Informativo STF
Este Informativo, elaborado a partir de
notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos
não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos
ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste
trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da
Justiça.
Plenário
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AP 470/MG - 62
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AP 470/MG - 68
AP 470/MG - 69
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AP 470/MG - 71
AP 470/MG - 72
AP 470/MG - 73
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AP 470/MG - 76
AP 470/MG - 77
AP 470/MG - 78
1ª Turma
Estelionato: assistência judiciária gratuita e cobrança de honorários - 4
Art. 150, VI, b e c, da CF: maçonaria e imunidade tributária - 3 e 4
Princípio da insignificância e furto em penitenciária - 3
Clipping do DJe
Transcrições
Prefeito municipal – Contas – Rejeição – Câmara de Vereadores – Inobservância do devido processo legal – Nulidade da deliberação (RE 682011/SP)
Outras Informações
O Plenário retomou julgamento de ação penal movida, pelo Ministério Público Federal, contra diversos acusados pela suposta prática de esquema a envolver crimes de peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, gestão fraudulenta e outras fraudes — v. Informativos 673 a 677. Na sessão de 3.9.2012, o Min. Joaquim Barbosa, relator, ao prosseguir na análise do capítulo V da denúncia, julgou procedente o pedido para condenar Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Ayanna Tenório e Vinícius Samarane, detentores de cargos executivos no Banco Rural à época dos fatos (“núcleo financeiro”), como incursos no delito previsto no art. 4º, caput, da Lei 7.492/86 (gestão fraudulenta de instituição financeira). Inicialmente, citou laudo segundo o qual essa instituição, ao reiterar procedimentos a impedir que as empresas SMP&B e Graffiti apresentassem atrasos nos seus mútuos, atribuiria às operações de crédito — em evidente situação de inadimplência — tratamento de transação em curso normal, de maneira a reconhecer resultados fictícios. Aludiu que os normativos relacionados ao assunto vedariam o reconhecimento no resultado de receitas de operações de crédito com atraso igual ou superior a 60 dias (Resolução 2.682/99, do Bacen, art. 9°). Acresceu que, no caso de operações renegociadas, o ganho deveria ser apropriado ao resultado somente quando efetivamente recebido (art. 8°, § 2º, da mesma resolução). Frisou que, com este comportamento, o Banco Rural geraria resultado fictício, elevando seu patrimônio, com consequente aumento dos limites operacionais.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)
Mencionou excerto de parecer técnico no qual a alta administração daquele banco aprovara as operações de crédito ora reclassificadas com pleno conhecimento de que se trataria de empréstimos de alto risco, com grande probabilidade de não serem pagos, visto que incompatíveis com a capacidade financeira dos devedores. Realçou que a garantia de direitos creditórios, posteriormente agregada às operações (contrato de prestação de serviços entre DNA Propaganda e Banco do Brasil - BB), não teria validade jurídica, dado que o Banco Rural não possuiria autorização do BB (contratante) a fim de que a avença fosse dada como caução. Assim, sobrelevou que, de todo o material probatório, despontaria cristalino que essas operações de crédito teriam sido simuladas. Igualmente, sobressairia nítido que os principais dirigentes do Banco Rural à época, para encobrir o caráter simulado dessas operações, utilizar-se-iam, dolosamente, de mecanismos fraudulentos, tais como: a) celebração de sucessivos contratos de renovação desses empréstimos fictícios, de modo a obstar que eles apresentassem atrasos; b) incorreta classificação do risco dessas operações; c) desconsideração da manifesta insuficiência financeira tanto dos mutuários, quanto das suas garantias; e d) não observância tanto de normas aplicáveis à espécie, quanto de análises das áreas técnica e jurídica do próprio Banco Rural.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)
Diante da arguição de que os empréstimos contraídos pela SMP&B e pela Graffiti seriam lícitos, colacionou laudo — realizado a pedido da defesa — a atestar que o procedimento utilizado para a elaboração da escrituração alterada não se enquadraria no conceito contábil de retificação, bem assim que a contabilidade da primeira empresa teria sido modificada de maneira substancial, em desacordo com as normas vigentes, o que evidenciaria erros voluntários, caracterizados como fraude contábil. Outrossim, anotou que essas operações teriam sido lançadas somente depois da divulgação do caso pela imprensa, a dificultar a devida identificação dos beneficiários de fato dos recursos repassados. Consignou trecho de laudo a dispor que os livros mercantis equiparar-se-iam a documento público, de modo que falhas de registro e retificação então analisadas resultariam de inequívoca vontade do contador e dos sócios, a corroborar a fraude contábil. Reproduziu, ainda, fragmento de parecer técnico a constar que, em razão de a contabilidade ter sido ilicitamente alterada, os peritos não se comprometeriam com a veracidade material ou ideológica das operações de crédito examinadas, porque a apreciação feita fundar-se-ia em contabilidade fraudada. Destarte, discorreu que aqueles profissionais alertariam para o fato de que as análises teriam sido desenvolvidas apenas sob o aspecto formal, sem exame da falsidade desses mútuos. No ponto, assentou que a conclusão pericial, a rigor, nem poderia ser diferente, já que contrato simulado, apesar de material ou ideologicamente falso, poderia ser formalmente autêntico.
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No que tange à tese defensiva de negativa de autoria em virtude de ausência de provas, sobretudo quanto à prática de todos os atos fraudulentos dispostos na denúncia e de imputação de responsabilidade penal objetiva, lembrou que o crime fora perpetrado em concurso de pessoas, em atuação orquestrada, com unidade de desígnios e divisão de tarefas típicas dos membros de grupo criminoso organizado. Nessa senda, seria desnecessário, para a configuração da coautoria delitiva, que cada um dos réus tivesse realizado todos os atos fraudulentos que caracterizariam a gestão fraudulenta. Isso porque, pela divisão de tarefas, caberia a cada corréu determinadas funções, de cuja execução dependeria o sucesso da empreitada criminosa. Dessumiu que, nesse contexto de divisão de tarefas, como seria próprio aos delitos em concurso de pessoas, o acervo probatório revelaria a intensa atuação de todos os acusados, em diferentes etapas da gestão fraudulenta.
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Apontou que, dentre renovações de mútuo formalmente contraídas pela SMP&B e pela Graffiti aprovadas por José Roberto Salgado, algumas delas teriam sido subscritas também por Ayanna Tenório ou Kátia Rabello. Estas teriam ocorrido irregularmente. Uma delas, por exemplo, a despeito de “parecer técnico” com ressalva de analista do Banco Rural, que alertara para o risco elevado da operação e para o fato de que ainda não teriam sido enviados dados contábeis atualizados. Verificou que, em outra dessas concessões de mútuo, membro do Comitê Pleno de Crédito da instituição acrescera que se cuidaria de risco de alçada da administração central, com aprovação necessária de José Roberto Salgado. Observou que, na mesma linha, em outros empréstimos, realçaram-se irregularidades, tendo em conta a ausência de dados contábeis relativos aos últimos exercícios, bem assim porque os números apresentados por uma das empresas seria de “ínfimo valor” e sua ficha cadastral teria “poucos dados”. Constatou que a mesma conduta repetira-se em outros mútuos entre ambas as empresas e a instituição financeira, dentre os quais houvera risco de renovação tão elevado que membro do aludido comitê registrara envolvimento de “risco banqueiro”. A respeito, explanou que as ressalvas feitas pelos analistas de crédito do próprio banco teriam sido ignoradas pelos réus, o que desmentiria discurso da defesa de que os acusados apenas ratificariam o que já aprovado pela área técnica da instituição financeira e que suas atribuições seriam alheias à área operacional. Ressurtiu que tanto Kátia Rabello quanto Ayanna Tenório, ao invés de seguirem o parecer da área de crédito do próprio Banco Rural, teriam autorizado a renovação dessas operações de elevadíssimo risco, mesmo sem conhecimento técnico sobre o tema.
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Outrossim, colacionou, do depoimento de Vinícius Samarane, que este seria membro do Comitê de Prevenção à Lavagem de Dinheiro, além de responsável pela atividade no âmbito de auditoria e inspetoria e compliance. Esta seção consistiria em acompanhar e monitorar a aplicação, nas atividades da instituição, dos normativos internos e externos. Preceituou que tanto Vinícius Samarane, quanto Ayanna Tenório também seriam, em última análise, responsáveis pela verificação da conformidade das operações de crédito em questão com as normas incidentes à espécie, especialmente as do Bacen. Dessa forma, justificou que, para que o grupo criminoso obtivesse sucesso, seria necessária, dentro da divisão de tarefas verificada entre os acusados, a omissão dolosa de ambos no exercício de suas obrigações. Assim, concluiu que Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório — em divisão de tarefas típica de quadrilha organizada e de forma livre, consciente e com unidade de desígnios — teriam atuado intensamente na simulação dos empréstimos bancários sob enfoque, bem como utilizado mecanismos fraudulentos para encobrir o caráter simulado das operações de crédito citadas. Noutros termos, asseverou que, ao contrário do que alardeado pelos réus, a acusação de gestão fraudulenta de instituição financeira que recairia sobre eles não decorreria de imputação de responsabilidade penal objetiva, mas sim do exame de suas condutas no contexto dos fatos.
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Rechaçou argumento da defesa de que não teria havido lesão ao Sistema Financeiro Nacional (bem jurídico tutelado pela Lei 7.492/86), porquanto esta sustentara que supostamente o Banco Rural teria demonstrado responsabilidade na sua gestão, sendo a sua lucratividade e o percentual de inadimplência dos seus empréstimos compatíveis com os de outros bancos brasileiros. A respeito, prelecionou que o art. 4º da Lei 7.492/86, ao descrever o crime imputado aos réus, limitar-se-ia a tipificar conduta caracterizada como crime formal, a qual não exigiria qualquer resultado naturalístico. Além disso, acentuou que o argumento de que a conduta dos réus não teria atingido o Sistema Financeiro Nacional evidenciaria muito mais opinião subjetiva, do que dado concreto, apoiado em bases legais. Repeliu, outrossim, tese defensiva de que Kátia Rabello e José Roberto Salgado não poderiam ser responsabilizados pelo crime de gestão fraudulenta de instituição financeira porque não teriam participado da concessão dos empréstimos efetuados por meio de fraude, mas apenas de algumas renovações dessas operações de crédito, nas quais não haveria disponibilização de novos recursos, nem aumento de risco, de modo que essas renovações seriam penalmente irrelevantes. No ponto, sobressaiu que, além de eles já terem aprovado mútuos formalmente concedidos pelo Banco Rural, o delito que lhes fora imputado não se consubstanciaria apenas pela concessão de empréstimos falsos, mas também pelo uso de mecanismos fraudulentos para encobrir o caráter simulado dessas operações de crédito. Igualmente, refutou a asserção da defesa de que a avaliação de risco realizada nas operações de crédito concedido por banco — rating — possuiria caráter subjetivo e que somente após o escândalo do caso em comento teria sido possível aferir a veracidade dessas notas, pois alegadamente o Bacen somente teria imposto a reclassificação das operações de crédito para o menor nível após despontar a crise. Nesse diapasão, versou que o próprio Bacen procedera à verificação especial em operações de crédito do conglomerado, a apontar falha no processo de classificação delas. Ademais, revelou que tanto os empréstimos simulados quanto suas sucessivas e fraudulentas renovações, ao contrário do que alegado pela defesa de José Roberto Salgado, constariam na denúncia.
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No atinente à afirmativa da defesa de que a acusação teria ignorado provas, principalmente a oitiva de testemunhas arroladas pela defesa, sopesou não ser a simples quantidade de testemunhos que orientaria julgamento, haja vista inexistir hierarquia entre as provas. Referiu que o órgão julgador, após examinar todo o conjunto probatório, verificaria quais elementos de convicção expressariam a verdade acerca dos fatos controversos. Observou que a defesa apoiar-se-ia, sobretudo, em seleção de depoimentos de testemunhas com as quais mantivera vínculo de amizade ou ascendência profissional e que muitas delas teriam incorrido, ao menos em tese, no mesmo crime examinado nos autos, bem como figurariam como corrés dos acusados tanto no delito em tela quanto em outras ações penais que também tratariam de crimes financeiros. De outro lado, rejeitou a suposta incompatibilidade do delito de gestão fraudulenta com o de lavagem de dinheiro, pois a defesa sustentara que ambos basear-se-iam em empréstimos simulados. Esclareceu que os crimes não se consubstanciariam unicamente pela realização de mútuos falsos. Explicitou que a gestão fraudulenta materializar-se-ia, também, pelo recurso a diversos mecanismos fraudulentos, utilizados especialmente para encobrir o caráter simulado dos empréstimos. Quanto à lavagem de dinheiro, também constituiriam importantes etapas para a sua caracterização a prática de fraudes contábeis e, sobretudo, a ocultação dos verdadeiros sacadores dos milionários valores repassados pelo “núcleo Marcos Valério” por meio do Banco Rural.
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Aduziu que estariam detalhados no capítulo IV da exordial acusatória (“Lavagem de Dinheiro - Lei 9.613/98”) diversos repasses de vultosos valores por intermédio do Banco Rural, com dissimulação da natureza, origem, localização, disposição e movimentação dos valores, bem como ocultação, especialmente do Bacen e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras - Coaf, dos verdadeiros proprietários e beneficiários dessas quantias, que sabidamente proviriam, direta ou indiretamente, de crimes contra a Administração Pública e o Sistema Financeiro Nacional, além de praticados por organização criminosa. Salientou que, mesmo a considerar apenas a simulação de empréstimos, não haveria que se falar em incompatibilidade entre o delito de gestão fraudulenta de instituição financeira e o de lavagem de dinheiro, tendo em vista a regra do concurso formal. Aclarou que os réus, ao atuarem dolosamente na simulação de empréstimos formalmente contraídos com o Banco Rural, em infringência às normas que regeriam a matéria, teriam cometido tanto o crime de gestão fraudulenta de instituição financeira quanto o de lavagem de dinheiro, especialmente em virtude de que esses ilícitos decorreriam de desígnios autônomos (CP, art. 70, 2ª parte). Acerca dessa matéria, trouxe à colação doutrina conforme a qual hipóteses em que o sujeito não só objetivasse e obtivesse lucro com a atividade criminosa, como ainda atuasse com vistas a ocultar ou dissimular a origem do proveito, possibilitaria o concurso formal de crimes. Por fim, estatuiu que se imporia a Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório a condenação pela prática de gestão fraudulenta em relação ao Banco Rural (Lei 7.492/86, art. 4º).
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O Min. Ricardo Lewandowski, revisor, acompanhou, em parte, o relator para julgar procedente o pleito do parquet a fim de condenar Kátia Rabello e José Roberto Salgado pela prática do delito de gestão fraudulenta de instituição financeira. A princípio, atestou ser aberto o tipo penal em questão, na medida em que o legislador não preceituara quais os atos de administração fraudulenta. Não obstante, o revisor indicou, consoante a conduta nele descrita, que o dolo deveria ser específico, a requerer do agente o emprego de meios ardilosos ou fraudulentos na condução da instituição de crédito que encerrassem o potencial de causar lesão à higidez do sistema financeiro e, por via reflexa, aos direitos e interesses de número indeterminado de acionistas, clientes e investidores. Por oportuno, distinguiu gestão fraudulenta de gestão temerária. Nesta última, admitir-se-ia dolo eventual. Em seguida, articulou que nos delitos societários, em especial naqueles chamados de colarinho branco, não se poderia exigir sempre obtenção de prova direta para condenação, sob pena de estimular-se a impunidade nesse campo. Portanto, quando o Estado não lograsse a obtenção da prova direta seria possível levar em conta os indícios, desde que lógica e seguramente encadeados, a permitir o estabelecimento da verdade processual. Registrou exsurgir dos autos materialidade delitiva, destacadamente do minucioso acervo probatório técnico, produzido tanto na fase extrajudicial como ao longo do contraditório. Ressaltou que o correto provisionamento do capital emprestado implicaria a majoração do passivo do Banco Rural e, consequentemente, alteraria qualitativa e quantitativamente sua posição patrimonial e financeira. Ao deixar de assim proceder, os administradores da instituição teriam procurado fazer crer que a situação desta seria melhor do que a efetivamente vivenciada.
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Teceu considerações a respeito da errônea classificação das operações realizadas, da subversão dos valores constantes dos demonstrativos contábeis, da utilização de mecanismos destinados a impedir ou dissimular a caracterização de atrasos das operações adversadas, da ausência de provisão do banco, da falta de capacidade financeira dos mutuários, da inexistência de validade jurídica da garantia de direitos creditórios agregada aos empréstimos (contrato de prestação de serviços entre a DNA Propaganda e o BB), do desacordo com as mais comezinhas normas de prudência bancária. Estimou ter ocorrido gestão caracterizada por manobras contábeis, notadamente irregulares, que passariam ao largo do desejo de preservar a posição da instituição financeira no mercado ou de fomentar suas atividades comerciais, a ingressar decisivamente na seara dos ilícitos penais. As práticas delituosas dos dirigentes do conglomerado patentear-se-iam, sobretudo, pela relação que a cúpula mantinha com Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, todos sócios da DNA Propaganda, SMP&B Comunicação e Graffiti Participações, que ultrapassaria de longe a relação normal bancária. Constatou, em passo seguinte, que Marcos Valério agiria como agente de negócios e relações públicas do Banco Rural, encarregando-se, principalmente, de intermediar contatos entre aquela instituição e alguns setores do governo.
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Após rememorar teor de laudo pericial, inferiu que o banco, caso tivesse realizado simples exame na contabilidade dos mutuários, como proposto em seus próprios normativos internos, poderia ter facilmente detectado a não correspondência entre as garantias e os empréstimos. Afigurou manifesto que estes só teriam sido aprovados em razão do relacionamento pessoal e da troca de favores existentes entre a direção do Banco Rural e o acusado Marcos Valério. Elucidou que alguns dos empréstimos teriam sido tratados quase como verdadeiras doações, ante as constantes renovações e ausência de pagamento ou amortizações. Atentou para o fato de que a situação de risco de sucessivas repactuações seria tão alarmante que a decisão envolveria a própria diretoria da instituição, necessários os votos de seus principais dirigentes: Kátia Rabello e José Roberto Salgado. Por outro lado, a postergação do pagamento da dívida seria algo de interesse precípuo do mutuário, sendo no mínimo estranho que as datas de vencimento fossem reajustadas por iniciativa do banco mutuante. Por fim, delineou os comportamentos dos dirigentes máximos do Banco Rural que indicariam o dolo e, consequentemente, a perfeita adequação típica das condutas descritas no caput do dispositivo em comento, e reputou comprovada a autoria delitiva de Kátia Rabello e de José Roberto Salgado.
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Em divergência, na assentada de 5.9.2012, o revisor absolveu Ayanna Tenório e Vinícius Samarane, com esteio no art. 386, VII, do CPP. Sublinhou que o elemento fulcral do tipo “gestão fraudulenta” seria a atuação com engodo, artifício ou ardil. Advertiu que a sanção de inabilitação temporária para gerir instituição financeira, por parte do Banco Central, não acarretaria automaticamente condenação pelo delito em tela, haja vista a total independência entre as esferas penal e administrativa, exigindo a primeira delas maior rigor para imposição de reprimenda. Por esse motivo, alguns dos administrativamente punidos não teriam sido denunciados pelo parquet. Salientou que, inclusive, aqueloutra decisão penderia de exame de recurso. Pronunciou que o ordenamento legal brasileiro, nos termos de jurisprudência do STF, não contemplaria a responsabilidade penal objetiva, ainda que no campo societário, onde sabidamente mais difícil a individuação das condutas dos agentes. Rematou inexistir forma culposa do crime de gestão fraudulenta, a demandar dolo direto. Quanto a Ayanna Tenório, dessumiu não comprovado que tivesse agido de forma fraudulenta ou ardilosa na gestão de instituição financeira, tampouco que detivesse conhecimento da ilicitude dos empréstimos. Assegurou que — antes de ser contratada para o Banco Rural — ela jamais havia trabalhado em estabelecimento de crédito, de acordo com diversos depoimentos colhidos ao longo do contraditório. Resgatou que a atividade profissional de Ayanna Tenório sempre estivera voltada para as áreas de estratégia e recursos humanos. Expôs que ela fora admitida, mediante contrato de trabalho com prazo de 2 anos, para elaboração de trabalho específico de planejamento e reestruturação interna da empresa familiar. Divulgou que ela ingressara na instituição 3 dias antes da morte de seu presidente, pessoa que alegadamente iniciara o relacionamento com as empresas de Marcos Valério.
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Esclareceu que, na qualidade de Vice-Presidente de Suporte Operacional, ela exerceria função de natureza administrativa. De igual modo, anotou que não se envolvera nas negociações que culminaram nos empréstimos objetos desta ação, porquanto sequer lá trabalhava à época em que concedidos. Verificou inexistir prova de que tivesse qualquer espécie de contato com Marcos Valério, ou com os sócios deste, no tocante aos mútuos objurgados, até porque não teria ingerência nos setores responsáveis pelas operações de crédito. Asseverou que os contatos de Ayanna Tenório seriam condizentes com sua função na área administrativa. Apontou que participara de apenas 2 renovações, ao subscrevê-las em conjunto com José Roberto Salgado. Concluiu que ela assinara formalmente os documentos ao seguir orientação deste, que seria o responsável pela área. Ademais, os documentos seriam relativos a mútuos anteriormente aprovados pela alta cúpula da instituição financeira, quando nenhuma suspeita havia sobre eles. Considerou que o elemento subjetivo do tipo, o dolo específico, não estaria demarcado. Depreendeu que, para Ayanna Tenório, cuidar-se-ia de renovação de crédito normal e regular em benefício de antigos clientes bancários. Discorreu que ela participaria ocasionalmente das reuniões de aprovações de créditos, apenas para preencher quórum, visto que sua área de atuação seria distinta.
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Procedeu, então, a análise da situação de Vinícius Samarane. Assinalou não dispor a denúncia do delito de gestão temerária, que permitiria dolo eventual. Repisou trechos da peça da acusação, dentre os quais os réus mencionados no presente capítulo, na qualidade de gestores do Banco Rural, teriam efetuado diversas operações de crédito com as empresas de Marcos Valério e sócios, bem assim de Rogério Tolentino, e com o Partido dos Trabalhadores - PT, que totalizariam valor milionário, correspondente, à época, a 10% da carteira de crédito do conglomerado. Na sequência, aduziu que o Ministério Público não lograra provar a participação de Vinícius Samarane em qualquer dos fatos, tampouco nos eventos citados na denúncia. Reforçou que as concessões de crédito aludidas datariam de período em que o réu não ostentaria condição funcional de gestor de instituição financeira. Ele seria funcionário, com título de superintendente, sem poder de concessão ou veto a empréstimos ou renovações, pois não integraria a direção do banco, para a qual teria sido eleito posteriormente. De igual modo, também não comporia a diretoria responsável pelo Comitê de Prevenção e Combate à Lavagem de Dinheiro no intervalo em que ocorridas as mencionadas operações de crédito. Por outro lado, o revisor rechaçou a caracterização de suposta omissão dolosa do réu e de dolo específico. Narrou que aquela somente seria penalmente relevante quando o omitente pudesse ou devesse agir para evitar o resultado (CP, art. 13, § 2º). No ponto, exprimiu que qualquer manifestação do réu seria inócua. Qualificou como não demonstrado que Vinícius Samarane conhecesse ou mantivesse relacionamento com os demais corréus, à exceção dos dirigentes do banco.
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Alfim, o Plenário proclamou o resultado provisório do julgamento, quanto ao capítulo V da denúncia, no sentido de: a) condenar, pela prática do delito previsto no caput do art. 4º da Lei 7.492/86, Kátia Rabello, José Roberto Salgado e Vinícius Samarane, vencidos, quanto ao último corréu, os Ministros revisor e Marco Aurélio, que o absolviam; e b) absolver Ayanna Tenório do mencionado crime, com fulcro no art. 386, VII, do CPP, vencido o relator. A Min. Rosa Weber ressaltou que nos crimes empresariais a imputação, em regra, deveria recair sobre os dirigentes ou órgãos de controle (presunção iuris tantum). Assim, imperioso verificar, no caso concreto, quem deteria poder de controle da organização para efeito de decidir pela consumação do delito. Destarte, caberia ao acusado comprovar não ter havido poder de decisão. Destacou, ainda, que nenhuma das operações de saque em espécie — cujo destinatário final teria sido agente público que comporia o capítulo IV da denúncia — teria ocorrido após Ayanna Tenório assumir a responsabilidade pela área de prevenção à lavagem de dinheiro. Entendeu plausível que a corré não tivesse conhecimento de todas as circunstâncias envolvidas, a impor sua absolvição, por inexistir quadro probatório seguro, acima de qualquer dúvida, que teria agido com dolo. O Min. Luiz Fux assinalou que a gestão fraudulenta de hoje seria o crime contra a economia popular de outrora. Além disso, aludiu que a criminalização daquela infração penal ocorreria na medida em que violadas regras básicas da atividade financeira.
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O Min. Gilmar Mendes aduziu haver extenso acervo probatório a evidenciar que os dirigentes do Banco Rural realizariam procedimentos incompatíveis com as normas atinentes às instituições financeiras. Embora certas ações ou omissões irregulares pudessem ocorrer em virtude da complexidade ligada à atividade bancária, de maneira a configurar meras infrações administrativas, bem como as instituições financeiras tivessem, de modo geral, flexibilidade para gerir seus negócios fora de padrões preestabelecidos, o quadro revelaria uma série de ações e omissões deliberadas, a caracterizar reprovável modo de administração. Frisou tratar-se de segmento econômico sujeito a rigoroso controle estatal, com distinção própria na Constituição. A instituição financeira seria elemento estrutural do sistema, na medida em que administraria e aplicaria a poupança popular. Asseverou que os fatos apontados extrapolariam as margens de risco e tolerância aceitáveis, com o agravante de a inobservância das normas aplicáveis ter sido recorrente. Sublinhou a tentativa de encobrimento dessas situações ilegais, mediante omissão, alteração e supressão em documentos internos e contábeis da instituição. Ressaltou que, como resultado da gestão fraudulenta, o Banco Rural incrementara artificialmente seu patrimônio líquido, induzindo a erro seus usuários e implicando a descapitalização da instituição. Apontou que as advertências internas — de analistas do Banco Rural — e externas — do Bacen — seriam sinais inequívocos de que os dirigentes conheceriam os fatos e concordariam com eles. Ressalvou, entretanto, que Ayanna Tenório não teria condições de compreender o significado das operações envolvidas no esquema criminoso, de modo que não teria pleno domínio dos fatos.
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O Min. Celso de Mello, por sua vez, destacou que a peça acusatória, ao se referir à suposta negligência dos acusados na concessão de empréstimos às entidades envolvidas, não se referiria à prática do crime em questão na suposta modalidade culposa, inexistente no ordenamento. Os autos evidenciariam que o comportamento seria doloso. No tocante à coautoria de Vinícius Samarane, frisou que o réu produzira peças enganosas e procedera a incorretas classificações de risco das operações. Além disso, adotara medidas para frustrar a ação fiscalizadora do Bacen. Realizara, portanto, fragmento no plano operacional, a refletir atividade exercida em função de um projeto criminoso comum. Seu papel no iter criminis configuraria, assim, coautoria sucessiva. O Min. Ayres Britto, Presidente, a seu turno, lembrou que a tutela imediata do art. 4º, caput, da Lei 7.492/86 diria respeito à instituição financeira — com seu conjunto de acionistas, a qual deveria ser colocada a salvo de gestão tão desastrosa que significasse bancarrota —, ao passo que a proteção mediata remeter-se-ia ao próprio Sistema Financeiro Nacional (CF, art. 192), a ter resguardada sua credibilidade com o escopo de servir aos interesses da “coletividade”. No ponto, trouxe à baila precedente da Corte (HC 93.638/PR, DJe de 25.8.2011), consoante o qual a gestão fraudulenta encartar-se-ia na seara da má administração de instituição financeira e caracterizar-se-ia pela ilicitude dos atos praticados pelos responsáveis pela gerência empresarial, exteriorizada por manobras ardilosas e mediante prática consciente de fraudes. No que tange a Kátia Rabello, José Roberto Salgado e Vinícius Samarane, assentou que as práticas ilícitas destes retratariam muito mais que descaso ou descuido, pois revelariam o deliberado propósito de fraudar a gestão colegiada do banco. O Min. Marco Aurélio, no que se refere a Ayanna Tenório, assinalou que sua participação nos fatos não seria suficiente a respaldar título condenatório, a menos que se cogitasse de crime por presunção. Em relação a Vinícius Samarane, destacou ser subordinado a ela. Ademais, a mera subscrição de relatórios a versar sobre atividades do banco não seria suficiente para firmar a culpa do acusado. Sublinhou não haver, nos citados documentos, tentativa de encobrir atividade ilícita. Além disso, eles teriam sido assinados por diversas pessoas, que não estariam no polo passivo da ação. Após, o julgamento foi suspenso.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)
1ª parte
2ª parte
3ª parte
4ª parte
5ª parte
Em conclusão, a 1ª Turma, por maioria, concedeu habeas corpus para trancar ação penal ao fundamento de atipicidade de conduta (CP, art. 171, caput). Na espécie, o paciente supostamente teria auferido vantagem para si, em prejuízo alheio, ao cobrar honorários advocatícios de cliente beneficiado pela assistência judiciária gratuita, bem como forjado celebração de acordo em ação de reparação de danos para levantamento de valores referentes a seguro de vida. Aduzia a impetração que, depois de ofertada e recebida a denúncia, juízo cível homologara, por sentença, o citado acordo, reputando-o válido, isento de qualquer ilegalidade; que os autores não teriam sofrido prejuízo algum; e que os honorários advocatícios seriam efetivamente devidos — v. Informativo 576. Consignou-se não haver qualquer ilegalidade ou crime no fato de advogado pactuar com seu cliente — em contrato de risco — a cobrança de honorários, no caso de êxito em ação judicial proposta, mesmo quando gozasse do benefício da gratuidade de justiça. Frisou-se que esse entendimento estaria pacificado no Enunciado 450 da Súmula do STF (“São devidos honorários de advogado sempre que vencedor o beneficiário da justiça gratuita”). Vencidos os Ministros Marco Aurélio, que denegava o writ, e Cármen Lúcia, que o concedia parcialmente para trancar a ação penal apenas quanto à conduta referente à cobrança de honorários advocatícios de parte amparada pela gratuidade da justiça, ante a falta de justa causa para o seu prosseguimento. Por outro lado, denegava a ordem quanto à segunda conduta imputada ao paciente ao destacar que, na denúncia, teriam sido descritos comportamentos típicos quanto à forja na formalização de acordo, sendo factíveis e obviados os indícios de autoria e materialidade delitivas.
HC 95058/ES, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 4.9.2012. (HC-95058)
Art. 150, VI, b e c, da CF: maçonaria e imunidade tributária - 3
As organizações maçônicas não estão dispensadas do pagamento do imposto sobre propriedade predial e territorial urbana - IPTU. Essa a conclusão da 1ª Turma ao conhecer, em parte, de recurso extraordinário e, por maioria, negar-lhe provimento. Na espécie, discutia-se se templos maçônicos se incluiriam no conceito de “templos de qualquer culto” ou de “instituições de assistência social” para fins de concessão da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, b e c, da CF [“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: ... VI - instituir impostos sobre: ... b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei”] — v. Informativo 582. Entendeu-se que o enquadramento da recorrente na hipótese de imunidade constitucional seria inviável, consoante o Verbete 279 da Súmula do STF (“Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”). Aludiu-se, ainda, à observância do art. 14 do CTN para que pudesse existir a possibilidade do gozo do benefício, matéria que não possuiria índole constitucional. Pontuou-se que a maçonaria seria uma ideologia de vida e não uma religião.
RE 562351/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 4.9.2012. (RE-562351)
Art. 150, VI, b e c, da CF: maçonaria e imunidade tributária - 4
Vencido o Min. Marco Aurélio, que dava provimento ao recurso para reconhecer o direito à imunidade tributária dos templos em que realizados os cultos da recorrente. Sustentava que, diversamente das isenções tributárias, que configurariam favores fiscais do Estado, as imunidades decorreriam diretamente das liberdades, razão pela qual mereceriam interpretação, no mínimo, estrita. Frisava não caber potencializar o disposto no art. 111, II, do CTN — que determinaria a interpretação literal da legislação tributária que dispusesse sobre outorga de isenção —, estendendo-o às imunidades. Destacava que a Constituição não teria restringido a imunidade à prática de uma religião, mas apenas àquele ente que fosse reconhecido como templo de qualquer culto. Asseverava que, em perspectiva menos rígida do conceito de religião, certamente se conseguiria classificar a maçonaria como corrente religiosa, que contemplaria física e metafísica. Explicava haver inequívocos elementos de religiosidade na maçonaria. Presumia conceito mais largo de religião, até mesmo em deferência ao art. 1º, V, da CF, que consagraria o pluralismo como valor basilar da República. Realçava que o pluralismo impediria que o Poder Judiciário adotasse definição ortodoxa de religião.
RE 562351/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 4.9.2012. (RE-562351)
Em conclusão de julgamento, a 1ª Turma, por maioria, deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus para aplicar o princípio da insignificância em favor de condenado pela tentativa de subtração de cartucho de tinta para impressora do Centro de Progressão Penitenciária, em que trabalhava e cumpria pena por delito anterior —v. Informativos 618 e 625. Afirmou-se que, embora o bem pertencesse ao Estado, seu valor poderia ser reputado ínfimo, quase zero, e a ausência de prejuízo que pudesse advir para a Administração Pública seria suficiente para que incidisse o postulado. Vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski, relator, e Marco Aurélio, que negavam provimento ao recurso. Asseveravam não poder ser considerado reduzido o grau de reprovabilidade da conduta do paciente que, não mais primário, tentara furtar bem público na constância do cumprimento de pena em estabelecimento penitenciário.
RHC 106731/DF, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, 4.9.2012. (RHC-106731)
Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos
Pleno 5.9.2012 6.9.2012 1
1ª Turma 4.9.2012 — 125
2ª Turma — — —
C L I P P I N G D O D J E
3 a 6 de setembro de 2012
HC N. 103.686-RJ
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: Habeas corpus. Lesão corporal (art. 209 do Código Penal Militar). Interrupção da prescrição pela publicação da sentença condenatória. Publicação e intimação da sentença de pronúncia (CPPM, art. 125, § 5º).
1. A publicação da sentença ocorre quando o escrivão a recebe do juiz (CPP, art. 389; CPPM, art. 125, § 5º, II), independentemente de qualquer outra formalidade.
2. A publicação da sentença prolatada por órgão colegiado da Justiça castrense se dá na própria sessão de julgamento, tal como previsto no art. 389 do CPP, e não se confunde com a intimação das partes, interrompendo a prescrição (CPM, art. 125, § 5º, II). Precedentes.
3. Habeas corpus deferido.
MS N. 30.488-MA
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. ATO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. PENSÃO POR MORTE. DEFICIENTES VISUAIS. PROVA DA INVALIDEZ POSTERIOR AO ÓBITO DO INSTITUIDOR DA PENSÃO. REGISTRO NEGADO. ALEGADA AUSÊNCIA DE CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA: IMPROCEDÊNCIA. VIOLAÇÃO À COISA JULGADA: OCORRÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA CONCEDIDO.
1. Não há falar, no caso em exame, em ofensa à garantia do contraditório e da ampla defesa no Tribunal de Contas da União, tendo em vista que o exercício da sua competência constitucional de controle externo se deu em prazo inferior a cinco anos. Precedentes.
2. A invalidez das Impetrantes, assentada em sentença judicial transitada em julgado antes do falecimento do instituidor da pensão, não pode ser afastada pelo Tribunal de Contas da União, sob pena de ofensa à coisa julgada. Precedentes.
3. Mandado de segurança concedido.
AG.REG.NO AI N. 762.589-RJ
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
EMENTA: CONTROLE CONCENTRADO – LEI LOCAL – INCONSTITUCIONALIDADE – CONVALIDAÇÃO – DECURSO DO TEMPO - INADEQUAÇÃO. A convalidação de atos praticados à luz de norma declarada incompatível com a Constituição implica estímulo à edição de leis à margem da Carta da República.
RHC N. 112.707-DF
RELATORA: MIN. ROSA WEBER
E M E N T A: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. REPROVABILIDADE DA CONDUTA. REGISTROS CRIMINAIS PRETÉRITOS.
1. Avalia-se a pertinência do princípio da insignificância, em casos de pequenos furtos, a partir não só do valor do bem subtraído, mas também de outros aspectos relevantes da conduta imputada.
2. Não tem pertinência o princípio da insignificância se o crime de furto é praticado mediante ingresso subreptício na residência da vítima, com violação da privacidade e da tranquilidade pessoal desta.
3. A existência de registros criminais pretéritos contra o recorrente obsta por si só a aplicação do princípio da insignificância, consoante jurisprudência consolidada da Primeira Turma desta Suprema Corte (v.g.: HC 109.739/SP rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 14.02.2012; HC 110.951 rel. Min. Dias Toffoli, DJe 27.02.2012; HC 108.696 rel. Min. Dias Toffoli, DJe 20.10.2011; e HC 107.674 rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 14.9.2011). Ressalva de entendimento pessoal da Ministra Relatora.
AG. REG. NO AI N. 846.328-RS
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
EMENTA: Agravo regimental em agravo de instrumento. 2. Direito Administrativo. 3. Servidor público. Atividade notarial e de registro. Titularidade. Ausência de concurso público. Vacância ocorrida na vigência da Constituição Federal de 1988. 4. Direito Adquirido. Inexistência. Precedentes do STF. 5. Ausência de argumentos suficientes para infirmar a decisão recorrida. Agravo regimental a que se nega provimento.
AG. REG. NO RE N. 493.267-SC
RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO
EMENTAS: 1. TRIBUTO. Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI. Creditamento pela aquisição de insumos tributados. Operação anterior à Lei nº 9.779/99. Repercussão geral reconhecida no RE nº 562.980 (Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI; Redador para o acórdão Min. MARCO AURÉLIO) - TEMA 49. A ficção jurídica prevista no artigo 11 da Lei nº 9.779/99 não alcança situação reveladora de isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI que a antencedeu.
2. RECURSO. Extraordinário. Admissibilidade. Jurisprudência assentada. Ausência de razões consistentes. Decisão mantida. Agravo regimental improvido. Nega-se provimento a agravo regimental tendente a impugnar, sem razões consistentes, decisão fundada em jurisprudência assente na Corte.
SEGUNDO AG. REG. NO RE N. 595.553-RS
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. CONSTITUCIONAL. FINANCEIRO. ADMINISTRATIVO. IMPOSIÇÃO DE MULTA. CONTROLE DE VALIDADE. RAZOABILIDADE, PROPORCIONALIDADE E CARÁTER CONFISCATÓRIO APURADOS SEGUNDO O CASO CONCRETO (NORMA INDIVIDUAL E CONCRETA). POSSIBILIDADE. COBERTURA CAMBIAL. DECRETO 23.258/1933.
A jurisprudência desta Suprema Corte entende plenamente cabível o controle de constitucionalidade dos atos de imposição de penalidades, especialmente à luz da razoabilidade, da proporcionalidade e da vedação do uso de exações com efeito confiscatório (cf., e.g., a ADI 551 e a ADI 2.010).
Está prequestionada a incompatibilidade da pena aplicada, por violação do princípio da proporcionalidade, na medida em que o argumento foi expressamente abordado pelo Tribunal de origem, ainda que tenha prevalecido o fundamento que implicava a invalidade integral de qualquer punição (não recepção por contrariedade formal – processo legislativo).
Agravo regimental ao qual se nega provimento.
AG. REG. NO AI N. 540.892-SP
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
EMENTA: JUROS – MORATÓRIOS E COMPENSATÓRIOS – DÉBITO DA FAZENDA – ARTIGO 33 DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS. O preceito do artigo 33 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias encerra uma nova realidade. Faculta-se ao recorrente a satisfação dos valores pendentes de precatórios, neles incluídos os juros remanescentes. Não observada a época própria das prestações, cabível a incidência dos juros no que pressupõem inadimplemento.
AG. REG. NO AI N. 820.065-GO
RELATORA: MIN. ROSA WEBER
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. EXISTÊNCIA DE VAGAS E NECESSIDADE DO SERVIÇO. PRETERIÇÃO DE CANDIDATOS APROVADOS. DIREITO À NOMEAÇÃO.
Comprovada a necessidade de pessoal e a existência de vaga, configura preterição de candidato aprovado em concurso público o preenchimento da vaga, ainda que de forma temporária. Precedentes.
Agravo regimental conhecido e não provido.
AG. REG. EM MS N. 26.237-DF
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: Agravo regimental em mandado de segurança. Tribunal de Contas da União. Anulação de ascensões funcionais concedidas aos empregados da ECT. Direito ao contraditório e à ampla defesa. Agravo não provido.
1. O Tribunal de Contas da União, nos processos de anulação de ascensões funcionais de empregados da ECT, deve assegurar aos interessados o exercício das garantias da ampla defesa e do contraditório. Súmula Vinculante nº 3. Precedentes.
2. Agravo regimental não provido.
ED EM MS N. 27.746-DF
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: Embargos de declaração em mandado de segurança. Decisão monocrática. Conversão em agravo regimental. Negativa de registro de aposentadoria julgada ilegal pelo Tribunal de Contas da União. Inaplicabilidade ao caso da decadência prevista no art. 54 da Lei 9.784/99. Assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa.
1. Esta Suprema Corte possui jurisprudência pacífica no sentido de que o Tribunal de Contas da União, no exercício da competência de controle externo da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadorias, reformas e pensões (art. 71, inciso III, CF/88), não se submete ao prazo decadencial da Lei nº 9.784/99, iniciando-se o prazo quinquenal somente após a publicação do registro na imprensa oficial.
2. O TCU, em 2008, negou o registro da aposentadoria do ora recorrente, concedida em 1998, por considerar ilegal “a incorporação de vantagem de natureza trabalhista que não pode subsistir após a passagem do servidor para o regime estatutário”. Como o ato de aposentação do recorrente ainda não havia sido registrado pelo Tribunal de Contas da União, não há que se falar em decadência administrativa, tendo em vista a inexistência do registro do ato de aposentação em questão.
3. Sequer há que se falar em ofensa aos princípios da segurança jurídica, da boa-fé e da confiança, pois foi assegurado o ao recorrente o direito ao contraditório e à ampla defesa, fato apresentado na própria inicial, uma vez que ele apresentou embargos de declaração e também pedido de reexame da decisão do TCU.
4. Agravo regimental não provido.
Acórdãos Publicados: 265
TRANSCRIÇÕES
Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
Prefeito municipal – Contas – Rejeição – Câmara de Vereadores – Inobservância do devido processo legal – Nulidade da deliberação (Transcrições)
RE 682011/SP*
RELATOR: Min. Celso de Mello
EMENTA: JULGAMENTO DAS CONTAS DE EX-PREFEITO MUNICIPAL. PODER DE CONTROLE E DE FISCALIZAÇÃO DA CÂMARA DE VEREADORES (CF, ART. 31). PROCEDIMENTO DE CARÁTER POLÍTICO-ADMINISTRATIVO. NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA DA CLÁUSULA DA PLENITUDE DE DEFESA E DO CONTRADITÓRIO (CF, ART. 5º, LV). DOUTRINA. PRECEDENTES. TRANSGRESSÃO, NO CASO, PELA CÂMARA DE VEREADORES, DESSAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. SITUAÇÃO DE ILICITUDE CARACTERIZADA. CONSEQUENTE INVALIDAÇÃO DA DELIBERAÇÃO PARLAMENTAR CONSUBSTANCIADA EM DECRETO LEGISLATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.
- O controle externo das contas municipais, especialmente daquelas pertinentes ao Chefe do Poder Executivo local, representa uma das mais expressivas prerrogativas institucionais da Câmara de Vereadores, que o exercerá com o auxílio do Tribunal de Contas (CF, art. 31).
Essa fiscalização institucional não pode ser exercida, de modo abusivo e arbitrário, pela Câmara de Vereadores, eis que – devendo efetivar-se no contexto de procedimento revestido de caráter político-administrativo – está subordinada à necessária observância, pelo Poder Legislativo local, dos postulados constitucionais que asseguram, ao Prefeito Municipal, a prerrogativa da plenitude de defesa e do contraditório.
- A deliberação da Câmara de Vereadores sobre as contas do Chefe do Poder Executivo local há de respeitar o princípio constitucional do devido processo legal, sob pena de a resolução legislativa importar em transgressão ao sistema de garantias consagrado pela Lei Fundamental da República.
DECISÃO: O presente recurso extraordinário foi interposto por ex-Prefeito Municipal que se insurge contra acórdão emanado do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que lhe negou o direito de ver respeitadas, pelo Poder Legislativo local, em sede de julgamento de contas pela Câmara Municipal de Santos, as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
O aspecto central da decisão em referência, objeto do presente recurso extraordinário, acha-se consubstanciado em acórdão assim ementado (fls. 1.786):
“Ação anulatória – Município – pedido de anulação de decisão do Tribunal de Contas – rejeição das contas do ex-Prefeito de Santos do exercício de 2002 – oportunidade de defesa conferida ao autor pelo órgão vistor – desnecessidade de abertura de prazo para defesa na Câmara Municipal – edilidade que acolheu o parecer – verba honorária reduzida.” (grifei)
A parte ora recorrente, ao deduzir o presente apelo extremo, sustentou que a decisão questionada teria transgredido os preceitos inscritos no art. 5º, incisos LIV e LV, e no art. 93, inciso IX, ambos da Constituição Federal.
O Ministério Público Federal, em fundamentada manifestação da lavra do eminente Subprocurador-Geral da República Dr. RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, ao opinar pelo conhecimento e provimento do presente recurso extraordinário, formulou parecer que contém a seguinte ementa (fls. 1.948):
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. APRECIAÇÃO DAS CONTAS DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL. PROCEDIMENTO DE CARÁTER POLÍTICO-ADMINISTRATIVO. INDISPENSABILIDADE DA PLENITUDE DE DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. CF, ARTS. 5º, LV E 31, § 2º.
…...............................................................................................
Reafirmação da orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal no sentido da indispensabilidade da observância da garantia constitucional da ampla defesa e do contraditório no procedimento político-administrativo de controle parlamentar das contas do Chefe do Poder Executivo local. CF, arts. 5º, LV, e 31, § 2º.” (grifei)
Sendo esse o contexto, passo a apreciar o presente recurso extraordinário. E, ao fazê-lo, entendo assistir plena razão à douta Procuradoria-Geral da República, cujo parecer bem demonstra que o acórdão ora questionado diverge do entendimento que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria em exame.
O controle externo das contas municipais, especialmente daquelas pertinentes ao Chefe do Poder Executivo local, representa uma das mais expressivas prerrogativas institucionais da Câmara de Vereadores, que o exercerá com o auxílio do Tribunal de Contas (CF, art. 31).
Essa fiscalização institucional, por sua vez, é desempenhada pelo Poder Legislativo do Município no âmbito de procedimento revestido de caráter político-administrativo, tal como acentuado, em preciso magistério, pelo saudoso e eminente HELY LOPES MEIRELLES (“Direito Municipal Brasileiro”, p. 608, 15ª ed., São Paulo, 2006, Malheiros Editores):
“A função de controle e fiscalização da Câmara sobre a conduta do Executivo tem caráter político-administrativo e se expressa em decretos legislativos e resoluções do plenário, alcançando unicamente os atos e agentes que a Constituição Federal, em seus arts. 70-71, por simetria, e a lei orgânica municipal, de forma expressa, submetem à sua apreciação, fiscalização e julgamento. No nosso regime municipal, o controle político-administrativo da Câmara compreende a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, através do julgamento das contas do prefeito e de suas infrações político-administrativas sancionadas com cassação do mandato.” (grifei)
Esse entendimento doutrinário – que enfatiza a imprescindibilidade da observância da garantia constitucional da plenitude de defesa e do contraditório (CF, art. 5º, LV) – reflete-se na autorizada lição de JOSÉ NILO DE CASTRO (“Julgamento das Contas Municipais”, p. 25/43, itens ns. 1-2, 3ª ed., 2003, Del Rey), que também adverte, a propósito do procedimento político-administrativo de controle parlamentar das contas do Prefeito Municipal, que a deliberação da Câmara de Vereadores sobre as contas do Chefe do Poder Executivo local, além de supor o necessário respeito ao postulado constitucional da ampla defesa, há de ser fundamentada, sob pena de a resolução legislativa importar em inaceitável transgressão ao sistema de garantias consagrado pela Constituição da República.
Cabe referir que essa mesma percepção do tema é revelada, em substancioso estudo, pelo eminente Professor EDUARDO BOTTALLO (“Julgamento de Contas de Prefeito e Princípio da Ampla Defesa”, “in” “Direito Administrativo e Constitucional – Estudos em Homenagem a Geraldo Ataliba”, vol. 2/334-338, 1997, Malheiros), cujo magistério, no tema, assim foi por ele exposto:
“a) a apreciação das contas de Prefeito, prevista no art. 31, § 2º, da Constituição da República, é tarefa que não se contém no âmbito do ‘processo legislativo’ de competência das Câmaras Municipais; trata-se, ao revés, de julgamento proferido dentro de processo regular, cuja condução demanda obediência às exigências constitucionais pertinentes à espécie;
b) não é correto o entendimento de que, no caso de apreciação de contas de Prefeito, o exercício do direito de defesa se dá apenas perante o Tribunal de Contas durante a fase de elaboração do parecer prévio, e isto porque esta instituição não julga, atuando apenas como órgão auxiliar do Poder Legislativo Municipal a quem cabe tal competência;
c) o julgamento das contas de Prefeito pela Câmara Municipal deve observar os preceitos emergentes do art. 5º, LV, da Constituição da República, sob pena de nulidade.” (grifei)
Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, considerada a essencialidade da garantia constitucional da plenitude de defesa e do contraditório, que a Constituição da República estabelece que ninguém pode ser privado de sua liberdade, de seus bens ou de seus direitos sem a observância do devido processo legal, notadamente naqueles casos em que se estabelece uma relação de polaridade conflitante entre o Estado, de um lado, e o indivíduo, de outro.
Cumpre ter presente, bem por isso, que o Estado, em tema de restrição à esfera jurídica de qualquer cidadão (titular, ou não, de cargo público), não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois – cabe enfatizar – o reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida imposta pelo Poder Público, de que resultem, como no caso, consequências gravosas no plano dos direitos e garantias individuais, exige a fiel observância do princípio do devido processo legal (CF, art. 5º, LV), consoante adverte autorizado magistério doutrinário (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, vol. 1/68-69, 1990, Saraiva; PINTO FERREIRA, “Comentários à Constituição Brasileira”, vol. 1/176 e 180, 1989, Saraiva; JESSÉ TORRES PEREIRA JÚNIOR, “O Direito à Defesa na Constituição de 1988”, p. 71/73, item n. 17, 1991, Renovar; EDGARD SILVEIRA BUENO FILHO, “O Direito à Defesa na Constituição”, p. 47/49, 1994, Saraiva; CELSO RIBEIRO BASTOS, “Comentários à Constituição do Brasil”, vol. 2/268-269, 1989, Saraiva; MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, “Direito Administrativo”, p. 686/688, 25ª ed., 2012, Atlas; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 444/446, 9ª ed., 2008, Malheiros; HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Administrativo Brasileiro”, p. 107/108 e 755/756, 38ª ed., 2011, Malheiros, v.g.).
A jurisprudência dos Tribunais, notadamente a do Supremo Tribunal Federal, tem reafirmado a essencialidade desse princípio, nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa ou no âmbito político-administrativo, sob pena de nulidade da própria medida restritiva de direitos, revestida, ou não, de caráter punitivo (RDA 97/110 – RDA 114/142 – RDA 118/99 – RTJ 163/790, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – AI 306.626/MT, Rel. Min. CELSO DE MELLO, “in” Informativo/STF nº 253/2002 – RE 140.195/SC, Rel. Min. ILMAR GALVÃO – RE 191.480/SC, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – RE 199.800/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, v.g.):
“RESTRIÇÃO DE DIREITOS E GARANTIA DO ‘DUE PROCESS OF LAW’.
- O Estado, em tema de punições disciplinares ou de restrição a direitos, qualquer que seja o destinatário de tais medidas, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois o reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida estatal - que importe em punição disciplinar ou em limitação de direitos - exige, ainda que se cuide de procedimento meramente administrativo (CF, art. 5º, LV), a fiel observância do princípio do devido processo legal.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reafirmado a essencialidade desse princípio, nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade do próprio ato punitivo ou da medida restritiva de direitos. Precedentes. Doutrina.”
(RTJ 183/371-372, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Isso significa, portanto, que assiste, ao cidadão, mesmo em procedimentos de índole administrativa ou de caráter político-administrativo, a prerrogativa indisponível do contraditório e da plenitude de defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, consoante prescreve a Constituição da República em seu art. 5º inciso LV.
O respeito efetivo à garantia constitucional do “due process of law”, ainda que se trate de procedimento político-administrativo (como no caso), condiciona, de modo estrito, o exercício dos poderes de que se acha investida a Pública Administração (a Câmara de Vereadores, na espécie), sob pena de descaracterizar-se, com ofensa aos postulados que informam a própria concepção do Estado democrático de Direito, a legitimidade jurídica dos atos e resoluções emanados do Estado, especialmente quando tais deliberações importarem em graves restrições à esfera jurídica do cidadão.
Esse entendimento – que valoriza a perspectiva constitucional que deve orientar o exame do tema em causa – tem o beneplácito de autorizado magistério doutrinário, tal como aquele expendido pela eminente Professora ADA PELLEGRINI GRINOVER (“O Processo em Evolução”, p. 82/85, itens ns. 1.3, 1.4, 2.1 e 2.2, 2ª ed., 1998, Forense Universitária):
“O coroamento do caminho evolutivo da interpretação da cláusula do ‘devido processo legal’ ocorreu, no Brasil, com a Constituição de 1988, pelo art. 5º, inc. LV, que reza:
‘Art. 5°, LV. Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.’
Assim, as garantias do contraditório e da ampla defesa desdobram-se hoje em três planos: a) no plano jurisdicional, em que elas passam a ser expressamente reconhecidas, diretamente como tais, para o processo penal e para o não-penal; b) no plano das acusações em geral, em que a garantia explicitamente abrange as pessoas objeto de acusação; c) no processo administrativo sempre que haja litigantes. (...)
É esta a grande inovação da Constituição de 1988.
Com efeito, as garantias do contraditório e da ampla defesa, para o processo não-penal e para os acusados em geral, em processos administrativos, já eram extraídas, pela doutrina e pela jurisprudência, dos textos constitucionais anteriores, tendo a explicitação da Lei Maior em vigor natureza didática, afeiçoada à boa técnica, sem apresentar conteúdo inovador. Mas agora a Constituição também resguarda as referidas garantias aos litigantes, em processo administrativo.
E isso não é casual nem aleatório, mas obedece à profunda transformação que a Constituição operou no tocante à função da administração pública.
Acolhendo as tendências contemporâneas do direito administrativo, tanto em sua finalidade de limitação ao poder e garantia dos direitos individuais perante o poder, como na assimilação da nova realidade do relacionamento Estado-sociedade e de abertura para o cenário sociopolítico-econômico em que se situa, a Constituição pátria de 1988 trata de parte considerável da atividade administrativa, no pressuposto de que o caráter democrático do Estado deve influir na configuração da administração, pois os princípios da democracia não podem se limitar a reger as funções legislativa e jurisdicional, mas devem também informar a função administrativa.
Nessa linha, dá-se grande ênfase, no direito administrativo contemporâneo, à nova concepção da processualidade no âmbito da função administrativa, seja para transpor para a atuação administrativa os princípios do ‘devido processo legal’, seja para fixar imposições mínimas quanto ao modo de atuar da administração.
Na concepção mais recente sobre a processualidade administrativa, firma-se o princípio de que a extensão das formas processuais ao exercício da função administrativa está de acordo com a mais alta concepção da administração: o agir a serviço da comunidade. O procedimento administrativo configura, assim, meio de atendimento a requisitos da validade do ato administrativo. Propicia o conhecimento do que ocorre antes que o ato faça repercutir seus efeitos sobre os indivíduos, e permite verificar como se realiza a tomada de decisões.
Assim, o caráter processual da formação do ato administrativo contrapõe-se a operações internas e secretas, à concepção dos ‘arcana imperii’ dominantes nos governos absolutos e lembrados por Bobbio ao discorrer sobre a publicidade e o poder invisível, considerando essencial à democracia um grau elevado de visibilidade do poder.
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Assim, a Constituição não mais limita o contraditório e a ampla defesa aos processos administrativos (punitivos) em que haja acusados, mas estende as garantias a todos os processos administrativos, não-punitivos e punitivos, ainda que neles não haja acusados, mas simplesmente litigantes.
Litigantes existem sempre que, num procedimento qualquer, surja um conflito de interesses. Não é preciso que o conflito seja qualificado pela pretensão resistida, pois neste caso surgirão a lide e o processo jurisdicional. Basta que os partícipes do processo administrativo se anteponham face a face, numa posição contraposta. Litígio equivale a controvérsia, a contenda, e não a lide. Pode haver litigantes – e os há – sem acusação alguma, em qualquer lide.” (grifei)
Não foi por outra razão que a colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal – ao examinar a questão da aplicabilidade e da extensão da garantia do “due process of law” aos processos de natureza administrativa – proferiu julgamento, que, consubstanciado em acórdão assim ementado, reflete a orientação que ora exponho na presente decisão:
“Ato administrativo – Repercussões – Presunção de legitimidade – Situação constituída – Interesses contrapostos – anulação – Contraditório. Tratando-se da anulação de ato administrativo cuja formalização haja repercutido no campo de interesses individuais, a anulação não prescinde da observância do contraditório, ou seja, da instauração de processo administrativo que enseje a audição daqueles que terão modificada situação já alcançada. (...).”
(RTJ 156/1042, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – grifei)
Cumpre salientar, ainda, que a colenda Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 261.885/SP, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, que versava matéria idêntica à que ora se examina, decidiu nos mesmos termos ora expostos no presente ato decisório:
“PREFEITO MUNICIPAL. CONTAS REJEITADAS PELA CÂMARA DE VEREADORES. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DO DIREITO DE DEFESA (INC. LV DO ART. 5º DA CF).
Sendo o julgamento das contas do recorrente, como ex-Chefe do Executivo Municipal, realizado pela Câmara de Vereadores mediante parecer prévio do Tribunal de Contas, que poderá deixar de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Casa Legislativa (arts. 31, § 1º, e 71 c/c o 75 da CF), é fora de dúvida que, no presente caso, em que o parecer foi pela rejeição das contas, não poderia ele, em face da norma constitucional sob referência, ter sido aprovado, sem que se houvesse propiciado ao interessado a oportunidade de opor-se ao referido pronunciamento técnico, de maneira ampla, perante o órgão legislativo, com vista à sua almejada reversão.
Recurso conhecido e provido.” (grifei)
Impende ressaltar, por necessário, que essa orientação vem sendo observada em sucessivas decisões – monocráticas e colegiadas – proferidas, no âmbito desta Suprema Corte, a propósito da mesma controvérsia suscitada nesta causa (AC 2.085-MC/MG, Rel. Min. MENEZES DIREITO – RE 235.593/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RE 313.545/MG, Rel. Min. GILMAR MENDES – RE 394.634/MG, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – RE 367.562/MG, Rel. Min. DIAS TOFFOLI – RE 447.555/MG, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – RE 459.740/RS, Rel. Min. AYRES BRITTO – RE 583.539/SP, Rel. Min. ELLEN GRACIE, v.g.):
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREFEITO MUNICIPAL. CONTAS REJEITADAS PELA CÂMARA MUNICIPAL. DIREITO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. PRECEDENTES.
1. É pacífica a jurisprudência desta nossa Casa de Justiça no sentido de que é de ser assegurado a ex-prefeito o direito de defesa quando da deliberação da Câmara Municipal sobre suas contas.
2. Agravo regimental desprovido.“
(RE 414.908-AgR/MG, Rel. Min. AYRES BRITTO – grifei)
A análise da presente causa evidencia que se negou, à parte ora recorrente, o exercício do direito de defesa, não obstante se cuidasse de procedimento de índole político-administrativa em cujo âmbito foi proferida decisão impregnada de nítido caráter restritivo, apta a afetar a situação jurídica titularizada pelo ex-Prefeito Municipal.
O fato irrecusável é que a supressão da garantia do contraditório e o consequente desrespeito à cláusula constitucional pertinente ao direito de defesa, quando ocorrentes (tal como sucedeu na espécie), culminam por fazer instaurar uma típica situação de ilicitude constitucional, apta a invalidar a deliberação estatal (a resolução da Câmara Municipal, no caso) que venha a ser proferida em desconformidade com tais parâmetros.
Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, conheço do presente recurso extraordinário, para dar-lhe provimento (CPC, art. 557, § 1º - A), em ordem a julgar procedente, em parte, a “ação ordinária anulatória” ajuizada por **, observados, para tanto, os estritos limites que a própria parte ora recorrente delineou em seu pedido (fls. 1.845), invertidos os ônus da sucumbência.
Publique-se.
Brasília, 08 de junho de 2012.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator
* decisão publicada no DJe de 13.6.2012
* nome suprimido pelo Informativo
OUTRAS INFORMAÇÕES
3 a 6 de setembro de 2012
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ)
Licitação – Registro – Preço
Portaria nº 322/CNJ, de 21.8.2012 - Regulamenta, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, a divulgação da intenção de registro de preços e dá outras providências. Publicada no DOU, Seção 1, p. 229 em 3.9.2012.
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