Por Marcos de Vasconcellos
A Polícia Federal acusa um dos advogados da Odebrecht na operação “lava jato”, Augusto de Arruda Botelho, que é presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, de ter comprado dossiês de policiais com informações sigilosas que serviriam para prejudicar as investigações, segundo noticiou o jornal Folha de S.Paulo. Para Botelho, acusação é represália por causa de sua atuação na "lava jato".
Sergio Tomisaki/IDDD
O fato de o presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa abrir o jornal, em pleno domingo, e ler uma notícia na qual ele próprio é acusado de comprar informações de policiais é um sintoma. O quadro clínico é claro: uma vez que a corrupção passou a ser vista como “inimigo público número um”, vale tudo para combatê-la. Quem entrar no caminho, como os advogados que cumprem seu dever de defender clientes, será atacado. E o ringue dessa luta já não é mais a Justiça, mas a imprensa, onde os juízes são milhões de leitores, sem qualquer processo que garanta os direitos dos acusados.
Para quem acompanha de perto a operação que investiga corrupção na Petrobras, a acusação contra Botelho parece mais uma forma de confundir os réus com seus defensores e atrapalhar o direito de defesa garantido pela Constituição. Cogita-se ainda que o responsável por “vazar” a informação sobre a investigação para os jornais seja um dos delegados acusados pelo próprio advogado de cometer ilegalidades na “lava jato”. Toron afirma que acusação contra Botelho é ignominiosa.
Jeferson Heroico
A notícia foi uma surpresa para toda a advocacia criminal. Alberto Zacharias Toron classifica-a como um “factoide” criado para fragilizar o defensor. “Se alguém quiser passar informações, ainda que sigilosas, para o advogado, é seu dever colhê-las. O exercício do direito de defesa não se compadece com limites artificiais e irreais, pois daí pode advir a informação sobre ilegalidades”, diz o criminalista.
Colega de profissão e presidente do conselho deliberativo do IDDD, Arnaldo Malheiros Filho lembra que “asfixiar o direito de defesa é maneira segura de prejudicar o investigado”. Somente isso, diz ele, justifica que “um advogado correto, insuspeito e combativo como Augusto Arruda Botelho sofra essa disparatada acusação”.
A opinião parece ser unânime. O criminalista José Luis Oliveira Lima define Botelho como “um dos mais talentosos advogados da sua geração”. O advogado José Diogo Bastos faz coro: “Atacar um profissional respeitado, sério, competente e comprometido com boas causas com esse tipo de imputação é ultrapassar qualquer limite no regime democrático”.
“Conheço a advocacia de Augusto e tudo que sempre vi foi competência e dedicação. Trata-se de um profissional muito qualificado”, sentencia o advogado e ex-secretário da Reforma do Judiciário Pierpaolo Cruz Bottini. Prática de acusar advogados era comum na época da ditadura, lembra Batochio.
Reprodução
Ex-presidente do Conselho Federal da OAB, o criminalista José Roberto Batochio lembra que não é novo o expediente de tentar envolver advogados combativos e insurgentes em suspeitas quando, com sua ação, denunciam arbítrios e apontam ilegalidades de determinados agentes do poder estatal. “Essa é a reação cediça e recorrente dos que não admitem ser contrariados e se imaginam o sal da Terra. Os ‘anos de chumbo’ foram pródigos nessa nefanda prática (..."quem defende subversivo, subversivo é", assoalhava Sérgio Fernando Paranhos Fleury, o Delegado implacável e herói da Repressão militar)”, aponta.
Batochio, assim como Toron, destaca que é dever do advogado colher todos os elementos de informação e dados úteis à preparação da defesa técnica do seu constituinte, “sejam eles públicos ou "secretos" (estes um tanto incompatíveis com os regimes livres)”. Os meios de coleta desses dados, pontua, devem se situar dentro dos parâmetros da legalidade e da deontologia da função pública que é a advocacia, antes de afirmar que Botelho e Marden Maués — que atuou na defesa da doleira Nelma Kodama e é apontado como suspeito ajudar os policiais a vender as informações — são notórios e respeitados profissionais, cujo passado desmente, completamente, a possibilidade de terem qualquer fundamento as tais e infamantes suspeitas, totalmente inverossímeis que se apresentam”.
Délio Lins e Silva Júnior aponta que é preciso enfrentar tais acusações de forma institucional, pois são ataques à própria advocacia. As tentativas de criminalizar a advocacia e pressionar os advogados por meio de formas escusas, como o Ministério Público e a Polícia Federal têm feito no caso, devem ser coibidas “de forma veemente, principalmente com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil, que não pode ficar omissa em relação às necessidades dos advogados”, afirma Délio. A advocacia e suas entidades de classe têm que repudiar esse tipo de manobra, completa José Diogo Bastos.
Celso Vilardi, também advogado criminalista, chama a atenção para a violação que as acusações contra Botelho são contra a própria cidadania. "O direito de defesa é um direito do cidadão.
Hoje, usam esse tipo de atitude contra um acusado da 'lava jato', que virou um estigma. Amanhã, usarão contra qualquer pessoa", explica.
Para o advogado Renato de Moraes, a reportagem sobre a investigação de Botelho exemplifica o nível de intolerância ao direito de defesa que temos vivenciado. "Desrespeitam garantias e direitos individuais como se atuar em desfavor dos acusados fosse atuar em prol da sociedade", critica.
"A notícia veiculada no jornal Folha de S.Paulo não esconde sua umbilical relação com a forma extremamente combativa com o que o escritório do advogado Augusto de Arruda Botelho vem defendendo seus clientes na lava jato. É inadimissível que os órgãos de repressão se utilizem ardilosamente da imprensa para atacar os profissionais que assumam posturas intransigentes com as ilegalidades praticadas contra os réus em processos criminais", afirma o também criminalista Fabio Tofic Simantob.
Na opinião do advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, há uma tentativa atualmente de criminalização da advocacia criminal no Brasil. Ele afirma que a atuação do MP e da PF faz com que a opinião pública seja jogada contra os advogados, o que estaria criando um ambiente negativo para o direito de defesa. Ele criticou a “superexposição” de pessoas que só estão sendo denunciadas e o fato das prisões estarem virando regra, não exceção. Para ele, os advogados hoje têm feito “simulacro de defesa” por causa das dificuldades que estão tendo para ter acesso aos processos criminais e a provas que embasaram as ações. "Investigar o Augusto é investigar toda a advocacia criminal", acrescentou.
Um dos reflexos dessa inversão de valores apontada por Kakay é o valor que tem sido dado às delações, pelas quais acusados apontam outros crimes para buscar a redução de suas próprias penas. O Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Guilherme Batochio afirma que o instituto da delação premiada vem sendo completamente desvirtuado no país. “Temos visto que aqueles que seriam os maiores beneficiários de delitos se convolam em colaboradores, e obtêm os benefícios legais, delatando pessoas que teriam menor participação no evento criminoso. É a total subversão do instituto.”
A própria denúncia contra Botelho é fruto de delações da doleira Nelma Kodama, cuja palavra, segundo ele, “já caiu em total descrédito”. Indignado com a suspeita, o advogado afirma que está sofrendo represálias por apontar erros e problemas na “lava jato”. “Afinal, não pode ser coincidência o fato de esta divulgação ocorrer no momento em que estão sendo colhidas, em juízo, evidências de ilícitos praticados na condução da operação ‘lava jato’”, diz Botelho, em nota.
Leia a nota de Botelho sobre o caso:
Jamais comprei qualquer dossiê para desqualificar a operação "lava jato" e prejudicar as investigações. Repudio, portanto, ver meu nome envolvido neste tipo de suspeita, objeto de matéria da Folha de S.Paulo “Advogado da Lavo Jato é investigado pela PF”, edição de 4-10-2015.
A matéria requenta fatos já divulgados pela imprensa e invoca depoimentos de Nelma Kodama, cuja palavra já caiu em total descrédito. E não registra os esclarecimentos quanto aos encontros que tive com o advogado Marden Maués e os policiais que ele me apresentou, sempre no estrito exercício de minha atuação profissional. Saliento que em petição encaminhada na semana passada à 14ª Vara Federal de Curitiba já havia inclusive confirmado tais encontros, documento ao qual o jornalista teve acesso.
Maior que minha indignação com a absurda suspeita de que teria comprado dossiês, no entanto, é minha preocupação com o odioso constrangimento imposto por autoridades que atuam na operação “lava jato” contra quem ousa confrontar suas ilegalidades. Afinal, não pode ser coincidência o fato de esta divulgação ocorrer no momento em que estão sendo colhidas, em juízo, evidências de ilícitos praticados na condução da operação “lava jato”.
Marcos de Vasconcellos é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 4 de outubro de 2015, 14h03
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