RESUMO: Trata-se
de artigo onde se procura enfrentar as principais questões processuais
decorrentes de incidente processual com previsão expressa no Projeto de Lei do
Senado Federal nº 166 de 2010, mais precisamente nos arts. 930 a 941, denominado
"Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas". Por ser instituto cabível em
situações onde, decorrente de demandas em andamento, for detectada respectiva
controvérsia que detém potencial de gerar relevante multiplicação de processos
fundados em idêntica questão de direito e de causar grave insegurança jurídica,
decorrente do risco de coexistência de decisões conflitantes, demonstra-se,
fundamentalmente, a necessidade de análise pormenorizada dos impactos sobre a
marcha procedimental e possível efetividade e presteza temporal na sistemática
processual civil pátria.
|
|||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
PALAVRAS-CHAVE:
Demandas Repetitivas. Reforma Processual. Efetividade e
Celeridade.
|
||||
SUMÁRIO: 1 Uma Nota
Introdutória. 2 Noções Gerais e Procedimento do Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas. 3 Referências Bibliográficas.
|
||||
1 Uma Nota Introdutória | ||||
É cediço o volume de
demandas que transbordam nas secretarias das numerosas comarcas que compõem a
estrutura do Poder Judiciário pátrio.
|
||||
Notadamente, boa parte de
ditas demandas relacionam-se com conflitos que possuem, em seu particular âmago,
similitude na causa de pedir, gerando, inegavelmente, lides envoltas em questões
ora denominadas repetitivas 1.
|
||||
Em meio a tal contexto
problemático, não foge à análise que a alusiva multiplicidade de demandas de
semelhante teor (litigiosidade de massas) 2, desaguada em uma estrutura técnica procedimental
edificada sob outro paradigma 3 e que, por isso, vem, ainda de pouco, buscando
alternativas para o enfrentamento de numerário avassalador das supracitadas
lides, em que pese a problemática envolta na questão possuir tentáculos para uma
variedade de causas, sendo, a nosso ver, das mais graves, o incontestável
déficit em políticas públicas voltadas ao arranjo estrutural - e aí incluso o
pessoal - qualitativo, apto a otimizar necessário impacto na qualidade do
serviço público da justiça no país.
|
||||
Por outro lado,
somando-se à problemática quantitativa, tem-se a necessidade de melhor
equalização das decisões judiciais aos casos concretos com nítida similitude
4, ou seja, nota-se, de muito, uma variedade de julgados
com comandos discrepantes sobre uma mesma situação de direito, fortalecendo o
sentimento de insegurança jurídica, realçado em sua face subjetiva, ou seja, na
confiança legítima dos cidadãos quanto à calculabilidade e previsibilidade dos
atos dos poderes públicos 5, contrariando assim o próprio e verdadeiro escopo da
visão democrática a que o processo, como instrumento de liberdade, deva encarnar
e incansavelmente perquirir: o empenho à igualdade de todos perante o
direito.
|
||||
Tal escopo se mostra
indissociável do próprio Estado de Direito, com o equilíbrio das relações
sociais, ainda que, a partir da concepção abstrata da lei, mas que razoavelmente
pondera o seu exercício prático à razoabilidade através de soluções comuns à
mesma medida do conflito a ser dissolvido pelo Poder Judicante
estatal.
|
||||
Ilógico e, por isso,
inaceitável que, diante da analogia em casos concretos, repousem decisões
gravemente discrepantes. Neste mesmo diapasão, bem norteiam Marinoni e
Mitidiero:
|
||||
"Não há Estado
Constitucional e não há mesmo Direito no momento em que casos idênticos recebem
diferentes decisões do Poder Judiciário. Insulta o bom-senso que decisões
judiciais possam tratar de forma desigual pessoas que se encontram na mesma
situação." 6
|
||||
Ainda nesta toada e a
título de exteriorizar a já antiga preocupação da doutrina pátria em tema de
divergência jurisprudencial, João Mendes Júnior, ao tocar na temática, afirmava
como causa final da atividade forense "a reparação do direito desconhecido,
violado ou ameaçado" e sua "realização e segurança" 7. Indo ainda além no tema, Pontes de Miranda, na sua
genialidade, lecionava que: "Se alguma sentença ou outra decisão, que se não
haja considerar sentença, diverge de outra, em qualquer elemento contenutístico
relativo à incidência ou à aplicação de regra jurídica, uma delas é
injusta.(...). Tem-se de evitar isso e aí está a razão de algumas medidas
constitucionais ou de Direito Processual que têm por fito corrigir ou evitar a
contradição na jurisprudência" 8.
|
||||
Assim, e em consonância
com o que já fora dito linhas atrás, ainda que pesem esforços no sentido de
abrandar as volumosas ações de caráter repetitivo, evitando-se, inclusive,
discrepâncias nos julgados, ex vi de medidas como a das "Súmulas
Impeditivas de Recursos" - art.
518, § 3º, do Código de Processo Civil (aplicando-se aí, no ato sentencial,
jurisprudências consolidadas nos Tribunais Superiores, por isso, conteúdos já
outrora e em similitude, julgados) 9 - e mais intensamente em sede de Tribunais Superiores,
dos institutos da Súmula Vinculante (art.
103-A da Constituição Federal de 1988) e da Repercussão Geral (arts.
543-A e 543-B
do CPC) 10, ambos afetos a contendas recursais endereçadas ao
Supremo Tribunal Federal e igualmente de filtro recursal, visando obstar uma
multiplicidade de Recursos Repetitivos decorrentes de mesma questão de direito,
no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (art. 543-C) 11, continuam-se os esforços no sentido de minorar cada
vez mais a incidência das ações decorrentes de mesmas questões de direito,
aprimorando-se métodos já no canal inicial, por onde as aludidas demandas,
possivelmente de índole repetitiva, procedimentalmente, iniciam sua trajetória,
ou seja, nas instâncias judiciais originárias, mais frequentemente, diante do
juízo monocrático.
|
||||
Nestes termos é que
encontra lugar a ideia de atuação do intitulado "Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas."
|
||||
2 Noções Gerais e Procedimento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas | ||||
Trata-se de instituto
cabível em situações onde, decorrente de demandas em andamento, for detectada
respectiva controvérsia que, na exata dicção do texto (ex vi do art. 930,
caput), possuir "potencial de gerar relevante multiplicação de processos
fundados em idêntica questão de direito e de causar grave insegurança jurídica,
decorrente do risco de coexistência de decisões conflitantes".
|
||||
Notadamente, e já em
início de análise, é de se observar o não cabimento do incidente quando envolto
apenas em questões de fato, portanto, necessário se faz repousar sobre questões
de direito, como se depreende do supracitado art. 930.
|
||||
Quanto à legitimidade
para suscitar o presente Incidente, podem fazê-lo o magistrado, de ofício; ou,
por petição, as partes, o Ministério Público ou a Defensoria Pública, conforme
sustenta o § 1º do art. 930.
|
||||
Vale ressaltar, em
situação similar ao que já bem acontece em sede de Ação Civil Pública (Lei
nº 7.347/85, art. 5º, § 3º), caso o Ministério Público não tenha sido o
proponente do presente Incidente, intervirá obrigatoriamente e, em caso de
abandono ou desistência pela parte, poderá assumir a titularidade do IRDR (§ 3º
do art. 930).
|
||||
Apontamento importante e
de ordem formal é aquele constante do § 2º do art. 930, onde se atenta para a
questão documental, daí instrutória, no que tange ao pedido de instauração do
incidente, in verbis:
|
||||
"§ 2º O ofício ou a
petição a que se refere o § 1º será instruído com os documentos necessários à
demonstração da necessidade de instauração do incidente."
|
||||
Nota-se aqui, portanto, e
ainda que em síntese apertada, a presença dos requisitos iniciais para a
admissibilidade do Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas:
|
||||
- A identificação de
controvérsia com potencial de gerar relevante multiplicação de processos
fundados em idêntica questão de direito e de causar grave insegurança jurídica
decorrente do risco de coexistência de decisões conflitantes.
|
||||
- A legitimidade para o
pedido de instauração do Incidente.
|
||||
- A instrução com os
documentos necessários à demonstração da necessidade de instauração do
incidente, logicamente, fundamentado na circunstância comprobatória da
existência de "controvérsia com potencial de gerar relevante multiplicação de
processos fundados em idêntica questão de direito e de causar grave insegurança
jurídica, decorrente do risco de coexistência de decisões
conflitantes".
|
||||
O incidente será então
distribuído a um relator do plenário do tribunal competente (ou do órgão
especial, onde houver), que poderá requisitar informações ao juízo de primeiro
grau onde se deu origem ao Incidente (arts. 932 e 933), cabendo ao respectivo
tribunal analisar, além dos requisitos de admissibilidade já acima referendados,
a conveniência em se adotar a decisão paradigmática (art. 933, §
1º).
|
||||
Em sendo rejeitado o
Incidente, retoma-se ação originária, caso contrário, o tribunal suspenderá
todas as ações pendentes tanto em primeiro quanto em segundo grau (art. 934),
cabendo assinalar que, a despeito da aludida suspensão de ações pendentes,
havendo necessidade de adoção de medidas de urgência no âmbito de tais demandas,
autoriza o parágrafo único do art. 934 que sejam elas
praticadas.
|
||||
Em síntese, uma vez
julgando a questão de direito submetida, o Tribunal competente lavrará acórdão
respectivo, cujo teor será vinculante e imposto a todos os juízes ou órgãos
fracionários no âmbito de sua competência territorial (art. 933, § 2º) 14.
|
||||
Ocorre que, para o devido
processo legal referente ao próprio procedimento de julgamento do Incidente,
notadamente, depois de o admitido, conforme apontado linhas atrás, serão ouvidos
todos os interessados, inclusive entidade com interesse na controvérsia, que, no
prazo de quinze dias, apresentarão documentos ou suas manifestações; depois
ouve-se o Ministério Público (art. 935).
|
||||
Feito isso, remete-se
para julgamento pelo órgão colegiado (plenário ou órgão especial), no qual
poderão se manifestar o autor e o réu do processo originário, bem como o
Ministério Público, cada qual com trinta minutos (art. 936). Depois,
manifestam-se os demais interessados no prazo comum de trinta
minutos.
|
||||
Então, julgado o
Incidente, "a tese jurídica será aplicada a todos os processos que versem
idêntica questão de direito", conforme expressa o art. 938.
|
||||
Se o Incidente não for
julgado em seis meses, cessa-se a eficácia da ordem de suspensão dos processos
sobre a mesma questão, salvo decisão fundamentada do relator (art.
939).
|
||||
Após o julgamento, dispõe
o caput do art. 940 que qualquer das partes poderá interpor recursos
especial ou extraordinário, estes que, diferentemente da regra geral, serão
dotados de efeito suspensivo, "presumindo-se a repercussão geral da questão
constitucional eventualmente discutida".
|
||||
Além disso, não será
feito juízo de admissibilidade na origem, como também é a regra geral da via
recursal, por isso, remete-se diretamente para o tribunal competente julgar o
recurso interposto, tudo consoante o art. 940 em seu parágrafo
único.
|
||||
Insta ainda ressaltar
que, não sendo observada a tese adotada na decisão paradigmática (proferida no
IRDR), reza o art. 941 que terá cabimento a "Ação de Reclamação" 15 para o tribunal competente, esse que irá analisar e
decidir se ocorreu desrespeito à autoridade de sua decisão, nos termos do
próprio procedimento da Reclamação (ex vi dos arts. 942 a 947), conforme
aponta o parágrafo único do art. 941.
|
||||
Por derradeiro, no
tocante à publicidade da existência de Incidentes por parte de qualquer
interessado - aí incluindo os próprios tribunais - a fim de evitar, inclusive,
que haja demandas atinentes a uma mesma questão de direito já tipificada como
Incidente e que ainda estejam correndo isoladamente em seu itinerário
procedimental 16, reza o art. 931 que o Incidente deverá ser submetido
à ampla e específica divulgação, especialmente por meio de um cadastro do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), alimentado por dados fornecidos pelos
tribunais (parágrafo único do art. 931).
|
||||
Na mesma toada, mirando a
segurança jurídica, as partes, interessados, Ministério Público ou Defensoria
Pública poderão requerer que seja determinada a suspensão de todos os processos
em curso no país sobre a mesma questão objeto do Incidente (art. 937); valendo
pontuar o mesmo raciocínio supra para qualquer das partes de eventual
demanda que esteja em andamento isoladamente perante qualquer órgão judiciário,
conforme sustenta o próprio parágrafo único do art. 937:
|
||||
"Parágrafo único. Aquele
que for parte em processo em curso no qual se discuta a mesma questão jurídica
que deu causa ao incidente é legitimado, independentemente dos limites da
competência territorial, para requerer a providência prevista no
caput."
|
||||
A competência para
conhecer de tal requerimento coincide com a competência para julgar os recursos
especial e extraordinário, o que hoje corresponde, respectivamente, ao STJ e ao
STF.
|
||||
Tem-se aí o procedimento
do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas que, como visto, possuirá a
serventia de desmobilizar o imenso numerário de demandas repetitivas que assolam
todos os graus da Justiça Brasileira bem como minimizar o discrepante número de
julgados divergentes sobre uma mesma questão de direito, tudo através de tese
que, outrora, seria adotada pelo tribunal após a pacificação da jurisprudência
ou em um eventual incidente de uniformização de jurisprudência. No entanto,
vislumbra-se agora incidente especificamente voltado ao enfrentamento das
problemáticas multicitadas, cuja aptidão será verificada com acerto, caso,
efetivamente, haja o contributo e boa vontade daqueles operadores sensíveis aos
problemas agudos por que passa, já de longa data, o serviço público de justiça
do Brasil 17.
|
||||
TITLE: Incident of
resolution of repetitive demands in the New CPC bill - brief
notes.
|
||||
ABSTRACT: This
article intends to confront the major procedural issues that comes from
procedural incident with provisions in our Bill of the Senate no. 166 of 2010,
specifically in articles 930-941, entitled "Incident of Resolution of Repetitive
Demands". For being a institute appropriate in situations where, due to ongoing
demands, their dispute is detected that has the potential to generate
significant multiplication of process based on an identical question of law and
could cause serious legal uncertainty, arising from the risk of coexistent
conflicting decisions, demonstrates, fundamentally, the need for detailed
analysis of impact on the procedural motion and possible effectiveness and
readiness of civil procedure in the current brazilian
systematic.
|
||||
KEYWORDS:
Repetitive Demands. Procedure Reform. Effectiveness and
Readiness.
|
||||
3 Referências Bibliográficas | ||||
GAIO Jr., Antônio
Pereira. Direito Processual Civil. v. I. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey,
2010.
|
||||
______. Instituições
de Direito Processual Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2011.
|
||||
GRINOVER, Ada Pellegrini;
DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo (Coords.). Participação e
processo. São Paulo: RT, 1988.
|
||||
JAYME, Fernando Gonzaga;
FARIA, Juliana Cordeiro de; LAUAR, Maira Terra (Coords.). Processo Civil:
novas tendências. Estudos em homenagem ao Prof. Humberto Theodoro Júnior. Belo
Horizonte: Del Rey, 2008.
|
||||
MANCUSO, Rodolfo de
Camargo. A resolução de conflitos e a função judicial no contemporâneo estado
de direito. São Paulo: RT, 2009.
|
||||
MARINONI, Luiz Guilherme;
MITIDIERO, Daniel. O Projeto do CPC. Críticas e propostas. São Paulo: RT,
2010.
|
||||
MENDES Jr., João.
Programa de ensino de prática forense. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1958.
|
||||
PONTES DE MIRANDA,
Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. t.
VI. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
|
||||
STJ. Disponível em:
<http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=100283>.
Acesso em: 18 dez. 2010.
|
||||
THEODORO Jr., Humberto.
Um novo Código de Processo Civil para o Brasil. In: Revista Magister de
Direito Civil e Processual Civil. Porto Alegre: Magister, v. 37, jul./ago.
2010. p. 89-90.
|
||||
WITTMANN, Ralf-Thomas. Il
"contenzioso di massa" in Germânia. In: ALESSANDRO, Giorgetti; VALLEFUOCO,
Valerio. Il contenzioso di massa in Italia, in Europa e nel mondo. Milão:
Giuffrè, 2008.
|
||||
TUBELIS, Vicente Paulo.
Divergência jurisprudencial e participação. In: GRINOVER, Ada Pellegrini;
DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo (Coords.). Participação e
Processo. São Paulo: RT, 1988. p. 395-403.
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário