artigo 2º, III, IV e XI, da vigente Lei 9.790/99.

A segunda reflexão que se propõe diz respeito à possibilidade da onerosidade dos serviços prestados pela fundação e do exercício de atividade econômica por parte dessas entidades.

Com efeito, não há nada que impeça que as rendas das fundações sejam decorrentes da remuneração de serviços por elas mesmas prestados. O que define uma entidade como de finalidade lucrativa, portanto, não é agratuidade ou a onerosidade dos seus serviços, mas o fato de os seus atos constitutivos preverem a possibilidade de que seus resultados sejam distribuídos entre os seus membros ou dirigentes.

De outro lado, não há nada que proíba – muito pelo contrário, pode ser até recomendável – que as fundações exerçam atividade econômica, já que o patrimônio, estático, no mais das vezes mostra-se incapaz de atender aos fins estabelecidos pelo instituidor. Além disso, encontram-se cada vez mais escassas as possibilidades de o Estado brasileiro suprir, por meio de incentivos fiscais e subvenções, as ilimitadas necessidades do denominado terceiro setor, que se agiganta em um país de economia semiperiférica e de contrates sociais gigantescos como o nosso.

Entenda-se: acerca do aspecto finalístico da fundação, no Direito Civil brasileiro, é inegável que ele deve revestir-se de caráter social, voltando-se ao interesse geral, ou, ao menos, a uma coletividade relativamente determinável de destinatários, não podendo, ademais, ter caráter lucrativo, ou seja, distribuir lucros, dividendos, entre os seus dirigentes (o chamado lucro subjetivo).

Não há, contudo, óbice a que a fundação preste serviços remunerados (atividade-meio, de natureza econômica), desde que sirvam para o incremento patrimonial da própria entidade e o alcance das suas finalidades (atividade-fim, de cunho social). É o que se reconhece como atividade econômica de subsistência e sustentação dos fins da fundação.

Apesar da resistência de certos setores da doutrina nacional em reconhecer essa inexorável realidade social-econômica, muitas vezes pela constatação da existência de certos desvios e anomalias, o fato é que essa percepção é alcançada por parte da doutrina nacional e por parcela significativa da doutrina estrangeira, a exemplo de Portugal, Espanha, Alemanha e Itália [[9]].

Em conclusão: é preciso, portanto, cautela na compreensão dessas mudanças. Todo o movimento do legislador de 2002 foi no sentido de vetar – ainda que por tortuosas linhas – a destinação de bens para finalidades fúteis ou para o exercício de atividade que visasse à distribuição de lucros. Com isso, criou uma limitação desnecessária e extrema aos fins fundacionais, como visto.

O legislador atual, tentando afastar os eventuais efeitos nefastos dessa limitação, ampliou o rol; mas manteve o critério casuístico de limitação de finalidades, o que ainda é bastante criticável, seja porque ainda corre-se o risco de limitar, indevidamente, a iniciativa dos particulares, seja por se estar diante de instituto com contornos dogmáticos já muito bem definidos, afigurando-se, pois, muito mais dispensável do que desejável a atribuição de uma tal limitação pelo legislador.

De todo o modo, ainda que não se concorde com esse pensar, o que se afigura como impensável é querer o intérprete limitar o sentido do requisito finalístico para a constituição de fundações. Seria, mais uma vez, retroceder. Consequentemente, a solução mais adequada parece ser considerar o novo rol do parágrafo único do artigo 62 do Código Civil como apenas exemplificativo.

Vistas, assim, as principais questões atinentes à finalidade, resta tratar das novas regras sobre a atribuição legal do Ministério Público relacionadas ao velamento das fundações (artigos 66, parágrafo 1º, e 69, III, do Código Civil), tema que será explorado em uma próxima participação nesta coluna, aqui na ConJur.

*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Girona, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC e UFMT).



[1] O projeto de lei tramitou, originariamente, no Senado Federal (PLS nº. 310, de 2006, de iniciativa do Senador Tassio Jereissat).


[2] ENNECERUS, Lugwig; KIPP, Theodor; et WOLFF, Martin. Tratado de Derecho Civil, trad. Blas Pérez Gonzalez e José Alguer, Parte Geral, I, 2ª. Ed. Barcelona: Bosh, 1953, 1º Tomo, p. 430.


[3] ALVIM, Agostinho. Comentários ao Código Civil, Rio de Janeiro, Ed. Jurídica e Universitária, 1968, p. 159.


[4] ALVIM, Arruda; e ALVIM, Thereza (coord.). Comentários ao Código Civil Brasileiro. Parte Geral, Vol. I. Everaldo Augusto Cambier [et al.]. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 519.


[5] RESENDE, Tomaz de Aquino. As fundações e sua disciplina no novo Código Civil. In: REIS, Selma Negão Pereira dos (coord.). Questões de Direito Civil e o novo Código, São Paulo: Ministério Público do Estado de São Paulo/Imprensa Oficial, 2004, p. 247.


[6] PAES, José Eduardo Sabó. Fundações e entidades de interesse social: aspectos jurídicos, administrativos, contábeis e tributários, 7. ed. São Paulo: Forense, 2010, p. 377-382.


[7] Idem, p. 380.


[8] DINIZ, Gustavo Saad. Direito das fundações privadas: teoria geral e exercício de atividades econômicas. Porto Alegre: Síntese, 2000. p. 100-101.


[9] Idem, p. 402-409.



Antonio Lago Júnior é mestre em Direito pela UFBA, professor de Direito Civil nos cursos da Universidade Salvador (Unifacs), advogado e procurador do estado da Bahia.



Revista Consultor Jurídico, 23 de novembro de 2015, 8h00

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Audiência pública discutirá competência para ações sobre continuidade do serviço de internet em pré-pago




O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai realizar audiência pública no dia 9 de novembro para subsidiar os ministros na análise de um processo sobre a competência para julgamento de ações relativas ao serviço de internet em celulares pré-pagos.

A possibilidade de as operadoras interromperem o uso da internet em celulares após o término da franquia de dados contratada pelos usuários do serviço pré-pago tem sido questionada em ações coletivas em todo o país. Ao menos 15 juízos diferentes já receberam demandas sobre o tema.

Para evitar decisões conflitantes a respeito do mesmo assunto, duas empresas de telefonia pediram que o STJ definisse qual o juízo competente para julgar a questão.

Abordagem técnica

Ciente do alcance da controvérsia jurídica debatida nas ações, o relator do conflito de competência, ministro Moura Ribeiro, determinou a realização da audiência pública para ouvir os depoimentos de interessados com experiência no tema.

O ministro esclareceu que, embora só esteja em debate a questão da competência, o mérito das ações atingirá um número enorme de brasileiros usuários do sistema móvel pré-pago, além das empresas de telefonia que operam ou operavam com o uso ilimitado da internet. Moura Ribeiro entende que a análise da competência “merece abordagem técnica e interdisciplinar, diante da sua enorme repercussão”.

Sobrestamento

Os autores das ações coletivas sustentam que as operadoras de telefonia móvel teriam modificado indevidamente os contratos de prestação de serviço de internet. Por esse motivo, pediram liminares para manter o fornecimento da internet móvel, ainda que com velocidade reduzida, mesmo após o esgotamento da franquia de dados.

Em junho, Moura Ribeiro já havia suspendido o andamento de ações coletivas contra a operadora Oi Móvel, o que afetou processos que também envolviam outras empresas. Ele observou que várias liminares foram concedidas em favor dos usuários. Porém, quase todas essas decisões foram momentaneamente suspensas pelos tribunais de segunda instância.

Inscrições

A audiência ocorrerá na sala de julgamentos da Segunda Seção, das 9h às 12h e das 14h às 18h. O tempo de exposição para cada orador será de dez minutos. Foram convidadas para participar cinco empresas de telefonia, Procons de diversos estados, entidades civis de defesa dos consumidores, Ministérios Públicos estaduais e Defensorias Públicas. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e o Ministério Público Federal também foram convidados.

As entidades convidadas deverão confirmar participação e indicar expositor até as 20h do dia 30 de outubro, exclusivamente pelo e-mail conflitotelefoniamovel@stj.jus.br.

O ministro esclareceu que as demais instituições interessadas no debate podem enviar memoriais para o mesmo endereço eletrônico. Leia o despacho.
Fonte: STJ 

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Padrões diminuem necessidade de perícia de e-mails





Por Marcelo Stopanovski


Na última coluna aqui neste espaço tratei sobre a perícia em e-mails para consubstanciar sua validade como prova processual. Pelo número de compartilhamentos o assunto chamou a atenção e abriu frente para vários comentários dos leitores, escritos na própria coluna ou enviados por e-mail. Quase um mês já passou e a coluna quinzenal neste período acabou ficando mensal, espero que só desta vez.

Mas algumas questões colocadas pelos comentaristas, com maior ou menor urbanidade, são relevantes e julgo merecerem continuidade da conversa, afinal, este espaço também se destina à discussão.

Como pano de fundo, relembro que o lugar da fala da coluna é o do suporte a litígios. Delimito este campo como o apoio às atividades dos operadores jurídicos quando em contato com o volume de informações característico de nossa sociedade atual. Neste contexto, a tecnologia da informação passa a ser o desafio e a solução para a coleta, a análise e a difusão de informações com valor agregado.

Os profissionais que atuam neste campo são identificados cada vez mais como engenheiros do conhecimento jurídico, transitando entre o campo jurídico e o da tecnologia da informação. Sua função é construir soluções para demandas jurídicas com a utilização ou inovação da tecnologia disponível.

Para além da função do perito clássico e da resposta aos quesitos, o campo do suporte a litígios apoia a própria formação das perguntas, fornece conhecimentos de análise de informações jurídicas, e deriva até na construção de sistemas para as demandas que, não raro, o operador jurídico nem sabia que tinha.

A ressalva que deve ser feita é que este é um campo interdisciplinar e os comentários bem indicam isso quando, de um lado, propõem maiores explicações dos termos utilizados e de outro criticam a falta de precisão e as faltas técnicas tanto em processo civil, como em atualização da tecnologia utilizada.

Essa é uma característica de um trabalho interdisciplinar, pois nos dizeres do autor Eufrausino em seu artigo de título provocativo Profundidade superficial e superficialidade profunda: “Não há, no entanto, como efetuar uma demonstração argumentativa sem se render parcialmente à superficialidade característica da interdisciplinaridade. ” (Eufrasino, 2008, p. 116)

Sendo o campo do suporte a litígios interdisciplinar, reconhece-se o interesse na discussão sobre assuntos correlatos em outras ciências, e julga-se justo um pouco de especulação para a construção de novos referenciais, novamente uma citação do mesmo autor refletindo sobre os limites da interdisciplinaridade:


Em nome de uma suposta interdisciplinaridade, intensificam-se os mecanismos de controle da disciplinaridade. Isso lança sobre o pesquisador a insana cobrança de que ele consiga justapor, a cada instante de sua reflexão, universos completos de saber. Nega-se, assim, um dos mais marcantes atributos da interdisciplinaridade: o reconhecimento das lacunas que constituem o saber e o manejo criativo dessas lacunas a fim de forjar novas possibilidades de conhecimento. (Eufrasino, 2008, p. 121)

O suporte a litígios não possui a pretensão de substituir o operador jurídico especialista na construção das teses da lide e também não substitui o cientista da computação ou profissional de tecnologia em geral em seu métier, o objetivo é o da engenharia do conhecimento jurídico. Ou seja, uma interface de comunicação entre os dois conhecimentos especialistas.

Posta esta preliminar de flexibilidade na precisão em nome de um foco na ideia, coloco uma segunda questão sobre o artigo anterior a respeito dos e-mails, ligada ao campo do suporte a litígios, o próprio litígio.

Parece tranquilo que um acerto entre as partes decida que um papel valha pelo que está escrito nele, sem conferência de assinaturas, busca de originais e outras avaliações contextuais que solidifiquem seu caráter de prova processual. O mesmo vale para um e-mail, que apenas impresso foi aceito por todos no processo como verdadeiro. Ambas hipóteses provavelmente são até mais frequentes do que o pedido de perícia sobre as peças.

Ocorre que talvez não tenha explicado bem, mas estava discutindo um litígio, uma operação da Polícia Federal por exemplo. No qual existem acusações graves e partes em um antagonismo máximo, no qual a produção da prova é uma discussão preliminar e fundamental. E, mais do que tentar vender consultoria com uma tese forçada, com indicou um comentarista, estava descrevendo situações práticas vivenciadas no campo do suporte a litígios, tentativa constante desta coluna.

Tome-se como exemplo um caso concreto de uma apreensão de mais de um milhão de e-mails em um servidor alvo de uma operação famosa. A discussão dos fundamentos dos mandados de busca e apreensão é comum no processo penal, mas o procedimento de coleta e a cadeia de custódia nem tanto. Eis a questão defendida no artigo anterior: se não forem discutidas as ferramentas utilizadas na coleta, como garantir que o apreendido é o original, valerá a simples impressão do e-mail “prova do crime” colocada nos autos?

A defesa de que exista uma perícia, uma avaliação da prova em sua cadeia de custódia se dá neste contexto e espero que tenha sido este o entendimento da maioria dos leitores.

Mesmo o e-mail prova sendo um, das centenas de milhares apreendidos, é necessário seguir a cadeia de custódia até a origem da prova, a qual envolve o momento da coleta do todo.

Em se tratando de um único e-mail interceptado, como resultado de um mandado de quebra de sigilo que obriga o provedor a copiar os conteúdos enviados e recebidos para uma caixa de entrada clone, em outro exemplo de possibilidades de coleta, poderia caber uma ata notarial. Conforme indicado por um colega, a ata notarial pode suprir o quesito de autenticidade, desde que seja objeto da ata também o cabeçalho de internet disponível em cada mensagem. Mas uma ata notarial que especifique o cabeçalho de todas as milhares de mensagens trocadas seria contraproducente em comparação ao algoritmo de integridade (hash).

Falando em hash um comentarista indicou que o tipo MD5 está obsoleto e foi substituído pelo SHA3. Correto, mas o padrão de apoio para validação de informações digitais em processos nos Estados Unidos (RDS) ainda faz referência ao MD5, visto sua provável utilização no legado de processos ainda em trâmite. Uma discussão claramente técnica e que deve ser atualizada a cada nova coleta, o importante é sabermos que, do ponto de vista do contexto do suporte a litígios, existem tecnologias próprias para a garantia da integridade e autenticidade da informação digital anexada ao processo.

Ainda, colegas comentaram sobre certificados, os quais indico serem a forma de transformar um e-mail em um documento com validade intrínseca. Uma assinatura digital no envio e recepção de em um e-mail pode comprovar toda sua validade, a exemplo de uma sentença assinada por um magistrado.

Finalmente, a indicação de que a discussão da cadeia de custódia e da possível falsificação do conteúdo de uma mensagem deva ser apoiada pela indicação de indícios concretos de alteração, sob pena de má-fé, pode gerar um paradoxo: exigir que quem se defende aponte o problema em uma mensagem concreta, quando o próprio volume coletado está sem garantias de que é autentico e íntegro. Se não apontar uma errada preliminarmente, acabo validando a coleta sem segurança como um todo? Melhor seria garantir a validade da coleta sem se preocupar inicialmente com o conteúdo.

Agradeço a todos os que enviaram comentários, tanto concordando, como criticando, e reforço a ideia central deste texto e do anterior: uma mensagem de correio eletrônico (e-mail) precisa de procedimentos padronizados de coleta e disponibilização no processo para ter sua aceitação validada, notadamente em litígios complexos.

Em conclusão, quanto mais os padrões forem seguidos e difundidos, menor será a necessidade de perícias. Se as garantias de coleta e inserção de provas no processo foram seguidas, caberá então a discussão do conteúdo.

Referências
EUFRAUSINO, C. C. V. Profundidade superficial e superficialidade profunda: o dilema da pesquisa em ciências humanas entre a disciplinaridade e a interdisciplinaridade. Em Questão, Porto Alegre, 14, n. 1, jan./jun. 2008. 107-123.



Marcelo Stopanovski é diretor de produção da i-luminas — suporte a litígios e consultor do escritório FeldensMadruga. . Professor da FGV in Company com a disciplina Engenharia do Conhecimento Jurídico. Doutor em Ciência da Informação pela Universidade de Brasília e mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina.

Revista Consultor Jurídico, 30 de setembro de 2015, 10h10

sábado, 19 de setembro de 2015

Cidadão tem direito de ter controle sobre coleta de dados pessoais







A “sociedade da informação”, forma de organização social que recorre ao intensivo uso da tecnologia para coleta, transmissão e armazenamento de informações, revela a inadequação das tradicionais definições aos conceitos de “privacidade” e “publicidade”, não sendo mais possível “considerar os problemas da privacidade somente por meio de um pêndulo entre ‘recolhimento’ e ‘divulgação’”[1].

Nesse cenário, o cidadão assume papel de protagonismo no fornecimento de suas informações, mas, por outro lado, de coadjuvante no seu uso. Foge ao seu controle quais dados estão nas mãos de quem; como estão sendo recolhidos; qual nível de controle ele detém sobre este armazenamento.

Neste contexto, explica Stefano Rodotá: “a contrapartida necessária para se obter um bem ou um serviço não se limita mais à soma de dinheiro solicitada, mas é necessariamente acompanhada por uma cessão de informações.”[2]

As operações de mineração de dados, também denominadas data mining, rastreiam orientações sexuais, perfis de consumo e áreas de interesse dos usuários à completa revelia desses, visando à construção de perfis (profiling) com base em seu comportamento[3]. Assevera Konder que “técnicas de mineração de dados (data mining) permitem, dentro do amplo manancial de informações já disponíveis da rede – fornecidas pelos titulares devido aos mais variados motivos e nos mais diversos contextos –, a seleção daquelas úteis e valiosas e sua reconstrução sob nova formatação”[4].

Anderson Schreiber aponta que “a coleta de dados do usuário – por meio de cookies e outras técnicas de transparência reduzida e legalidade duvidosa – tem permitido o desenvolvimento de perfis automáticos que são utilizados pelos fornecedores para direcionar o conteúdo da mensagem publicitária e da oferta de produtos na internet”[5]. Com efeito, a liberdade na rede reflete-se em rumos temerários ao direito de privacidade.

Direito à privacidade
1. Conceito e cláusula geral de tutela da privacidade
O conceito de privacidade mostra-se intimamente ligado ao conceito de liberdade, sendo ambas faces opostas de uma mesma moeda. O exercício do direito à privacidade nada mais representa do que o exercício do direito à liberdade, tanto a liberdade de se expor ou não quanto a de se decidir em que medida pretende o titular revelar sua intimidade e sua vida privada ao mundo exterior[6].

Neste sentido, afirma-se que

“o direito à privacidade decorre do direito à liberdade, na medida em que o primeiro abriga o direito à quietude, à paz interior, à solidão e ao isolamento contra a curiosidade pública, em relação a tudo o quanto possa interessar à pessoa, impedindo que se desnude sua vida particular; enquanto o segundo resguarda o direito a uma livre escolha daquilo que o indivíduo pretende ou não expor para terceiros, protegendo o seu círculo restrito da forma como lhe aprouver”[7].

Desse modo, temos por conceito do direito à privacidade a “faculdade que tem cada indivíduo de obstar a intromissão de estranhos em sua vida privada e familiar, assim como de impedir-lhes o acesso a informações sobre a privacidade de cada um, e também impedir que sejam divulgadas informações sobre esta área de manifestação existencial do ser humano”[8].

No Brasil, o direito à privacidade goza de um estatuto jurídico no ordenamento jurídico pátrio (art. 5º X da CF/88, arts. 21 do CC/02, art. 43 do CDC) e estrangeiro (por exemplo, o art. XII da Declaração Universal de Direitos do Homem), cujo cumprimento é inafastável pelos entes privados e públicos e, não menos importante, goza de um núcleo duro delineado pela doutrina.

Estes, portanto, são os contornos essenciais do direito à privacidade, direito este que se manifesta em seus aspectos objetivo e subjetivo.

2. Dimensão objetiva e subjetiva do direito de privacidade
É sedimentado na doutrina que os direitos fundamentais, como o é o direito à privacidade, possuem uma dupla dimensão: (i) subjetiva, como direito subjetivo do indivíduo de exigir de terceiros (particulares ou Estado) determinados comportamentos negativos ou positivos, e (ii) objetiva, como um sistema de valores do Estado Democrático de Direito, que funciona como diretriz axiológica e como limitador ao poder de império do Estado.

A privacidade, enquanto direito fundamental, manifesta-se em sua dimensão subjetiva (direito individual oponível ao Estado e demais particulares, faculdade que cada cidadão tem de obstar a intromissão de estranhos na sua intimidade e vida privada, de se autodeterminar e de controlar os próprios dados pessoais) e em sua dimensão objetiva (valor que condiciona constitucionalmente a atuação dos setores públicos na garantia do livre exercício da liberdade de consciência, de crença e de expressão).

Em termos práticos, dizer que o direito à privacidade manifesta-se objetivamente é dizer que o Poder Público tem um limite para sua atuação e uma diretriz na sua regulamentação, exigindo verdadeira atuação positiva dos entes da Administração Pública.

Ao abordar a imperiosa necessidade de atuação do Estado para a determinação destes limites, Gustavo Tepedino assevera que o exercício das liberdades no mundo tecnológico depende essencialmente da tutela da ordem jurídica. Neste sentido: “a liberdade, em especial nas relações existenciais, não implica na ausência do Direito, mas, ao contrário, pressupõe que o direito atue, de maneira a proteger a parte mais vulnerável, fornecendo-lhe meios para efetivamente poder discernir, decidir, agir.”[9]

3. Núcleo duro do direito à privacidade
Stefano Rodotá defende a existência do núcleo duro do direito à privacidade, que abarcaria um conjunto de informações pessoais que refletem a tradicional necessidade de sigilo, mas que assumiram, com o avanço dos tempos, maior relevância em outras categorias de informações, protegidas de tal forma que se evite que pela sua circulação possam surgir situações de descriminação com danos aos interessados.

Para Rodotá, o núcleo duro é formado de informações relacionadas às opiniões políticas e sindicais, além daquelas relativas à raça ou ao credo religioso. Afirma o doutrinador que “a classificação desses dados na categoria de dados sensíveis, particularmente protegidos contra os riscos da circulação, deriva de sua potencial inclinação para serem utilizados com finalidades discriminatórias”[10].

Sem abrir mão da proteção do núcleo duro do direito à privacidade, deve ser dito que o uso de dados privados para a determinação de políticas públicas pode ter efeitos desejados para a máquina administrativa. “Socializar o uso da informação privada”, para Stefano Rodotá, é indispensável para colocar em um plano de paridade todas aqueles que estão interessados em contribuir, através da livre discussão, para a determinação da política do próprio país[11].

Reconhecer a existência de um núcleo duro do direito à privacidade – e sua parte mais dura, inclusive – é reconhecer que os mecanismos de proteção a serem criados pelo Estado devem ser diferenciados para cada grupo de informações, de tal modo que medidas legais devem ser tomadas para cobrir com o véu do sigilo aquelas informações cuja circulação pode trazer riscos irreparáveis a seus titulares.

O Direito à autodeterminação informativa
A doutrina aponta como conceito de direito à autodeterminação informativa o “direito que cabe a cada indivíduo de controlar e de proteger os próprios dados pessoais, tendo em vista a moderna tecnologia e processamento de informação”[12].

O direito à autodeterminação informativa, também denominado de direito à privacidade decisional e informacional, pode ser tido como uma espécie do gênero direito à privacidade. Este direito foi reconhecido inicialmente pelo Tribunal Constitucional Alemão, no julgamento do caso da Lei do Censo Alemã, de 1982.

Segundo a corte alemã, o direito à autodeterminação informativa “pressupõe que, mesmo sob as condições da moderna tecnologia de processamento de informações (...), que o indivíduo exerça sua liberdade de decisão sobre as ações a serem precedidas ou omitidas em relação a seus dados”[13].

No mesmo rumo, a doutrina entende pela premente necessidade de se aprimorar as formas de controle para a garantia da autodeterminação informativa, como leciona Gustavo Tepedino:

“com o avanço e barateamento da tecnologia de informação, sofisticam-se os acessos e controles, o cruzamento e a circulação de dados, sendo urgente restabelecer mecanismos de tutela dos direitos fundamentais, especialmente no que tange aos dados sensíveis (...). Há que se definir quando, onde, como e para que fins podem ser colhidas informações pessoais, impedindo-se seu tratamento como ativo comercial ou expressão do poder político do Estado. Os critérios para tal definição hão de convergir par aa melhor tutela dos direitos fundamentais em jogo”.[14]

Princípios da autodeterminação informativa
Para a promoção de uma adequada proteção aos dados sensíveis frente ao progresso tecnológico é preciso que a atenção se desloque da proteção ao controle. Deve-se permitir ao cidadão que exerça um real poder de controle sobre a exatidão das informações que dele são colhidas, os seus destinatários e as suas modalidades de utilização.

É o exercício do chamado “direito à autodeterminação informativa”, que garante que cada cidadão seja senhor de suas informações ante as múltiplas possibilidades de coleta de dados oferecidas pela tecnologia.

Os princípios que tutelam ao direito à autodeterminação informativa podem ser extraídos de dois diplomas legais: a Convenção do Conselho da Europa, 28/01/1981 e a Recomendação da OCDE de 23/09/1980:

a. Princípio da correção: deve ser facultado ao cidadão o direito de retificar quaisquer dados coletados a seu respeito, a qualquer tempo sem quaisquer ônus;

b. Princípio da exatidão: os dados coletados devem guardar pertinência exata com os dados fornecidos pelo cidadão àquele destinatário, vedando-se o uso de meios suplementares não autorizados de coletas de dados;

c. Princípio da finalidade: deve haver uma relação direta de pertinência entre as finalidades da ação executada pelo coletor das informações e os dados que podem ser legitimamente coletados. Este princípio veda a licença indiscriminada, genérica e ampla para coletar dados pessoais em quaisquer formulários[15].

d. Princípio da publicidade dos bancos de dados: existência de um registro público prévio, com amplo acesso, dos bancos de dados;

e. Princípio do acesso individual: deve o indivíduo conhecer quais são as informações coletadas sobre si próprio, obter cópias e correção das informações, a integração das incompletas e a eliminação daquelas coletadas ilegitimamente;

e. Princípio da segurança física e lógica: os bancos de dados devem ser mantidos sob estruturas seguras o suficiente para impedir o acesso não autorizados dos dados por terceiros.

Conclusões
À guisa de conclusão, é certo que as novas tecnologias da informação criaram ferramentas de data mining eficientes, impondo uma nova forma de coleta e tratamento de informações pessoais.

Para equalizar o diapasão novas tecnologias x direito à autodeterminação informativa, aponta-se uma alternativa: a regulamentação, imediata, do direito à autodeterminação informativa para que o cidadão deixe de ser simples fornecedor de informações, passando a deter o real e efetivo controle sobre a coleta e destino de informações.

Por todo o contexto social e político, conclui-se por ser inviável e indesejável simplesmente proibir a coleta de dados. Ao revés: é preciso torná-la lícita, regulamentando-a conferindo, para além do aspecto substancial, um aspecto procedimental ao direito à privacidade.



[1] RODOTÀ, Stefano. A vida na sociedade da vigilância (coord. Maria Celina Bodin de Moraes). Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 25.


[2] Idem, pág. 113. 


[3] DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. 


[4] KONDER, Carlos Nelson. Privacidade e corpo: convergências possíveis.Pensar (UNIFOR), v. 18, p. 352-398, 2013. Pág. 373.


[5] SCHREIBER, Anderson. Contratos eletrônicos no Direito brasileiro – formação dos contratos eletrônicos e direito de arrependimento. In: Plínio Melgaré (org).O direito das obrigações na contemporaneidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. Pág. 52. 


[6] VIEIRA, Tatiana Malta. O direito à privacidade na sociedade da informação: efetividade desse direito fundamental diante dos avanços da tecnologia da informação. Brasília, 2007. 296 ps. Dissertação (Mestrado em Direito, Estado e Sociedade). Universidade de Brasília, Brasília, 2007. Pág. 22. 


[7] JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e direito à vida privada: conflito entre direitos da personalidade. São Paulo: RT, 2000, p. 260. 


[8] BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1989, vol. 2, p. 63.


[9] TEPEDINO, Gustavo. Liberdades, tecnologia e teoria da interpretação. Revista Forense, v. 49, 2014. Pág. 88.


[10] RODOTÀ, Stefano. Op. Cit. p. 96. 


[11] RODOTÀ, Stefano. Op. Cit. p. 33.


[12] MARTINS, Leonardo (Org.). Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão. Montevidéu: Fundação Kontad Adenauer, 2005, pp. 233-235 


[13] VIEIRA, Tatiana Malta. Op. Cit. Pag. 88.


[14] TEPEDINO, Gustavo. Idem. Pág. 95. 


[15] RODOTÀ, Stefano Op. Cit. P. 80.


João Quinelato de Queiroz é advogado corporativo e bacharel em direito pelo Ibmec, com especialização em Direito do Entretenimento pela UERJ. É presidente da Comissão de Estágio da OAB-RJ.



Revista Consultor Jurídico, 26 de julho de 2015, 9h52

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