quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL DOS RISCOS DE DESENVOLIMENTO NO DIREITO DO CONSUMIOR BRASILEIRO: VISÔES JURÍICAS NACIONAL E INTERNACIONAL

Revista Direito GV

Print version ISSN 1808-2432

Rev. direito GV vol.6 no.2 São Paulo Dec. 2010

http://dx.doi.org/10.1590/S1808-24322010000200014 

RESENHAS
 
Interpretação constitucional dos riscos de desenvolvimento no direito do consumidor Brasileiro: visões jurídicas nacional e internacional
 
Constitutional interpretation of the development risks in the Brazilian consumer's law: national and international legal views
 
 
Nelise Dias Vieira
Mestranda em direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS) Bolsista do CNPQ
 
 
CALIXTO, MARCELO JUNQUEIRA. A RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR DE PRODUTOS PELOS RISCOS DE DESENVOLVIMENTO. RIO DE JANEIRO: RENOVAR, 2004.
O livro A responsabilidade civil do fornecedor de produtos pelos riscos de desenvolvimento tem por base a dissertação de mestrado do professor Marcelo Junqueira Calixto apresentada em 2003. Doutor em Direito pela UERJ, o autor leciona na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Em sua obra, ele realiza uma análise profunda da responsabilidade civil do fornecedor de produtos pelos riscos de desenvolvimento e proporciona uma perspectiva geral sobre o tema, pontuando detalhadamente as questões que envolvem a problemática na doutrina brasileira.
A obra encontra-se estruturada em quatro capítulos. Primeiramente, a sociedade de consumo é caracterizada e a vulnerabilidade destacada como fundamento da necessidade de defesa do consumidor. Afirma-se, igualmente, que as normas do Código de Defesa do Consumidor sempre serão condicionadas pela incidência de princípios e valores constitucionais, reconhecendo, simultaneamente, a ausência de hierarquia entre os princípios da ordem econômica e a vinculação de particulares à eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
No segundo capítulo, o professor apresenta a vulnerabilidade como elemento original da formulação de um Código de Proteção e Defesa do Consumidor, bem como requisito essencial à conceituação deste. No terceiro, ele contextualiza a consagração da responsabilidade civil objetiva, seus pressupostos e suas excludentes em favor do fornecedor. Aponta-se que as excludentes de acidente de consumo, ausência de defeito no produto e culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, por parte da doutrina nacional, são acrescidas pelos riscos de desenvolvimento.
Finalizando, no quarto capítulo, o autor examina o problema dos riscos de desenvolvimento, definidos como aqueles riscos não cognoscíveis pelo mais avançado estado da ciência e da técnica no momento da introdução do produto no mercado de consumo, e que só são descobertos após um período de uso do produto, em decorrência do avanço dos estudos científicos. São listados como exemplos o cigarro, o silicone e alguns medicamentos. No Brasil, entre os medicamentos, o principal destaque foi a talidomida.
A talidomida tornou-se popular desde seu lançamento no mercado, em 1956, como sedativo que podia ser vendido sem receita e que, mesmo em doses maciças, não era letal. Após numerosos testes, seu lançamento foi aprovado - inicialmente na Alemanha, fruto da pesquisa do laboratório Chemie Grünenthal -, e a droga passou a ser prescrita para mulheres em início de gravidez, pois mostrava-se eficaz no combate à náusea. Em 1958, já era comercializada em 146 países, inclusive no Brasil. No início da década de 1960, descobriu-se um crescente número de bebês nascidos com graves deformações congênitas de mães que haviam ingerido pelo menos um comprimido do tranquilizante. Esse triste caso concreto ilustra uma situação típica de danos advindos de riscos de desenvolvimento, ou seja, riscos que só podem ser descobertos graças aos desenvolvimentos técnico e científico, os quais exigem definição quanto à sua caracterização como excludente ou elemento de configuração da responsabilidade civil frente ao direito vigente.
A disciplina legal dessa matéria, em âmbito comunitário europeu, encontra-se no artigo 7º da Diretiva 374/CEE de 1985, que estabelece não ser o fornecedor responsável pelos danos ocasionados por produtos em que sejam verificadas hipóteses de riscos do desenvolvimento. Examinando o dispositivo, a doutrina adota duas posições principais: (a) presença de responsabilidade civil; e (b) ausência de defeito, pois a diretiva faz expressa referência a um defeito que não era possível ser descoberto pelo estado de conhecimentos científico e técnico. Portanto, poderá exonerar-se de responsabilidade o fornecedor, se conseguir provar a impossibilidade objetiva da ciência de descobrir, no momento da introdução do produto no mercado, os riscos que o cercam. Na exposição, se expressa o posicionamento de vários países e da doutrina nacional sobre a temática.
Após a explanação das visões internacional e nacional sobre a responsabilidade civil do fornecedor do produto pelos riscos de desenvolvimento, o autor se posiciona pelo reconhecimento de tal responsabilidade e compreende ser impossível sua configuração como excludente no direito brasileiro. Ele fundamenta sua posição na proteção da dignidade, constitucionalmente prevista, da pessoa humana. Em sede de conclusão, reafirma sua filiação entre aqueles que defendem a responsabilidade civil do fornecedor por tais riscos e se declara contrário à doutrina que nega a existência do defeito no produto.
A relevância da questão analisada mantém sua temporalidade latente, pois o risco simboliza a incerteza inerente que o tempo institui e como fundamento de responsabilidade modifica o centro do sistema de reparação do dano para vítima. A melhor interpretação da aplicação constitucional do artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor frente aos riscos de desenvolvimento comporta intensa discussão, porque essa proteção não pode inviabilizar o desenvolvimento da atividade econômica. Buscar o equilíbrio entre os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (CF, art. 1º, IV) são o fundamento da ordem econômica constitucional (CF, art. 170, caput).
A proposta basilar da obra expõe esse contexto e doutrinadores do direito do consumidor já assumiram a tarefa de enfrentar a necessidade de debate sobre a presença ou ausência de defeito do produto nos efeitos dos riscos de desenvolvimento, mas falta muito para uma compreensão mais uniforme em relação a pagamento da indenização, em caso de reconhecimento de responsabilidade civil por parte do fornecedor do produto. Esse tipo de dano já faz parte da realidade brasileira e exige proteção específica e constitucional da pessoa humana. O desafio está lançado na busca pela melhor solução sistemática a respeito da responsabilidade por riscos de desenvolvimento.
 
 
Endereço para correspondência:
Nelise Dias Vieira
Av. Bento Gonçalves, 4541, apto. 301
Partenon - 90650-003
Porto Alegre - RS - Brasil

nelidv@bol.com.br

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