
"Há uma liberdade nas petições que permitem que sejam elencados todo e qualquer fundamento, inclusive as que são impertinentes. Ao exigir que todas essas questões sejam analisadas e justificadas nas decisões, o novo CPC vai burocratizar o processo", afirma João Ricardo.
"Temos escritórios que recebem honorário por peça processual. Como um sistema sobrevive a uma maneira dessa? Do jeito que foi aprovado, o novo CPC fomenta este tipo de contratação", diz.
O pedido de veto feito por três associações nacionais de magistrados (AMB, Associação dos Juízes Federais do Brasil e Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) foi criticada por especialistas ouvidos pela ConJur. Para alguns, o objetivo das associações seria evitar que aumente o trabalho dos juízes.
"Em contraponto a esse argumento, eu poderia dizer que o interesse desses que criticam é o mercado de trabalho e não o interesse de dar mais efetividade ao Judiciário", rebate.
Para João Ricardo, a argumentação tem como objetivo interditar o debate. "O mais sensato seria rebater os nossos argumentos à luz da realidade", diz. "Cada vez que apresentamos uma proposta para racionalizar o processo recebemos a resposta que não queremos trabalhar."
Ele aponta que os juízes estão no limite de sua capacidade laboral, mas que o principal problema é a falta de racionalidade do sistema processual brasileiro.
O presidente da AMB conta um caso que, segundo ele, reflete bem o formato burocrático e anacrônico que está sendo mantido novo CPC. É sobre uma ação de 2005 relativa a planos econômicos, com jurisprudência consolidada, mas no qual, até hoje, as partes não viram a cor do dinheiro, pois o processo já conta com 88 recursos.
"Essa é a realidade que a magistratura enxerga e que parece que os outros operadores do Direito não estão vendo. Em hipótese alguma está relacionada a carga laboral, o que se pretende é salvar alguma coisa ruim nesse texto do novo CPC que vai burocratizar o processo", diz.
Para João Ricardo, o novo código vai beneficiar apenas aqueles que buscam atrapalhar o andamento processual. "Este dispositivo no novo CPC cria elementos para criar incidentes processuais para obstaculizar o processo. O CPC que temos hoje é melhor que o apresentado", afirma.
Segundo o juiz, a exigência de fundamentar todas as questões apresentadas não seria um problema se existisse, no próprio código, dispositivos para coibir a parte de argumentar fundamentos impertinentes, notóriamente, para tumultuar o processo. Segundo ele, isso foi levantado pelos magistrados durante o debate no Congresso, mas a entidade não obteve êxito.
João Ricardo levanta ainda outra questão. Ao exigir que o juiz utilize os argumentos apresentados pelas partes, o novo CPC impede que o juiz decida usando uma fundamentação que não foi apresentada. "O CPC quer limitar isso?", questiona.
Para João Ricardo, se não for vetado, o novo CPC vai transformar o processo em uma busca pelo honorário em vez de uma busca de direito da parte.
Leia o artigo 489 do novo CPC :
Art. 489. São elementos essenciais da sentença:
I – o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;
II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;
III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.
§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
§ 2º No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.
§ 3º A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé.
Tadeu Rover é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 4 de março de 2015, 18h17
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