segunda-feira, 23 de março de 2015

Crise hídrica: STJ caminha em sintonia com preocupação mundial de preservar o meio ambiente



Questões geográficas, climáticas e políticas podem justificar a escassez de água potável no Brasil. Mas, sem dúvida, os fatores desperdício e degradação ambiental contribuíram consideravelmente para desencadear a maior crise hídrica que o país já vivenciou. Essa reflexão é inevitável na data em que se comemora o Dia Internacional da Água, 22 de março.

Não é à toa que o tema água é objeto de muitas disputas judiciais que chegam ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). O ministro Ari Pargendler, já aposentado, comentou que o Tribunal da Cidadania julga mais litígios sobre temas ambientais do que todas as altas cortes da América Latina somadas.

A lista de conflitos é extensa. Companhias de abastecimento querem ter o direito de fixar tarifas pelo regime progressivo; o Ministério Público pede constantemente a demolição de imóveis construídos em áreas de mananciais ou em margens de lagos e rios; empresas e pessoas físicas buscam a outorga para extração de água do subterrâneo; condôminos questionam o pagamento de tarifa mínima quando há apenas um hidrômetro no condomínio...

Na interpretação e aplicação da legislação infraconstitucional sobre direito ambiental, a jurisprudência do STJ tem caminhado em sintonia com a preocupação mundial de preservar o meio ambiente.

Tarifa progressiva

De acordo com estudo da Associação Brasileira de Recursos Hídricos, o aumento no consumo de água no Brasil tem relação direta com a expansão do sistema de abastecimento na área urbana e com a melhoria na situação econômica da população.

Para estimular o uso racional dos recursos hídricos e atender ao interesse público, o STJ reconhece a legitimidade da cobrança da tarifa de água pelo regime progressivo, ou seja, quem utiliza menos água pode pagar menos por litro consumido.

O entendimento foi pacificado com a edição da Súmula 407do tribunal, que considera ser “legítima a cobrança da tarifa de água fixada de acordo com as categorias de usuários e as faixas de consumo”.

O enunciado é baseado na Lei 8.987/95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão na prestação de serviços públicos. Segundo o artigo 13, as tarifas poderão ser diferenciadas em função das características técnicas e dos custos específicos provenientes do atendimento aos distintos segmentos de usuários.

No julgamento de recurso especial da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), os ministros da Primeira Turma consideraram que, diante das desigualdades sociais e econômicas dos usuários de serviços públicos, essa política de discriminação tarifária possibilita efetivar, a partir de critérios razoáveis e proporcionais, a igualdade jurídica, além de concretizar a justiça social (REsp 861.661).

Hidrômetro

Considerando que a tarifa de água deve ser calculada a partir do consumo efetivamente medido no hidrômetro, a cobrança com base em estimativa de consumo é ilegal, porque enseja enriquecimento ilícito por parte da concessionária. O entendimento foi adotado pela Segunda Turma neste mês de março, no julgamento do REsp 1.513.218.

De acordo com o relator, ministro Humberto Martins, a responsabilidade pela instalação do hidrômetro é da concessionária, mas, ainda que não haja o aparelho no local, a cobrança deve ser feita com base na tarifa mínima.

Outra questão semelhante, muito recorrente no Poder Judiciário, refere-se à cobrança pelo fornecimento de água aos condomínios em que o consumo total é medido por único hidrômetro.

No julgamento do REsp 1.166.561, submetido ao rito dosrepetitivos, a Primeira Turma considerou que a cobrança pelo fornecimento de água aos condomínios em que o consumo total é medido por único hidrômetro deve se dar pelo valor real aferido.

No caso, um condomínio moveu ação de reparação de danos contra a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae) porque estaria recebendo cobranças irreais, não condizentes com o consumo aferido no imóvel. Segundo ele, a empresa calculava o valor das contas por meio de estimativa e ignorava o valor marcado no hidrômetro.

Para os ministros, não se pode presumir a igualdade de consumo de água pelos condôminos, sob pena de violação ao princípio da modicidade das tarifas.

Área de preservação

De acordo com o Código Florestal brasileiro, as florestas e outras formas de vegetação natural situadas ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água – aí incluídos brejos, várzeas, lagos e represas – são áreas de preservação permanente (APPs).

E a jurisprudência do STJ considera que, independentemente das características hidrográficas, até mesmo os veios d’água (pequenos córregos) devem ser protegidos pelo regime jurídico das APPs.

Para o ministro Herman Benjamin, professor e autor de diversos livros sobre direito ambiental, “nos menores cursos d’água é que a proteção da mata em torno é mais importante. A estreiteza do veio não diminui sua importância no conjunto hidrográfico”.

No julgamento do REsp 176.753, ele afirmou que as áreas de preservação permanente são essenciais devido às funções ecológicas que desempenham, principalmente para conservação do solo e das águas.

Entre essas funções, ressaltou, está a “proteção da disponibilidade e qualidade da água, tanto ao facilitar sua infiltração e armazenamento no lençol freático, como ao salvaguardar a integridade físico-química dos corpos d'água da foz à nascente, como tampão e filtro, sobretudo por dificultar a erosão e o assoreamento e por barrar poluentes e detritos”.

Mata Atlântica

No caso analisado pela Segunda Turma, o Ministério Público federal moveu ação civil pública contra o município de Joinville (SC) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) para que fossem anuladas autorizações concedidas por órgãos ambientais com intuito de suprimir vegetação de Mata Atlântica para construção de anfiteatro e ginásio de esportes.

O ministro Herman Benjamin verificou no processo que houve canalização e supressão da mata ciliar dos córregos que atravessavam a área, sem a demonstração de utilidade pública ou interesse social – critérios que, segundo ele, são indispensáveis para admitir o desmatamento de área de preservação permanente.

“Não há nenhuma dúvida de que qualquer autorização para obras na região é situação absolutamente excepcional. Essa supressão de vegetação se deu ao arrepio da lei”, comentou.

Desapropriação

Em fevereiro deste ano, ao analisar demanda sobre desapropriação para construção de usina hidrelétrica, a Primeira Turma do STJ considerou que não cabe indenização relativa à cobertura vegetal componente de área de preservação permanente do imóvel desapropriado.

O relator do REsp 1.090.607, ministro Sérgio Kukina, explicou que o conceito de indenização pressupõe a existência de um decréscimo patrimonial, porque “não é possível vislumbrar a possibilidade de se compensar a cobertura vegetal que não poderia ser explorada economicamente pelo proprietário do imóvel, porquanto localizada em área de preservação permanente”. 

Para visualizar outros precedentes sobre o tema, acesse aPesquisa Pronta “Indenização por desapropriação de área de preservação permanente ou de reserva legal”.

Poços artesianos

O STJ se posiciona em diversos precedentes pela necessidade de outorga para extração de água do subterrâneo por meio de poço artesiano.

Veja a Pesquisa Pronta “Outorga para exploração de recursos hídricos”.

Em maio de 2013, a Segunda Turma negou provimento ao recurso do Condomínio do Edifício Serra Shopping, localizado no Rio de Janeiro, que pretendia continuar utilizando fonte alternativa de água potável, independentemente de outorga e pagamento, em local onde existe rede pública de abastecimento de água (REsp 1.352.664).

O relator, ministro Mauro Campbell Marques, ressaltou que o inciso II do artigo 12 da Lei 9.433/97 condiciona a extração de água do subterrâneo à respectiva outorga, o que, para ele, se justifica pela “problemática mundial de escassez da água” e se coaduna com a Constituição de 1988, “que passou a considerar a água um recurso limitado, de domínio público e de expressivo valor econômico”.O ministro explicou que esse dispositivo, ao distinguir os usuários que têm daqueles que não têm acesso à fonte alternativa de água, “revela-se como instrumento adequado para garantir o uso comum de um meio ambiente ecologicamente equilibrado pelas presentes e futuras gerações, segundo uma igualdade material, não meramente formal, sobretudo considerando a finitude do recurso natural em questão”.
Fonte: STJ

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