quarta-feira, 6 de março de 2013

COMENTÁRIOS À OBRA “FUMAÇA DO BOM DIREITO: ENSAIOS DE FILOSOFIA E TEORIA DO DIREITO”



Geison de Oliveira Rodrigues

Advogado em Curitiba

Bacharel em Filosofia pela UFPr



O livro “Fumaça do Bom Direito”, a mais recente obra de um dos mais importantes pensadores brasileiros, autor de mais de vinte compêndios sobre filosofia jurídica, política e social, apresenta duas características que a tornam especialmente relevante.



Primeiramente, dada a motivação que a fez surgir (a comemoração dos vinte anos do Instituto de Pesquisas Jurídicas Bonijuris, de Curitiba), é sua importância histórica para o estudo do desenvolvimento do pensamento crítico no mundo ocidental. Tendo eclodido na Europa em torno dos movimentos da magistratura democrática na Itália e na Alemanha, e também nos EUA, expressado nas campanhas contra o “establishment” que convergiram para o que se denominou “Critical Legal Studies”, encontrou sua expressão latino-americana nos trabalhos de Luiz Fernando Coelho. Alguns foram publicados no Boletim Informativo e naRevista Bonijuris, e, reunidos no livro “Fumaça do Bom Direito”, revelam a evolução do pensamento crítico brasileiro através desses textos.



Num dos ensaios, História de Uma Crítica, o autor revela as fontes que o levaram a produzir sua obra mais expressiva, tese com a qual concorreu ao cargo de professor titular da Faculdade de Direito da UFPr. É a contribuição pessoal do autor ao que denomina “Juriscrítica”, cuja tarefa principal é demonstrar o alcance ideológico dos novos mitos que, sob o rótulo de flexibilizantes e desconstitucionalizantes, podem trazer em seu bojo verdadeiros atentados às conquistas históricas garantidoras da dignidade do ser humano individual e social. Lutar pela universalização e efetivação dos direitos humanos ainda é a melhor resposta contra as barbáries destrutivas que um estado totalitário pode estimular.



Outra peculiaridade relevante: ao contrário de inúmeros “tratados”; “cursos”; “manuais”; “elementos” e “compêndios” que versam temas de filosofia e teoria do direito com míninas variações de estilo, estes Ensaios têm um método próprio do professor Luiz Fernando Coelho: anuncia e debate desde o início temas jurídicos de extrema relevância social, os quais só podem ser concebidos doutrinariamente se conduzidos pela ponte intelectual de um profissional que não pense o direito apenas cartesianamente, mas sim, faça da sua lavra um elo construtivista entre filosofia e direito, em prol do progresso da sociedade.



Nos primeiros tópicos o autor já faz prova da contemporaneidade da obra ao incidir em temas pertinentes ao direito ambiental (In dubio pro natura e A Competência Concorrente em Direito Ambiental), traçando importantes comentários que podem ser vislumbrados à luz do texto do novo Código Florestal, ainda a ser publicado. Seguindo este mesmo rigor em todo o escrito. O autor discute, sob a forma de parecer, a problemática da competência comum e concorrente trazida pelos artigos 23 e 24 da Constituição Federal, explicitando os conflitos entre legislações dos Estados e da União. Na dúvida hermenêutica sobre os conflitos entre a proteção ambiental e os interesses privados, para o autor a solução será sempre a que favorecer a proteção ambiental. Registre-se que o brocardo “in dubio pro natura”, hoje utilizado de maneira recorrente, foi invenção do professor Coelho, que o lançou em memorável conferência perante os juízes federais reunidos em Santos/SP. Mesmo a expressão “direito ambiental” foi proposta de modo pioneiro pelo professor Coelho, em conferência para os diplomados da Escola Superior de Guerra. Outros ensaios reunidos no livro têm igual importância histórica e documental.



Em Principiologia do Direito, o autor pertinentemente propõe uma divisão dos princípios em dois grupos, um conceitual e outro pragmático, sistematização esta que, de maneira arejada, permite entender o que é o direito e também como realizá-lo na vida prática. Ainda neste tópico, o autor destaca vinte princípios gerais, na mesma linha conceitual e aplicativa, ressaltando que a partir desses pressupostos, numa visão crítica da realidade social, tornar-se-á possível fazer uma reconstrução do saber jurídico rumo à desalienação e libertação.



Inspirado por intenso ânimo crítico e especulativo, no tópico Jusfilosofia, Globalização e Teoria Crítica o autor discute dialeticamente a necessidade de reformas político-institucionais em face do surgimento de novas formas de organização social, estreitamente relacionadas com a integração ibero-americana já reflexa do fenômeno da globalização. Seguindo plano distributivo de exposição, o autor propõe como missão da jusfilosofia na sociedade globalizada o construtivismo de um pensamento agora focado numa sociedade comunitária, definido como socialismo de consciência comunitária.



Nos seus Fundamentos Fenomenológicos da Crítica Social, entendendo a fenomenologia como instrumento essencial norteador das categorias fundamentais do pensamento crítico, procura deduzir os conceitos de ser social, trabalho e práxis, compreendidos desde logo como núcleos da crítica social contemporânea. Inspirado em Edmund Husserl, o autor explica convincentemente que quando o objeto é o fenômeno social, o sujeito chega às verdades da razão unindo contato originário com vivência experimentada deste contato, decorrente aquela da retenção consciente deste; em outros termos, é da investigação subjetiva que vem o desvendar da essência de cada homem e de cada sociedade e por consequência do que lhes é mais apropriado.



Defrontando-se com o tema Filosofia do Direito e a Prova no Processo, o autor destaca, focado no processo do trabalho, que a cognição jurisdicional é transformadora, não podendo o magistrado desvincular-se da sociedade e mergulhar apenas no mundo do processo, na verdade formal. Propõe-se que a interpretação, a integração e a aplicação das normas jurídicas sejam feitas sempre de maneira metadogmática, principalmente na apreciação da prova que possa por termo à atividade jurisdicional no processo, sendo o bem maior a efetivação da justiça social.



No título Do Direito à Anarquia, o autor destaca seu inconformismo perante a insuficiência das soluções até então apresentadas como respostas aos magnos problemas da humanidade. A questão é problematizada através da ênfase a uma tese que propõe: mais do que um estado de direito, anseia-se por um estado de justiça no qual o homem social, após tantas decepções com a outorga do poder para um estado centralizado e a aplicação da norma heterônoma, possa de maneira construtiva entender que a solidariedade, o direito e a justiça efetivos vêm da vivência da libertação, e nunca de um conceito abstrato de liberdade. Ainda neste título, destaca pertinentemente que a alienação do homem social pode ser neutralizada por um único equipamento: a educação conscientemente ministrada.



No estudo sobre o Renascimento do Direito Comparado, o autor legitima a importância do tema destacando que da metodologia construída pelo direito comparado veio o preenchimento do hiato representado pelo vetusto ceticismo epistemológico que minimizou o caráter científico dos estudos jurídicos. Em visão historicista, destaca ainda que em períodos de divisão do poder e luta pela consolidação do mesmo, o direito comparado foi importante ferramenta tanto para consolidar direitos nacionais em formação quanto para transcender fronteiras geopolíticas, promovendo a colaboração e a solidariedade entre os povos sem esquivar-se das equivalências nem em desprezo das diferenças.



Tratando do tema Resgate do Culturalismo Egológico na Hermenêutica Constitucional Contemporânea, questiona o rumo tomado pela atividade legislativa atual, cada vez mais impregnada por metas ditadas pela economia em detrimento da política social, cabendo à jusfilosofia reativar debates que tenham como cerne delimitar o espaço das soluções econômicas e o espaço da proteção dos direitos humanos, o qual não pode ser preterido quando o tema for a balança do custo/benefício. Neste tema o autor pretende o resgate do culturalismo egológico ao propor uma primazia da conduta humana frente à norma jurídica conceitual, pois a essência do direito é a intersubjetividade das condutas sociais.



Em A Constituição Horizontal, propõe-se a desvendar os problemas atuais da interpretação constitucional e decifrar os principais conceitos explícitos e implícitos no texto respectivo. E defende posição no sentido de que a maior garantia de eficácia e respeito à constituição é situá-la no mesmo plano das outras normas sociais, pois o que a distingue numa sociedade heterogênea e complexa é a amplitude de sua eficácia normativa e não uma posição hierarquia artificial. Para o autor a constituição não paira acima das leis numa hierarquia analítica, mas situa-se no mesmo plano da normatividade que forma o complexo tecido das relações sociais. Somente respeitando as diferenças sociais torna-se possível a libertação dos oprimidos.



No tópico Sobre Ética e Corrupção o autor, em painel proposto pela Associação Mineira do Ministério Público, tece comentários sobre os prejuízos que os escândalos políticos em todos os Poderes do Estado podem gerar no comportamento da sociedade e na própria democracia. A obra adverte que democracia pressupõe politização e que esta pressupõe educação. Eis aí a primeira edição deste Livro publicado pela Editora Bonijuris, cuja meta única é fazer do bom direito um meio verossímil de satisfatividade das liberdades e garantias sociais.

(COELHO, Luiz Fernando. Fumaça do Bom Direito – Ensaios de Filosofia e Teoria do Direito. Curitiba: BONIJURIS / JM Livraria, 2011, 320 p.)

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