Por Paulo Sergio João
A arbitragem para solução de conflitos trabalhistas ocupou lugar de importância na Constituição Federal, no artigo 114, parágrafo 1º, ao facultar às partes, diante de impasse em negociações coletivas, a eleição de árbitro. Todavia, esta possibilidade está destinada exclusivamente aos conflitos de natureza coletiva, não se aplicando para as disputas individuais entre empregado e empregador e, na verdade, a prática de arbitragem nestas situações não evoluiu e não se pratica.
O assunto da arbitragem retornou à pauta quando da aprovação da Lei 13.129, de 26 de maio de 2015, que alterou a Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996 e que inseriu no parágrafo 4º, do artigo 4º, a possibilidade de arbitragem por meio de cláusula compromissória para empregados que viessem a ocupar cargo ou função de administrador ou de diretor estatuário. A razão está na natureza dos direitos eventualmente discutidos que não se colocariam na natureza indisponível de que gozam os direitos trabalhistas.
Antes desta proposta de reforma a jurisprudência trabalhista andou muito tímida e raros foram os casos em que se admitiu a arbitragem em dissídios individuais porque a maioria dos casos não refletia efetivamente um processo de arbitragem e pesquisa entre os Ministros do Tribunal Superior do Trabalho publicado neste veículo em 14 de setembro de 2013 reflete o entendimento da Alta Corte Trabalhista.
A lei aprovada foi submetida à sanção presidencial e recebeu o veto no parágrafo 4º do artigo 4º. O texto da lei é dúbio e confunde relação de trabalho com relação de emprego e o veto acabou por embarcar, talvez por falta de informação, na vala comum do vínculo de emprego e no protecionismo natural e mais fácil.
O texto submetido à reforma da lei e que alterava o parágrafo 4º do artigo 4º, da Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996, dizia o seguinte: “Desde que o empregado ocupe ou venha a ocupar cargo ou função de administrador ou de diretor estatutário, nos contratos individuais de trabalho poderá ser pactuada cláusula compromissória, que só terá eficácia se o empregado tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou se concordar expressamente com a sua instituição”.
A impropriedade do texto é de referir-se a funções que sabidamente não apresentam características de vínculo de emprego, administrador ou diretor estatutário, referindo-se à situação de empregado, incompatível com a condição hierárquica do cargo. Em palavras outras, ou o legislador trata de empregado ou de cargo desvinculado dessa condição. Assim, a hipótese vetada dizia respeito ao empregado que passa a ocupar cargo de função hierárquica elevada como diretor estatutário eleito ou administrador e, portanto, teria seu contrato de trabalho suspenso e a arbitragem poderia ser limitada ao período de estatutário ou administrador.
O veto presidencial trouxe as seguintes razões: “O dispositivo autorizaria a previsão de cláusula de compromisso em contrato individual de trabalho. Para tal, realizaria, ainda, restrições de sua eficácia nas relações envolvendo determinados empregados, a depender de sua ocupação. Dessa forma, acabaria por realizar uma distinção indesejada entre empregados, além de recorrer a termo não definido tecnicamente na legislação trabalhista. Com isso, colocaria em risco a generalidade de trabalhadores que poderiam se ver submetidos ao processo arbitral”.
Ora, a arbitragem não é opção destinada a empregados nem a lei trata de distinção entre empregados. Não há e nunca houve impedimento legal para que executivos em nível de gestão administrativa em cargos estatutários ou de administrador fixem em seus contratos cláusula compromissória de arbitragem. Claro está que o veto coloca a Justiça do Trabalho como único órgão capaz de decidir conflitos trabalhistas, ignorando a autonomia da vontade e a intelectualidade do diretor ou administrador.
De fato, constata-se a referência a cargos especiais que os empregados possam ocupar por nomeação ou eleição, com relação jurídica própria e excludente da condição de vínculo celetista. A cláusula compromissória para instituir a arbitragem como forma de solução poderia ser negociada no momento da nomeação ou eleição, em razão das condições especialíssimas a que estes contratos se submetem. Os direitos e eventuais discussões do período em que esteve submetido à relação de emprego continuariam protegidos.
Parece que se perdeu uma oportunidade de homenagear a boa-fé nas relações jurídicas e de avançar na solução extrajudicial de conflitos de natureza trabalhista.
Paulo Sergio João é advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Fundação Getulio Vargas.
Revista Consultor Jurídico, 2 de outubro de 2015, 8h01
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