Ao divulgar relações ilegais entre empreiteiras e dirigentes da Petrobras, a operação "lava jato" contribuirá para tornar mais clara a defesa de interesses empresariais e para melhorar a imagem dos lobistas no Brasil. Essa é a opinião da presidente em exercício do Instituto de Relações Governamentais (Irelgov), Kelly Aguilar.
“É a oportunidade de dar destaque para o profissional de uma forma positiva e de mostrar que existe a defesa de interesses legítima e legal, e que ela é, sim, feita por muitas empresas de forma ética, transparente e com boas práticas. Eu vejo como mudança de paradigma total. Tem que mudar comportamentos, formas de se trabalhar no Congresso e em vários setores da sociedade”, afirma Kelly.
E esse é o objetivo do Irelgov. O instituto, que existe oficialmente desde março, foi criado para ser um think tank da atividade de relações governamentais, também conhecida como lobby. As duas principais missões da entidade são promover e debater estudos sobre a área e, principalmente, mostrar à sociedade como é o trabalho dos profissionais do ramo — e como ele é legítimo.
Esse último ponto visa a tornar os lobistas aptos a responder a frequente pergunta “O que você faz?”, diz a presidente do Irelgov. Mais do que isso, ela defende que o conhecimento irá melhorar a imagem da atividade, que atualmente não é bem-vista aos olhos da população.
Em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico, Kelly – que é gerente de relações governamentais da empresa farmacêutica MSD – defendeu o financiamento privado de campanhas eleitorais, alegando que é apenas outra forma de as empresas defenderem seus interesses. Até porque “quanto mais se proíbe, mais brecha para caixa dois você abre”, argumenta.
A especialista em relações governamentais também explicou como é o dia a dia de um profissional da área, apontou o que alguém que pretende ingressar na área precisa saber e destacou que o lobby não precisa ser regulamentado no Brasil, uma vez que a Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013) já estabelece regras sobre o assunto.
Leia a entrevista:
ConJur — Como surgiu o Irelgov?
Kelly Aguilar — Foi depois do primeiro curso de relações governamentais que teve no Insper, em 2013. Antes disso, não tinha nada na área. Foi uma turma super unida, e, ao mesmo tempo, bem eclética, porque tinha desde os profissionais que realmente trabalhavam em relações governamentais até os curiosos, como jornalistas, cientistas políticos, alunos de graduação, desempregados que já tinham ouvido falar em relações governamentais e queriam entrar no ramo, entre outros. Eram professores o diretor de Relações Governamentais da Nike, Guilherme Athia, que hoje é o presidente afastado do Irelgov [por estar trabalhando do Brasil], o cientista político Carlos Melo, o pesquisador Sérgio Lazzarini. Foi um curso muito interessante. Mas algumas queixas sempre surgiam durante as aulas ou nos intervalos, como “a minha empresa não sabe o que eu faço” ou “eu tenho muita dificuldade em explicar para as pessoas o que eu faço” ou “eu não gosto de falar que eu faço lobby, porque eu não sinto que eu faço lobby”. Tinha também aquela coisa do preconceito, quando alguém entendia e torcia o nariz: “Então, você vai para Brasília, você fala com o Congresso?”. No final do curso, o Insper fez um coquetel, e dessa conversa surgiu o entendimento de que aquela reunião não poderia terminar ali. A gente começou a se reunir, e aí veio a ideia de fazer o instituto.
ConJur — Quais são os objetivos do Irelgov?
Kelly Aguilar — Basicamente, nós temos dois pilares: o da educação e o da reputação. Com isso, temos a intenção de divulgar o máximo possível o que é a profissão de relações governamentais, o que a gente faz, com quem a gente lida, como que é esse relacionamento, de que forma ele ocorre. Hoje [a área de relações governamentais] é um mito, é tão mito que varias empresas têm profissionais do ramo, mas se você for olhar, cada uma os classifica com um título diferente.
ConJur — A senhora acredita que há espaço para uma graduação de relações governamentais? Ou uma pós- graduação já seria suficiente?
Kelly Aguilar — Eu acho que tudo é muito novo para nós — a nossa Constituição é muito recente, o processo democrático é muito recente. Olobby no Brasil tem esse lado pejorativo, porque ele vem lá da época um pouco antes da ditadura militar (1964-1985), quando o Legislativo era super enfraquecido, e quem realmente fazia as leis era o Executivo. As coisas eram tendenciosas, direcionadas, havia favorecimento dos amigos de quem estava no poder. Depois, com a ditadura, a situação piorou. Agora que temos uma democracia, estamos assistindo a um fortalecimento do Congresso, que também está em fase de aprendizado. Os parlamentares também estão aprendendo a trabalhar nessa nova fase. Neste momento, um curso de graduação é demais. Poderíamos até montar um curso, mas um intensivo, de um ano. Eu indicaria mais uma pós-graduação, mas também não sei se uma de dois anos.
ConJur — Dos cursos de graduação existentes, qual prepara melhor para a área de relações governamentais? Que disciplinas um curso de relações governamentais deveria ter?
Kelly Aguilar — Dos de graduação, ainda é o de Direito, porque o estudante tem o entendimento de leis como a Lei Anticorrupção e entende decompliance. Um curso de relações governamentais teria que ter algumas matérias de Direito, como Direito Constitucional, Direito Civil, técnicas de negociação e relações internacionais. Os assuntos regulatórios são super complicados, temos novas leis regulatórias e tributárias a cada dia. E teria uma matéria especifica de Congresso, dos regimentos internos, como funcionam o Senado e a Câmara, como funcionam as comissões, por que é daquele jeito, por que são escolhidas aquelas pessoas, como elas são escolhidas, qual a importância, por que os presidentes da Câmara e do Senado são tão importantes, por que são eles que sentam com a presidente da República quando a coisa emperra, por que os lideres dos partidos são importantes. Essa parte política é fundamental. Vale a pessoa entender a responsabilidade que ela tem perante com quem ela está falando fora da empresa, sendo qualquer governo, instituição, mídia, porque é ela que está representando a empresa e passando a imagem para fora. Se não tiver comunicação junto não dá. Depende do mercado, mas o trabalho básico de relações governamentais é levar informação, contribuir com uma política pública.
ConJur — Como é a atividade prática de um profissional de relações governamentais? As empresas chegam à conclusão de que há uma regulação que precisa ser melhorada e elaboram projetos de lei que depois encaminham aos parlamentares? Ou apenas levam argumentos e sugestões aos políticos?
Kelly Aguilar — É tudo isso junto, mas depende muito do mercado. Há algumas características que são intrínsecas a determinados mercados. No ramo do tabaco, temos no Brasil basicamente duas empresas altamente reguladas. Elas não podem fazer propaganda, têm que publicar fotos de doenças causadas pelo cigarro, não podem ter a marca nas embalagens, que devem ser genéricas. Por isso, é dificílimo trabalhar nesse setor. Imagina ser relações governamentais de uma empresa dessas? Você chega lá no Congresso e fala: “Deputado, preciso da sua ajuda porque a Agência Nacional de Vigilância Sanitária está querendo tirar a marca da embalagem”. Qual deputado ou senador vai querer por a cara dele para bater e falar que vai defender o cigarro? Nenhum. É muito difícil isso, exige muita criatividade desse profissional. Eu conheci um relações governamentais de uma dessas empresas. Ele estava sempre lá no corredor da Câmara ou do Senado, e só levava pancada, ninguém queria falar com ele. Um dia eu falei para ele: “Às vezes eu fico até com dó, porque eu sempre achei que trabalhar com medicamentos era muito difícil, mas com tabaco é muito pior, pois, pelo menos, medicamentos tiram dores, salvam vidas, proporcionam qualidade de vida, fazem as pessoas viverem melhor. Já vocês não têm nem argumento, só é coisa ruim”. Ao que ele respondeu: “Não é não. A gente recolhe tanto e tanto de imposto. Trabalhamos com não sei quantas famílias que plantam o tabaco”. Ele começou a elencar uma série de outros fatores interessantes. Mas é lógico, toda hora que passava um deputado ou senador no corredor, falava “Cigarro mata”. Ele era criativo, respondia: “Mata, deputado, mas é a escolha de cada um, ninguém é obrigado a fumar”. Depende muito do mercado.
ConJur — Como é no mercado da saúde?
Kelly Aguilar — A indústria vai por onde os dados estatísticos mostram. Surge a pergunta: “O que mata mais?”. A partir da resposta, todo mundo vai querer fazer uma droga para aquela patologia. Para ganhar mais dinheiro, faz parte, mas mais de um terço dos funcionários da industria é de médicos e pesquisadores. Eles querem a cura, vão com o espírito de médico, não com o espírito de vendedores. Os especialistas fazem um plano estratégico para desenvolver medicamentos necessários ao país. Depois disso, vamos vai estudar o caso. Existem várias formas de trabalhar. Podemos trabalhar com projetos de lei que já existem, assim fazemos pesquisas, procurando saber o andamento da medida, quem está à frente dela, falando com pessoas da área, afinal, há diversos deputados e senadores que são advogados ou médicos. Um parlamentar da saúde te entende melhor porque, geralmente, ele já foi secretário de Saúde da cidade dele, entende muito de vigilância sanitária, de doenças tropicais, de saneamento.
Mas tem projeto de lei que é ruim, e aí vamos ao deputado falando: “Arquiva isso, vamos fazer um novo”. Ajudamos e fazer um [projeto] mais atual e trabalhamos para ser aprovado. E nisso tem todo aquele conhecimento para o texto passar nas comissões. O fundamental nessa história é que todos ganhem. Quando se está fazendo esse trabalho, o que é preciso ter na cabeça é que todos vão ganhar com o seu trabalho: você, sua empresa, o governo, porque vai ter os índices de saúde melhorados, o político, porque ele leva aquilo para o palanque dele.
ConJur — Como são identificadas as normas que uma empresa ou setor deseja que sejam alteradas, revogadas ou criadas? Há um grupo que analisa as leis do setor e vê o que se aplica e o que não mais se aplica?
Kelly Aguilar — Não precisa disso, porque quase todo dia tem uma lei nova. Então, é impacto todo dia. Por exemplo, há leis que acabam encarecendo mais um produto. Os medicamentos são uns dos poucos produtos que têm o preço controlado. Todo mundo fala: “Medicamento é caro”. Se quiser reclamar, fale com o governo, porque é ele que dá o preço, não a empresa. A maioria não sabe disso, acha que todo mundo tem o preço livre. Então vem uma tributação sobre o princípio ativo do medicamento ou eles decidem que a caixinha tem que ser maior, que tem que ter a bula, que tem que conter letras maiores, que tem que ter código braile, aí o impacto é gigantesco. O que precisamos fazer? Pegar todo o material e ir para Brasília falar com aquele deputado ou senador que está cuidando do assunto. Aí é preciso explicar a questão para ele, falar: “Hoje a fabricação é toda globalizada. O senhor tem ideia de que mudar o tamanho da caixinha impacta a produção no mundo inteiro? Vai ter um custo gigantesco, e eu não posso nem repassar aos consumidores, porque a lei não permite”. Às vezes, eles não sabem disso, fazem a lei com boa vontade, porque vem lá o pessoal da cidade deles e fala: “Sou aposentado, o remédio está muito caro”, “eu não enxergo mais, as letrinhas são pequenas”, ou “tem um cego que tomou laxante achando que era outro medicamento”. Então, nessas ocasiões, a gente tem que ir lá e levar informação, explicar a situação, convidá-lo para conhecer a fábrica e mostrar para ele que mesmo um projeto de lei que veio com a melhor das vontades não faz sentido.
ConJur — Então, em geral, o trabalho é baseado em novas leis. Mas há também o trabalho de revisar normas antigas do setor?
Kelly Aguilar — Só quando há um impacto direito. Mas às vezes acontece alguma coisa, você vai olhar e a legislação antiga nunca foi atualizada e já não cabe para aquilo. Por exemplo, agora estão debatendo a biodiversidade. A Lei de Propriedade Industrial é de 1996 e prevê que não pode extrair nem pesquisar plantas. O que o Brasil mais tem? Qual a nossa maior diversidade? Onde a gente poderia estar avançadíssimo, pesquisando? Mas não pode. Então, o que acontece? Roubam. Porque alguém vai fazer. Aí vêm estrangeiros para cá e levam [as plantas] embora. É preciso trabalhar na atualização dessa lei. Tem que dar acesso [às pesquisas]. Os defensores da lei dizem que, sem a proibição, as florestas irão acabar. Mas as madeireiras estão acabando com as florestas muito mais rápido do que se pesquisadores estivessem fazendo seus estudos com responsabilidade.
ConJur — Nos Estados Unidos, o lobby é regulamentado. Lá, os lobistas têm que ser registrados no Congresso e no Executivo, é preciso especificar quem os contratou e onde vão atuar. Além disso, esses profissionais têm obrigação de prestar contas dos valores recebidos a cada três meses. O descumprimento disso pode gerar multa e até prisão. Existe ainda um limite de US$ 250 dólares para os presentes que os lobistas podem dar a governantes e parlamentares. A senhora acha que é preciso regulamentar a profissão no Brasil? Se sim, a regulamentação deve seguir esse modelo dos Estados Unidos?
Kelly Aguilar — O Irelgov não trabalha com essa pauta, e eu, pessoalmente, concordo com o instituto, especialmente por causa da Lei Anticorrupção, que deixou claro o que os lobistas podem e não podem fazer. Para nós, de empresas de capital estrangeiro, está mais claro ainda, porque seguimos o Foreign Corrupt Practices Act [lei norte-americana que disciplina a atuação de empresas em países estrangeiros], que é mais restritivo ainda. Ou seja, para nós, o limite de presentes não é de US$ 250, mas de R$ 100 — e isso se autorizarem. Eu não vejo necessidade de eu estar regulamentada, para chegar lá no Congresso, ter um crachá e dizer: “Olha, eu sou relações governamentais...”, porque hoje, quando eu entro lá, eles já me conhecem, sabem quem eu sou, de qual indústria, o que estou fazendo lá, com quem eu trabalho. Quanto a prestar contas, eu já tenho que fazer isso para minha empresa, que promove auditoria mensalmente. Além disso, eu já sou proibida de fazer um monte de coisas, algo talvez mais restritivo que nos Estados Unidos. Temos um trabalho diário de saber o que cada um está fazendo, com quem, é tudo monitorado, temos um departamento decompliance, tem o jurídico. Então, eu não vejo essa necessidade. Antes disso vem essa parte que o Irelgov se propõe, que é primeiro educar e divulgar o que é a relação e municiar esses profissionais de mais ferramentas para trabalharem de forma ética e transparente. Mais para a frente, vai voltar de novo essa pauta e aí, já mais maduros, mais certos do que estamos fazendo, talvez valha a pena regulamentar a profissão. Hoje, isso não é uma prioridade, e não vai solucionar os problemas, melhorar o Congresso, deixar tudo limpo e transparente.
ConJur — No Congresso, há pelo menos dois projetos de lei para regulamentar a profissão de lobista. Um é o do deputado Carlos Zarattini (PT-SP), que é um pouco mais amplo e parecido com o norte-americano, traz uma definição legal de lobistas, estabelece prestação de contas, cadastro dos profissionais perante os órgãos públicos e proibição total dos presentes a políticos e governantes. O outro é o do ex-deputado Mendes Ribeiro (PMDB-RS), morto em março, que é mais genérico e regula a atuação dos lobistas apenas no âmbito da Câmara. Ambos os projetos já estão há bastante tempo no Congresso — o do Mendes Ribeiro foi apresentado em 2001, e o do Zarattini em 2007. Por que não ocorreu a regulamentação até hoje? A senhora acredita seria possível no momento aprovar a regulamentação dolobby? Há clima no Congresso para isso?
Kelly Aguilar — De jeito nenhum. Hoje não tem clima para nada lá dentro. Como na indústria do tabaco, também é difícil você defender a regulamentação da profissão [de relações governamentais]. Por quê? As pessoas entendem lobby de uma forma ruim. Enquanto a sociedade e a mídia não tiverem mais informações sobre o que é o ramo de relações governamentais, eu acho muito difícil um político levantar a bandeira e levar o projeto adiante. Eles até tentaram. Veja se andou. Por quê? Não é bom para a imagem. Político quer voto. Ele já está pensando na próxima eleição. Os adversários vão colocar na propaganda que ele estava defendendo lobby. Todo mundo tem uma forma errada de enxergar lobby. Por isso é importante primeiro formar, educar, ensinar, e quando tiver esse tema muito bem clareado, estipulado — eu espero que tenha várias consequências da operação "lava jato" —, e as pessoas começarem a entender a diferença que o trabalho daquele profissional faz na sua vida diária, aí, sim, vale a pena trazer isso de volta e tentar regulamentar. Esse projeto que é mais restritivo, do Zarattini, é totalmente errado, porque onde há proibição, as pessoas vão achar uma forma de fazer alguma coisa. Então, você acaba proibindo de um lado e vai ter gente que vai ter as mais criativas soluções para o que se pode fazer ali, o que a lei não proíbe ela permite, então eles vão e fazem. Tem que ser uma coisa mais conversada, tem que trazer para audiência pública, ser mais debatido, explicar, aula, informar, sair em jornal, revista, para depois começar a distribuir um projeto mais novo, baseado na Lei Anticorrupção, porque esses dois já caíram por terra do jeito que estão.
ConJur — Como o lobby se diferencia do tráfico de influência? O que separa o legal do ilegal, o legitimo do ilegítimo nessa atividade?
Kelly Aguilar — Basicamente, é o poder que você tem e o uso que você faz dele. Nesse poder de influência, há diversas formas de práticas: aquele que corrompe, aquele que aceita ser corrompido, aquele que pede, aquele que não aceita pagar ... Tem de todo tipo. O lobby, basicamente, é defesa de interesses. E a defesa de interesses é algo legítimo, legal, e que é feito em qualquer lugar: dentro de casa, em família, com os filhos, com os amigos, você vai defender seus interesses.
O cidadão vota, paga imposto, por que também não tem o direito de influenciar ou de defender os seus interesses, sejam eles pessoais, do bairro, do prédio ou da empresa? Isso é totalmente legitimo, não tem nenhum problema, cada um defende o seu interesse. Agora, quando se parte para influenciar por poder, não é legal. Acaba no tráfico de influência, é tudo errado desde o inicio, já não tem o foco do social. Temos que fazer relações governamentais onde todos ganham. Porém, no tráfico de influência, não são todos que ganham, tem duas partes que estão ganhando, e o resto está perdendo. Isso eu não chamo de lobby, é trafico de influência, porque ele não tem nenhum interesse com a saúde, com o social, com a consequência, ele está ali preocupado com os interesses dele, o ganha-ganha dele, da empresa, e ali são dois, o resto não existe.
ConJur — Uma empresa que faz doação de campanha para um político dentro das regras previstas em lei ela está fazendo lobby?
Kelly Aguilar — Ela está defendendo interesse também. De novo, é permitido por lei? É. Posso fazer? Posso. Tem limite? Tem. Vai ser publicado, vai estar lá no site do Tribunal Superior Eleitoral, todo mundo vê, todo mundo sabe para quem eu doei. Quer dizer que aquele deputado vai fazer tudo que eu pedir? De novo, depende da relação que você tem com aquela pessoa, com aquele partido, depende muito da sua conduta. Eu posso doar para ele, mas também para a oposição. A maioria no Brasil faz isso, doa para todo mundo porque tem certeza que em algum lugar ele vai conseguir alguma coisa. O raciocínio é diferente, porque a forma de trabalhar é errada. As pessoas não podem pensar: “Porque eu dei eu tenho que receber”. Não é exatamente assim. Eu dei, se a agenda bater, ótimo. Tem que ter um mínimo de coerência nisso. Eu defendo as doações, sou totalmente a favor. De novo, quanto mais se proíbe, mais brecha para caixa dois abre. Todo ano a campanha fica mais cara no Brasil. De onde eles vão tirar esse dinheiro? Eu conheço deputado falido, que não tem casa, vendeu casa, vendeu carro, vive na casa da sogra, porque teve que pagar [a campanha], porque o partido não tem dinheiro para todo mundo, porque não conseguiu recolher das empresas tudo que precisava. E ele nem se elegeu, só faliu.
ConJur — Mas muitos afirmam que o financiamento privado de campanhas é uma das maiores fontes de corrupção no Brasil. O ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa afirmou em março que as doações para políticos não passam de empréstimos que cobrados a juros altos de quem recebeu o dinheiro para se eleger. O que a senhora pensa disso?
Kelly Aguilar — Depende da forma como eles estipularam o negócio. De novo, se as regras são claras desde o inicio, se você sabe quem são as empresas que doam, pra quem elas doam e quanto, e se discriminam de forma clara e transparente como é utilizado esse dinheiro, eu não vejo problema nenhum. Ali não era esse o caso. Eles usavam dinheiro de campanha, montavam caixa dois, e aí faziam o diabo com tudo isso. E montavam aquelas empresas fantasmas, laranja e tal. Não pode ser só fazer e deixar. Tem que auditar o partido, tem que auditar as contas de todo mundo.
ConJur — O que a senhora acha que é mais eficaz para uma empresa defender seus interesses e atingir resultados satisfatórios: contratar lobistas ou financiar um grupo de parlamentares?
Kelly Aguilar — Mais eficaz é a empresa ter um funcionário de relações governamentais bem treinado, que entenda a corporação, seus negócios, o país e suas regras do país, e que entenda o que ele está fazendo lá. Eu sou totalmente contra esse negócio de pagar deputado para fazer o que eu quero. Isso é coisa do passado, muito colonialista — se bem que o Brasil não deixou de ser uma colônia. Temos que avançar, dar um passo à frente, não podemos continuar com práticas que não fazem parte do século XXI. Enquanto não tiver reforma política, a gente não sai disso. Ficar dependendo de contratar escritório de lobista para ir lá fazer o quê? Eu contrato um lobista, pago uma fortuna, ele não sabe o que eu faço. Aí ele vem aqui, fica uma ou duas horas com isso, fala: “A lei é essa, meu impacto é esse, vai lá tentar resolver”. Ele vai lá, vai tentar resolver sei lá como e ele vai falar em nome da minha empresa, vai levar a imagem da minha empresa lá, eu não sei como é que ele vai falar, não sei que forma ele vai dizer alguma coisa, não sei se ele vai dar brecha para um político entender que possa haver uma situação. Eu não posso delegar uma função tão sensível para uma pessoa que eu não sei se vai entender o que eu faço. Ele tem que estar bem preparado, tem que ser da empresa, tem que estar no contexto para entender a responsabilidade que tem no convencimento, com informações verídicas, com fatos. Uma vez que você fala uma mentira, nunca mais acreditam em você.
ConJur — A senhora acha que a operação "lava jato" prejudicou a imagem dos lobistas no país? Ela vai dificultar a atuação desses profissionais?
Kelly Aguilar — Ao contrário, eu vejo como uma oportunidade, porque, coincidentemente, veio tudo junto: a criação do Irelgov, a Lei Anticorrupção, já estava tendo o julgamento do mensalão [Ação Penal 470]. Agora vem a operação lava jato, vem o juiz Sergio Moro, vem as delações premiadas, eu acho que só chama atenção para uma coisa positiva. Eu vejo oportunidade porque os que atuavam nesses esquemas vão pensar “Agora a coisa está pegando sério. Eu trabalhava dessa forma, mas não posso mais trabalhar assim, a não ser que eu queira me arriscar ir para cadeia, que meu chefe também vá, que eu passe vergonha depois, porque eu sou presa, depois como encaro minha família, como eu vejo meus amigos?”. Eu tenho amigos que trabalham em empresas investigadas [na operação "lava jato"] que estão com vergonha de falar onde eles trabalham. Imagina se você é envolvido em um nível maior, como que você vai trabalhar? Mas tudo isso só vem ajudar. É a oportunidade de dar destaque para o profissional de uma forma positiva e de mostrar que existe a defesa de interesses legítima e legal, e que ela é, sim, feita por muitas empresas de forma ética, transparente e com boas práticas. É isso que a gente vai defender, essa é a nossa pauta no Irelgov. Eu vejo como mudança, é mudança de paradigma total, tem que mudar comportamentos, mudar formas de se trabalhar o Congresso, mudar formas de se trabalhar em vários setores da sociedade.
ConJur — No Congresso, há bancadas que defendem os mais diversos interesses setoriais, como as dos ruralistas, dos evangélicos, dos bancos, de armas. O que eles fazem parece muito com o lobby. Isso é legal e legítimo?
Kelly Aguilar — Tudo é lobby. Ninguém está lá [no Congresso] para visitar ninguém, ninguém está lá porque quer passear, está todo mundo lá defendendo um interesse. Se você quiser um sinônimo para lobby, defesa de interesse, está todo mundo defendendo seu interesse, está todo mundo defendendo seu mercado, está todo mundo defendendo seu ganha-pão. A bancada ruralista está defendendo a agroindústria, é a maior bancada no Congresso, a que tem mais poder, e representa o maior setor de exportação do Brasil. Então, vale muito [defender esses interesses], e aí você não está discutindo só os seus interesses, tem interesses do Brasil, tem a balança comercial, tem que exportar, você tem que alimentar aqui dentro, tem um monte de gente passando fome lá fora porque não tem as condições do Brasil de plantar, você tem que ser um exportador. Como que eu penso os próximos anos com a população aumentando em outros países que não têm condições de plantar como nós temos? Onde a China tem terreno para plantar? Ali é tudo árido, o pouco que tem planta arroz. Como você pode ajudar a alimentar? Tem que pensar além. Lá fora, todo mundo defende interesses muito mais que nós. Por exemplo, a água. O Brasil tem o maior território de água doce. Quando faltar água lá fora, por diversos motivos, ou quando a maioria for só água salgada, onde a água vai ser mais cara? A água cara vai ser cara aqui. Então, você tem que pensar tudo em longo prazo. Você usa um monte de água para o gado, você tem que plantar para o gado comer, você tem que plantar para gente comer, essas questões tem que ser trabalhadas todo dia. Arma é um dos bens mais comercializados no mundo. Se o dado continua atualizado, a arma é o que mais se vende no mundo. Como não vai ter alguém lá defendendo o interesse de arma? Então, tem todo um jogo ali, um depende do outro. Não pense que lá dentro do Congresso só tem brasileiro, tem gente de tudo quanto é país, porque todo mundo tem interesse com todo mundo. E cada vez mais, porque o mundo é globalizado, cada vez mais a gente vai precisar do outro. No fim, a gente está pensando na nossa sobrevivência, em como vamos estar daqui a 20 ou 40 anos. A gente tem que pensar em tudo isso. As decisões são cada vez mais complexas, cada vez mais difíceis. Se você não tiver essa visão de médio ou longo prazo e não começar a trabalhar agora, terá prejuízos no futuro. E para evitar isso, tem que trabalhar lá [no Congresso], porque lá que são tomadas as decisões. Começa nas cidades, tem um pouco [de defesa de interesses] nas Câmaras dos Vereadores, um pouco mais nas Assembleias Legislativas, em alguns estados mais que outros. Mas você tem que pensar que em todo lugar tem alguém genuinamente defendendo seu interesse.
Sérgio Rodas é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 7 de junho de 2015, 8h59
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