segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Advogada dos EUA que cobrou de clientes até horas em frente à TV é suspensa



A advogada americana Yarboro Sallee foi suspensa por um ano pelo tribunal superior de seu estado, chamado localmente de Suprema Corte de Tennessee, por cobranças excessivas de honorários. De acordo com adecisão, ela usou de uma série de “expedientes” inaceitáveis para a advocacia, com a intenção de “arrancar” muito mais dinheiro de clientes do que qualquer ideia de valor justo.

A cobrança mais inusitada e, portanto, mais notável para o Conselho de Responsabilidade Profissional do Tennessee, que recomendou à corte a suspensão da advogada, foi a de 20 horas de “trabalho” à frente da TV, assistindo seriados e documentários sobre crimes. A US$ 250 a hora, o total chegou a US$ 5 mil, só para essa parte do “trabalho”.

Em sua defesa, a profissional disse que foi necessário assistir os programas de crimes na TV para ela entender melhor alguns aspectos da criminologia, relacionada ao caso. Ela investigava, a pedido de clientes, a morte de Lori Noll, oficialmente acidental, causada pela queda de uma escada da casa. Mas parentes da mulher suspeitavam que o marido, Adam Noll, poderia tê-la empurrado, para receber o seguro de vida de US$ 1 milhão. Eles queriam mover uma ação contra o marido por “wrongful death” morte que gera responsabilização civil.

A advogada, que não tinha muita experiência em casos como esse, disse que assistiu a um longo documentário sobre “Stair case Murder” (caso de assassinato em escadas) e episódios do programa 48 Hours que traziam casos de homicídios de cônjuges e também casos de asfixia. Ao Conselho ela afirmou que ninguém poderia negar que a televisão é uma fonte de pesquisa.

Segundo a decisão da corte, é interessante que advogados criminalistas assistam programas de TV como Parry Mason ou Breaking Bad, porque podem obter “uma migalha ou outra” de aprendizado. Porém, não podem considerar isso um trabalho de pesquisa profissional, sobre o qual possam cobrar honorários do cliente.

Outro “expediente condenável”, segundo o conselho e a corte, foi o de a advogada postergar, tanto quanto pode, a formalização de um contrato, em que os serviços, os honorários e as despesas seriam definidos. Em vez disso, ela pediu um adiantamento de US$ 5 mil para investigar se o caso teria chances de vitória na Justiça. Dias depois, comunicou aos familiares que documentos da biópsia indicavam que o caso poderia ter sucesso e pediu mais US$ 15 mil, para iniciar o trabalho.

Parcela a parcela, ela chegou a receber dos clientes US$ 54 mil, incluindo US$ 5 mil para pagar um perito. Quando os clientes insistiram que queriam uma definição de custos, expressa em um contrato, ela lhes mandou uma proposta. Além dos honorários devidos, ela queria assegurar honorários de contingência de 40% sobre o valor da causa (US$ 1 milhão).

Ela também propôs mover uma ação, para a qual recebeu um adiantamento de US$ 4 mil, para os familiares, um tio e a avó das crianças, pedirem a guarda dos filhos do casal. Isso porque os familiares não eram beneficiários do seguro de vida. Mas as crianças eram. Com a guarda, eles poderiam acessar os fundos.

Em vez de concordar, os clientes a dispensaram e contrataram outro advogado. Mas ela se recusou a entregar ao novo advogado toda a documentação que havia conseguido da biópsia, de um hospital e da polícia. Ela argumentou que eles ainda lhe deviam honorários, no valor de US$ 86 mil, o que seria o total dos honorários de US$ 140 mil, menos os US$ 54 mil que já haviam pago.

Os clientes entraram com uma representação contra ela no conselho. Depois de investigar o caso, o conselho chegou à conclusão que ela estava cobrando US$ 140 mil por dois meses e meio de trabalho. Segundo o conselho, tudo que ela fez foi mover a ação, de forma incorreta, e reunir registros da autópsia, registros médicos e da chamada ao telefone de emergência.

A essa altura, se passaram dois anos e o advogado Larry Vaughan, que assumiu a causa, já havia solucionado o problema. “Para efeito de comparação, o advogado que resolveu a causa recebeu US$ 40 mil, por dois anos de trabalho”, diz a decisão da corte.

A propósito, o novo advogado conseguiu encerrar a ação através de um acordo entre os familiares e o marido. Ele concordou em depositar US$ 350 mil em um fundo para a educação dos dois filhos do casal, comprar uma casa no valor US$ 300 mil, que as crianças iriam herdar, e usar o restante da forma que achasse melhor para a família.

O conselho exigiu que a advogada apresentasse uma demonstração das horas trabalhadas. E ela o fez. Porém, ao examinar o documento, o conselho descobriu que, em vários dias, ela teria trabalho de 19 a 23 horas. Ao interrogá-la, os conselheiros perguntaram se ela não dormia. Ela teria respondido que “um pouco, mas não muito”.

Ela também tentou justificar a “cobrança excessiva” com o argumento de que trabalhara muitas horas fora do expediente e nos finais de semana. Nesse caso, ela teria cobrado um adicional de 50% sobre os honorários, o que os elevariam para US$ 350 a hora. Mas essa cobrança adicional nunca foi discutida com os clientes.

Ela também alegou que passou horas e horas sentada em recepções do departamento de necropsia, de hospitais e consultórios médicos aguardando a liberação de documentos. Ao ser perguntada porque não enviou um auxiliar do escritório para cumprir essas tarefas, ela argumento que isso não é trabalho para um auxiliar. Só um advogado pode obter tais documentos.

Além disso, a advogada enviou dois e-mails ao advogado Larry Vaughan, ameaçando processar seus clientes civilmente e criminalmente, se não retirassem a representação contra ela no conselho. Vaughan sequer respondeu. Interrogada pelos conselheiros, que mencionaram que tais ameaças eram ilegais, ela disse que mandou as mensagens involuntariamente.

“Eu comprei um iPhone e um iPad novos, que ainda não sei usar. Acho que pressionei algum botão, sem querer, e os e-mails foram enviados. Minha intenção era a de só escrevê-los, para depois pensar se devia mandá-los ou não”, ela respondeu.

O conselho decidiu e a corte aprovou que:

1. A advogada violou a regra sobre a comunicação com os clientes. A regra estabelece que o advogado deve manter os clientes razoavelmente informados sobre os serviços que iria prestar, os honorários e as despesas que incorressem.

2. A advogada violou a regra sobre a cobrança “razoável” de honorários, considerando o valor envolvido e os resultados obtidos. A tentativa de cobrar honorários de contingência sobre os honorários fixos, por hora, foi particularmente errada. Também foi errado o “expediente” de postergar a formalização um contrato escrito, para negociar mais ingressos progressivamente.

3. A advogada violou a regra que regulamenta a terminação de representação, ao se recusar a entregar documentos e propriedades dos clientes e o produto do trabalho relativo à ação de responsabilização civil. Eles eram necessários para impedir um efeito adverso substancial contra os clientes na ação em tramitação. Os clientes foram obrigados a mover uma ação contra ela para obter o material.

4. A advogada violou a regra sobre o respeito aos direitos de terceiros, ao ameaçar processar os clientes criminalmente, a fim de obter uma vantagem na disputa sobre honorários.

5. A advogada violou a regra sobre má conduta profissional, o que foi prejudicial à administração da Justiça.

O Tribunal Superior de Tennessee decidiu, em 2011, que, no caso de terminação de representação, um advogado deve seguir algumas regras para proteger os interesses do cliente, na extensão do que for razoável, como:

1. Cooperar com o advogado sucessor no caso, uma vez contratado pelo cliente;

2. Entregar imediatamente documentos e qualquer outro produto do trabalho feito pelo advogado, em benefício do cliente, pelo qual ele foi compensado;

3. Entregar imediatamente documentos e qualquer outro produto do trabalho feito pelo advogado, em benefício do cliente, observando que, no entanto, o advogado pode reter tal produto do trabalho, na extensão do permitido por lei, se tal produto do trabalho não tiver um efeito substancialmente adverso ao cliente.



Revista Consultor Jurídico, 17 de agosto de 2015.

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