Recursos "prematuros” e jurisprudência defensiva

Como disse o ministro Humberto Gomes de Barros, então presidente do Superior Tribunal de Justiça, jurisprudência defensiva é postura “consistente na criação de entraves e pretextos para impedir a chegada e o conhecimento dos recursos que lhe são dirigidos”.
A definição fala por si: as manifestações de jurisprudência defensiva ou não têm base legal, ou decorrem de interpretação distorcida do texto da Lei.
Tal é o que ocorre com a orientação firmada no Enunciado 418 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual é “inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação”. A jurisprudência, a respeito, é implacável: considera indispensável a ratificação do recurso interposto antes do julgamento dos embargos de declaração, qualquer que seja o resultado do julgamento deste recurso.
É certo que, como já se decidiu, a decisão que julga os embargos de declaração, ainda que para rejeitá-lo, integra a decisão embargada. No entanto, é evidentemente injustificável a exigência de ratificação, se não houve qualquer alteração na decisão embargada.
Esse aspecto foi destacado em julgados proferidos pelo Supremo Tribunal Federal. Em 2009, no julgamento da Ação Rescisória 1.668, o ministro Cezar Peluso chamou a atenção para o erro. Como disse ele, daquele que não interpôs embargos de declaração não se deve exigir a ratificação do recurso, após a rejeição dos embargos de declaração interpostos por outrem. Tal orientação veio a ser posteriormente confirmada pelo Supremo em 2013, no julgamento Agravo Regimental em Recurso Extraordinário 680.371, ao qual se seguiu, no mesmo sentido, o julgamento do Agravo Regimental em Recurso Extraordinário 740.688.
A despeito dessa boa evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a respeito do tema, no Superior Tribunal de Justiça continuou a preponderar o entendimento contrário, antes referido.
Há, aqui, problemas de duas ordens: de um lado, o criticável entendimento consolidado no mencionado enunciado sumular; de outro, a discrepância entre as orientações dominantes nos dois tribunais, a respeito do tema, o que em nada contribuiu para a construção de uma jurisprudência íntegra.
Diante disso, é elogiável a intenção dos ministros do Superior Tribunal de Justiça, recentemente noticiada, de aperfeiçoar o entendimento veiculado no Enunciado 418 da sua súmula. Espera-se que haja alinhamento entre os entendimentos desse tribunal e do Supremo, para se exigir nova manifestação daquele que interpôs outro recurso antes da oposição de embargos de declaração pela outra parte apenas se, com o julgamento deste recurso, houver alguma modificação da decisão embargada. Essa, aliás, é também a orientação adotada pelo projeto de novo Código de Processo Civil.
Paralelamente a esse problema, há aquele relacionado ao recurso considerado “prematuro” por ter sido interposto antes da publicação da decisão impugnada. A jurisprudência majoritária é no sentido de que o recurso assim interposto é intempestivo, mas há julgados bem fundamentados que adotam orientação contrária (cf. decidiu o STJ há quase 10 anos, orientação reiterada em julgado recente) e que nos parece correta. Afinal, se a parte teve, por outro meio —consulta aos autos ou ao site do tribunal, por exemplo —, conhecimento do teor do julgado contra o qual pretende recorrer, o objetivo da futura publicação já foi alcançado, e não há motivo jurídico para considerar intempestivo o recurso interposto antes da publicação da decisão.
A noticiada intenção dos ministros do Superior Tribunal de Justiça de alterar o entendimento hoje contido no Enunciado 418 da Súmula do referido tribunal representaria, sem dúvida, um avanço, e poderia repercutir quanto a outras orientações injustificáveis, como a acima referida, relacionada à tempestividade do recurso interposto antes da publicação da decisão.
Embora muito pequeno, esse seria um importante passo no sentido de se mitigar a jurisprudência defensiva.
José Miguel Garcia Medina é doutor em Direito, advogado, professor e membro da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto de Código de Processo Civil. Acompanhe-o no Twitter, no Facebook e em seu blog.
Revista Consultor Jurídico, 10 de fevereiro de 2014
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