Termo
inicial da obrigação alimentar na ação de alimentos e investigatória de paternidade
Maria Berenice Dias
Desembargadora do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
Vice-Presidente
Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM
www.mariaberenice.com.br
Uma verdade
que se tem por absoluta é que os alimentos são devidos desde a data da citação,
até porque isso é o que está escrito na Lei de Alimentos
(LA, 5.578-68, art. 13, § 2º): Em
qualquer caso os alimentos fixados retroagem à data da citação. Como há a
determinação de incidência dessa lei às ações de separação, de anulação de casamento e
às revisionais, em todas as demandas em que há a fixação de verba alimentar, o
encargo tem como termo inicial o ato citatório.
Parece
que este é um ponto que ninguém questiona: alimentos são devidos desde o
momento em que o réu foi citado para a ação. Seja em demanda autônoma, seja o
encargo alimentar estabelecido em ação outra, a eficácia da sentença tem efeito
retroativo.
Na ação de alimentos
Mas pai
é pai desde a concepção do filho. A partir daí, nascem os ônus, encargos e
deveres decorrentes do poder familiar. O simples fato de o genitor não assumir
a responsabilidade parental não o desonera. No entanto, é isso o que se vê acontecer
todos os dias. Ao saber que a namorada ou companheira está grávida, o homem tenta
induzi-la ao aborto, nega ser o pai, a abandona. Ameaça denegrir sua imagem
argüindo a malsinada exceptio plurium
concubentium e que levará vários amigos como testemunhas para afirmarem que
tiveram contato sexual com ela. A mulher,
fragilizada, muitas vezes abandonada pela família, acaba criando o filho sozinha. Tem enorme
dificuldade de procurar um advogado, de amealhar provas de um relacionamento
íntimo que lhe causou tanto sofrimento e que, muitas vezes, por imposição do
varão, se manteve na clandestinidade.
Mas o filho tem direito
à identidade, à proteção integral, merece viver com dignidade, precisa de
alimentos, quer ter alguém para chamar de pai. Quando, depois de vários anos,
consegue obter o reconhecimento da paternidade, os alimentos injustificadamente
são fixados a partir da citação do réu, como se o filho tivesse nascido
naquele dia. Essa orientação consolidada da jurisprudência esquece o que se
chama de responsabilidade parental. Nenhum pai mais irá acompanhar a mãe,
registrar o filho e
pagar alimentos sabendo que, se ficar inerte e lograr safar-se da citação,
poderá ficar anos sem arcar com nada.
Mas
há outro princípio constitucional que necessita ser invocado: o que impõe
tratamento isonômico aos filhos, vedando discriminações (CF, art. 227, § 6º). O
pai responsável acompanha o
filho desde sua concepção, participa do parto, registra o filho, embala-o no colo. Com
relação ao filho que não recebeu estes cuidados, deve a Justiça procurar
suavizar essas desigualdades e não as acentuar ainda mais limitando a obrigação
alimentar do genitor, relapso.
Claro
que a alegação do demandado sempre será de que desconhecia a gravidez, não
soube do nascimento do filho e sequer tomara conhecimento da sua existência, só
vindo a saber de tais fatos
quando da citação. Nessas ações, como a prova é de fato que acontece a
descoberto de testemunha, não há divisão tarifada dos encargos probatórios
segundo os ditames processuais (CPC, art. 333). Aliás, a atribuição dos ônus
probatórios até perdeu relevo, em face do alto grau de certeza dos
exames de DNA e da presunção que decorre da negativa em submeter-se à perícia
(CC, arts. 230 e 231). Súmula do STJ[1]
atribui presunção juris tantum à
omissão do investigado. Com referência à prova da ciência da paternidade, cabe
ao autor demonstrar as circunstâncias em que réu tomou conhecimento de sua
concepção, do seu nascimento ou da sua existência. Não logrando o demandado comprovar
que desconhecia ser o pai do autor antes da citação, deverá ser-lhe imposto o
pagamento dos alimentos desde o momento em que tomou ciência da
paternidade.
Outro
fundamento a ser utilizado pelo réu para livrar-se dos alimentos com efeito
retroativo é o de que
não tinha certeza da paternidade, não podendo assumir o encargo sem saber se o filho era seu. No entanto,
desde o advento do exame do DNA, que dispõe de índice de certeza
quase absoluto, não há mais como alegar dúvida sobre a verdade biológica. Nem o
custo do teste e nem a negativa da genitora em deixar o filho submeter-se
ao exame servem de justificativa para não ser buscada a verdade. Basta ingressar com ação
declaratória ou negatória de paternidade. Também pode ajuizar cautelar de
produção antecipada de prova. Em todas as hipóteses, a quem não tiver condições
de pagar, o acesso ao exame genético é gratuito.
Nada justifica livrar o genitor das obrigações decorrentes do poder
familiar, que surgem desde a concepção do filho. Como a ação investigatória de
paternidade tem carga eficacial declaratória, todos os efeitos retroagem à data
da concepção, até mesmo a obrigação alimentar. A filiação, que
existia antes, embora sem caráter legal, passa a ser assente perante a lei. O
reconhecimento, portanto, não cria: revela-a. Daí resulta que os seus efeitos,
quaisquer que sejam, remontam ao dia do nascimento, e, se for preciso, da
concepção do reconhecido.[2]
É
muito bonito falar-se em dignidade humana, em paternidade responsável, em proteção
integral a crianças e adolescentes. Mas é preciso dar efetividade a todos esses
princípios. Certamente a responsabilidade é da Justiça. Para isso, não é necessário
aguardar o legislador. Basta o Poder Judiciário continuar desempenhando o seu papel
com coragem e responsabilidade, para garantir a cidadania a todos,
principalmente aos cidadãos de amanhã.
[1] Súmula
301: Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de
DNA induz presunção juris tantum de paternidade.
[2] MIRANDA, Pontes de. Tratado
de Direito Privado, 3ª. ed., Tomo IX, Borsoi: 1971, p. 99.
[3] FERNANDES, Thycho Barhe. Do Termo Inicial dos Alimentos na Ação de Investigação de
Paternidade, Revista dos Tribunais ,
São Paulo, v. 694, p. 268-70, 1993; COLTRO, Antônio Carlos Mathias.
O Termo Inicial dos Alimentos e a
Ação de
Investigação de Paternidade , Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo ,
São Paulo, n. 6, p. 50-60, 2000; BORGHEZAN, Miguel. O Termo Inicial dos
Alimentos e A Concreta Defesa da Vida na Ação de Investigação de
Paternidade, Repertório IOB de
Jurisprudência, São Paulo, 3/18048, 2001.
[4]
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. RECUSA EM SUBMETER AO EXAME
DE DNA. ALIMENTOS. FIXAÇÃO E TERMO INICIAL À DATA DA
CONCEPÇÃO. A recusa em se submeter ao exame de paternidade gera presunção da
paternidade. O fato de inexistir pedido expresso de alimentos não impede o
magistrado de fixá-los, não sendo extra
petita a sentença.
O termo inicial da obrigação alimentar deve ser o da
data da concepção quando o genitor tinha ciência da gravidez e recusou-se a
reconhecer o filho. REJEITADA A PRELIMINAR. APELO DESPROVIDO, POR MAIORIA. (TJRGS
– AC 70012915062 – 7ª C.Cív. – Rel. Desa. Maria Berenice Dias – j.
9/11/2005).
Fonte: https://www.tjrs.jus.br/.../Termo_inicial_da_obrigacao_alimentar.do
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