A discussão sobre a cobrança de juros em contratos habitacionais interessa a toda a sociedade brasileira, salientou o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Herman Benjamim, durante a audiência pública realizada nesta segunda-feira (29), com a participação de representantes de diversos setores.
A audiência pública destina-se a fornecer ao tribunal elementos que auxiliem na definição do conceito jurídico de capitalização de juros em contratos de mútuo habitacional, um tema polêmico.
“É um tema transversal que interessa a ricos, pobres, que interessa ao governo, à sociedade civil, ao setor produtivo, aos bancos, às instituições financeiras, evidentemente, e há uma série de questões técnicas para as quais, muitas vezes, nós julgadores não atentamos”, afirmou.
Posição da Febraban
Na audiência pública no STJ, o representante da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Carlos Antônio Rocca, defendeu a legalidade da utilização de juros compostos nas operações financeiras.
“Juros compostos são utilizados em todo o mundo por instituições financeiras e mercados de capitais, e são adotados por todos os órgãos reguladores na área contábil e financeira”, alegou. Rocca argumentou que uma instituição que captasse por juros compostos — a prática mais usual do mercado — mas emprestasse em regime de juros simples dificilmente conseguiria sobreviver.
De acordo com o representante da Febraban, os próprios mutuários (recebedores dos valores nas operações de crédito) são prejudicados pela insegurança jurídica e pela possibilidade de elevação de riscos e taxas financeiras por causa da indefinição da metodologia de capitalização.
Intermediação
Para o representante da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), Marcos Cavalcante de Oliveira, o Decreto 22.626 (Lei da Usura) deve ser interpretado no contexto da época. “Vivemos outra realidade; o mundo inteiro aplica juros compostos”, anunciou, salientando que a própria Selic (taxa básica de juros da economia) é calculada com base em juros compostos.
O representante da CNF reforçou ainda que a Tabela Price pode ser considera um “instrumento de inserção social” porque possibilita que prestações para aquisição de bens “caibam em orçamentos que não caberiam”. Para ele, os bancos são “neutros”, uma vez que funcionam apenas como intermediários do fluxo financeiro entre poupadores e consumidores.
Cobrança onerosa
Para o perito econômico-financeiro Luiz Fernando Faringnoli, a cobrança de juros compostos da Tabela Price é onerosa e causa o desequilíbrio financeiro dos contratos. Por meio de tabelas e gráficos, Faringnoli defendeu a utilização do sistema Gauss, fundamentado no regime de juros simples.
O especialista da Universidade de São Paulo (Usp), Rodrigo de Losso Bueno, traçou um cenário econômico no Brasil caso a capitalização composta fosse proibida. O especialista demonstrou que a mudança de cenário acarretaria uma elevação das taxas de juros cobradas dos tomadores, mesmo com a aplicação de um regime de juros simples.
O representante do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), Flávio Maia, lembrou que o artigo 4º da Lei de Usura repetiu literalmente norma estabelecida pelo Código Comercial de 1850, em contexto econômico muito diferente do cenário atual.
“Em 1850, a economia brasileira lidava com um ambiente em que as pessoas aceitavam investir seu capital e receber só depois de um ano, coisa absolutamente inexistente no século XXI”, opinou Maia.
Crises econômicas
Para Francisco Satiro, representante da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais, a discussão sobre a capitalização de juros sempre ocorre em tempos de crise econômica.
Para ele, o problema não é o modelo Price, mas sim a cobrança de altas taxas que incidem sobre os juros. Na visão do especialista, muitos tentam resolver o problema sem atacar o principal da questão.
“Nós conseguimos chegar a valores próximos aplicando a tabela simples, o que demonstra que o problema dos altos valores no Brasil está na cobrança de altas taxas que incidem sobre os juros”, argumentou.
Especialistas
Para os peritos judiciais Sônia Regina Ribas Timi e Gilberto Melo, o Brasil só discute a questão da capitalização de juros devido a taxas “astronômicas” praticadas no mercado. Ambos destacaram que o sistema é utilizado no mundo todo sem excessiva judicialização e que, no campo da matemática financeira, a questão é técnica e exata.
Para Celso Alves de Almeida, o sistema de pagamentos que prevê prestações mensais iguais capitaliza antecipadamente os juros. “A capitalização de juros antecipada não é permitida pela legislação porque normalmente não é feita com taxa de juros nominal, equivalente à taxa de juros efetiva do respectivo contrato”, afirmou.
O especialista Giancarlo Zannon defendeu que a Tabela Price não está inserida no objeto de proibição do artigo 4º do Decreto 22.626. Para ele, “o conceito jurídico de capitalização de juros poderia observar a contagem de juros sobre juros vencidos, mas observando o período da adimplência, pois o sistema de amortização, seja qual for, não apenas a Tabela Price, observa apenas o período da adimplência”.
Para os especialistas em perícias financeiras José Henrique Garcia Moreira, Edson Rovina e José Jorge Meschiatti Nogueira, a Tabela Price utiliza juros compostos no cálculo das prestações.
No encerramento, a ministra Isabel Gallotti concluiu que a audiência pública apresentou “painéis diversificados e uma visão abrangente” da questão, de forma a auxiliar o trabalho do STJ de definição normativa do sistema brasileiro.
Ao abrir os trabalhos, pela manhã, a ministra destacou que o STJ apresenta precedentes dizendo que a Tabela Price, por si só, não é ilegal; outros, dizendo que é. Entretanto, a maioria deles determina que se trata de matéria de fato, e não de direito, aplicando-se, assim, a Súmula 7 da corte.
Fonte: STJ
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