terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

A PROCURAÇÃO "AD JUDICIA" NÃO SE SUBORDINA A PRAZO DE EFICÁCIA

A procuração ad judicia não se subordina a prazo de eficácia

 
Dentre as reformas que foram efetivadas, o longo do tempo, no CPC, revela-se de indubitável relevância o precioso parágrafo 4º do art. 515, cuja redação foi introduzida pela Lei 11.276, de 7 de fevereiro de 2006: “Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação”.
Com esta regra, o legislador pretendeu, uma vez identificada a existência de algum vício processual sanável, que o tribunal possa determinar providência saneadora, sem que seja necessário o retorno dos autos ao primeiro grau ou, ainda, sem anular o processo, ou mesmo — o que é absolutamente prejudicial — não conhecer do recurso.
Observa-se, outrossim, que no transcrito parágrafo 4º do art. 515 encontra-se consagrada a ideia de que, em grau recursal, deve-se abrir oportunidade à correção de qualquer defeito processual. Como bem ponderam Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha (Curso de direito processual civil, v. 3, 8ª ed., Salvador, Jus Podivm, 2010, p. 134): “Não obstante o dispositivo contenha a expressão ‘poderá determinar’, cumpre que se confira sentido cogente à regra para se entender que o tribunal ‘determinará’ a prática ou renovação do ato...”.
Defendendo também a oportuna inclusão da norma processual em apreço, dentre outros, Rogerio Licastro Torres de Mello (Art. 515, parágrafo 4º, do CPC e a correção das nulidades sanáveis no âmbito dos recursos) e, ainda uma vez, Carneiro da Cunha (Sanação de defeitos processuais no âmbito recursal - o parágrafo 4º do art. 515, do CPC, Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais, obra coletiva, São Paulo, Ed. RT, 2008, p. 764), chamam atenção para o espírito de flexibilização do mencionado dispositivo contra imotivados rigores formais verificados na instância recursal, visto que, como é curial, os recursos, de um modo geral, têm experimentado inúmeras e sucessivas restrições formais em sua tramitação, até mesmo como uma equivocada tentativa de contenção do volume de impugnações que são dirigidas aos tribunais!
A possibilidade da regularização da representação processual, hipótese típica de nulidade relativa, pode ser efetivada em grau recursal, porquanto se encontra superado o argumento de que tal poderia ocorrer apenas perante o primeiro grau por força da regra do art. 13 do CPC. O supra aludido parágrafo 4º do art. 515 autoriza o tribunal a deferir prazo para ser sanado tal vício.
Ressalte-se que o nosso sistema processual vigente reveste-se de um conjunto de normas que tendem a garantir aos jurisdicionados tutela jurisdicional efetiva, vencendo eventuais barreiras decorrentes, na maioria das vezes, de incidentes processuais, que são passíveis de correção.
No âmbito do mandato judicial, a proteger o direito material dos litigantes, a morte do advogado não acarreta qualquer prejuízo ao mandante. Realmente, seja em primeiro grau, seja durante o procedimento recursal, tal ocorrência, a teor dos arts. 13 e 265, I, do CPC, implica, ope legis, a suspensão do processo.
Igualmente, a revogação dos poderes outorgados ao causídico impõe à parte o dever de constituir novo profissional para continuar o patrocínio da causa (art. 44 do CPC).
Na mesma diretriz legislativa, deixando também de sofrer qualquer prejuízo, o litigante terá o ônus de outorgar poderes a outro advogado, quando, nos termos do art. 45 do CPC, verificar-se a renúncia ao mandato. Aduza-se que, mesmo denunciando o contrato de mandato, o advogado ainda fica obrigado a praticar atos em prol de seu constituinte!
Assim sendo, embora inexista previsão legal, a expiração do prazo de vigência do contrato de mandato judicial não pode acarretar prejuízo ao mandante, até porque se trata, à toda evidência, de defeito sanável.
Não havendo manifestação de vontade contrária de qualquer dos contratantes, incide o disposto no art. 662 e em seu parágrafo único, do CC, com a seguinte redação: “Os atos praticados por quem não tenha mandato, ou o tenha sem poderes suficientes, são ineficazes em relação àquele em cujo nome foram praticados, salvo se este os ratificar. Parágrafo único. A ratificação há de ser expressa, ou resultar de ato inequívoco, e retroagirá à data do ato”.
Esta derradeira conclusão, extraída do próprio ordenamento jurídico, tem sido prestigiada, de modo consistente, pela doutrina contemporânea e pela jurisprudência do STJ.
Realmente, acórdão da 3ª Turma, no julgamento do Recurso Especial 812.209-SC, relatado pelo ministro Humberto Gomes de Barros, assentou que:
“A circunstância de, no curso do processo, a procuração haver atingido seu termo final não implica a revogação do mandato que credencia o advogado. Entende-se que a procuração ad judicia é outorgada para que o advogado represente o constituinte, até o desfecho do processo”.
Seguindo o mesmo posicionamento, a 4ª Turma, ao ensejo do julgamento do Recurso Especial 912.524-GO, de relatoria do ministro Hélio Quaglia Barbosa, consignou na ementa do respectivo acórdão:
"RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535. NÃO CARACTERIZAÇÃO. APELAÇÃO INTERPOSTA NA CORTE DE ORIGEM. AUSÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. DEFEITO SANÁVEL. RECURSO PROVIDO. 1. ‘Nas instâncias ordinárias, verificada a irregularidade na representação das partes, deve ser aplicado o disposto no artigo 13 do CPC. Embargos recebidos’ (EREsp 191.806/SP, Rel. Min. Garcia Vieira, Corte Especial, DJ 06.09.1999). 2. Recurso especial conhecido, em parte, e na extensão, provido para anular o acórdão proferido, somente quanto ao não conhecimento da apelação formulada pelo recorrente, determinando o retorno dos autos à Corte de origem, a fim de que seja propiciada ao réu a regularização de sua representação processual, julgando-se o seu apelo em seguida".
Em época mais recente, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, por meio de ato decisório monocrático, proveu o Recurso Especial 870.991-SC, no qual restou patenteado, em consonância com a jurisprudência consolidada no STJ, que a falta de procuração do subscritor do recurso nas instâncias ordinárias é vício sanável que pode ser suprido mediante determinação do juiz ou do relator, para que seja regularizada a representação processual do advogado nos moldes do art. 13 do CPC.
Reportando-se ao precedente, acima colacionado, relatado pelo ministro Humberto Gomes de Barros, a 3ª Turma, uma vez mais, enfrentou idêntica questão, no julgamento do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 1.348.536-MS, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, no qual ficou decidido que:
“É entendimento consolidado nesta Corte e sumulado no verbete 115/STJ que ‘na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos’, aplicável, segundo a jurisprudência do STJ tanto nos casos de revogação expressa do mandato outorgado, quanto naqueles em que a parte constitui novo procurador nos autos, sem ressalva da procuração anterior (revogação tácita). Ocorre que não é isso que se sucede na hipótese dos autos, porquanto in casu não houve constituição de novo procurador e nem revogação expressa do instrumento de mandato outorgado aos advogados subscritores do recurso especial, mas mera expiração do prazo de validade da procuração outorgada, razão pela qual o entendimento a ser adotado é o da continuidade da outorga efetuada, sob pena de se imputar as partes o prolongamento do processo além do termo final do mandato, o que não pode ser a elas atribuível. Cumpre ressaltar que, conquanto haja alguns julgados desta Corte no sentido de que o recurso interposto por advogado com procuração expirada equipara-se ao recurso interposto por advogado sem procuração nos autos (Súmula 115/STJ), ouso dissentir destes pelos motivos acima expostos, amparada em precedente de relatoria do i. Min. Humberto Gomes de Barros (REsp 812.209/SC, 3ª Turma, DJ de 18/11/2006), do qual participei do julgamento e proferi voto no sentido de acompanhar o relator. Nesse sentido, veja-se ainda o seguinte precedente: REsp 870.991/SC, decisão monocrática da lavra do Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 11/02/2011” (destaque meu).
Constata-se, pois, que a procuração ad judicia com prazo de eficácia expirado não pode acarretar qualquer prejuízo ao outorgante!
 
José Rogério Cruz e Tucci é advogado, ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo e professor titular da Faculdade de Direito da USP
Revista Consultor Jurídico, 18 de fevereiro de 2014

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