AULA
DE DIREITO EMPRESARIAL I
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TIPOS SOCIETÁRIOS
SOCIEDADES COOPERATIVAS
No século XIX, o modelo capitalista de
expropriação do trabalho e sua submissão à chamada lei da oferta e procura se revelou como crueldade ímpar, fazendo
surgir diversas correntes socialistas, utópicas ou científicas, todas com a
proposição central o abandono do modelo de exploração do trabalho por um
terceiro, isto é, pelo capitalista: aquele que tem o capital e , assim, pode
apropriar-se dos meios de produção e, ademais, pagar pelo trabalho alheio.
O cooperativismo se propõe como uma
alternativa a esse modelo: trabalho coletivo a bem da coletividade. A sociedade
cooperativa, portanto, não é pensada em virtude das pessoas (intuitu personae)
ou do capital (intuitu pecuniae) mas como espaço jurídico e econômico de
contribuição mútua.
A regência geral das cooperativas é
definida por norma específica, a Lei nº 5764/71, além dos artigos 1093 a 1096
do Código Civil 2002. Somente subsidiariamente, respeitando-se os princípios
essenciais do cooperativismo, admite-se o recurso às normas que regem as
sociedades simples.
Têm
como objeto, segundo o art. 5º da Lei 5764/71, o gênero de serviço, operação ou
atividade, prestados diretamente a seus cooperados, hipótese em que se
qualificarão como sociedades cooperativa singulares.
Três
ou mais cooperativas singulares podem constituir uma cooperativa central ou
federação de cooperativas com o objetivo de organizar, em comum e em maior
escala, os serviços econômicos e assistenciais de interesse das filiadas, integrando e orientando suas
atividades, bem como facilitando a utilização recíproca dos serviços.
O art. 10 da Lei 5764/71, afirma que
poderão ser ainda classificadas de acordo com o objeto ou pela natureza das
atividades desenvolvidas por elas ou por seus associados: fala-se assim em cooperativas agrícolas, de consumo, de
crédito, educacionais, especiais, habitacionais, de
infra-estrutura, minerais, de produção, de saúde, de trabalho
e de turismo e lazer. O § 2º deste artigo permite a constituição de
cooperativas mistas, que apresentem mais de um objeto de atividades.
No que diz respeito à responsabilidade
dos sócios pelos compromissos da sociedade, aplicados os artigos 11 a 13 da Lei
5764/71 e 1095 do Código Civil, classificam-se as sociedades em limitadas, nas quais a responsabilidade
alcança apenas o valor do capital social subscrito e ainda não integralizado, e
sociedades cooperativas de
responsabilidade ilimitada, nas quais a responsabilidade do sócio pelos
compromissos da sociedade é pessoal,
solidária e não tem limite, embora esteja, por força do artigo 13 da Lei
5764/71, submetida ao benefício de ordem, ou seja, somente se poderá invocar a
responsabilidade do sócio para com terceiros, como membro da sociedade depois
de judicialmente exigida da cooperativa.
CARACTERÍSTICAS
ESSENCIAIS
LIBERDADE
DE ADESÃO
Por
princípio do cooperativismo, e determinação do artigo 4º, I, da Lei 5764/71, as
sociedades cooperativas têm número ilimitado de associados; todo aquele que queira aderir à
instituição, contribuir com seus esforços e beneficiar-se de sua atuação poderá
fazê-lo, desde que preencha os requisitos necessários para tanto: não é lícito
pretender o ingresso numa cooperativa de médicos, sem ser um médico.
O número mínimo de cooperados,
esclarece o art. 1094, II, do Código Civil, será aquele necessário para que se
possa compor a administração da sociedade, conforme exigência estatutária; não será
porém inferior a 20, respeitado o
artigo 6º, I, da Lei 5764/71.
VARIABILIDADE
OU DISPENSA DO CAPITAL SOCIAL (ausência de capital social e sim um fundo
social)
O funcionamento das pessoas jurídicas
depende, obviamente, de fontes de recursos para a sua manutenção: as sociedades
cooperativas também demandam a formação de um patrimônio próprio, hábil a
permitir a realização de suas atividades. Tomando por sua natureza de sociedade
e seu fim econômico, o art. 1094, I do Código Civil e o art. 4º, II, da Lei
5764/71, aludem a um capital social; melhor seria dizer a fundo social.
A
idéia de lucro é estranha ao cooperativismo, daí parecer um pouco inadequado falar-se em capital
social; os sócios cooperados podem ser chamados a contribuir para um fundo social que permita a consecução do seu
objeto social, embora não façam jus à remuneração por tal contribuição, já que
não se trata, em sentido estrito, de um investimento.
Esse
fundo pode não existir inclusive. O art. 1094, do Código Civil deixa claro ser
dispensável a definição de um capital social; assim traduz a possibilidade de se
constituírem sociedades cooperativas sem qualquer patrimônio econômico
específico.
LIMITAÇÃO
DO NÚMERO DE QUOTAS-PARTES DO CAPITAL PARA CADA COOPERADO
(art. 1094, III, do Código Civil; art.
4º, III, da Lei 5764/71)
Não se admite que o fundo social da
cooperativa esteja concentrado na mão de um único, ou de poucos cooperados. De
acordo com o artigo 24, I, da Lei 5764/71, nenhum associado poderá subscrever
mais de 1/3 (um terço) do total das
quotas-partes.
A titularização de mais de uma
quota-parte não traduz benefício financeiro direto ou vantagem política para o
sócio cooperado. Nesse sentido, o art. 24, §3º, da Lei 5764/71, veda às
cooperativas distribuírem qualquer espécie de benefício às quotas partes do
capital ou estabelecer outras vantagens ou privilégios, financeiros ou não, em
favor de quaisquer associados ou terceiros. O titular de uma quota parte e o titular de trinta acabam tendo os
mesmos direitos, fruto da condição de sócio e do trabalho desempenhado.
CESSÃO
LIMITADA DE QUOTAS
Segundo
o art. 4º, IV da Lei 5764/71, seria juridicamente impossível ceder as
quotas-partes do capital a terceiros, estranhos à sociedade; o inciso IV do
art. 1094 do Código Civil, harmônico, fala em impossibilidade de transferência,
ainda que por herança.
Tais normas devem ser estudadas tendo
por referência o artigo 26 da Lei
5764/71, a dizer “a transferência de quotas-partes será averbada no Livro
de Matrícula, mediante termo que conterá as assinaturas do cedente, do
cessionário e do diretor que o estatuto designar”.
Não se trata portanto de
impossibildade de cessão ou de transferência das quotas-partes, mas de uma
limitação do direito de as transferir para outrem, que não se faz pela lógica das
sociedades intuitu pecuniae : a quota
não é um bem jurídico que se possa transferir livremente; somente se
pode transferi-la a quem preenche as condições objetivas para se tornar um cooperado, e assim,
será admitido na sociedade.
PRINCÍPIO
DA ADMINISTRAÇÃO DEMOCRÁTICA
A
cada cooperado corresponde um voto nas assembléias da sociedade cooperativa
(singularidade), como garantem o art. 4º, V, da Lei 5764/71 e art. 1094, VI do
Código Civil.
A participação no capital social, como
já visto acima, é elemento completamente estranho às deliberações sociais: um
voto para quem tem várias quotas e, igualmente, para quem tenha apenas uma.
Igualmente, o quorum para
funcionamento e deliberação da assembléia geral será computado em função do
número de sócios cooperados e não do capital.
RESULTADO
EM FUNÇÃO DAS OPERAÇÕES
Os resultados da cooperativa,
inclusive o retorno das sobras líquidas do exercício, não são apurados em
função do número de quotas de cada sócio cooperado, mas tendo em vista as
operações por ele realizadas.
INDIVISIBILIDADE
DOS FUNDOS
O art. 28 da Lei 5764/71 obriga os
cooperados a constituir um Fundo de Reserva, destinado a reparar perdas e
atender ao desenvolvimento de suas atividades e um Fundo de Assistência
Técnica, Educacional e Social, destinado a prestação de assistência aos
associados, seus familiares e, quando previstos nos estatutos, aos empregados
da cooperativa.
Na
eventualidade de dissolução da cooperativa, tais fundos, por princípio, não
poderão ser divididos pelos sócios, o que caracteriza vantagem econômica que
não se harmoniza com os princípios do cooperativismo. Poderão
ser destinados a instituição municipal, estadual ou federal de fins idênticos
ou semelhantes.
NEUTRALIDADE
POLÍTICA, RELIGIOSA, RACIAL E SOCIAL
Trata-se de princípio cooperativo que
reforça a idéia de liberdade de adesão. Fica extremamente claro, do princípio
inscrito no art. 4º da Lei 5764/71 que cooperativas não podem ser constituídas com objetivos sectários, nem ter tais
referências como base dos critérios de admissão de seus cooperados, o que
preserva a idéia de universalismo e ampla solidariedade humana que marcam o
movimento cooperativo mundial.
LIMITAÇÃO
DA ÁREA DE ADMISSÃO
A liberdade de adesão define-se, por
força do art. 4º, XI, da Lei 5764/71, em função de uma área de admissão, de uma
circunscrição geográfica, definida em função das possibilidades de efetiva
reunião, controle, operações e prestação de serviços. Tem-se portanto, uma
baliza para aquela liberdade de admissão, um limite objetivo, não arbitrário e
não segregador.
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