sexta-feira, 8 de março de 2013

A PROPOSTA CELEBRADA VIA INTERNET FAZ COM QUE O CONTRATO SEJA FORMADO ENTRE PRESENTES?




Seção bate-boca. Revista digital Intelligentia Jurídica. www.intelligentiajuridica.com.br. Edição de setembro de 2004.

SIM -  FLÁVIO TARTUCE, advogado, bacharel em Direito pela USP, especialista em Direito Contratual pela PUC/SP e mestre em Direito Civil Comparado pela mesma universidade, professor em cursos preparatórios para as carreiras jurídicas e em cursos de pós-graduação em Direito Civil, autor e colaborador de obras jurídicas. 
Muito se critica o novo Código Civil pela falta de previsão quanto a assuntos tidos como “novos” ou  “modernos”, caso dos contratos eletrônicos e dos negócios via INTERNET. Dessa forma, os negócios jurídicos celebrados pela via cibernética continuam sendo contratos atípicos, sem previsão legal específica, à luz do que consta do art. 425 do nCC.
Fica a dúvida, contudo, no tocando à formação desses contratos, particularmente se tais negócios seriam formados entre presentes ou entre ausentes. Como é notório, o novo Código traz um seção tratando da formação dos contratos, entre os seus  arts. 427 a 434.
Interessante, nesse sentido, antes de qualquer coisa, diferenciar os contratos formados entre presentes e entre ausentes. Os primeiros seriam aqueles em que as partes estão próximas no aspecto tempo e espaço, inclusive pela questão de troca de informações. Ao seu turno, os “ausentes” não teriam o sentido do que consta entre os arts. 22 a 39 do nCC, mas sim de  distância e dificuldade na troca de dados e informações. A doutrina sempre exemplificou como contrato formado entre ausentes, o contrato epistolar, aquele cuja proposta é feita por carta.
Como é certo, a INTERNET trouxe uma revolução nos meios de comunicação. As cartas perderam a importância que tinham e, muitas vezes a proposta é realizada por meio eletrônico ao invés de pelo correio. Para nós, não restam dúvidas que, feita a proposta por via digital, diante da facilidade de troca de informações, a proposta deve ser tida realizada entre presentes.
Tal constatação tem grande relevância prática. Como é notório, o contrato formado entre presentes é aperfeiçoado a partir do instante em que a proposta é aceita, pelo que consta na lei privada codificada. Por outro lado, quanto há proposta entre ausentes, o Código continua adotando a teoria da agnição, na subteoria da recepção eis que, por força do art. 434, “caput”, do nCC, “os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida”. Mas esse próprio dispositivo traz exceções, adotando também a teoria da agnição, na subteoria da recepção, conforme previsões que constam em seus incisos, não valendo a proposta expedida se antes da aceitação chegar a quem fez a proposta uma retratação do aceitante; se o proponente  se houver comprometido a esperar a resposta ou se a resposta não chegar no prazo assinalado pelas partes.
De acordo com as regras acima, entendemos o contrato cuja proposta se deu pela via eletrônica não pode ser considerado “inter absentes”, mas “inter praesentes”,  não sendo aplicadas as duas teorias acima citadas. Isso, pelo que consta do art. 428, I, segunda parte, cujo destaque nos é pertinente: “Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante”.
Ora, a INTERNET convencional é meio semelhante ao telefone, já que a informação é enviada via linha. Aliás, muitas vezes, a INTERNET convencional é até mais rápida do que o próprio telefone. O que dizer então da INTERNET “banda larga”, via cabos? Trata-se de meio de comunicação mais rápido ainda. Não há como associar o e-mail, portanto, ao contrato epistolar. Logicamente, há uma maior proximidade quanto ao telefone do que à carta, reconhecido seu caráter misto de proposta.
Dessa forma, com todo o respeito em relação ao posicionamento em contrário, estamos inclinados a afirmar que, quando a proposta é feita pela via digital, não restam dúvidas que o contrato é formado entre presentes.

NÃO -  FERNANDA TARTUCE, advogada, bacharel em Direito pela USP, mestranda em Direito Processual Civil na Universidade de São Paulo, professora em cursos preparatórios para as carreiras jurídicas nas disciplinas Direito Civil e Processo Civil, autora de obras jurídicas.

A questão cinge-se ao entendimento sobre se o contrato realizado via internet constitui uma relação direta e imediata entre as partes, tal como ocorre na ligação telefônica, ou se constitui forma de contato semelhante à correspondência epistolar, em que há uma certa distância entre as partes que acaba por dificultar a troca de informações entre os contratantes.
Para abordar o tema, merecem ser afastadas algumas tentações que se afiguram de pronto ao intérprete.
A primeira tentação é metajuridica e atine à própria índole da palavra e-mail; em português, seu significado é de endereço eletrônico, o que parece aproximar a resposta da opção pela carta, cuja natureza é de contrato entre ausentes.
Uma segunda tentação seria comparar envio de carta / envio de e-mail e ligação telefônica/ conexão com a internet. Parece-nos haver significativa similitude entre o envio de e-mails e o envio de cartas: em ambos escrevemos o endereço de nosso destinatário e não há uma comunicação em tempo real, mas sim uma leitura diferida do quanto declarado por uma e outra parte. No mais, realmente escrevemos o e-mail como escrevemos uma carta; já quanto a discar o número do telefone para acessar a internet, tal muitas vezes é feito por um programa de software específico, após darmos apenas um “clique”. Mais uma vez a resposta é parece ser a de que o contrato se configura como negócio jurídico bilateral entre ausentes.
Analisemos a questão agora juridicamente e verifiquemos se são confirmadas as tendências acima.  A tônica dos contratos entre presentes é que sejam celebrados diretamente pelas partes, enquanto nos contratos entre ausentes temos uma certa distância em termos de contatos e troca de informações entre as partes, que não se comunicam diretamente.
Entendemos que a realização de contratos via e-mail constitui contrato entre ausentes, tendo em vista que, tal como ocorre nas cartas, há uma diferença de tempo entre os contatos das partes. Pode inclusive revelar-se necessário algum tempo para esclarecer eventuais diferenças, já que a forma de comunicação exige o envio de informações que pode demorar, assim como pode demorar a resposta do destinatário, tal como se verifica nas cartas. Com isso, pode transcorrer um tempo maior para se refletir e até mais cuidado ao se realizar a proposta, que estará documentada no texto do e-mail. Estas circunstâncias absolutamente não são sentidas nas negociações entre presentes, em que as partes realizam suas tratativas “ao vivo”, seja por estarem frente a frente no mesmo local, seja por estarem ao telefone; nesses casos, as respostas a perguntas podem ser respondidas de pronto e as reflexões e ponderações são feitas imediatamente entre as partes. Entendemos, assim, que o contrato via email constitui um contrato entre ausentes, tal como ocorre nas cartas. No mais, é de se ponderar que não haveria sentido em distinguir um endereço postal de um endereço eletrônico apenas em virtude da tecnologia e do envolvimento da linha telefônica no envio das informações.
Todavia, fazemos uma ressalva, atinente a uma exceção a tal entendimento: quando ambos os usuários estiverem conectados em tempo real e estiverem travando um contato direto e simultâneo, estaremos diante de um contrato entre presentes, já que a contratação estará sendo realizada direta e imediatamente pelas partes.

Como citar este artigo:
Tartuce, Fernanda. Tartuce, Flavio. A proposta celebrada via internet faz com que o contrato seja formado entre presentes? Seção bate-boca. Revista digital Intelligentia Jurídica. www.intelligentiajuridica.com.br. Edição de setembro de 2004. Acessado pelo site www.fernandatartuce.com.br em dia-mês-ano.

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