quarta-feira, 25 de março de 2015

NJ Temática Especial : Um novo olhar sobre o regime de sobreaviso na era digital






Nesta nova série de Notícias Jurídicas Especiais, estarão em pauta decisões em que os juízes e desembargadores da 3ª Região lançam um novo olhar sobre questões trabalhistas comuns ou dedicam um tratamento mais aprofundado a temas que agitam o meio jurídico trabalhista. Na matéria de estreia você verá como a 1ª Turma do TRT de Minas, com base no bem fundamentado voto do desembargador Emerson José Alves Lage, enfocou e analisou a questão dos empregados que, mesmo após a jornada, ficam aguardando ordens por celular e outros aparelhos telemáticos, tão comuns nos dias de hoje. 


A 1ª Turma do TRT-MG manteve a sentença que condenou uma concessionária de veículos a pagar horas de sobreaviso a um ex-empregado que permanecia aguardando ordens após o cumprimento da jornada por meio de um telefone celular. Para o relator do recurso da reclamada, desembargador Emerson José Alves Lage, o trabalhador não ficava no exercício pleno de sua liberdade, razão pela qual ele aplicou, por analogia, o parágrafo 2º do artigo 244 da CLT, que trata do sobreaviso dos ferroviários.

O dispositivo considera de "sobreaviso" o empregado efetivo, que permanecer em sua própria casa, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço. Cada escala de "sobreaviso" será, no máximo, de 24 horas. As horas de sobreaviso, para todos os efeitos, serão contadas à razão de 1/3 do salário normal. Em seu recurso, a ré argumentou que o reclamante não ficava em um ponto fixo, não tendo liberdade cerceada. Além disso, apontou que ele poderia ser substituído por um colega.

A única testemunha ouvida confirmou que o reclamante ficava com o telefone em casa aguardando chamada da ré para socorrer caminhão quebrado na estrada. A empresa também admitiu que disponibilizava um aparelho celular e um veículo ao reclamante para que fizesse o atendimento caso fosse acionado. O representante ouvido defendeu que ele não era obrigado a ficar com o telefone direto, pois tinha pessoa para cobri-lo no horário que não podia.

Nova realidade, novo olhar. 



Analisando a prova, o magistrado constatou que não existia escala de plantão. Somente o reclamante respondia por tanto. Ele expôs seu posicionamento pessoal, concluindo que a visão do aplicador do direito deve avançar nessa matéria. "A cada dia se torna ainda mais difícil estabelecer os limites entre a vida privada do trabalhador e seu trabalho, relembrando que a antiga limitação estabelecida pelo modelo fordista de produção da duração da jornada de trabalho vem sendo substituída, paulatinamente, considerando o atual modelo econômico de acumulação flexível, por um novo sistema ou modelo através do qual, mais e mais, o trabalhador vai sendo "sorvido" pelo trabalho, em detrimento de sua vida privada. Já não se pode estabelecer, como dantes, de forma nítida, a distinção entre trabalho e vida (privada). Está o trabalhador, permanentemente, à disposição de seu trabalho (empregador), apto, a qualquer momento, a entrar em ação, seja por meio de pagers, de aparelhos telefônicos celulares, laptops e toda sorte de aparelhos eletrônicos disponíveis no mercado", refletiu.

O relator ponderou que os novos fatos devem ser devidamente enquadrados nas normas jurídicas existentes. "É preciso ver o novo com novo olhar. E assim deve ocorrer com a exigência de trabalho (mesmo que em latência)", destacou. A decisão lembrou que, até bem pouco tempo, só se reconheciam horas de sobreaviso aos ferroviários. A defesa para a não-aplicação da regra aos trabalhadores em geral era a de que norma de caráter especial não se aplica ao geral. Esse entendimento, no entanto, foi cedendo aos poucos, já se admitindo a remuneração do sobreaviso a outros trabalhadores, por analogia.

Avançar é preciso: realidade exige novo tratamento jurídico. 


Quando surgiram questionamentos sobre a permanência do trabalhador à disposição do empregador, o TST entendeu que o uso de celular não caracterizaria sobreaviso, dada a possibilidade de locomoção do trabalhador. Conforme expôs o julgador, o tempo vem mostrando se tratar de posicionamento equivocado. "O autor, pelo simples fato de portar aparelho móvel celular, poderia se locomover pela cidade, é admitir restrição aos trabalhadores de seus justos períodos de descanso, eis que não gozavam eles de liberdade plena, nos dias destinados à folga e, sem sombra de dúvidas, a teleologia da norma instituidora do repouso do trabalhador insere a ideia de sua recuperação psicofísica, o que não é atingido na forma em que se estabeleceu este descanso", registrou.

A aplicação da Súmula 428 do TST foi afastada na situação do reclamante. Tanto em sua antiga redação, como a atual em seu inciso I. Isto porque, como apontou o relator, a orientação apenas estabelece que "o uso de instrumentos telemáticos ou informatizados fornecidos pela empresa ao empregado, por si só, não caracteriza o regime de sobreaviso¿ (inciso I da atual redação). No caso, ficou provado que o empregado tinha de ficar durante o período de sobreaviso aguardando o chamado que poderia ocorrer a qualquer momento. Segundo o julgador, a situação se aproxima da figura jurídica do "tempo à disposição".

"O estado de "permanecer à disposição da empresa" para ser chamado de volta ao trabalho a qualquer momento delimita as escolhas do trabalhador sobre o que fazer e aonde ir, nos períodos que são destinados ao seu descanso e à convivência com a família ou grupo social ou que representa um tempo no qual lhe seja dado fazer qualquer coisa que ele possa escolher livremente, daí porque deve, de fato, ser remunerado, ainda que de forma especial", entendeu o relator.

Ele esclareceu ainda que esse entendimento ganhou relevante reforço jurídico, com a inserção do parágrafo único ao artigo 6º da CLT, com a edição da Lei 12.551/2011. De acordo com o dispositivo, os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. Desse modo, se o empregado é submetido à subordinação do empregado, mesmo que por meio de equipamentos telemáticos de controle, deve receber pelo trabalho realizado, pelo tempo à disposição, ou mesmo ainda, como no caso dos autos, pelo regime de sobreaviso.

No voto, foi citado um julgado do TST entendendo que não contraria a Súmula 428 decisão em que se reconhece o direito a horas de sobreaviso quando confessado pela ré a obrigatoriedade de o empregado manter o celular ligado durante o seu período de descanso entre jornadas, e em que havia efetiva convocação habitual do empregado para o trabalho.

Mudança de entendimento no TST 



O desembargador acrescentou que, diante de reiteradas decisões e da inclusão do parágrafo único ao artigo 6º da CLT ("Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio"), o TST acabou alterando a redação da Súmula 428: 

SOBREAVISO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 244, § 2º, DA CLT (REDAÇÃO ALTERADA NA SESSÃO DO TRIBUNAL PLENO REALIZADA EM 14.9.2012 ? RES. 185/2012, DEJT DIVULGADO EM 25.9.12) 
I - O uso de instrumentos telemáticos ou informatizados fornecidos pela empresa ao empregado, por si só, não caracteriza o regime de sobreaviso. 
II - Considera-se em sobreaviso o empregado que, à distância e submetido a controle patronal por instrumentos telemáticos ou informatizados, permanecer em regime de plantão ou equivalente, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço durante o período de descanso".

Com esses fundamentos, a Turma de julgadores reconheceu a caracterização do regime de sobreaviso no caso dos autos, a partir do horário em que o reclamante saía da empresa até o reinício da jornada de trabalho no dia seguinte. Nesse contexto, confirmou a condenação da ré ao pagamento das horas respectivas, negando provimento ao recurso. O relator explicou que se trata de tempo à disposição, motivo pelo qual indeferiu a pretensão recursal relativa à limitação da condenação ao tempo efetivamente trabalhado.

(PJE: 0010099-94.2014.5.03.0142-RO)
Fonte: TRT3

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