Cadastro Positivo - Leonardo Roscoe Bessa
Por: Brasilcon
Cadastro Positivo
Leonardo Roscoe Bessa, Mestre em Direito Público, Doutor em Direito Civil. Promotor de Justiça
Um dos últimos atos do Governo Lula foi a edição, em 30 de dezembro de 2010, da Medida Provisória 518 que regulamenta “a formação e consulta a banco de dados com informações de adimplemento de pessoas naturais ou de pessoas físicas para formação de histórico de crédito” ou, simplificando, o que ficou conhecido na mídia como “cadastro positivo”. A Câmara dos Deputados aprovou, no dia 10 de maio, com pequenas alterações, a MP 518 que será em breve analisada pelo Senado Federal.
Em síntese, acredita-se que a análise dos riscos da concessão de crédito ao consumidor será otimizada se disponível um maior número de informações pessoais do consumidor, as quais não devem se restringir às dívidas vencidas e não pagas (informações negativas). Em favor do tomador do empréstimo, o principal argumento é a possibilidade de redução de juros em face de um bom histórico de crédito.
A literatura econômica sustenta que, para afastar a assimetria de informações e reduzir o valor da taxa de juros para os bons pagadores, é importante a realização do tratamento de informações positivas pelas entidades de proteção ao crédito.
Nesta tendência de tratamento de informações positivas a grande promessa é a possibilidade de redução da taxa de juros, sob a premissa de que, quando as informações são precárias, reflexos apenas de dívidas vencidas e não pagas, não há como distinguir adequadamente o bom pagador daquele que costuma falhar no cumprimento das obrigações, forçando a distribuir entre todos os consumidores o custo da inadimplência do conjunto de devedores. Ao revés, quando viável, por meio de informações positivas, a identificação do bom pagador, é possível cobrar dele uma taxa de juros reduzida, considerando que o custo de eventual inadimplência será menor ou até inexistente.
A Mensagem Interministerial 171, firmada conjuntamente pelos Ministros da Justiça e da Fazenda, como exposição de motivos da Medida Provisória 518, ressalta a disciplina direta do tratamento das informações positivas – no sentido de histórico de crédito – como a grande inovação conceitual no plano legislativo capaz de diferenciar os bons e maus pagadores: “[...] deve-se destacar que a formação do histórico de crédito de pessoas naturais e jurídicas permite o recebimento e o manuseio pelos bancos de dados não somente de informações de inadimplemento, hoje já permitido e disciplinado pelo Código de Defesa do Consumidor, mas também de adimplemento (informações “positivas”), que não apresentava um marco legal claro para sua utilização. Com a coleta e disseminação de informações sobre adimplemento, as pessoas poderão se beneficiar do registro de pagamentos em dia de suas obrigações, de modo a permitir a construção de seu histórico de crédito. Dessa forma, o mercado de crédito e de varejo poderá diferenciar de forma mais eficiente os bons e os maus pagadores, com a consequente redução do risco de crédito por operação, que permitirá a redução dos custos vinculados à expansão do crédito de uma forma geral. Importa destacar, que a criação do histórico de crédito será particularmente benéfica para os bons pagadores de baixa renda, que em geral são percebidos pelo mercado como de alto risco, e, por isso, pagam as mais altas taxas de juros.”
O tema é bastante polêmico e tem dividido as opiniões de órgãos e entidades de defesa do consumidor. Afinal, qual o outro lado da moeda? Se se trata de possível benefício ao consumidor, por que o “cadastro positivo” está longe de ser uma unanimidade? Basicamente por duas razões. Primeira: muitos não acreditam numa efetiva redução de juros ao tomador de empréstimo. Segunda: o tratamento de informações positivas representa, em última análise, ofensa a privacidade do consumidor.
Embora, sob ótica exclusivamente econômico-financeira, seja possível – no campo teórico – justificar que não apenas o histórico de crédito do candidato ao empréstimo, mas também outras informações pessoais servem para melhor definição do perfil da pessoa e, consequentemente, possibilitam uma análise de risco mais precisa, evitando a inadimplência e, ao mesmo tempo, a reduçao de taxa de juros menor, parece que aqui no Brasil – mais do que em outras partes – “a teoria na prática é diferente”. Simplesmente, não se acredita que uma lei federal possa reduzir o maior spread bancário do mundo.
Além disso, o aumento de número de informações pessoais pode representar ofensa à dignidade da pessoa humana, aos direitos da personalidade (privacidade e honra). Atualmente, a maior preocupação em torno do tema diz respeito justamente à existência de limites ao tratamento (coleta, armazenamento e difusão) de informações pessoais, considerando a grande facilidade que a evolução informática permite nesta área.
Em perspectiva jurídica, o texto aprovado na Câmara possui importantes aspectos de proteção ao consumidor, cabendo destacar a aplicação simultânea do Código de Defesa do Consumidor (art. 1º), restrição de informações excessivas e sensíveis (art. 3º), direito de acesso e retificação (art. 5º), responsabilidade objetiva e solidária entre banco de dados e fornecedor (art. 16)
No tocante à questão mais sensível (privacidade), consigne-se acertada preocupação da MP 518 e também do texto aprovado, recentemente, na Câmara dos Deputados. O art. 4º estabelece que o cadastro positivo só pode existir com “autorização prévia” do consumidor “mediante consentimento informado”. Permite-se, ademais, a revogação, a qualquer momento, do consentimento (arts. 5º e 8º).
A privacidade é concebida com a possibilidade de limitar algumas informações pessoais e não com o dever de manter estes dados sob restrição. Diante da promessa de redução de taxas de juros e consequentes benefícios materiais, desde que o consumidor seja adequadamente informado sobre o significado e riscos do tratamento de informações positivas e, nesse contexto, manifeste consentimento informado, não se sustenta argumento de ilegitimidade do tratamento dos dados, já que, afastando indesejável postura paternalista, prestigia-se a liberdade de escolha e autodeterminação da pessoa.
A principal critica à MP 518 e sua aprovação recente dirige-se ao atual art. 14 que estabelece o limite temporal de 15 anos para registro de informações sobre adimplemento (histórico de crédito).
Afinal, o que fazer se, em meio ao registro de informações positivas, o consumidor deixou de pagar algumas prestações antigas (vencidas há sete anos, por exemplo)? É possível manter o registro desse inadimplemento (informação negativa)? Como fica o limite temporal de cinco anos do CDC (art. 43, § 1º) para informações negativas? O ideal seria que fosse estabelecido um limite temporal único para registro tanto de informações positivas como negativas, pois, invariavelmente, em meio a anotações de histórico de crédito (informação positiva), poderá haver situações de atrasos ou até mesmo não pagamento de algumas parcelas (informações negativas). Se esses atrasos ou parcelas não pagas superarem o prazo de cinco anos, não poderá haver o respectivo registro, mas a ausência de informação de pagamento dessas parcelas irá sugerir a existência de informação negativa. O Senado Federal precisa rever tal artigo.
Por fim, infelizmente, só o tempo possui a resposta quanto à eficácia econômica do texto legal para reduzir o maior spread bancário do mundo.
Exatamente o que eu procurava sobre direito do consumidor. Muito obrigada!
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