sexta-feira, 14 de agosto de 2015

"Reserva do possível" não permite que Executivo ignore Constituição, julga STF

O princípio da reserva do possível não pode ser invocado pelo Executivo para deixar de cumprir decisão que o obriga a fazer obras de reforma em presídios. Foi o que decidiu nesta quinta-feira (13/8) o Plenário do Supremo Tribunal Federal ao negar recurso ao estado do Rio Grande do Sul, que se dizia impossibilitado de fazer reforma em um presídio por entender que o Judiciário não pode intervir na implantação de políticas públicas pelo Executivo.

Em decisão unânime, o STF decidiu que o Executivo não pode justificar sua omissão em cumprir o que manda a Constituição com argumentos baseados na conveniência da administração. A decisão foi tomada em recurso com repercussão geral reconhecida, por isso, a tese definida nesta quinta se aplica a todos os recursos que tratam da matéria em trâmite na Justiça.Ministro Lewandowski apontou “insofismável precariedade” das prisões.Carlos Humberto/SCO/STF

O tribunal seguiu a tese fixada no voto do relator, ministro Ricardo Lewandowski: “É lícito ao Judiciário impor à administração pública a obrigação de fazer medidas ou obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao princípio da dignidade da pessoa humana, e assegurar aos detentos o respeito da sua integridade física e moral”.

A tese foi fixada num caso que veio de Uruguaiana (RS). O Ministério Público gaúcho havia ajuizado uma Ação Civil Pública para obrigar o governo do estado a fazer obras no presídio da cidade para dar condições dignas de convivência aos encarcerados.

O primeiro grau deu razão ao MP, mas o TJ do Rio Grande do Sul cassou a sentença concordando com os argumentos do governo gaúcho de que não havia dotação orçamentária para reformar o presídio. A tese dos desembargadores foi que a sentença havia violado o princípio da separação dos poderes, já que a implantação de políticas públicas deve ser ato de iniciativa do Executivo.

Unanimidade
Em seu voto, Lewandowski lembrou que o sistema carcerário brasileiro, historicamente, é de “insofismável precariedade”. Ele enumerou diversas violações à dignidade dos presos, como a presença de ratos nas celas (e de presidiários com marcas de “mordidas de roedores”), esgoto a céu aberto dentro dos presídios e falta de um local adequado para lixo – o que levou à existência de lixões nas cadeias.

O ministro Luís Roberto Barroso afirmou que “o Judiciário tem legitimidade de intervir para superar um estado crônico de omissão do Executivo nessa matéria”. Barroso reconhece que, em democracias, “decisões políticas devem ser deixadas para quem tem voto”, mas “a ideia de reserva do possível não é uma maldição que permite ao Estado não cumprir direitos fundamentais”.

“Presos só estão presos porque o Estado assim determinou. E se o Estado se arroga no poder de privar essas pessoas de liberdade, tem evidentemente que exercer seus deveres de proteção dessas pessoas que estão sob sua guarda por decisão sua”, concluiu Barroso.

O ministro Marco Aurélio completou a fala de Barroso para dizer que se trata de política pública constitucional, o que atrai, por si só, a competência do Judiciário. “Esse chavão de que não cabe ao Judiciário imiscuir-se em se tratando de política pública, porque seria um ato discricionário, não cola.”

Descumprimento de lei
Já o ministro Gilmar Mendes apontou para o descabimento dos argumentos do governo gaúcho. Segundo ele, a própria Lei de Execuções Penais, de 1984, dá aos juízes responsáveis pela execução a tarefa de inspecionar mensalmente as condições de cumprimento das penas. “Veja a responsabilidade direta do juiz da execução”.

O ministro lembrou de seus tempos à frente do Conselho Nacional de Justiça, quando criou os mutirões carcerários. Eram ações coordenadas pelo CNJ para verificar os cumprimentos de penas nos estados. E ali se verificou, segundo disse o ministro na sessão desta quinta, casos de juízes que nunca haviam visitado presídios.

“Portanto, desde 1984 o legislador tomou uma série de cautelas, com todas essas tessituras, com o objetivo de uma regular fiscalização, para evitar um excesso de execução. A rigor, há uma base legal farta. Temos uma rotunda e sistemática violação que demanda sistemática correção”, concluiu Mendes.

RE 592.581





Revista Consultor Jurídico, 13 de agosto de 2015.

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