quinta-feira, 4 de setembro de 2014

CONCURSO DO MP DE MINAS GERAIS INCENTIVA DESOBEDIÊNCIA À DOUTRINA E AO STF


Concurso do MP de Minas Gerais incentiva desobediência à doutrina e ao STF




Ainda e sempre a questão dos concursos públicos
Tenho batido em várias teclas aqui na ConJur. Uma delas é o mau uso dos concursos públicos, que acabam se configurando em retrocesso no ensino do direito. Em suma: não é raro encontrar péssimos exemplos nas questões dos concursos públicos, hoje transformados em quiz shows e por vezes sequer obedecem ao que já está consolidado pela jurisprudência e pela boa doutrina. Ou se apegam à má doutrina.

É o caso do recente concurso para Promotor de Justiça em Minas Gerais, em que várias questões do certame não devem servir de guia para o aprendizado daquilo que se quer como futuro para o nosso direito, mormente se considerarmos que a Constituição diz que o Ministério Público é o ombudsman da República. Aqui discutirei uma questão de direito processual penal, assim formulada:

Tício foi denunciado em 30/07/2012 como incurso nas sanções do artigo 155, parágrafo 4º, inciso I, c/c artigo 61, I, ambos do Código Penal, porque em 25 de junho de 2012, por volta das 21h15min, em residência situada nesta Capital, imbuído de animus furandi, mediante arrombamento do portão que guarnecia o local, subtraiu um violão, instrumento de trabalho de propriedade do músico Mélvio, avaliado pelo laudo pericial no valor de R$ 200,00. Processado, foi condenado, conforme segue:

Pena: 2 anos de reclusão mais multa, presente a agravante da reincidência específica em delito patrimonial, aumentou a pena-base em 1/6, resultando em 2 anos e 4 meses de reclusão; regime semiaberto e impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos. Também determinou a suspensão dos direitos políticos de Tício, pelo prazo da condenação, a teor do artigo 15, inciso III, da Constituição da República. Intimado regularmente do teor da decisão, o Ministério Público manteve-se inerte. O acusado Tício é hipossuficiente econômico.

A Defensoria Pública pugnou, em resumo:

- A desclassificação do crime para furto simples, posto (sic) que ausente o laudo pericial de exame de rompimento ou destruição de obstáculo, embora a vítima e testemunhas ouvidas em juízo confirmassem o arrombamento; Requereu a aplicação do princípio da insignificância, posto (sic) que a res furtiva foi avaliada abaixo do valor do salário mínimo da época (R$ 622,00); Afastamento da reincidência por constituir bis in idem; consequentemente, deveria ser decotado o gravame da pena, fixado o regime aberto e a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos. Por derradeiro, não seria possível a suspensão de direitos políticos, em caso de inexecução da pena privativa de liberdade.

A questão, então, indagava: “Na condição de Promotor de Justiça, elabore a peça processual cabível, contrariando as teses defensivas”.

Parênteses meu: aqui, antes de tudo, uma questão interessante: o Ministério Público não deve, necessariamente, contrariar teses defensivas. Deve contrariá-las quando estas forem... incorretas! Ou, dito de outro modo, quando as teses de Defesa não corresponderem à melhor interpretação do Direito, compreendido em sua integridade. O Ministério Público não deve fazer as vezes de uma Defesa espelhada (que, a rigor, tem o dever de articular todas as teses que, contando com algum grau mínimo de plausibilidade, e dentro das regras do jogo, forneçam resultados favoráveis ao acusado). Deve, isso sim, agir como um guardião da integridade do Direito. Digo isso para não passar em branco, mas, tudo bem: suponhamos que o Promotor de Justiça tenha, em alegações finais, formulado um pedido tal qual acolhido na sentença. Nesta hipótese, também não poderia agora vir a atacar um provimento jurisdicional que ajudou a construir.

Seguindo: O espelho oficial ofertava o seguinte modelo de resposta correta:

- A infração penal deixou vestígios e, portanto, era obrigatória a realização de exame pericial, a teor do artigo 171 do CPP. Todavia, tal dispositivo deve ser interpretado em consonância com o princípio do livre convencimento ou persuasão racional, definido no artigo 155 do mesmo diploma legal, segundo o qual o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, inexistindo hierarquia dos meios probatórios, podendo ele embasar a presença da forma qualificada do furto nas declarações de vítima e testemunhas, a teor do artigo 167 do CPP. Outro parêntesis meu: Eita! O examinador deve ficar mesmo muito animado quando o livre convencimento do juiz leva a uma conclusão com a qual concorda o promotor, não? Não terá passado por sua cabeça que, a partir deste princípio ônibus — um mero álibi teórico-retórico, em que qualquer coisa cabe — uma decisão que dissesse o exato oposto estaria, por esta mesma lógica, também justificada? Não se deu conta o examinador que esse “princípio” é um tiro no pé do promotor e de qualquer defensor?

Na sequência, o espelho especificava os argumentos para a tese da inaplicação do princípio da insignificância:

- Tal princípio não encontra assento legal e, se reconhecido, violaria os princípios da reserva legal e da independência de poderes; no tocante ao crime de furto, o legislador valorou o bem jurídico, diferenciando insignificância e pequeno valor, e criou a forma privilegiada no § 2º do artigo 155 do CPB, beneficiando o criminoso primário, o que não se aplica ao reincidente; consoante entendimento dos pretórios, não cabe a aplicação do instituto para reincidentes, sob pena de incentivo à criminalidade [outro parêntesis do Senso Incomum: isso não passa de um argumento de política — e, portanto, nada tem a ver com o sistema de direitos em torno do qual se deve(ria) produzir o Direito em Estados Democráticos]; o crime foi praticado na forma qualificada, não podendo ser considerado inexpressivo; por fim, no caso concreto, a coisa subtraída era instrumento de trabalho da vítima, não podendo a aferição pautar-se tão somente pelo aspecto valorativo de comparação econômica.

- O STF, em decisão de recurso extraordinário, reafirmou a constitucionalidade da agravante da reincidência (RE 453.000 RS). A decisão foi tomada em regime de repercussão geral, e vincula o entendimento jurídico nacional.

- O regime semiaberto foi corretamente fixado, a teor do artigo 33, parágrafo 2º, do CPB. A reincidência impede a substituição da pena, a teor do artigo 44, inciso II, do CPB. O dispositivo do artigo 15, inciso III, é autoaplicável, não necessita de regulamentação, constituindo efeito automático da condenação. Fim do espelho da prova.

Minha anamnese
Não vou examinar todas as especificações da questão e tampouco as da grade. Fixar-me-ei em alguns pontos. De pronto, uma clara violação da, digamos assim, literalidade[1] do Código Processual (o que não configura um bom exemplo vindo do órgão encarregado de fiscalizar a boa aplicação da lei, pois não?), quando sustenta que, mesmo o crime apresentando vestígios, o juiz pode, com base no “princípio” (sic) da livre apreciação da prova, condenar sem laudo pericial, exigido no artigo 168 do CPP. Como assim? Estamos falando de concurso para ingresso na carreira de um agente político do Estado, fiscal da lei, vitalício e com as garantias da magistratura. Não é um concurso para mandalete. Dizer que é possível condenar alguém com violação ao CPP é um caso de improbidade epistêmica. Mesmo que haja julgados (e, claro, sempre haverá — embora equivocados e contra legem) e alguma doutrina sustentando essa dispensa do laudo pericial em crimes que deixam vestígio, devemos combater esse tipo de descumprimento. Juiz não cria direito, mormente se for contra o réu. Aliás, se o espelho é “tão legalista” (a observação é irônica!) ao ponto de considerar correto retirar os direitos políticos de alguém que furta um violão, por que não admitir criação jurídica para aplicar um princípio jurídico-constitucional? A propósito: não é muito inspirador para o Ministério Público pregar, em pleno Estado Democrático, que uma garantia processual (exigência-de-laudo-feito-por-peritos) possa ser “substituída” por algo serôdio e ingênuo como o princípio (sic) da livre apreciação da prova ou persuasão racional (sic). Essa “livre apreciação” ou o tal “livre convencimento” é tão anti-democrático que, no projeto do novo CPC, ele foi expungido.

Aliás, isso me leva ao segundo ponto: o reverberamento contra o princípio da insignificância — consagrado mesmo nas medianas doutrinas e pelos tribunais de todo o país (e do mundo) — sob o argumento de que não pode ser aplicado por falta de previsão legal ou constitucional. Deixa ver se entendi: Quer dizer que, pelo fato de não estar escrito no Código Penal e na Constituição, não podemos aplicar a insignificância? Quer dizer que o STF, ao aplicar o princípio (por exemplo, no RHC 113.773, em que, vejam, o STF trancou a ação penal em caso de furto insignificante — com parecer favorável do MPF — aliás, num caso de Minas Gerais), está a Suprema Corte incorrendo em inconstitucionalidade? E o que dizer do STJ (REsp 1.133.602 MG 2009/0149713-5)? Aliás, um princípio, para ter validade, deve estar escrito na Constituição? Se é assim, onde está o princípio da isonomia na Constituição? Na minha eu não encontrei. E ele é utilizado muito pelo Ministério Público, se me entendem o que quero dizer. Em meus quase trinta anos de carreira, muito esgrimi esse princípio! E o princípio da subsidiariedade? Qual é assento (marco) legal? E o da confiança no juiz da causa? Está escrito onde? Ademais, o artigo 563, que trata, a lo largo, do velho e ultrapassado “princípio” pas de nullité sans grief, deveria ser lido em conformidade com a Constituição, problemática que discuto já de há muito. Veja-se que todos os dias essa velharia (axioma inventado no velho formalismo) é utilizada para — pasmem — não cumprir a literalidade, por exemplo, do artigo 212 do CPP (por exemplo, STF-HC 103.525). Perguntando mais claramente: Por que a não realização do laudo pericial não acarretaria prejuízo ao réu, se, graças a ele, a pena dobrou? Paro por aqui? Cartas para a Coluna. Para não deixar passar in albis e jogando o examinador contra o examinador: A proporcionalidade, para citar apenas esta, também não tem respaldo legal (explícito)! Mas todo mundo usa, certo? Que fazemos com ela? E, epa: linhas atrás, o mesmo examinador não defendeu a aplicação do “princípio” (sic) do livre convencimento — esse sim, um argumento sem DNA democrático? Um livro Verdade e Consenso de presente para quem me apresentar o “assento constitucional” deste princípio. Em outras palavras, para a banca, a insignificância NÃO é princípio porque não tem assento constitucional... Mas o livre convencimento é princípio, mesmo sem passar nem perto da Constituição. Ao que tudo indica, quem tem mesmo livre convencimento é a banca examinadora do concurso.

Sigo. E para insistir neste ponto: Uma questão de concurso público deve servir de exemplo para os jovens que pretendem ingressar na carreira. Lembram da questão 10 do Concurso da Defensoria do Rio de Janeiro, que incentivava a que um cidadão ingressasse em juízo para se tornar um “lagarto” (ler aqui)? Concursos devem servir de fator de denúncia. E de pedagogia. Para o bem. E não para o mal. Por exemplo, seria muito mais conveniente que o Ministério Público de MG utilizasse o concurso público — especialmente a prova de processo penal ou penal — para discutir como é possível que, em um país como o nosso, alguém que furte um violão seja condenado a mais de dois anos de prisão sem condições de substituição de pena e ainda perdendo os direitos políticos, enquanto na sonegação de tributos...deixamos por isso mesmo, isto é, aceitamos que se devolva o produto sonegado e a pena vira fumaça!

Sim, o concurso poderia comparar esse exemplo com as condenações (ou absolvições, que é mais fácil) de sonegadores de tributos e lavadores de dinheiro. Quantos sonegadores iriam presos no Brasil nas bases em que foi proferida a decisão que — fictamente — embasou a questão em tela? Não seria um belo momento para questionar as desproporcionalidades do sistema jurídico de terrae brasilis, em vez de fazer apologia à que não se obedeça aquilo que está consolidado no STF e no mundo todo, que é o reconhecimento do princípio da insignificância? Aliás, olhando a prova como um todo, o pano de fundo que exsurge é a velha dogmática jurídica, traduzida por manuais fora do tempo e dirigidos para um direito estandartizado, cuja parcela considerável de livros deveria ter aquela tarja de “seu uso constante pode fazer mal à saúde jurídica do utente”.

Mais: a vingar a posição sustentada no espelho da prova, qualquer furto redundará sempre em condenação, já que inviável a aplicação da insignificância. É isso, pois não? Um furto de um alfinete já configura o tipo de subtração de coisa móvel alheia, ao que se depreende da grade. Ou seja: na tese esgrimida no espelho, um furto de alfinete (ou de sabonetes ou de um velho ferro de passar roupas) com rompimento de obstáculo acarreta pena maior do que dois anos, já que, ao que parece, a qualificadora não é compatível com a privilegiadora do pequeno valor. Mas, se alguém disser que é, cabe a pergunta: assim como a insignificância não está escrita na lei e na Constituição, também a compatibilidade do furto qualificado com privilégio também não está... Afinal, para não sermos esquizofrênicos, pergunto: em que momento aceitamos a jurisprudência do STF (ou de outros tribunais)? Quando nos interessa?

Poderia ainda elencar outros problemas da prova e da grade. Um deles: que tipo de promotores de justiça queremos? O velho “promotor público”? Ou um garantidor de direitos fundamentais? Mas, paro por aqui, porque quero somente levantar o aspecto simbólico que exsurge desse tipo de questão e de espelho de resposta. Não é o fato. O que é importa é o simbólico que ele representa, em um imaginário jurídico atravessado por uma profunda crise de paradigmas, já denunciada há mais de vinte anos por José Eduardo Faria.

Isto está bem claro no exemplo do furto do violão: preparados para resolver questões entre Caio e Ticio (aliás, não é coincidência que o nome do réu do violão seja...Tício), a operacionalidade do direito não está preparada para enfrentar os problemas decorrentes da transindividualidade. Por isso é que, enquanto apenas algumas dezenas de pessoas foram condenadas por lavagem de dinheiro nos últimos 16 anos, nesse mesmo período condenamos mais de 150 mil autores de furtos e outros quetais (em uma perspectiva otimista desses números). Claro: somos bons em pegar o Caio do violão; e somos péssimos para pegar os doutores que quebram bancos, lavam dinheiro e praticam mal feitos chamados de improbidade... Aliás, desde a Lei da Improbidade (1992), no Estado de Minas Gerais, ao que consta no site do CNJ, houve apenas a condenação de 459 envolvidos.[2] Por que será? Não será porque as instituições passam por uma profunda crise de paradigmas? Para não repetir a clássica frase La ley es como la serpiente... solo pica a los descalzos, lanço-a agora em alemão: Das Gesetz ist wie eine giftige Schlange. Und diese Schlange beißt nur diejenigen ohne Stiefel (a lei é como uma cobra venenosa; somente morde aos que não usam botas). 

Um parêntesis: não, não vou discutir se o violão configura ou a insignificância; não existem respostas a priori, anteriores ao caso, para problemas jurídicos; não há uma fórmula do tipo: se for reincidente o infrator, não importa o valor da coisa subtraída....; de todo modo, é lamentável que a doutrina e a jurisprudência não conseguiram, ainda, construir uma doutrina sobre os limites e o alcance desse princípio, uma vez que, por vezes, o valor se aproxima do salário mínimo e, em outras, nega-se a sua aplicação para valores irrisórios...; sem considerar, também, que o STJ e os TRFs aplicam a insignificância em valores que ultrapassam os milhares de reais, nos casos de contrabando e descaminho; portanto, advirto aos comentaristas da ConJur para que não se digladiem sobre se o violão furtado configura ou não a insignificância; por favor, por favor, não-é-disso-que-se-trata; não esqueçam que estou discutindo o espelho da prova não-por-esse- fato, e, sim, pela assertiva de que a insignificância não poderia ser aplicada por ausência de previsão legal-constitucional, além de outras questões de fundo, que atingem a crise de operacionalidade de terrae brasilis; não esqueçamos que a validade e o peso de um (argumento que invoca um) princípio não depende de sua textualidade legal, mas de uma construção intersubjetiva da comunidade política. OK? Estamos entendidos?).

Numa palavra final
A crise dos concursos públicos está chegando ao seu ápice. Não pode se agravar, uma vez que já chegou ao fundo do poço. Urge que a comunidade jurídica discuta esse fenômeno. Concursos são a porta de entrada dos agentes políticos do Estado. Que serão vitalícios. Deputados podemos substituir. Juízes e Promotores, não. Logo, o problema é sério demais para ser transformado em um emaranhado de perguntas típicas de cursinhos de preparação de concursos, que nada mais fazem do que treinar os utentes. Consequência: são aprovados espertos e não experts.

Em tempos como estes, em que juristas estão sendo chamados a responder questões cada vez mais complexas e relevantes (pensemos, por exemplo, najudicialização da política), ainda estamos selecionando promotores de justiça preparados para lutar a favor da condenação da criminalidade miúda. Armados e encouraçados para raciocinar dentro deste arquétipo, de combate à criminalidade patrimonial/individual... Que coisa, não? Premissa maior, premissa menor e conclusão: cadeia! Quem está surpreso? Será que já não deveríamos estar em busca da formação e seleção de pessoas capazes de responder pela fundamentação moral (falo, é óbvio, em moralidade política) de suas decisões? Cartas para a Coluna.

E sobre a questão dos princípios, parece que a doutrina — ou parte dela — não aprendeu nada nos últimos anos. Talvez os juristas devessem ler um livro de 1726, escrito por Jonathan Swift, chamado As Viagens de Gulliver. Ali, além de denunciar o fetichismo em torno da lei, quando os pequeninos se matam por causa da interpretação semântica do que seja “o lado certo do ovo”, também podemos ver a falta que faz a aplicação de um princípio. Um mundo de regras sem princípios resulta na condenação de Gulliver, mesmo que, com sua atitude contra legem, tenha salvado a rainha do incêndio. Só para lembrar: Gulliver, na falta de outro modo de apagar o incêndio no palácio real, decide urinar sobre o fogo, apagando-o (único modo de salvar a rainha). O “Promotor” de Liliput decide, então, denunciá-lo pela violação de uma regra: a de ter urinado em local público, sendo condenado por isso à morte (de fome). Pois é: regras sem princípios dá nisso.

And I rest my case. It is dark; but still I sing!



[1] Antes que fale e/ou reclame da tal “literalidade”, sugiro ler meu artigoAplicar a letra da lei é uma atitude positivista?, disponível no Google.


[2] Vale registrar que, ao mesmo tempo que o MP-MG mostra essa postura ortodoxa em relação ao direito criminal (basta ler as questões do concurso), verifico que, por exemplo, na ação de usucapião de terras públicas que faz sucesso nas redes (proc n. 0112383-35.2010.8.13.0194), em primeiro grau exarou parecer a favor do pleito (ao meu ver, contrariamente ao que diz a CF – sobre isso escreverei artigo específico) e, no segundo grau, onde é fiscal da lei, para surpresa minha, nosso MP deixou de intervir na mesma ação de usucapião. Será que as terras públicas não demandam intervenção do MP, que, pela Constituição, deve zelar pelo patrimônio público, que é de todos? Como contribuinte, eu contestaria essa atitude ministerial de segundo grau. Afinal, quem defende o interesse público? O MP tem liberdade de conformação, escolhendo no que quer intervir? O conceito de interesse público é disponível? Ora, se nós não conseguimos dizer para a população o que é interesse público...quem pode? Lembro-me de quando entrei no MP em 1986, sem assessoria, com uma máquina de escrever comprada do meu bolso, com gabinete emprestado pelo juiz, além de intervir no cível em tudo (inclusive em usucapião), homologava rescisões trabalhistas, fazia cobranças da dívida pública e atendia centenas de pessoas por semana, ao lado de júris cotidianos. Hoje o MP acha que sua função no cível é de somenos importância, não devendo intervir em usucapião de terras públicas e nem em ações fiscais que dizem respeito diretamente ao patrimônio da Viúva (isso para dizer o menos e pouco!). Quem protege, afinal, o interesse público? O erário, as terras públicas, por exemplo, não se enquadram na noção de interesse público? Cartas para a Coluna (endereço é: Rua Jabuticaba, s/n, Pindorama). 


Lenio Luiz Streck é jurista, professor, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.



Revista Consultor Jurídico, 4 de setembro de 2014, 08:00

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