segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

CÂMARA INSERE GRANDE RETROCESSO EM PROJETO DO CPC

Câmara insere grande retrocesso em projeto do CPC

 
Tenho acompanhado com muito interesse todas as discussões que são realizadas a respeito do projeto de novo Código de Processo Civil. Atuei, diretamente, da elaboração do anteprojeto que serviu de base aos debates que se seguiram, no Senado e na Câmara dos Deputados. Nessas casas legislativas outras comissões foram formadas e alterações foram realizadas. Minha participação, nesse novo contexto, limita-se a enviar sugestões e críticas ao projeto — algumas delas publicadas em textos desta coluna. Posso dizer que os princípios que nortearam os trabalhos da comissão que elaborou o anteprojeto continuam presentes, em grande medida, na versão ora analisada na Câmara.
Aliás, é inegável que muitos aperfeiçoamentos foram feitos no projeto, nas idas e vindas do processo legislativo. Por exemplo, segundo o artigo 847 do anteprojeto, “os tribunais velarão pela uniformização e pela estabilidade da jurisprudência”. Na versão aprovada pelo Senado, o texto ganhou um inexplicável “em princípio”: “Os tribunais, em princípio, velarão pela uniformização e pela estabilidade da jurisprudência”. Fica-se, à luz desse texto, com a impressão de que os tribunais podem, se for o caso, deixar de lado a ideia de que a jurisprudência deve ser íntegra, o que é um evidente absurdo. Na Câmara dos Deputados esse disparate foi corrigido. A regra aprovada nessa Casa dispõe que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”.
Há, evidentemente, vários pontos em que inexiste acordo, sequer entre os estudiosos do processo civil. Enquanto participei da comissão que fez o anteprojeto, fiz várias sugestões que foram rejeitadas, e votei contra muitas outras que foram aprovadas. Mas isso faz parte do jogo democrático. Ter participado um pouco da história do novo Código não me impede de criticá-lo e de continuar a enviar minhas sugestões — como, de resto, qualquer cidadão pode fazê-lo.
É nesse contexto que surge, como grande retrocesso, o destaque recentemente aprovado pela Câmara, que restringe a realização de atos executivos sobre dinheiro, quando se tratar de efetivação de liminar que antecipa efeitos da tutela. Diz o destaque aprovado: “A efetivação da tutela antecipada observará as normas referentes ao cumprimento provisório da sentença, no que couber, vedados o bloqueio e a penhora de dinheiro, de aplicação financeira ou de outros ativos financeiros”.
Tal como aprovada, a vedação ao bloqueio e à penhora de dinheiro e ativos financeiros é amplíssima, impedindo, por exemplo, a prática de atos executivos liminarmente, em ações de improbidade administrativa. Mas há consequências ainda mais graves. Exemplo: e se, para realizar concretamente um direito fundamental ameaçado de lesão, a única medida executiva adequada for o bloqueio de ativos financeiros? A maioria dos deputados, que aprovou o referido destaque, parece não ter se preocupado com isso. Parece, de todo modo, difícil compatibilizar o texto aprovado com a regra prevista no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal.
A movimentação no sentido de se inserirem textos que impedissem a prática de atos executivos já vinha sendo noticiada pela imprensa — que sugeria, inclusive, que a inclusão de tal restrição no texto do projeto serviria ao interesse pessoal de alguns deputados (cf. reportagem do Jornal Valor Econômico, disponível aqui). É curioso que isso não tenha sido questionado, na Câmara, durante a discussão sobre o destaque acima referido.
O projeto de novo CPC, ora em discussão, é resultado da soma de esforços de uma grande quantidade de estudiosos, professores, magistrados, advogados, representantes do Ministério Público, enfim, de tantos quantos se interessam pelo aprimoramento da legislação processual e trabalharam para que se construísse um projeto de novo CPC moderno e alinhado às garantias constitucionais. É, enfim, um projeto de seu tempo, que vem sendo construído democraticamente, que foi e tem sido objeto de amplo debate entre senadores e deputados.
É preciso cuidado, contudo. Se é certo que o projeto de novo CPC representa um grande avanço para o processo civil brasileiro, devemos nos manifestar, reiteradamente, para que o Congresso Nacional não insira, nele, textos despropositados. Pode-se dizer que, embora o projeto de novo CPC não o seja, a Câmara dos Deputados conseguiu, com a aprovação da referida restrição à prática de atos executivos sobre dinheiro, nele inserir um grande retrocesso.
 
José Miguel Garcia Medina é doutor em Direito, advogado, professor e membro da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto de Código de Processo Civil. Acompanhe-o no Twitter, no Facebook e em seu blog.
Revista Consultor Jurídico, 17 de fevereiro de 2014

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