A razoável duração do processo não é apenas um direito fundamental estatuído no artigo 5º, LXVIII da Constituição, mas também uma diretriz norteadora da sistemática do novo Código de Processo Civil, como se depreende da clareza de seu artigo 4º.
Na terceira onda renovatória do acesso à Justiça, Mauro Cappelletti já identificava a necessidade de reorganização das normas processuais e do próprio incentivo à adoção de métodos alternativos de solução de litígios, com a finalidade de superar os diversos obstáculos, a exemplo da duração do processo, que dificultavam o reconhecimento de um direito.
Seguindo a linha de desburocratização da Justiça e pautada no modelo processual cooperativo (artigo 6º do CPC/15), o legislador prevê, de acordo com o artigo 269, parágrafo 1º do CPC/2015, ser “facultado aos advogados promover a intimação do advogado da outra parte por meio do correio, juntando aos autos, a seguir, cópia do ofício de intimação e do aviso de recebimento”[1]. Para a realização desta intimação, o advogado deverá confeccionar ofício de intimação, contendo cópia do despacho, da decisão ou da sentença objeto da intimação (artigo 269, parágrafo 2º). Embora não exista forma específica para a elaboração do ofício, o documento deve fazer referência expressa ao seu objeto (intimação do advogado acerca do teor do despacho, decisão ou sentença), deve conter os dados básicos do processo (nomes das partes, número do processo, órgão jurisdicional onde tramita o feito etc.), além de possuir, ao final, a assinatura e a identificação do advogado remetente[2]. A autenticidade da cópia do despacho, da decisão ou da sentença que acompanhará o ofício de intimação será presumida, desde que assinado o ofício pelo advogado do remetente[3].
Depois de efetivada a intimação por correio, o advogado remetente deverá realizar a juntada nos autos do aviso de recebimento devidamente assinado pelo advogado da parte contrária, juntamente com a cópia do ofício encaminhado. Procedendo dessa forma, a contagem do prazo será iniciada no primeiro dia útil seguinte à juntada aos autos do aviso de recebimento, na forma do artigo 231, I do CPC/2015. Nada obsta, inclusive, que no âmbito de uma convenção processual, as partes possam dispor a respeito de outros métodos legítimos de intimação, tal como ocorre no artigo 269, parágrafo1º do CPC/2015, sem a interveniência do Judiciário, ou até mesmo afastar a aplicação da novel modalidade de intimação conferida aos advogados.
Importante observar, no entanto, que a nova sistemática do artigo 269, parágrafo 1º do CPC/2015 não poderá ser utilizada pelos advogados como forma de efetivar a intimação dos membros da Defensoria Pública.
Primeiramente, devemos destacar que esse novo mecanismo de intimação apenas poderá ser utilizado para promover a intimação do “advogado” da outra parte. Logo, seguindo a literalidade do artigo 269, parágrafo 1º do CPC/2015, o novo regime de intimação apenas possui aplicabilidade quando o destinatário da intimação for qualificado como advogado. Além disso, os artigos 44, I, 89, I e 128, I da LC 80/1994 determinam que a intimação pessoal dos membros da Defensoria Pública seja efetivada “mediante entrega dos autos com vista”. De maneira complementar, o artigo 186, parágrafo 1º c/c artigo 183, parágrafo 1º do CPC/2015 preveem expressamente que a intimação pessoal dos defensores públicos deverá ser realizada por meio da entrega dos autos, a ser efetuada por carga ou por remessa. Por não ser acompanhada do encaminhamento dos autos com vista, a intimação postal remetida pelo advogado da parte contrária não possui o condão de caracterizar a intimação pessoal do membro da Defensoria Pública.
Não poderá o advogado, também, retirar os autos do cartório e entregar ao defensor público acompanhado do ofício de intimação, pois a remessa do processo ao órgão de atuação da Defensoria Pública apenas poderá ser realizada por oficial de Justiça ou por funcionário cartorário. Em hipótese alguma poderá o cartório realizar a abertura de vista do processo para a Defensoria Pública e, em seguida, entregar os autos ao advogado da parte contrária. Pensar dessa maneira significaria fragilizar a relação processual, já que caberia ao advogado da parte contrária “certificar” a data de entrega dos autos na instituição, o que poderia suscitar discussões quanto a tempestividade das manifestações da Defensoria Pública nesses casos.
Portanto, os defensores públicos não podem ser destinatários da nova modalidade de intimação prevista no artigo 269, parágrafo 1º do CPC/2015, já que a norma processual estatui disciplina própria para a comunicação de atos do processo quando a parte é patrocinada pela Defensoria Pública.
Por outro lado, embora o artigo 269, parágrafo 1º do CPC/2015 faculte apenas aos “advogados” a utilização do novo mecanismo de intimações, nada impede que o membro da Defensoria Pública promova a intimação do advogado da outra parte por meio do correio, como forma de agilizar a prestação da tutela jurisdicional. Pode parecer estranho que a literalidade do dispositivo seja utilizada para fundamentar a impossibilidade de intimação dos membros da Defensoria Pública e, posteriormente, seja ignorada para permitir a utilização do mesmo mecanismo de intimações pelos próprios defensores públicos. No entanto, devemos observar que a impossibilidade de aplicação do artigo 269, parágrafo 1º do CPC/2015 em face dos membros da Defensoria Pública não decorre apenas da frágil interpretação literal do dispositivo, mas principalmente em razão da manifesta incompatibilidade com a prerrogativa de intimação pessoal (artigos 44, I, 89, I e 128, I da LC 80/1994 e artigo 186, parágrafo 1º c/c art. 183, parágrafo 1º do CPC/2015). Na situação inversa, porém, não existe nenhuma razão jurídica que impeça o defensor público de promover a intimação do advogado da parte contrária pelo correio; afinal, a medida atende a teleologia do novo Código de Processo Civil e não viola nenhuma das prerrogativas estabelecidas na Lei 8.906/1994.
Sendo assim, embora não possam ser destinatários da nova modalidade de intimação prevista no artigo 269, parágrafo 1º do CPC/2015, os membros da Defensoria Pública podem ser remetentes da referida comunicação, estando autorizados a encaminhar ao advogado da parte contrária o ofício de intimação pelo correio, com cópia do despacho, da decisão ou da sentença, realizando, em seguida, a juntada aos autos da cópia do ofício de intimação e do aviso de recebimento devidamente assinado.
Por fim, cumpre ressaltar que a nova sistemática do artigo 269, parágrafo 1º do CPC/2015 não poderá ser utilizada para realizar a intimação das partes do processo. Por conseguinte, quando a intimação for direcionada para o próprio assistido, a comunicação deverá ser obrigatoriamente procedida pelo juízo. Além de violar a própria literalidade do artigo 269, parágrafo 1º do CPC/2015, a comunicação direta entre o advogado e a parte contrária representa profundo inconveniente, sendo inclusive vedada por lei em determinadas hipóteses (artigo 34, VIII da Lei 8.906/1994)[4].
[1] “Não obstante as boas intenções dessa iniciativa, ressoa nela a ideia de transferir ao particular um ônus que é do Judiciário, o que se nos afigura incorreto, visto que o Juízo é quem deve trabalhar em prol da efetivação dos atos processuais de intimação, atos esses que são de natureza pública.” (NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, pág. 809).
[2] AMARAL, Guilherme Rizzo. Alterações do Novo CPC, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, pág. 365.
[3] “A prática abusiva ou ilegal de tal faculdade, como, por exemplo, a deturpação do conteúdo de despacho, decisões ou sentenças, ou o envio da intimação a endereço sabidamente errôneo para simular a efetiva intimação do advogado da parte contrária, deverá ensejar ao advogado sanções disciplinares, tal como previsto nos incisos X e IV do artigo 34 da Lei 8.906/1994.” (AMARAL, Guilherme Rizzo. Op. cit., pág. 365).
[4] AMARAL, Guilherme Rizzo. Op. cit., pág. 365.
Franklyn Roger Alves Silva é defensor público do estado do Rio de Janeiro, mestre e doutorando em Direito Processual pela Uerj e coautor do livro "Princípios Institucionais da Defensoria Pública".
Diogo Esteves é defensor público do estado do Rio de Janeiro, mestrando em Sociologia e Direito pela UFF e coautor do livro "Princípios Institucionais da Defensoria Pública".
Revista Consultor Jurídico, 22 de setembro de 2015, 13h51
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