Seção bate-boca.
Revista digital Intelligentia Jurídica. www.intelligentiajuridica.com.br.
Edição de setembro de 2004.
SIM - FLÁVIO
TARTUCE, advogado, bacharel em Direito pela USP, especialista em Direito Contratual
pela PUC/SP e mestre em Direito Civil Comparado pela mesma universidade,
professor em cursos preparatórios para as carreiras jurídicas e em cursos de pós-graduação
em Direito Civil ,
autor e colaborador de obras jurídicas.
Muito se critica o novo
Código Civil pela falta de previsão quanto a assuntos tidos como “novos” ou “modernos”,
caso dos contratos eletrônicos e dos negócios via INTERNET. Dessa forma, os
negócios jurídicos celebrados pela via cibernética continuam sendo contratos
atípicos, sem previsão legal específica, à luz do que consta do art. 425 do
nCC.
Fica a dúvida, contudo, no
tocando à formação desses contratos, particularmente se tais negócios seriam
formados entre presentes ou entre ausentes. Como é notório, o novo Código traz
um seção tratando da formação dos contratos, entre os seus arts. 427 a 434.
Interessante, nesse sentido,
antes de qualquer coisa, diferenciar os contratos formados entre presentes e
entre ausentes. Os primeiros seriam aqueles em que as partes estão próximas no
aspecto tempo e espaço, inclusive pela questão de troca de informações. Ao seu
turno, os “ausentes” não teriam o
sentido do que consta entre os arts. 22 a 39 do nCC, mas sim de distância e dificuldade na troca de dados e
informações. A doutrina sempre exemplificou como contrato formado entre
ausentes, o contrato epistolar, aquele cuja proposta é feita por carta.
Como é certo, a INTERNET
trouxe uma revolução nos meios de comunicação. As cartas perderam a importância
que tinham e, muitas vezes a proposta é realizada por meio eletrônico ao invés
de pelo correio. Para nós, não restam dúvidas que, feita a proposta por via
digital, diante da facilidade de troca de informações, a proposta deve ser tida
realizada entre presentes.
Tal constatação tem grande
relevância prática. Como é notório, o contrato formado entre presentes é
aperfeiçoado a partir do instante em que a proposta é aceita, pelo que consta
na lei privada codificada. Por outro lado, quanto há proposta entre ausentes, o
Código continua adotando a teoria da agnição, na subteoria da recepção eis que,
por força do art. 434, “caput”, do
nCC, “os contratos entre ausentes
tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida”. Mas esse próprio
dispositivo traz exceções, adotando também a teoria da agnição, na subteoria da
recepção, conforme previsões que constam em seus incisos, não valendo a
proposta expedida se antes da aceitação chegar a quem fez a proposta uma retratação
do aceitante; se o proponente se houver
comprometido a esperar a resposta ou se a resposta não chegar no prazo
assinalado pelas partes.
De acordo com as regras
acima, entendemos o contrato cuja proposta se deu pela via eletrônica não pode
ser considerado “inter absentes”, mas
“inter praesentes”, não sendo aplicadas as duas teorias acima
citadas. Isso, pelo que consta do art. 428, I, segunda parte, cujo destaque nos
é pertinente: “Considera-se também
presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação
semelhante”.
Ora, a INTERNET convencional é meio semelhante ao
telefone, já que a informação é enviada via linha. Aliás, muitas vezes, a
INTERNET convencional é até mais rápida do que o próprio telefone. O que dizer
então da INTERNET “banda larga”, via
cabos? Trata-se de meio de comunicação mais rápido ainda. Não há como associar
o e-mail, portanto, ao contrato epistolar. Logicamente, há uma maior
proximidade quanto ao telefone do que à carta, reconhecido seu caráter misto de
proposta.
Dessa forma, com todo o
respeito em relação ao posicionamento em contrário, estamos inclinados a
afirmar que, quando a proposta é feita pela via digital, não restam dúvidas que
o contrato é formado entre presentes.
NÃO - FERNANDA
TARTUCE, advogada, bacharel em Direito pela USP, mestranda em Direito Processual Civil
na Universidade de São Paulo, professora em cursos preparatórios para as
carreiras jurídicas nas disciplinas Direito Civil e Processo Civil, autora de
obras jurídicas.
A questão cinge-se ao
entendimento sobre se o contrato realizado via internet constitui uma relação
direta e imediata entre as partes, tal como ocorre na ligação telefônica, ou se
constitui forma de contato semelhante à correspondência epistolar, em que há
uma certa distância entre as partes que acaba por dificultar a troca de
informações entre os contratantes.
Para abordar o tema, merecem
ser afastadas algumas tentações que se afiguram de pronto ao intérprete.
A primeira tentação é
metajuridica e atine à própria índole da palavra e-mail; em português, seu significado é de endereço eletrônico, o
que parece aproximar a resposta da opção pela carta, cuja natureza é de
contrato entre ausentes.
Uma segunda tentação seria
comparar envio de carta / envio de e-mail
e ligação telefônica/ conexão com a internet. Parece-nos haver significativa
similitude entre o envio de e-mails e o envio de cartas: em ambos escrevemos o
endereço de nosso destinatário e não há uma comunicação em tempo real, mas sim
uma leitura diferida do quanto declarado por uma e outra parte. No mais,
realmente escrevemos o e-mail como
escrevemos uma carta; já quanto a discar o número do telefone para acessar a
internet, tal muitas vezes é feito por um programa de software específico, após
darmos apenas um “clique”. Mais uma vez a resposta é parece ser a de que o
contrato se configura como negócio jurídico bilateral entre ausentes.
Analisemos a questão agora juridicamente e verifiquemos se
são confirmadas as tendências acima. A
tônica dos contratos entre presentes é que sejam celebrados diretamente pelas
partes, enquanto nos contratos entre ausentes temos uma certa distância em
termos de contatos e troca de informações entre as partes, que não se comunicam
diretamente.
Entendemos que a realização
de contratos via e-mail constitui
contrato entre ausentes, tendo em vista que, tal como ocorre nas cartas, há uma
diferença de tempo entre os contatos das partes. Pode inclusive revelar-se
necessário algum tempo para esclarecer eventuais diferenças, já que a forma de
comunicação exige o envio de informações que pode demorar, assim como pode
demorar a resposta do destinatário, tal como se verifica nas cartas. Com isso,
pode transcorrer um tempo maior para se refletir e até mais cuidado ao se
realizar a proposta, que estará documentada no texto do e-mail. Estas circunstâncias absolutamente não são sentidas nas
negociações entre presentes, em que as partes realizam suas tratativas “ao
vivo”, seja por estarem frente a frente no mesmo local, seja por estarem ao
telefone; nesses casos, as respostas a perguntas podem ser respondidas de
pronto e as reflexões e ponderações são feitas imediatamente entre as partes.
Entendemos, assim, que o contrato via email
constitui um contrato entre ausentes, tal como ocorre nas cartas. No mais,
é de se ponderar que não haveria sentido em distinguir um endereço postal de um
endereço eletrônico apenas em virtude da tecnologia e do envolvimento da linha
telefônica no envio das informações.
Todavia, fazemos uma
ressalva, atinente a uma exceção a tal entendimento: quando ambos os usuários
estiverem conectados em tempo real e estiverem travando um contato direto e
simultâneo, estaremos diante de um contrato entre presentes, já que a
contratação estará sendo realizada direta e imediatamente pelas partes.
Como citar este artigo:
Tartuce, Fernanda. Tartuce, Flavio. A proposta celebrada via internet faz com que
o contrato seja formado entre presentes? Seção bate-boca. Revista digital
Intelligentia Jurídica. www.intelligentiajuridica.com.br.
Edição de setembro de 2004. Acessado pelo site www.fernandatartuce.com.br em
dia-mês-ano.
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