O Superior Tribunal de Justiça trabalha para enfrentar uma nova avalanche. Pela regra processual atual, quem decide se o recurso especial tem condições ou não de subir ao STJ é o tribunal de origem. Mas pelo que foi aprovado no novo Código de Processo Civil, quem fará esse juízo de admissibilidade é o próprio STJ. O mesmo valerá para o Supremo Tribunal Federal, no caso dos recursos extraordinários.
A estimativa é que a demanda ao tribunal, já invencível, aumente cerca 45%. O STJ deixará de receber 300 mil casos por ano para receber mais de 400 mil, segundo pesquisa interna feita pelo Núcleo de Recursos Repetitivos (Nurer) do tribunal.
Outro problema é que a realidade do tribunal mostra que, para cada recurso especial há cerca de três agravos, segundo conta o ministro Paulo de Tarso Sanseverino à revista Consultor Jurídico. Com a mudança do novo CPC, a situação tende a se agravar.
“O recurso especial é o recurso nobre, que realmente nos dedicamos na apreciação. Já o agravo do recurso especial, como já teve uma decisão contrária no tribunal de origem, já vem cambaleante. A decisão normalmente nesses casos é mais sucinta. A mudança vai exigir um aprofundamento maior de análise dos recursos especiais”, diz o ministro.
O novo CPC foi aprovado no dia 16 de março deste ano e entra em vigor um ano depois, no dia 16 de março de 2016. É o prazo que o STJ tem para estudar uma solução para o novo crescimento da demanda por seus serviços.
Leia e entrevista:
ConJur — Qual é a opinião do senhor sobre o novo CPC?
Paulo Sanseverino — O novo Código é bom, moderno, com conceitos bem delineados. Era necessário alterar o CPC de 1973 por ele ter sofrido várias reformas a partir da década de 90, a ponto de ficar assistemático. E uma das principais características de um código de processo é ele ser sistemático, orgânico, para não atrapalhar a sua correta aplicação.
ConJur — Mas há preocupações.
Paulo Sanseverino — Aqui no STJ é com o aumento do volume de processos por causa da transferência do juízo de admissibilidade para tribunais superiores para acolhimento de recursos. O número de reclamações também vai aumentar em função dos recursos repetitivos e desrespeito a súmulas. O eventual descumprimento de uma determinada súmula, por exemplo, nas instâncias inferiores, vai ensejar uma reclamação para o STJ. Vamos ter que regulamentar bem para evitar que tenha abuso.
ConJur — O que pode ser feito para minimizar esse “efeito colateral”?
Paulo Sanseverino — Uma possibilidade seria a criação de um órgão que faça a admissibilidade dos recursos especiais antes da sua distribuição, mas nada foi decidido ainda. Atualmente, são cerca de três agravos de recurso especial para cada recurso especial que recebemos. São 70 mil recursos especiais e 180 mil agravos de recurso especial. O recurso especial é o recurso nobre, que realmente nos dedicamos na apreciação. Já o agravo do recurso especial, como já teve uma decisão contrária no tribunal de origem, vem cambaleante. Nesses casos, a decisão normalmente é mais sucinta. A mudança vai exigir um aprofundamento maior de análise dos recursos especiais.
ConJur — Em que sentido?
Paulo Sanseverino — O repetitivo é muito prestigiado no CPC. Tem eficácia vinculante em relação às instâncias inferiores e é necessário para diminuir o número de processos que chegam ao STJ. Por isso que o Núcleo dos Recursos Repetitivos (Nurer) vai ser ainda mais necessário, além da interlocução com os tribunais. Foi o que fizemos na comissão que eu presido desde o ano passado. A ideia é fazer um trabalho de inteligência para descobrir mais rapidamente os recursos que estão se proliferando e evitar que cheguem como um problema crônico. Por outro lado, há também uma atuação interna, porque a reclamação dos tribunais é que eventualmente os repetitivos aqui, tal qual a repercussão geral do Supremo, têm uma tramitação muito demorada. E como há o sobrestamento, os casos ficam parados na origem. Estamos tentando localizar os gargalos e os motivos da demora.
ConJur — A mudança de juízo de admissibilidade não vai ajudar a uniformizar entendimentos?
Paulo Sanseverino — Cada tribunal tinha critérios próprios, esse é o argumento daqueles que sustentam que é melhor fazer admissibilidade no STJ. O problema é o volume de recursos que vai chegar aqui. Vai afogar o STJ e tirar a sua missão constitucional, que não é ser uma terceira instância, é uniformizar a jurisprudência e garantir a correta aplicação da lei federal daquilo que é controvertido. Mas hoje as grandes questões ficam de lado e acabamos revisando indenização de dano moral, mudando de R$ 5 mil para R$ 10 mil, por exemplo. Esse não é nosso objetivo.
ConJur — Não é possível sumular esses entendimentos depois de um tempo?
Paulo Sanseverino — Sem dúvida, hoje com o repetitivo, a rigor, não precisa nem sumular. As teses repetitivas funcionam como se fossem uma súmula. O repetitivo no sistema atual tem uma eficácia vinculativa maior do que a própria súmula. Ela na verdade não é o precedente, é só uma síntese da orientação jurisprudencial do tribunal a respeito daquela matéria. O repetitivo, não. É uma síntese, realmente, de um precedente específico do caso.
ConJur — Ficou mais difícil fazer isso agora?
Paulo Sanseverino — Seguimos a linha do direito romano germânico que é da Europa Continental. Ou seja, a lei é a principal fonte do Direito. NaCommon Law, da Inglaterra e dos Estados Unidos, a grande fonte do direito é a jurisprudência.
ConJur — O que isso quer dizer, na prática?
Paulo de Tarso — No momento em que valorizamos o repetitivo, estamos nos aproximando do sistema da Common Law. A técnica das distinções que os anglo-saxões usam para tentar fazer subir um recurso até a Suprema Corte Americana, ou a House of Lords, no Reino Unido, começará a ser usada cada vez mais para tentar demonstrar que o caso é diferente do precedente. Isso é interessante, já vinha ocorrendo gradativamente, mas agora com o novo CPC se acentua.
ConJur — Como vai ter agora a admissibilidade no STJ e também a questão da distinção de um recurso para outro, não seria necessário ter um tribunal de cassação?
Paulo Sanseverino — Eventualmente atuamos como um tribunal de cassação. Uma regra que está no CPC permite que nesses casos o tribunal avance e já julgue a causa diretamente.
ConJur — Mas seria necessário criar uma forma só de cassar?
Paulo Sanseverino — É uma opção do tribunal. O juiz julgou improcedente em primeiro grau, o tribunal de origem manteve a sentença e aqui damos provimento ao recurso especial e julgamos procedente. Se tivermos todos os elementos para julgar procedente, avançamos e já quantificamos a indenização, por exemplo.
Pedro Canário é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Marcelo Galli é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 31 de maio de 2015, 8h00
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