Depois de longos séculos em que o poder era absoluto nas mãos dos reis e da Igreja Católica, na segunda metade do século XVIII, o mundo passou por profundas transformações políticas e sociais, que culminaram, ao final do processo, com a inserção do ser humano no eixo central de preocupação da civilização na nova era iluminista, com seus nortes democráticos e limitadores do poder.
Ao se tornar o poder participativo e transparente, deixaria de ser abusivo e totalitário, e, por isto, a transparência passaria a ser absolutamente fundamental para a consolidação do sistema democrático. A transparência seria o verdadeiro divisor de águas entre os antigos regimes totalitários e suas cortes para os novos governos democráticos. Aliás, Bobbio define a democracia como “o governo do poder público em público”. Assim, um governo democrático se distingue dos governos imperiais, ditatoriais ou tirânicos por sua visibilidade e transparência
O sistema de ouvidorias foi criado na Suécia em 1809, quando se registra a implantação constitucional do ombudsman, cuja missão era verificar a observância das leis pelos tribunais, com poderes de processar aqueles que cometessem ilegalidades ou negligenciassem o cumprimento de seus deveres
No Brasil, desde a Colonização Portuguesa, os Governos Gerais possuíam ouvidores, indicados pelo Rei de Portugal e que já naquela época promulgavam leis, estabeleciam Câmaras de Vereadores, atuavam como Comissários de Justiça e ouviam reclamações e reivindicações da população sobre improbidades e desmandos por parte dos servidores da Coroa.
A Ouvidoria, na sua compreensão atual — que não se confunde com aquela antiga figura do Ouvidor no Brasil Colonial, uma espécie de juiz ou auxiliar direto dos donatários das capitanias hereditárias — estabelece-se como um canal de manifestação do cidadão, configurando-se, assim, como um mecanismo de exercício da cidadania e meio estratégico de apoio à gestão das organizações, seja na melhoria da qualidade dos serviços oferecidos, seja para atender às crescentes necessidades de transparência, arejamento e revisão de processos impostas às organizações pela nova ordem social globalizada.
A primeira ouvidoria pública no Brasil foi instalada na cidade de Curitiba em 1985. Em São Paulo, em 1989, o jornal Folha de S.Paulo, de forma pioneira, instituiu a sua figura do Ombudsman. Na iniciativa privada, também se destacou o Grupo Pão de Açúcar, que em 1993 lançou seu ombudsman. Na área pública estadual paulista, surgiu em 1992 a ouvidoria do Procon, seguida pelas do IPEM em 1993, da Secretaria de Segurança Pública em 1995, e de um piloto na Secretaria da Saúde em 1996.
Hoje, o ouvidor tornou-se representante direto do cidadão, diferentemente dos tempos coloniais, quando controlava os súditos em prol do rei. Hoje, ele defende o cidadão e a pressão exercida sobre o ouvidor identifica o bom ou mau serviço do setor público ou privado.
Em São Paulo, com o advento da Lei Estadual 10.924, de 20 de abril de 1999, de defesa do usuário do serviço público, e o decreto 44.074, 1º de julho de 1999, que regulamenta a composição e define as competências das Ouvidorias de Serviços Públicos, o Estado de São Paulo estabeleceu que todas as organizações ligadas ao Estado tenham as suas Ouvidorias, formando uma rede, dentro da qual a mais antiga é a da Polícia, criada em janeiro de 1995, por meio de um decreto do então governador Mario Covas.
O princípio constitucional da publicidade e a nova cultura da transparência se fortaleceram com o advento da Lei 12.527/2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação (LAI), que regulamenta o direito, previsto na Constituição, de qualquer pessoa solicitar e receber dos Órgãos e Entidades públicos, informações públicas por eles produzidas ou custodiadas. A referida Lei entrou em vigor em 16 de maio de 2012.
No setor privado, por outro lado, observamos que as empresas percebem a necessidade de avançar além dos serviços básicos de ouvir e atender o consumidor e fortalecem as ouvidorias a fim de melhorar os produtos e serviços oferecidos aos clientes, garantindo a fidelização e imagem forte e diferenciada no mercado como empresa transparente e socialmente responsável, onde o ouvidor escuta as críticas dos clientes — muitas vezes insatisfeitos com o próprio serviço de atendimento ao consumidor — e as encaminha aos departamentos responsáveis para as providências cabíveis.
Esta nova figura do ouvidor passou a ser instrumento de garantia da personalização do atendimento e sinalização de certeza de que os problemas sejam resolvidos, funcionando como um representante do cliente dentro da empresa, recebendo também elogios, sugestões e críticas, apurando as manifestações apresentadas e propondo melhorias nos processos, visando mediar a solução de conflitos.
Apesar dos sensíveis avanços verificados, tanto na esfera privada como na pública, nosso marco legal da transparência (LAI) é recente, enquanto a Suécia tem sua lei desde 1766, o que talvez permita entender a notícia recente sobre a desativação de quatro presídios por falta de criminosos ou mesmo sua presença constante no topo do Índice de Percepção da Corrupção da Transparência Internacional, que coloca a Suécia no patamar de um dos países menos corruptos do mundo.
A ouvidoria é instrumento fundamental para a solidificação da cultura de transparência. Avancemos sem medo, pois Platão nos ensinou que podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro, mas a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz.
Roberto Livianu é promotor de Justiça em São Paulo, doutor em Direito Pela USP e idealizador e coordenador da campanha Não Aceito Corrupção.
Roberta Lídice é advogada, ouvidora certificada pela Associação Brasileira de Ouvidores e Ombudsman do Brasil (ABO).
Revista Consultor Jurídico, 3 de junho de 2015, 6h32
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