O comércio eletrônico no Brasil tem crescido substancialmente, acompanhado da reclamação dos consumidores e da necessidade de uma legislação condizente. Essas operações hoje são regidas pelo Código de Defesa do Consumidor, promulgado em uma época em que o comércio eletrônico sequer existia por aqui. As vendas realizadas pela internet no Brasil geraram um faturamento de mais de R$ 10 bilhões no primeiro semestre de 2012, segundo dados divulgados no relatório WebShoppers, organizado pela e-Bit, com apoio da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (Câmara e-net). Embora os números sejam modestos se comparados àqueles vistos na Europa ou nos Estados Unidos, é inegável que o comércio eletrônico já faz parte da rotina do consumidor brasileiro.
Igualmente crescentes são os números relacionados às reclamações de consumidores insatisfeitos com os produtos e serviços adquiridos via internet. As queixas envolvem questões como atrasos na entrega dos produtos, má utilização dos dados fornecidos para a realização de compras online, falta de transparência e veracidade nas informações disponibilizadas nos sites, além da dificuldade na localização dos fornecedores em casos de problema com os produtos e serviços entregues.
Para dar conta desse enorme volume de reclamações e responder aos desafios desta nova forma de contratação —que envolve uma linguagem muito mais rápida, visual e despersonalizada— foram propostas, recentemente, importantes alterações legislativas, que visam a modernizar e aperfeiçoar o CDC. Nesse sentido, os Projetos de Lei do Senado —PLS 281 e 283, ambos de 2012, merecem destaque, pois procuram reforçar os direitos de informação, lealdade, autodeterminação, cooperação e segurança nas relações de consumo estabelecidas por meio do comércio eletrônico. Recentemente, estiveram na pauta de audiência pública e aguardam a eventual inclusão de ementas.
O PLS 281/2012 dispõe sobre normas gerais de proteção do consumidor no comércio eletrônico, visando a fortalecer a sua confiança e assegurar a tutela efetiva dos direitos já garantidos pelo CDC, e pretende introduzir o conceito de “assédio de consumo”. As regras se aplicam às atividades desenvolvidas pelos fornecedores de produtos ou serviços por meio eletrônico e estabelecem, por exemplo, que o consumidor pode, dentro do prazo fixado, desistir de uma compra online e, nessa hipótese, os contratos acessórios de crédito são automaticamente rescindidos, sem qualquer custo para o consumidor (modernizando, assim, o já existente direito de arrependimento, previsto no atual artigo 49 do CDC). Também pretende obrigar o fornecedor a disponibilizar dados que facilitem a sua localização (como o nome empresarial e o número da inscrição no cadastro geral do Ministério da Fazenda e os endereços geográfico e eletrônico) em local de destaque e de fácil visualização, além de vedar o envio de mensagens eletrônicas não solicitadas (os conhecidos “spams”) a destinatários que não possuam relação de consumo anterior com o fornecedor. Ademais, este projeto ainda pretende tipificar como infração penal o ato de veicular, hospedar, exibir, compartilhar ou de qualquer forma de ceder ou transferir dados, informações ou identificadores pessoais, sem o expresso consentimento de seu titular.
O segundo projeto, PLS 283/2012, pretende disciplinar o mercado de crédito ao consumidor e dispõe sobre a prevenção do superendividamento. Com relação ao comércio eletrônico, os seus aspectos mais relevantes dizem respeito à clareza nas informações disponibilizadas nos sites que oferecem produtos e serviços que envolvam crédito, à utilização fraudulenta de cartões de crédito, à anulação e bloqueio de pagamentos e à restituição de valores que tenham sido indevidamente recebidos e ao assédio ao consumidor, especialmente, aqueles tidos como vulneráveis.
Dada a complexidade e relevância da matéria, é certo que as propostas ainda devem ser objeto de amplo debate público, envolvendo representantes dos diferentes segmentos que têm interesse no tema, especialmente dos fornecedores de produtos e serviços que, afinal, serão diretamente afetados com essas mudanças. Em uma análise preliminar, é possível afirmar que as alterações sugeridas preenchem uma importante lacuna no que diz respeito à regulamentação do comércio eletrônico no Brasil e representam um avanço necessário na direção de uma legislação mais moderna e coerente com as relações de consumo na sociedade digital. Essas mudanças, no entanto, devem estar conjugadas com a atribuição de determinadas responsabilidades aos próprios consumidores, particularmente nas transações eletrônicas (como a utilização de senhas seguras). A nova tendência, verificada nessas propostas citadas acima, certamente imporá aos fornecedores que façam uma revisão de seus manuais e práticas na interface eletrônica com os seus clientes e consumidores.
Gláucia Mara Coelho é sócia do escritório Machado, Meyer, Sandacz e Opice. A advogada, especialista em direito contencioso e direito do consumidor, é pós-graduada pela PUC-SP e mestre em direito processual pela USP.
Eduardo Perazza de Medeiros é advogado sênior do Departamento Contencioso do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados.
Revista Consultor Jurídico, 25 de março de 2013
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