terça-feira, 5 de março de 2013

INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS NO PROJETO DO NOVO CPC - BREVES APONTAMENTOS




Antônio Pereira Gaio Júnior
Advogado; Pós-Graduado em Direito Processual
(UGF); Mestre em Direito (UGF); Doutor em Direito
(UGF); Pós-Doutor em Direito (Universidade de
Coimbra/PT); Professor Adjunto da Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ; Membro
Efetivo da Comissão Permanente de Direito
Processual Civil do IAB-Nacional; Membro
do Instituto Brasileiro de Direito Processual
- IBDP.
Artigo publicado na Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil nº 44 - Set/Out de 2011




RESUMO: Trata-se de artigo onde se procura enfrentar as principais questões processuais decorrentes de incidente processual com previsão expressa no Projeto de Lei do Senado Federal nº 166 de 2010, mais precisamente nos arts. 930 a 941, denominado "Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas". Por ser instituto cabível em situações onde, decorrente de demandas em andamento, for detectada respectiva controvérsia que detém potencial de gerar relevante multiplicação de processos fundados em idêntica questão de direito e de causar grave insegurança jurídica, decorrente do risco de coexistência de decisões conflitantes, demonstra-se, fundamentalmente, a necessidade de análise pormenorizada dos impactos sobre a marcha procedimental e possível efetividade e presteza temporal na sistemática processual civil pátria.
PALAVRAS-CHAVE: Demandas Repetitivas. Reforma Processual. Efetividade e Celeridade.
SUMÁRIO: 1 Uma Nota Introdutória. 2 Noções Gerais e Procedimento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. 3 Referências Bibliográficas.
1 Uma Nota Introdutória
É cediço o volume de demandas que transbordam nas secretarias das numerosas comarcas que compõem a estrutura do Poder Judiciário pátrio.
Notadamente, boa parte de ditas demandas relacionam-se com conflitos que possuem, em seu particular âmago, similitude na causa de pedir, gerando, inegavelmente, lides envoltas em questões ora denominadas repetitivas 1.
Em meio a tal contexto problemático, não foge à análise que a alusiva multiplicidade de demandas de semelhante teor (litigiosidade de massas) 2, desaguada em uma estrutura técnica procedimental edificada sob outro paradigma 3 e que, por isso, vem, ainda de pouco, buscando alternativas para o enfrentamento de numerário avassalador das supracitadas lides, em que pese a problemática envolta na questão possuir tentáculos para uma variedade de causas, sendo, a nosso ver, das mais graves, o incontestável déficit em políticas públicas voltadas ao arranjo estrutural - e aí incluso o pessoal - qualitativo, apto a otimizar necessário impacto na qualidade do serviço público da justiça no país.
Por outro lado, somando-se à problemática quantitativa, tem-se a necessidade de melhor equalização das decisões judiciais aos casos concretos com nítida similitude 4, ou seja, nota-se, de muito, uma variedade de julgados com comandos discrepantes sobre uma mesma situação de direito, fortalecendo o sentimento de insegurança jurídica, realçado em sua face subjetiva, ou seja, na confiança legítima dos cidadãos quanto à calculabilidade e previsibilidade dos atos dos poderes públicos 5, contrariando assim o próprio e verdadeiro escopo da visão democrática a que o processo, como instrumento de liberdade, deva encarnar e incansavelmente perquirir: o empenho à igualdade de todos perante o direito.
Tal escopo se mostra indissociável do próprio Estado de Direito, com o equilíbrio das relações sociais, ainda que, a partir da concepção abstrata da lei, mas que razoavelmente pondera o seu exercício prático à razoabilidade através de soluções comuns à mesma medida do conflito a ser dissolvido pelo Poder Judicante estatal.
Ilógico e, por isso, inaceitável que, diante da analogia em casos concretos, repousem decisões gravemente discrepantes. Neste mesmo diapasão, bem norteiam Marinoni e Mitidiero:
"Não há Estado Constitucional e não há mesmo Direito no momento em que casos idênticos recebem diferentes decisões do Poder Judiciário. Insulta o bom-senso que decisões judiciais possam tratar de forma desigual pessoas que se encontram na mesma situação." 6
Ainda nesta toada e a título de exteriorizar a já antiga preocupação da doutrina pátria em tema de divergência jurisprudencial, João Mendes Júnior, ao tocar na temática, afirmava como causa final da atividade forense "a reparação do direito desconhecido, violado ou ameaçado" e sua "realização e segurança" 7. Indo ainda além no tema, Pontes de Miranda, na sua genialidade, lecionava que: "Se alguma sentença ou outra decisão, que se não haja considerar sentença, diverge de outra, em qualquer elemento contenutístico relativo à incidência ou à aplicação de regra jurídica, uma delas é injusta.(...). Tem-se de evitar isso e aí está a razão de algumas medidas constitucionais ou de Direito Processual que têm por fito corrigir ou evitar a contradição na jurisprudência" 8.
Assim, e em consonância com o que já fora dito linhas atrás, ainda que pesem esforços no sentido de abrandar as volumosas ações de caráter repetitivo, evitando-se, inclusive, discrepâncias nos julgados, ex vi de medidas como a das "Súmulas Impeditivas de Recursos" - art. 518, § 3º, do Código de Processo Civil (aplicando-se aí, no ato sentencial, jurisprudências consolidadas nos Tribunais Superiores, por isso, conteúdos já outrora e em similitude, julgados) 9 - e mais intensamente em sede de Tribunais Superiores, dos institutos da Súmula Vinculante (art. 103-A da Constituição Federal de 1988) e da Repercussão Geral (arts. 543-A e 543-B do CPC) 10, ambos afetos a contendas recursais endereçadas ao Supremo Tribunal Federal e igualmente de filtro recursal, visando obstar uma multiplicidade de Recursos Repetitivos decorrentes de mesma questão de direito, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (art. 543-C) 11, continuam-se os esforços no sentido de minorar cada vez mais a incidência das ações decorrentes de mesmas questões de direito, aprimorando-se métodos já no canal inicial, por onde as aludidas demandas, possivelmente de índole repetitiva, procedimentalmente, iniciam sua trajetória, ou seja, nas instâncias judiciais originárias, mais frequentemente, diante do juízo monocrático.
Nestes termos é que encontra lugar a ideia de atuação do intitulado "Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas."
2 Noções Gerais e Procedimento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas
Com previsão expressa no Projeto de Lei do Senado Federal nº 166 de 2010 12, mais precisamente nos arts. 930 a 941, encontra lugar o denominado "Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas" (IRDR) 13.
Trata-se de instituto cabível em situações onde, decorrente de demandas em andamento, for detectada respectiva controvérsia que, na exata dicção do texto (ex vi do art. 930, caput), possuir "potencial de gerar relevante multiplicação de processos fundados em idêntica questão de direito e de causar grave insegurança jurídica, decorrente do risco de coexistência de decisões conflitantes".
Notadamente, e já em início de análise, é de se observar o não cabimento do incidente quando envolto apenas em questões de fato, portanto, necessário se faz repousar sobre questões de direito, como se depreende do supracitado art. 930.
Quanto à legitimidade para suscitar o presente Incidente, podem fazê-lo o magistrado, de ofício; ou, por petição, as partes, o Ministério Público ou a Defensoria Pública, conforme sustenta o § 1º do art. 930.
Vale ressaltar, em situação similar ao que já bem acontece em sede de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85, art. 5º, § 3º), caso o Ministério Público não tenha sido o proponente do presente Incidente, intervirá obrigatoriamente e, em caso de abandono ou desistência pela parte, poderá assumir a titularidade do IRDR (§ 3º do art. 930).
Apontamento importante e de ordem formal é aquele constante do § 2º do art. 930, onde se atenta para a questão documental, daí instrutória, no que tange ao pedido de instauração do incidente, in verbis:
"§ 2º O ofício ou a petição a que se refere o § 1º será instruído com os documentos necessários à demonstração da necessidade de instauração do incidente."
Nota-se aqui, portanto, e ainda que em síntese apertada, a presença dos requisitos iniciais para a admissibilidade do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas:
- A identificação de controvérsia com potencial de gerar relevante multiplicação de processos fundados em idêntica questão de direito e de causar grave insegurança jurídica decorrente do risco de coexistência de decisões conflitantes.
- A legitimidade para o pedido de instauração do Incidente.
- A instrução com os documentos necessários à demonstração da necessidade de instauração do incidente, logicamente, fundamentado na circunstância comprobatória da existência de "controvérsia com potencial de gerar relevante multiplicação de processos fundados em idêntica questão de direito e de causar grave insegurança jurídica, decorrente do risco de coexistência de decisões conflitantes".
O incidente será então distribuído a um relator do plenário do tribunal competente (ou do órgão especial, onde houver), que poderá requisitar informações ao juízo de primeiro grau onde se deu origem ao Incidente (arts. 932 e 933), cabendo ao respectivo tribunal analisar, além dos requisitos de admissibilidade já acima referendados, a conveniência em se adotar a decisão paradigmática (art. 933, § 1º).
Em sendo rejeitado o Incidente, retoma-se ação originária, caso contrário, o tribunal suspenderá todas as ações pendentes tanto em primeiro quanto em segundo grau (art. 934), cabendo assinalar que, a despeito da aludida suspensão de ações pendentes, havendo necessidade de adoção de medidas de urgência no âmbito de tais demandas, autoriza o parágrafo único do art. 934 que sejam elas praticadas.
Em síntese, uma vez julgando a questão de direito submetida, o Tribunal competente lavrará acórdão respectivo, cujo teor será vinculante e imposto a todos os juízes ou órgãos fracionários no âmbito de sua competência territorial (art. 933, § 2º) 14.
Ocorre que, para o devido processo legal referente ao próprio procedimento de julgamento do Incidente, notadamente, depois de o admitido, conforme apontado linhas atrás, serão ouvidos todos os interessados, inclusive entidade com interesse na controvérsia, que, no prazo de quinze dias, apresentarão documentos ou suas manifestações; depois ouve-se o Ministério Público (art. 935).
Feito isso, remete-se para julgamento pelo órgão colegiado (plenário ou órgão especial), no qual poderão se manifestar o autor e o réu do processo originário, bem como o Ministério Público, cada qual com trinta minutos (art. 936). Depois, manifestam-se os demais interessados no prazo comum de trinta minutos.
Então, julgado o Incidente, "a tese jurídica será aplicada a todos os processos que versem idêntica questão de direito", conforme expressa o art. 938.
Se o Incidente não for julgado em seis meses, cessa-se a eficácia da ordem de suspensão dos processos sobre a mesma questão, salvo decisão fundamentada do relator (art. 939).
Após o julgamento, dispõe o caput do art. 940 que qualquer das partes poderá interpor recursos especial ou extraordinário, estes que, diferentemente da regra geral, serão dotados de efeito suspensivo, "presumindo-se a repercussão geral da questão constitucional eventualmente discutida".
Além disso, não será feito juízo de admissibilidade na origem, como também é a regra geral da via recursal, por isso, remete-se diretamente para o tribunal competente julgar o recurso interposto, tudo consoante o art. 940 em seu parágrafo único.
Insta ainda ressaltar que, não sendo observada a tese adotada na decisão paradigmática (proferida no IRDR), reza o art. 941 que terá cabimento a "Ação de Reclamação" 15 para o tribunal competente, esse que irá analisar e decidir se ocorreu desrespeito à autoridade de sua decisão, nos termos do próprio procedimento da Reclamação (ex vi dos arts. 942 a 947), conforme aponta o parágrafo único do art. 941.
Por derradeiro, no tocante à publicidade da existência de Incidentes por parte de qualquer interessado - aí incluindo os próprios tribunais - a fim de evitar, inclusive, que haja demandas atinentes a uma mesma questão de direito já tipificada como Incidente e que ainda estejam correndo isoladamente em seu itinerário procedimental 16, reza o art. 931 que o Incidente deverá ser submetido à ampla e específica divulgação, especialmente por meio de um cadastro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), alimentado por dados fornecidos pelos tribunais (parágrafo único do art. 931).
Na mesma toada, mirando a segurança jurídica, as partes, interessados, Ministério Público ou Defensoria Pública poderão requerer que seja determinada a suspensão de todos os processos em curso no país sobre a mesma questão objeto do Incidente (art. 937); valendo pontuar o mesmo raciocínio supra para qualquer das partes de eventual demanda que esteja em andamento isoladamente perante qualquer órgão judiciário, conforme sustenta o próprio parágrafo único do art. 937:
"Parágrafo único. Aquele que for parte em processo em curso no qual se discuta a mesma questão jurídica que deu causa ao incidente é legitimado, independentemente dos limites da competência territorial, para requerer a providência prevista no caput."
A competência para conhecer de tal requerimento coincide com a competência para julgar os recursos especial e extraordinário, o que hoje corresponde, respectivamente, ao STJ e ao STF.
Tem-se aí o procedimento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas que, como visto, possuirá a serventia de desmobilizar o imenso numerário de demandas repetitivas que assolam todos os graus da Justiça Brasileira bem como minimizar o discrepante número de julgados divergentes sobre uma mesma questão de direito, tudo através de tese que, outrora, seria adotada pelo tribunal após a pacificação da jurisprudência ou em um eventual incidente de uniformização de jurisprudência. No entanto, vislumbra-se agora incidente especificamente voltado ao enfrentamento das problemáticas multicitadas, cuja aptidão será verificada com acerto, caso, efetivamente, haja o contributo e boa vontade daqueles operadores sensíveis aos problemas agudos por que passa, já de longa data, o serviço público de justiça do Brasil 17.
TITLE: Incident of resolution of repetitive demands in the New CPC bill - brief notes.
ABSTRACT: This article intends to confront the major procedural issues that comes from procedural incident with provisions in our Bill of the Senate no. 166 of 2010, specifically in articles 930-941, entitled "Incident of Resolution of Repetitive Demands". For being a institute appropriate in situations where, due to ongoing demands, their dispute is detected that has the potential to generate significant multiplication of process based on an identical question of law and could cause serious legal uncertainty, arising from the risk of coexistent conflicting decisions, demonstrates, fundamentally, the need for detailed analysis of impact on the procedural motion and possible effectiveness and readiness of civil procedure in the current brazilian systematic.
KEYWORDS: Repetitive Demands. Procedure Reform. Effectiveness and Readiness.
3 Referências Bibliográficas
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