terça-feira, 6 de agosto de 2013

Acesso à Justiça


Acesso à Justiça


ACESSO À JUSTIÇA

1. Jurisdição e seus escopos no Estado Contemporâneo:

À medida que as sociedades evoluíram e se tornaram complexas, passou a existir a necessidade de regramentos do exercício de poder, ou seja, foi necessário institucionalizar o poder e as formas de acesso a ele.

Desta necessidade surgiu o Estado e com ele regras sociais, que também passaram a ser institucionalizadas, dando origem à legislação estatal. Ao lado de tais normas de controle viu-se a necessidade, para evitar a ocorrência de conflitos, da criação de normas que definissem as formas pelas quais tais conflitos e insatisfações seriam resolvidos, bem como quem os resolveria. Dando origem ao direito processual e a jurisdição. (HORACIO, 1994, 22)

Logo, a manifestação do Judiciário, no exercício da função jurisdicional, é a manifestação do próprio Estado, que legisla para fixar normas que permitam a existência e desenvolvimento da sociedade. Este é o escopo jurídico, contudo, é necessário que a aplicação deste direito se dê de tal forma que consiga pacificar a sociedade com justiça.

A decisão judicial necessita ser justa e útil, sendo necessário também que possua legitimidade, pois preenchendo tal requisito, será um instrumento de educação da coletividade, para seus direitos e obrigações, cumprindo assim seu escopo social. E por fim ao decidir e impor sua decisão o Estado esta afirmando sua autoridade, bem como a existência de uma instância última para quais os indivíduos possam recorrer, correspondendo, portanto, ao escopo político da jurisdição.

2. Evolução do conceito de Acesso à Justiça:

Para Mauro Cappelletti, o conceito de acesso à justiça tem sofrido uma transformação importante, correspondente a uma mudança equivalente no estudo e ensino do processo civil. Destaca que, nos estados liberais burgueses dos séculos XVIII e XIX, os procedimentos adotados para solução dos litígios civis refletiam a concepção individualista dos direitos então vigentes. Direito ao acesso à proteção judicial significava essencialmente o direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação. (CAPPELLETTI, 1988, 09)

A teoria era a de que, embora o acesso à justiça pudesse ser um "direito natural", tais direitos não necessitavam de uma ação do Estado para sua proteção. Esses direitos eram considerados anteriores ao Estado, sua preservação exigia apenas que o Estado não permitisse que eles fossem infringidos por outros. O Estado, portanto, permanecia passivo, com relação a problemas, tais como a aptidão de uma pessoa para reconhecer seus direitos e defendê-los adequadamente, na prática.

À medida que as sociedades do laissez-faire cresceram em tamanho e complexidade, o conceito de direitos humanos começou a sofrer uma transformação radical. A partir do momento em que as ações e relacionamentos assumiram, cada vez mais, caráter coletivo que individual, as sociedades modernas necessariamente deixaram para trás a visão individualista dos direitos, refletida nas declarações de direitos, típicas dos séculos XVIII e XIX. (CAPPELLETTI, 1988, 10)

O movimento fez-se no sentido de reconhecer os direitos e deveres sociais dos governos, comunidades, associações e indivíduos. Esses novos direitos humanos, exemplificados pelo preâmbulo da Constituição Francesa de 1946, são, antes de tudo, os necessários para tornar efetivos, quer dizer, realmente acessíveis a todos, os direitos antes proclamados. Entre esses direitos garantidos nas modernas constituições estão os direitos ao trabalho, a saúde, a segurança material e a educação.

Portanto, o direito ao acesso efetivo a justiça ganhou particular atenção na medida em que as reformas do welfare state procuraram armar os indivíduos de novos direitos substantivos em sua qualidade de consumidores, locatários, empregados e, mesmo, cidadãos. De fato, o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação. (CAPPELLETTI, 1988, 11)

3. Obstáculos do Acesso à Justiça:

Em obra clássica, O Acesso à Justiça, Mauro Cappelletti consagrou os principais obstáculos a serem transpostos para que se alcançasse o acesso efetivo à Justiça, bem como propôs soluções para quebrar tais barreiras. Vejamos quais são os obstáculos e, posteriormente, a forma de transpô-los.

a. Custas Judiciais:

Os procedimentos judiciais necessários à solução de uma lide, na maioria dos países, possuem custos normalmente elevados e devem ser necessariamente pagos pelos autores. No Sistema Americano, o vencido não é obrigado a responder pelos honorários do advogado da parte vencedora. Nos países que adotam o princípio da sucumbência, a penalidade é duas vezes maior e pode inibir o litigante em potencial de ingressar em juízo, já que, se vencido, além de arcar com os honorários do seu advogado, terá que pagar os honorários da parte contrária.

Não se pode esquecer também que, ao autor, cabe o pagamento das custas de distribuição, as provas que desejar produzir (perícias, diligências, etc.), e ainda o preparo de recursos, ficando distantes, em virtude de seu preço, das partes economicamente menos favorecidas.

A duração dos processos é também um fator que limita o acesso à justiça. Essa delonga eleva consideravelmente as despesas das partes, pressionando os economicamente mais fracos a abandonarem suas causas, ou aceitarem acordos por valores muito inferiores aqueles a que teriam direito.

O processo é um instrumento indispensável não somente para a efetiva e concreta atuação do direito de ação, mas também para a remoção das situações que impedem o pleno desenvolvimento da pessoa humana e a participação de todos os trabalhadores na organização política, econômica e social do país, portanto, sua morosidade estrangula os direitos fundamentais do cidadão.

A morosidade do processo está ligada à estrutura do Poder Judiciário e ao sistema de tutela dos direitos. Para que o Poder Judiciário tenha um bom funcionamento, necessário se faz, dentre outros, que o número de processos seja compatível com o número de juízes que irão apreciá-los, porém, não é isso que ocorre. A imensa quantidade de processos acumulados por um juiz prejudica não só a celeridade da prestação da tutela jurisdicional, como também a sua qualidade.

Muitas demandas não seriam levadas ao Poder Judiciário se o réu não tivesse do seu lado a lentidão da tutela jurisdicional, certamente a celeridade evitaria a propositura de muitas ações. A morosidade gera descrença na justiça, a partir do momento em que o cidadão toma conhecimento da sua lentidão, das angústias e dos sofrimentos psicológicos trazidos por ela.

b. Possibilidade das Partes:

As limitações causadas em razão do estrato social a que pertence o cidadão, apesar da decorrência lógica da desigualdade econômica, possuem também aspectos sociais, educacionais e culturais. A grande parte dos cidadãos não conhece e não tem condições de conhecer os seus direitos. Quanto menor o poder aquisitivo do cidadão, menor o conhecimento acerca de seus direitos e menor a sua capacidade de identificar um direito violado e passível de reparação judicial, além disto, é menos provável que conheça um advogado ou saiba como encontrar um serviço de assistência judiciária.

Além disto, a complexidade das sociedades faz com que mesmo as pessoas dotadas de mais recursos tenham dificuldade para compreender as normas jurídicas. (CAPPELLETTI, 1988, 23) São barreiras pessoais que necessitam ser superadas para garantir o acesso à justiça.

c. Problemas dos Interesses Difusos:

Para Cappelletti interesses difusos são interesses coletivos, tais como o direito ao meio ambiente saudável e equilibrado. Ainda, no entendimento de tal autor os indivíduos até podem interpor ações visando interesses coletivos, no entanto, a máquina governamental recusa tais ações e confia no seu poder de proteger os interesses públicos e de grupos. (CAPPELLETTI, 1988, 27)

No Brasil, o problema referente à tutela dos interesses difusos e coletivos se deu em razão da invisibilidade destes para o sistema. O Estado organizou um sistema jurídico único e abrangente, suficiente para responder todas as questões. Dividindo de num lado direito individual e de outro direito público. Assim, tudo que se assemelhasse a coletivo deveria ser entendido como estatal. Permanecendo os direitos coletivos e difusos invisíveis para o ordenamento jurídico. (SOUZA FILHO, 1999, 315)

4. Movimento do Acesso à Justiça:

Neste tópico, explicita-se a solução para o acesso à justiça formulada por Cappelletti que se dá através do entendimento de três "ondas", qual sejam, a assistência judiciária; representação jurídica para os interesses difusos e enfoque de acesso à justiça. . (CAPPELLETTI, 1988, 31)

4.1 Assistência Jurídica para Pobres:

A assistência judiciária é instituto destinado a favorecer o ingresso em juízo, a pessoas desprovidas de recursos financeiros suficientes à defesa judicial de direitos e interesses. É uma forma de possibilitar aos necessitados a obtenção da tutela jurisdicional afastando destes qualquer impedimento de cunho econômico.

A assistência judiciária integra o ideal de que em sentido global é um sistema destinado a minimizar as dificuldades dos pobres perante o direito e para o exercício de seus direitos. Na ordem constitucional brasileira a assistência judiciária integra a ampla garantia da assistência jurídica integral, contida no capítulo onde se definem direitos e garantias individuais e coletivas, o artigo 5º, inciso LXXIV destaca que: "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos". Este artigo, redigida por esse modo na Constituição Brasileira de 1988, é mais amplo do que os contidos nas Constituições precedentes porque inclui além da garantia de meios para o acesso à justiça mediante o exercício do direito ao processo (assistência judiciária), a oferta de apoio para o correto e efetivo exercício dos direitos fora da esfera jurisdicional.

A legislação infraconstitucional vigente sobre a matéria é anterior à Constituição de 1988. A Lei da Assistência Judiciária fala em assistência judiciária aos necessitados (lei n. 1.060, de 5.2.50) e conceitua como tais aqueles cuja situação econômica não lhes permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família. Diz ainda que para obter o benefício basta ao interessado fazer a simples afirmação de seu estado, na petição com que comparecer perante a Justiça; e acrescenta que se presume pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição. Trata-se de presunção relativa, cabendo à parte contrária o ônus de desfazê-la.

4.2 Tutela dos Direitos Difusos:

Após, a questão da assistência judiciária aos pobres entra em pauta também como uma forma de quebrar a barreira do acesso à justiça, a busca de soluções acerca da representação da tutela dos direitos difusos e coletivos.

Até o século XIX a regra era tutelar direitos individuais, beneficiando somente aquele que, comprovando interesse próprio, acionava o Poder Judiciário. Portanto, os direitos eram apenas individuais e a tutela se dava pelas regras básicas do processo civil clássico. (VERRI, 2008, 17)

O processo civil clássico de cunho individualista e patrimonial não estava preparado para tutelar interesses metaindividuais e não patrimonializados, tais como os interesses difusos e coletivos.

A concepção tradicional do processo civil não deixava margem para a proteção dos interesses difusos e coletivos, pois o processo era visto como interesse das partes. A partir do momento que começaram a surgir direitos que já não se enquadravam mais em público ou privado e que demandavam proteção por parte do Estado, este se viu obrigado a reformar as noções tradicionais do processo civil e o papel dos tribunais.

E isso resultou em aberturas para a evolução no sentido de ampliar a tutela jurisdicional de tais direitos. Os interesses difusos e coletivos estão previstos na Constituição Federal de 1988, no artigo 129, inciso III, diante da atuação do Ministério Público, e também em outros capítulos e artigos desta, bem como no artigo 81, inciso I do Código de Defesa do Consumidor.

4.3 Enfoque mais amplo do Acesso à Justiça:

Dando continuidade às formulações para a busca de novas alternativas para a resolução de conflitos, visualizou-se que os mecanismos anteriores eram insuficientes para o efetivo acesso à justiça, uma vez que o processo ordinário contencioso não era a solução mais eficaz, nem no plano de interesses das partes, nem nos interesses mais gerais da sociedade. (CAPPELLETTI, 1988, 134)

Estas idéias partiram das reformas precedentes que buscavam a proteção judicial aos hipossuficientes e aos interesses difusos não representados ou representados de forma ineficaz e objetivam a mudança dos procedimentos judiciais, de forma ampla, pretendendo tornar efetivos os direitos buscados. A necessidade de se possibilitar o acesso à justiça e propiciar a solução de conflitos têm apontado para a procura por uma justiça conciliadora que pode ser mais eficaz para a solução dos contenciosos.

Dessa forma, é imprescindível assegurar ao cidadão que busca solucionar um conflito, uma justiça capaz de promover uma aproximação das posições, onde a solução seja pelos litigantes reciprocamente compreendidas, com uma modificação bilateral ou multilateral dos comportamentos, rompendo dessa forma com um modelo de justiça que prima pelo conflito.

Assim, torna-se necessário o emprego de técnicas processuais diferenciadas, onde a simplificação dos procedimentos é a via alternativa de solução de demandas. Este enfoque proporciona o envolvimento do Estado como um todo no acesso à justiça, não só pela via judicial, mas com a criação de políticas públicas de incentivo a conciliação, arbitragem e mediação, bem como da inserção de mecanismos administrativos de proteção das relações de consumo e da possibilidade do acesso, análise e concessão de direitos pela via administrativa.

Portanto, é necessário o aperfeiçoamento dos mecanismos processuais, simplificando os procedimentos a fim de tornar mais acessível à justiça, edificando um sistema apto a atingir os escopos jurídicos, mas também sociais e políticos da jurisdição.

Assim, diante da ampliação dos mecanismos do acesso à justiça, e modificações existentes no ordenamento processual, surgiram vários instrumentos de pleno acesso à justiça e de participação popular.

5. Conclusões:

Foi efetivamente com a Constituição Federal de 1988 que o acesso à justiça, tomou contornos transformadores e conferiu aos jurisdicionados as garantias do pleno acesso, como também outras garantias, tais como: devido processo legal, juiz natural contraditório e ampla defesa, dentre outros.

Nesta seara de discussão em que houve a ampliação dos mecanismos de acesso à justiça, promoveram-se também diversas modificações no ordenamento processual, através de vários instrumentos de participação popular, voltados a atender às exigências e endereçar social e politicamente o sistema processual.

Os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, a Ação Popular, a Ação Civil Pública o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente , etc, são exemplos das modificações ocorridas no sistema. Com estas e outras medidas, teremos no Brasil uma Justiça de acesso cada vez mais amplo, com significativa contribuição para a paz social.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988.

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FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 4ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Assistência jurídica, assistência judiciária e justiça gratuita. Rio de Janeiro: Forense, 1996.

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SANTOS, Carla Maia dos. Ação Popular e o exercício da cidadania no paradigma de Estado Democrático de Direito. Disponível em http://www.lfg.com.br. 28 de novembro de 2008. Acesso em 05 de maio de 2009.

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VERRI, Marina Mezzavilla. Legitimidade da Defensoria Pública na Ação Civil Pública: Limites. Franca: Ribeirão Gráfica e Editora, 2008.

WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Participação e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988.




por Kerlay Lizane Arbos
Advogada, Especialista em Gestão Ambiental pela UFPR, Mestranda do Programa de Pós-graduação em Direito da PUCPR, bolsista CAPES.

Fonte: IBRAJUS

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