segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Construindo relações entre professores e alunos de Direito

Coluna Vladimir [Spacca]
Os cursos jurídicos foram criados no Brasil pela Carta de Lei de 11 de agosto de 1827, instalando-se as duas primeiras Faculdades em São Paulo (SP) e Olinda (PE). Ensina José Reinaldo de Lima Lopes que “para a matrícula, exigia-se que os alunos tivessem no mínimo 15 anos de idade e soubessem francês, latim, retórica, filosofia (racional e moral) e geometria” (O Direito na História, Atlas, 3ª. ed., p. 316).

Carlos Guilherme Mota, discorrendo sobre a Faculdade do Largo de São Francisco, registra que “mais que estudos jurídicos, extremamente dispersos e por vezes muito antiquados, o encontro de jovens de diferentes regiões da ex-colônia, com problemas tão diversos, ampliava o sentido de nacionalidade, mesclado com sentimento antieescravista e, por vezes, federalista.” (Introdução geral para uma perspectiva histórica, in: Os juristas na formação do Estado-Nação Brasileiro, Saraiva, p. 37).
O ensino jurídico seguiu o modelo de Coimbra, com o método de exposição sistemática que perdura até hoje. Os professores “teriam os mesmos vencimentos dos desembargadores e mesmas honras” (Lima Lopes, op. cit., p. 316).
Nas duas Faculdades de Direito formaram-se pessoas que iriam ter um papel decisivo na vida nacional, como Pimenta Bueno, Teixeira de Fretas, Tobias Barreto, Cândido Mendes de Almeida e tantos outros. Delas saíram aqueles que ocuparam os cargos na magistratura do Império, abandonando suas origens e embrenhando-se em locais distantes e, por vezes, de difícil acesso. Um exemplo, Cláudio Rogoberto F. Santos, nascido (1852) e formado (1882) no Recife, que em 1889 assumiu o cargo de juiz municipal de Ponta Grossa, PR.
O Brasil passou por transformações históricas, República, Estado Novo, democracia, regime militar, democracia de novo e os cursos de Direito foram crescendo em números e assumindo diferentes características. É difícil saber, atualmente, a quantidade de cursos de Direito autorizados pelo MEC, uma vez que eles se multiplicam permanentemente. Em reportagem de 13 de outubro de 2010 afirmava-se, no Guia do Estudante, que eram 1.240 (http://guiadoestudante.abril.com.br/vestibular-enem/brasil-tem-mais-cursos-direito-todo-mundo-603836.shtml).
Eles estão espalhados por todo o território nacional, alguns em tradicionais Universidades, outros em pequenas Faculdades de Direito do interior. É impossível ter uma visão única sobre as relações entre professores e alunos. O que afirmarei parte de minha experiência pessoal e, com certeza, outros terão muito mais a dizer, a partir de suas vivências.
Começo por observar que não serão iguais os comportamentos de docentes e discentes de uma Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas e de uma que se situa em cidade distante dos grandes centros. Na primeira, os professores são bem remunerados, têm o título de doutor, e dos alunos se exige o pleno domínio do inglês, sendo o curso direcionado para relações econômicas internacionais. Na segunda, os alunos, provavelmente, tiveram formação menos rigorosa e a maioria dos professores são selecionados entre pessoas de destaque local, tendo boa parte tão somente curso de especialização.
Mas, de qualquer forma, um mínimo de semelhança, que se situa na base dos cursos, existe. E é por aí que se seguirão os comentários.
As relações entre docentes e discentes dos cursos de Direito vêm mudando nas últimas décadas. São muitas as diferenças entre os que ensinam e os que aprendem, ocorridas nos últimos 20 anos. Para ficarmos somente em algumas, vejamos: a) a adolescência é cada vez mais prolongada, existindo estudantes que, prestes a se formar, ainda são adolescentes; b) a hierarquia, em todos os níveis e formas de relacionamento, vem se tornando menos rígida e isto altera o relacionamento entre mestres e acadêmicos; c) os estudantes movem-se no mundo digital, preferem os sites aos livros, a imagem ao discurso e a ação à meditação; d) os estudantes têm maior dificuldade em expor suas ideias no papel, muitos escrevem de forma deficiente.
Parece-me equivocado atribuir aos jovens alunos desinteresse e despreparo. Na verdade, o que ocorre é que tudo mudou e não seria normal que os estudantes de Direito continuassem a agir da mesma forma. Se os que já passaram dos cinquenta anos voltassem à juventude, certamente se comportariam como os jovens de agora. Com pouca leitura e muitas tatuagens, iriam se adaptando à vida adulta e teriam as dificuldades próprias da fase de transição que atravessariam. E com uma dificuldade adicional, a falta de lideranças, pois maus exemplos se sucedem entre os que ocupam os mais importantes cargos da República (p. ex., uso de avião da FAB para atividades particulares, incluindo familiares).
Neste novo quadro, penso que o professor de Direito assume um papel de relevância que não se limita às aulas em classe. Vai além. Precisa ser um verdadeiro guia, alguém que desbrava e mostra os caminhos a seguir.
O primeiro passo deve ser alterar a exposição à moda antiga, com explanações longas e poucos debates. Os jovens foram criados em um mundo em movimento. Não é à toa que os filmes americanos de ação superam nas bilheterias os franceses, que obrigam o expectador a pensar e não se valem de cenas mirabolantes, como os carros em disparada. Portanto, a aula deve ser acompanhada da tecnologia, com exibições em power-point e vídeos, dando visibilidade às palavras.
Cabe ao professor tentar levar o aluno a participar. Não é fácil. A tendência é a timidez. Porém, se na discussão teórica for apresentado um caso real, por exemplo uma decisão judicial, a situação pode mudar. O interesse será maior. E o professor poderá formar grupos para discussão do conflito e depois chamar um representante de cada grupo para expor a conclusão. Esta será a oportunidade de ensinar a todos como falar em público, a entonação, a expressão corporal, a forma de expor, e tudo o mais que contribua para uma boa apresentação. Sempre lembrando que ali todos estão aprendendo e podem errar sem receio.
A exibição de um filme sobre tema polêmico também é uma boa técnica. Se em uma aula de criminalidade organizada o professor apresentar a película “Honorável Cadáver”, que conta a história do juiz Giovanni Falcone, morto pela Máfia em Palermo, Itália, seguindo-se debates, pode ter certeza de que seus alunos jamais esquecerão a matéria.
Convidar pessoas com experiência profissional prática para expor, informalmente, as suas experiências. Um advogado, promotor, defensor, poderão esclarecer muitas dúvidas e auxiliar os alunos na escolha do rumo a seguir. Recentemente, levei à sala de aula um jovem advogado que é campeão de triathlon, com vitórias no Haway. Foi uma excelente forma de mostrar que a profissão pode conviver com o esporte e que este a auxilia por ensinar disciplina.
Aplicar, ainda que alternadamente, aulas no estilo socrático, distribuindo-se previamente uma decisão judicial para ser lida e posteriormente discutira em classe. Como ensina Rômulo Sampaio “Nas universidades americanas o estudo do Direito é pautado pela análise de casos com a síntese dos fatos, as questões jurídicas levantadas e a conclusão” (http://www.ibrajus.org.br/revista/artigo.asp?idArtigo=129). Para a discussão alguns alunos devem apresentar-se ou ser chamados e indicar seus pontos de vista, assim estimulando o debate.
Visitas são importantes. Evidentemente, serão horas de trabalho fora de classe e nem sempre remuneradas. Mas os alunos aprendem e gostam. Assistir a julgamentos, visitar espaços de memória judiciária ou mesmo museus, estes pelas noções de história que transmitem, auxiliam os alunos na formação da cultura geral e estreitam as relações entre eles e o professor.
Utilizar as redes sociais para uma comunicação direta e informal. Estar à disposição para esclarecer dúvidas, será uma demonstração de interesse que certamente será reconhecida pelos alunos. Evidentemente, dentro de limites de dias e horas, porque seria inviável o professor ficar disponível em caráter permanente.
Orientar sobre a vida profissional, transmitir noções de ética, de como conduzir-se em situações embaraçosas, como formar o currículo, a importância da cultura geral, tudo isto e muito mais , pode e deve ser passado em lições de vida que vão além da sala de aula.
Esta ajuda, ao fim das contas, é uma solidariedade intergeracional e tem que ser praticada sem que se espere recompensa, pois, caso contrário, não passará de uma solidariedade egoísta. Se o reconhecimento dos alunos vier, o que provavelmente ocorrerá, ótimo. E se não vier, ótimo também. O mais importante é saber que se tentou ajudar os estudantes a encontrarem o seu caminho e a percorrerem a trilha da melhor forma possível. É o quanto basta.
Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.

Revista Consultor Jurídico, 28 de julho de 2013

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