A 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça julgou dois recursos especiais que discutem a legitimidade ad causam de servidor público para propor execução individual oriunda de ação coletiva, sem autorização expressa para representação de entidade associativa. Sob relatoria do ministro Sérgio Kukina, a 1ª Turma da Corte Superior do STJ decidiu dar provimento aos recursos especiais dos associados.
Ficou consignado, com base em entendimentos anteriores, que a associação de classe atuou na ação de conhecimento na qualidade de substituta processual de seus filiados. Por isso, ainda que o servidor não tenha autorizado a entidade, de forma expressa, para representá-lo naquele processo, teria ele legitimidade para propor execução individual oriunda de ação coletiva. A União Federal interpôs, contra os acórdãos, recursos extraordinários.
Entretanto, os recursos extraordinários da União foram sobrestados por decisão da vice-presidência do STJ, em razão do reconhecimento de repercussão geral do RE 573.232/SC, nos termos do artigo 543-B do CPC, por tratar-se de questão idêntica àquela objeto de tais recursos.
Na ocasião do julgamento do RE 573.232/SC, o Plenário do Supremo Tribunal Federal se posicionou no sentido diametralmente oposto ao que fora decidido nos recursos especiais de 1.185.823/GO e 1.287.269/DF. A Corte Suprema firmou entendimento no sentido de que a atuação das associações não enseja substituição processual, mas representação específica[1], consoante o disposto no artigo 5º, inciso XXI, da Constituição Federal.
O ministro Marco Aurélio, relator do acórdão no recurso supracitado, salientou em seu voto que a mera previsão estatutária de representação não tem o condão de legitimar a atuação da associação em defesa dos filiados, por possuir caráter genérico. Nestes termos, declarou que o texto constitucional exige das associações mais do que a previsão de defesa dos interesses dos associados no estatuto. É necessária deliberação em assembleia ou, como no caso, credenciamento específico.
Tais observações foram feitas diante de título judicial oriundo de ação coletiva instruída com lista de beneficiários e as autorizações individuais de cada um deles. Portanto, aplicam-se aos casos em que há a delimitação dos associados representados em Juízo por meio das respectivas autorizações individuais.
Após o julgamento do RE 573.232/SC, a ministra Laurita Vaz, vice-presidente do STJ, determinou a remessa dos autos dos recursos em comento ao relator para juízo de retratação, conforme autoriza o § 3º do artigo 543-B do CPC.
Como esperado, na sessão de julgamento do dia 10 de março de 2016, última quinta-feira, a 1ª Turma julgadora do STJ retratou-se para, por unanimidade, negar provimento aos recursos especiais dos associados, aplicando aos casos a orientação do STF[2]. Assim, afastaram a legitimidade ativa dos associados sem credenciamento específico para executar individualmente título judicial coletivo.
A consolidação do entendimento do STF quanto à interpretação restritiva do artigo 5º, inciso XXI, da Constituição Federal traz impactos práticos e, ao menos em tese, enfraquece o sistema de proteção dos interesses e direitos coletivos.
É preciso observar, por exemplo, a dificuldade que as associações terão em obter a autorização expressa e específica de todos os seus filiados para que possam representá-los em Juízo sem comprometer a futura execução do título executivo judicial. Ou, então, situação de determinado associado que não puder comparecer à assembleia, tampouco enviar alguém em seu lugar, perderá ele o direito de se valer de eventual procedência de ação coletiva proposta pela associação? A resposta é afirmativa, considerando a jurisprudência do STF.
O impacto maior surge com a ausência da modulação dos efeitos do acórdão proferido nos autos do RE 573.232/SC. A fixação do trânsito em julgado do recurso como marco inicial para o cumprimento dos preceitos estabelecidos seria essencial para garantir a segurança jurídica, com o fim de evitar que a decisão alcançasse ações originárias e executivas em curso. O STF, no entanto, furtou-se de se manifestar sobre a matéria quando provocado por terceiros ditos prejudicados, uma vez que não integravam a relação processual.
Imagine-se o cenário em que determinada associação tenha obtido êxito em ação coletiva proposta antes de julgado o recurso a que se faz referência e cuja legitimidade tenha sido fundamentada única e exclusivamente na autorização estatutária de representação de seus filiados. Nesse caso, aplicando-se o precedente do STF, a quem caberia a execução?
A legitimidade das associações para representar seus filiados judicialmente continua na pauta do STJ. O REsp 1.091.756/MG, cujo julgamento foi afetado pelo rito do artigo 543-C do CPC, discute a aplicação do CDC ao seguro DPVAT e a legitimidade de entidade associativa para pleiteá-lo. Em 9/3/16, após o voto do ministro relator, Marco Buzzi, negando provimento ao recurso especial, o ministro Marco Aurélio Bellizze pediu vista dos autos para verificar o caso em atenção ao que fora decidido pelo STF no RE 573.232/SC. A Corte Superior deve analisar mais uma vez a aplicabilidade do referido precedente, todavia sob a ótica das relações alcançadas pela legislação consumerista.
Outra questão interessante que se apresenta à discussão diz respeito aos limites subjetivos da coisa julgada em ação coletiva ajuizada por associação. Neste ponto, cumpre dizer que o julgamento do Tema 499 da Repercussão Geral do STF (RE 612.043/PR) esclarecerá justamente se os efeitos da coisa julgada em execução de sentença proferida em demanda coletiva intentada por entidade associativa engloba apenas os filiados à data da propositura da ação, ou, também, aqueles que, no decorrer do processo judicial, alcançaram a qualidade de associado.
Deve-se ficar claro que as decisões reportadas neste artigo tratam, exclusivamente, de casos envolvendo entidades associativas, e não sindicatos, os quais guardam tratamento jurídico diverso[3]. Talvez o STF tenha — infelizmente — se utilizado de um caso deveras sensível para aplicar uma fórmula geral de solução de litígios que tratam da mesma matéria, o que, inclusive, foi reconhecido pelo próprio ministro Marco Aurélio em seu voto[4]. Afinal, hard cases makebadlaw[5].
[1] Parte da doutrina entende de forma diversa: "Embora o texto constitucional fale em representação, a hipótese é de legitimação das associações para a tutela de direitos individuais de seus associados, configurando verdadeira substituição processual (CPC, art. 6º) (Barbosa Moreira, RP 61/190). A autorização pode estar prevista em lei, nos estatutos, ser dada pelos associados individualmente ou ocorrer em assembléia. (...) Em qualquer das hipóteses, pode a associação, em nome próprio, defender em Juízo o direito de seu associado (Celso Bastos. Coment. 2 º, 113)". NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado. 6ª ed. São Paulo: RT, 2002, p. 19.
[2]A 2ª Turma do STJ, em julgamento de caso análogo ao que aqui se discute, ocorrido em fevereiro de 2015, já havia aplicado a jurisprudência do STF ao asseverar que “há de se ater à orientação do Supremo Tribunal Federal — tal como firmada no julgamento do Recurso Extraordinário n. 573.232/SC, julgado em 14 de maio de 2014 —, para a qual a atuação das associações não enseja substituição processual, mas representação específica, consoante o disposto no artigo 5º, XXI, da Constituição Federal” (AgRg no REsp 1.488.825/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, julgado em 05/02/2015, DJe 12/02/2015.)
[3]À luz do art. 8º da Lei Maior, o STF entende que os sindicatos são verdadeiros substitutos processuais de seus beneficiários e, como tais, independem de qualquer autorização para defendê-los judicialmente (RE no 210.029/RS).
[4] Trecho do voto do ministro Marco Aurélio, relator para acórdão do RE n. 573.232/SC: “Digo que o caso é péssimo para elucidar essa dualidade. Por quê? Porque, conforme consta do acórdão do Tribunal Regional Federal, a ação de conhecimento foi ajuizada pela Associação Catarinense do Ministério Público. E o que fez, atenta ao que previsto no inciso XXI do artigo 5º da Constituição Federal? Juntou a relação dos que seriam beneficiários do direito questionado. Juntou, também – viabilizando, portanto, a defesa pela parte contrária, a parte ré –, a autorização para atuar. Prevê o estatuto autorização geral para a associação promover a defesa, claro, porque qualquer associação geralmente tem no estatuto essa previsão. Mas, repito, exige mais a Constituição Federal: que haja o credenciamento específico”.
[5] Esta máxima é de autoria de Oliver Wendell Holmes Jr., jurista norte-americano e juiz auxiliar na Suprema Corte dos Estados Unidos da América entre 1902 e 1932.
Eduardo Vieira de Almeida é advogado associado do Cesar Asfor Rocha Advogados e LL.M em Direito Bancário e Finanças pela Universidade de Londres.
Gustavo Fávero Vaughn é advogado associado do Cesar Asfor Rocha Advogados e pós-graduando em Direito Processual Civil pela PUC-SP.
Revista Consultor Jurídico, 18 de março de 2016, 6h19
Nenhum comentário:
Postar um comentário