quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Juíza assegura reintegração de trabalhadora rural portadora do vírus HIV





Recentemente, foi submetida à apreciação da juíza June Bayão Gomes Guerra, titular da 1ª Vara do Trabalho de Formiga, a ação de uma trabalhadora rural que alegou ter sido dispensada de uma grande usina situada em Bambuí pelo simples fato de ser portadora do vírus HIV. Após se convencer pelas provas de que isso realmente aconteceu, a magistrada considerou a dispensa discriminatória e determinou que a empresa reintegre a trabalhadora ao emprego.

A reclamante contou que foi dispensada tão logo retornou ao trabalho, após receber alta do INSS. Já a empregadora, justificou o ato sustentando que vários outros trabalhadores teriam sido dispensados no final da safra de 2014. A empresa negou ter praticado discriminação e não contestou a doença, que ficou provada também por meio de exames apresentados.

A análise da documentação revelou que a reclamante estava apta para o trabalho quando foi dispensada. Isto ocorreu 23 dias após o término do seu afastamento pelo órgão previdenciário. A magistrada também apurou que a prestação de serviços se deu por mais de dois anos. "Sinal de que bem atendeu às expectativas patronais no período em que lhe prestou serviços", observou.

Na visão da julgadora, a ruptura contratual ocorrida tão logo recuperada a capacidade de trabalho da empregada é indício de que a doença era impedimento à permanência do vínculo. Ela explicou que o empregador tem o direito de dispensar empregados (poder potestativo), mas deve seguir preceitos constitucionais, principalmente relativos à não discriminação e dignidade da pessoa humana. A sentença se referiu no aspecto ao artigo 1º, incisos III e IV, da Constituição Federal, registrando que a dispensa sem justa causa de empregado portador de patologias graves é considerada discriminatória.

Nesse sentido, destacou a juíza ser também a previsão contida na Súmula 443, do TST, com o seguinte conteúdo:DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012 - Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.



No caso, a ré não conseguiu afastar a presunção de dispensa discriminatória. Segundo destacou a julgadora, a empregadora não negou saber da doença quando dispensou a trabalhadora. Além disso, uma testemunha disse haver comentários na empresa de que a reclamante estaria com câncer ou AIDS. Segundo a testemunha, comentavam que ela seria dispensada quando retornasse, pois a empresa não queria fazer remanejamento de empregados.

Quanto ao fato de a reclamada ter dispensado vários trabalhadores na mesma época, não foi considerado capaz, por si só, de descaracterizar a dispensa arbitrária, por se tratar de empresa de grande porte. "A dispensa da autora, com quadro de doença grave, e em pleno tratamento, portanto, constitui evidente abuso do poder resilitório, pois coloca a trabalhadora à margem da sociedade, uma vez que, nessa condição, dificilmente conseguirá nova colocação no mercado de trabalho", destacou a magistrada, lembrando que a reclamante certamente necessitará de assistência previdenciária, só acessível com o contrato de trabalho em vigor.

Com esses fundamentos, a juíza sentenciante declarou a nulidade da dispensa e determinou a reintegração da trabalhadora aos quadros da empresa, nas mesmas condições anteriores. A condenação envolveu o pagamento de salários vencidos e vincendos, até a efetiva reintegração, com reflexos em outras parcelas e critérios definidos na sentença. A magistrada determinou a dedução dos valores recebidos pela reclamante a título de aviso prévio e multa de 40% do FGTS.

Ela esclareceu não se tratar de estabilidade provisória prevista no artigo 118 da Lei 8.213/91, tendo em vista que a doença não tem relação com o trabalho, não se equiparando a acidente do trabalho. Cabe recurso da decisão.

Fonte: TRT3

Gravação provando inclusão em lista negra garante indenização por danos morais a trabalhador



Uma fabricante de autopeças do Sul de Minas foi condenada a pagar indenização no valor de R$ 25 mil a um ex-empregado incluído em "lista negra". A decisão é da 6ª Turma do TRT de Minas, que reformou a sentença para reconhecer que a tentativa de barrar o acesso do trabalhador ao mercado de trabalho violou a dignidade da pessoa humana, causando prejuízo de ordem moral.

Em seu voto, o relator do recurso, desembargador Anemar Pereira Amaral, observou que a ré não refutou a autenticidade das gravações trazidas pelo reclamante aos autos, apenas negando a existência da "lista negra". A empresa sustentou que não teria recomendado que o reclamante não fosse contratado e afirmou que contrata empregados que possuem ações trabalhistas em face de outras empresas da região.

Mas o teor das conversas telefônicas gravadas deixou muito claro que o reclamante foi incluído em "lista negra". De acordo com os trechos citados no voto, na primeira gravação, um conhecido do reclamante se faz passar por representante de empresa que desejava contratá-lo e conversa com o chefe de RH da reclamada. Este informa, em resumo, que o reclamante ajuizou reclamação contra a empresa e diz que ele é complicado, tendo uma "personalidade forte". Ao final, afirma que, se fosse ele, não contrataria o trabalhador.

Já a segunda gravação, refere-se a conversa entre uma ex-empregada da ré e o chefe do RH. A trabalhadora relata que deixou de ser contratada após a empresa contratante conversar com ele. O representante acaba reconhecendo que informou sobre o ajuizamento de ação trabalhista por ela, entendendo se tratar de conduta natural entre as empresas. Em determinado momento, informa que o objetivo "é fechar o cerco em que está prejudicando uma ou outra" e que as empresas da região estão se unindo por vários motivos, inclusive "por processo trabalhista". Segundo ele, uma forma de tentar "selecionar" melhor as pessoas.

Para o relator, o dano sofrido pelo reclamante é perfeitamente presumível diante do contexto apurado. "Isso porque uma forma de ofensa a um direito fundamental é a inclusão do nome do trabalhador em "lista negra" que possui o nome dos empregados que ingressaram com reclamações trabalhistas, com o escopo de condicionar a contratação do obreiro à ausência de ações judiciais. Trata-se de conduta ofensiva à dignidade da pessoa humana, desencadeada pelo próprio fato ofensivo ("damnum in re ipsa"), sendo desnecessária a prova de prejuízo concreto", destacou, citando decisões do TST no mesmo sentido.

"É certo que a reclamada praticou conduta ilícita e discriminatória, de forma nitidamente dolosa, com a consequente violação à dignidade do trabalhador, razão pela qual o reclamante faz jus à indenização por danos morais", concluiu o julgador, dando provimento ao recurso para deferir ao reclamante a quantia de R$25 mil. O valor foi fixado levando em consideração diversos critérios, expostos na decisão. A Turma de julgadores acompanhou o entendimento.

Fonte: TRT3

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Tim é condenada em R$ 100 milhões por prática de "derrubar" chamadas





Devido à prática de “derrubar” chamadas — sistema de interrupção automática, com objetivo de cobrar tarifa por nova ligação —, a operadora Tim foi condenada pela 18ª Vara Cível de Brasília a pagar R$ 100 milhões ao Fundo Distrital da Lei de Ação Civil Pública por dano moral coletivo. A ação foi proposta pelo Ministério Público do Distrito Federal.

Segundo o promotor de Justiça Roberto Binicheski, a operadora não prestou seus serviços com a devida boa-fé. "Essa foi uma das maiores condenações da história por dano moral coletivo e poderia ter sido maior, pois o pedido do Ministério Público era de R$ 140 milhões." Clientes da Tim queixam-se de que operadora "derruba" ligações a fim de cobrar por nova chamada.
Reprodução

Diversas reclamações de consumidores chegaram ao conhecimento da Promotoria de Defesa do Consumidor (Prodecon) quanto à inconsistência do sinal da operadora: somente no DF, no dia 8 de março de 2012, quase 170 mil consumidores foram atingidos pelo comportamento ilícito da ré.

A empresa argumentou não ser possível a verificação do cálculo dos danos materiais alegados pelo MP-DF sem saber o número total de usuários atingidos. Alegou que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) já teria demonstrado que a requerida não trata de forma desigual os usuários do plano Infinity, segue as normas e regulamentos referentes à qualidade do serviço de telefonia e que não teria sido demonstrado qual norma foi desrespeitada. Por fim, defendeu a inexistência da ocorrência de dano moral coletivo.

O magistrado entendeu que ficou comprovado no processo a atitude da empresa em interromper propositalmente as chamadas: "A falha na prestação do serviço, consistente na 'derrubada de chamadas', impondo custo adicional aos consumidores, está provada nos autos. Tais fatos estão demonstrados pelos relatórios de fiscalização da Anatel acostados aos autos". Com informações da Assessoria de Imprensa do MP-DF.



Revista Consultor Jurídico, 14 de dezembro de 2015, 15h07

Embargos de terceiros podem ser movidos a qualquer momento, decide STJ





Antes da decisão final do Judiciário, os embargos de terceiros podem ser protocolados a qualquer momento. Foi o que decidiu a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar recurso contra a decisão que determinou o envio dos móveis de uma casa alugada pela Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade para um depósito, devido a uma ação de despejo.

Os embargos de terceiros podem ser apresentados por quem não faz parte da ação, mas tem interesse na decisão judicial. Na primeira instância, o juiz não reconheceu o prazo máximo de cinco dias, fixado no artigo 1.048 do Código de Processo Civil. O entendimento foi de que esse limite não se aplica nos casos em que se discute execução provisória de decisão na carta de sentença — documento emitido pelo Judiciário e que contém as determinações de uma sentença a ser cumprida e outros documentos do processo.

Houve recurso para o Tribunal de Justiça de São Paulo, que confirmou a decisão da primeira instância. O caso, então, foi remetido ao STJ. Mas o ministro Moura Ribeiro, que relatou o recurso, reafirmou que antes do trânsito em julgado, ação pode ser proposta “a qualquer tempo”.

Ribeiro destacou que o STJ, em outras decisões, já admitiu que o embargo de terceiro pode ser ajuizado até mesmo após o trânsito em julgado da sentença, “sob o fundamento de que a coisa julgada é fenômeno que só diz respeito aos sujeitos do processo, não atingindo terceiros”.

No voto, o ministro relator ressaltou que a determinação judicial de enviar os móveis da TFP para um depósito não significava uma decisão definitiva. “No caso, não houve a transferência dos bens, que se encontram sob custódia judicial, no aguardo da solução da demanda”, destacou. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ. 



Revista Consultor Jurídico, 14 de dezembro de 2015, 21h27

Loja de departamentos indenizará vendedor por comissões estornadas



Cabe ao empregador arcar com os riscos do empreendimento e ele não pode, de forma alguma, transferir esse risco ao empregado (artigo 2º, caput, da CLT). Isso vale para qualquer ramo de atividade, inclusive para aquele risco que envolve o comércio. Esse é o espírito do princípio da alteridade, invocado pelo juiz convocado Alexandre Wagner de Morais Albuquerque, em atuação na 9ª Turma do TRT de Minas, ao dar razão a um trabalhador que buscou indenização pelas comissões estornadas do contracheque dele, numa média mensal de R$80,00.

No caso, o juiz apurou tratar-se de comissões sobre as vendas, que eram estornadas do vendedor quando o produto vendido apresentava algum defeito e, após encaminhado à assistência técnica, não era consertado. Também havia estorno de comissões quando se fazia troca do produto adquirido na loja por algum de outro setor. Essa conclusão do julgador, foi reforçada pela revelia e pena de confissão aplicada à empregadora.

O magistrado esclareceu que, com fundamento no princípio da alteridade, não se pode atribuir ao vendedor a responsabilidade pelo cancelamento nas vendas, que deve ser suportada pela empresa. Isso porque o estorno somente é permitido no caso de insolvência do adquirente, como se infere do artigo 7° da Lei 3.207/57, que deve ser interpretado restritivamente, como ponderado pelo juiz.

Dessa forma, o estorno praticado pela empregadora não é autorizado pelo artigo 466 da CLT. "Ultimada a transação, ainda que a venda não resulte em êxito, como nos casos de cancelamento de um pedido ou falta de pagamento, faz jus o empregado vendedor às comissões ajustadas, sendo ilícito o estorno de comissões, bem como o não pagamento destas em hipóteses nas quais o cliente se torna inadimplente quanto às parcelas contratadas", explicou o magistrado, concluindo que o empregado tem direito às comissões estornadas.

Nesse contexto, o juiz negou provimento ao recurso apresentado por uma loja de departamentos, mantendo a decisão que reconheceu ao vendedor o direito à indenização pelas comissões ilicitamente estornadas. O entendimento foi acompanhado pelos demais julgadores da 9ª Turma do TRT mineiro.


PJe: Processo nº 0010928-30.2015.5.03.0178. Data de publicação da decisão: 24/11/2015



Para acessar a decisão, digite o número do processo em:https://pje.trt3.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/ConsultaProcessual.seam






Fonte: TRT3

Juíza manda apagar expressões ofensivas registradas em peças processuais das partes





De acordo com o artigo 15 do CPC, as partes e seus advogados não podem empregar expressões ofensivas ou injuriosas nos escritos que apresentam no processo. Se isso acontecer, caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento do ofendido, mandar riscá-las. E foi justamente essa a situação encontrada pela juíza Rosa Dias Godrim, ao analisar uma ação trabalhista ajuizada na 1ª Vara do Trabalho de Montes Claros.

O reclamante trabalhava como instalador de sistemas de segurança, denominado "olho vivo". Prestava serviços para uma conhecida empresa do ramo de segurança particular por meio de uma empresa interposta, sua real empregadora, e ingressou com ação contra ambas as empresas, com o objetivo de receber verbas trabalhistas que lhe seriam devidas.

Mas, em seu exame, a magistrada notou que, ao combater as argumentações trazidas nas contestações das empresas, o procurador do reclamante excedeu os limites do razoável e desviou-se do dever de urbanidade ao escrever, na petição de impugnação, algumas expressões agressivas e merecedoras da censura do Juízo. E não foi só. A juíza também observou que foram grosseiramente riscados a lápis alguns trechos das contestações, inclusive com anotações nas margens, em desacordo com o que determina o art. 161 do CPC.

Além disso, de acordo com a julgadora, a empregadora do reclamante também se excedeu ao utilizar, de forma totalmente desnecessária, adjetivo pejorativo em sua contestação. "Nos termos do artigo 446, III, do CPC, é dever do Juízo cuidar para que as partes e seus procuradores discutam a causa com elevação e urbanidade", destacou a juíza. Ela ponderou que o artigo 31 do Estatuto da OAB (Lei 8.906/94) estabelece que o advogado deve proceder de forma que "o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia". E, ao tratar do dever de urbanidade, o art. 44 do Código de Ética e Disciplina da OAB impõe ao advogado delicadeza, emprego de linguagem correta e polida, cuidado e disciplina na execução dos serviços, completou a magistrada.

Nesse quadro, a juíza advertiu os procuradores do reclamante e da empresa empregadora para que não repetissem essa conduta e, assim, "cumprissem com os deveres processuais e os preceitos éticos de sua classe". E, baseando-se no artigo 15 do CPC, a magistrada determinou à Secretaria da Vara que apagasse as expressões ofensivas com corretivo líquido, e com borracha os riscos feitos nas contestações das empresas.
Processo nº 0000274-26.2015.503.0067. Data de publicação da decisão: 03/11/2015
Fonte: TRT3

Exploração infantil: submissão de menor à prostituição não exige coação para ser crime


Para que seja considerado crime submeter criança ou adolescente à prostituição ou à exploração sexual, não é necessário demonstrar que tenha sido usada a força ou qualquer outra forma de coação. Com esse entendimento, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou a proprietária de um bar em Goiás que oferecia quartos para encontros de clientes e garotas de programa, entre elas uma menor de 14 anos.

De acordo com o ministro Rogerio Schietti Cruz, cujo voto foi seguido pela maioria dos membros da turma, a palavra “submeter” constante no artigo 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não deve ser interpretada apenas como ação coercitiva, seja física ou psicológica.

A controvérsia se deu porque não ficou provado no processo que a menina tivesse sido forçada a se prostituir, o que levou o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) a absolver a ré da acusação baseada no ECA. Ela também foi acusada de manter casa de prostituição (artigo 229 do Código Penal), mas nesse caso o TJGO considerou que houve prescrição, ou seja, o estado perdeu o direito de acioná-la na Justiça para puni-la.

Ao julgar o recurso do Ministério Público de Goiás, a turma afastou o impedimento decorrente da Súmula 7 do STJ, pois os ministros entenderam que havia necessidade de reexaminar as provas relativas aos fatos que levou o colegiado a tomar a decisão.

Vulnerável

O ministro Schietti, que ficou como relator para o acórdão, votou pela não aplicação da súmula ao caso, já que o TJGO reconheceu que a proprietária lucrava com o aluguel dos quartos e com o consumo dos clientes da prostituição. Segundo ele, o fato de a comerciante propiciar condições para a prostituição de uma pessoa vulnerável, como a adolescente, “configura, sim, a submissão da menor à exploração sexual”.

Ele criticou a ênfase dada ao fato de que a garota teria procurado “espontaneamente” o bar para fazer programas sexuais, pois isso “não pode implicar ausência de responsabilidade penal da proprietária”.

“Não se pode transferir à adolescente, vítima da exploração sexual de seu corpo, a responsabilidade ou a autonomia para decidir sobre tal comportamento, isentando justamente quem, diante de clara situação de comércio sexual por parte de jovem ainda em idade precoce, lucrou com a mercancia libidinosa”, concluiu o ministro.

Com base em vários precedentes do STJ, Schietti afirmou ainda que atos sexuais praticados por menores, mesmo quando aparentemente praticados por vontade própria, não podem receber a mesma valoração que se atribuiria aos de um adulto, mas “devem ser tratados dentro da vulnerabilidade e da imaturidade que são, presumidamente, peculiares a uma fase do desenvolvimento humano ainda incompleta”.

Por três votos a dois, a Sexta Turma restabeleceu a sentença que havia condenado a ré com base no ECA.
Fonte: STJ

Sistema prisional: STJ reconhece que progressão para regime aberto não depende de proposta de emprego


A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu, por unanimidade, o benefício da progressão do regime semiaberto para o regime aberto a condenado por roubo, mesmo sem apresentação de proposta de emprego.

A progressão de regime é a passagem do preso de um regime prisional mais rigoroso (fechado ou semiaberto) para outro mais brando (semiaberto ou aberto). Ela está prevista no artigo 112 da Lei 7.210/84 (Lei de Execuções Penais - LEP). Para que o condenado tenha direito ao benefício da progressão, é necessário que ele preencha requisitos específicos.

No caso da progressão para o regime aberto, o artigo 114 da LEP exige que o preso comprove que está trabalhando ou que existe a possibilidade de conseguir um emprego. O relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, considerou, entretanto, que a regra do artigo 114 deveria ser interpretada de forma mais condizente com a realidade social do país.

Aptidão e interesse

“A comprovação de trabalho ou a possibilidade imediata de fazê-lo deve ser interpretada com temperamento, pois a realidade mostra que, estando a pessoa presa, raramente possui ela condições de, desde logo, comprovar a existência de proposta efetiva de emprego ou de demonstrar estar trabalhando, por meio de apresentação de carteira assinada”, disse o ministro.

Schietti ressaltou que esse entendimento já é pacificado, ou seja, trata-se de jurisprudência, nas duas turmas que compõem a Terceira Seção do tribunal, especializadas em direito penal. Segundo ele, o que o magistrado deve considerar no momento de conceder a progressão para o regime aberto é “a aptidão e o interesse do apenado ao mercado de trabalho, e não a existência de proposta concreta de trabalho”.

Fonte: STJ

Audiência pública: cobrança de direito autoral por música na internet gera divergência




A possibilidade cobrança de direito autoral de músicas transmitidas pela internet gerou divergência nesta segunda-feira (14) entre participantes de audiência pública no Superior Tribunal de Justiça (STJ). De um lado, representantes de empresas e de associações de radiodifusão mostram-se contrários à cobrança. De outro, entidades ligadas ao meio cultural defendem o recolhimento de direitos autorais pela transmissão na rede mundial de computadores.

Convocada pelo ministro Villas Bôas Cueva, a audiência pública teve por objetivo fornecer subsídios aos ministros do STJ no julgamento de um processo (Recurso Especial 1.559.264) que discute se quem transmite músicas via internet deve ou não pagar direitos autorais. O caso será julgado pela Segunda Seção do STJ. Ao longo de todo o dia, 23 expositores em 12 diferentes painéis apresentaram argumentos contrários e a favor da cobrança.

Na abertura da audiência, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), associação cível responsável pela defesa e cobrança de direitos autorais, defendeu o pagamento de direitos autorais nas modalidades webcasting (transmissão on demand que só se inicia no momento da conexão do internauta) e simulcasting (transmissão em tempo real, tanto pela rádio convencional quanto pela internet).

“Cada modalidade de utilização de bens intelectuais depende necessariamente de autorização prévia e expressa de seus autores ou de quem os represente. Assim, o uso de músicas na internet há de ser licenciado, há de remunerar com dignidade os criadores intelectuais levando em consideração todos os direitos ali existentes”, afirmou a representante do Ecad, Glória Cristina Rocha Braga.

O argumento do Ecad foi seguido também pelo Ministério da Cultura, pela Associação Brasileira de Música e Artes (Abramus), pela Associação de Músicos, Arranjadores e Regentes, pelo Instituto Latino de Direito e Cultura (ILDC), pela União Brasileira de Compositores (UBC), pela Confederação Internacional de Sociedades de Autores e Compositores (Cisac) e pela Associação Brasileira de Direitos Autorais (Abda).

O cantor e compositor Danilo Caymmi, diretor da Abramus, destacou que quem sofre nesse processo todo é o músico. Segundo ele, as músicas eram e são utilizadas de forma indevida, e as novas mídias favorecem a utilização sem remuneração. “Não é simples. É um assunto complexo, já que é uma questão de tecnologia versus autor. Mas é preciso que haja uma adaptação”, disse.

O representante da Abda, Hildebrando Pontes Neto, defendeu a cobrança em qualquer veículo de comunicação. Para ele, não há razão para dispensar a cobrança de direito autoral nas músicas executadas por meio eletrônico, já que a internet é apenas um meio alimentado pela criação intelectual analógica. “A criação intelectual resulta da inteligência analógica, não nasce da inteligência artificial, mas do pensamento humano e do universo analógico”, concluiu.

Dupla cobrança

A opinião não foi compartilhada pela representante da Oi Móvel S/A, Ana Tereza Basílio. Para ela, não é devido qualquer pagamento porque consistiria em dupla cobrança, uma vez que a Oi/FM sempre pagou direitos autorais pela execução pública. “A exigência de duplo pagamento de direito autoral pela simples disponibilização da mesma programação musical ao consumidor por duas modalidades distintas de acesso configura dupla cobrança”, afirmou Ana Tereza.

Esse entendimento foi seguido pela Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI), pela Associação Catarinense de Emissoras de Rádio e Televisão (Acaert), pela Associação de Emissoras de Rádio e Televisão do estado de São Paulo (AESP) e pela Associação Mineira de Rádio e Televisão (AMIRT).

“O que nós tentamos trazer para o tribunal hoje é que não se pode ter um novo direito autoral sobre o mesmo produto. Por se tratar do mesmo produto, do mesmo conteúdo, sem possibilidade de alteração, entende-se que não pode haver nova cobrança de direitos autorais”, declarou Fabrício Trindade de Souza, da Acaert. Tal posição mostra-se semelhante à do representante do Sindicado das Empresas de Rádio e Televisão do Paraná (SRT/PR), Ricardo Costa Bruno. 

“Não somos contra pagar direitos autorais, somos contra o pagamento em duplicidade”, explicou Bruno ao salientar que pequenas rádios já pagam direitos autorais pelas músicas transmitidas na forma convencional e que elas apenas repetem essa programação na internet. “Não vejo como possível uma dupla tributação de um mesmo fato gerador”, opinou.

Falando em nome da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Marco Antonio Fioravante também defendeu a isenção da cobrança pela veiculação na internet e ainda sugeriu tratamento diferenciado para emissoras públicas de radiodifusão focadas na difusão de conteúdos educacionais, artísticos e culturais e que não têm fim lucrativo. 

Para Alexandre Atheniense, da Escola Superior de Advocacia da OAB, a forma de cobrança por direitos autorais na internet não deve ser ampla e genérica, mas de acordo com a forma de divulgação dos conteúdos na rede de computadores. “Não há aqui um conceito taxativo (de cobrança), mas uma análise casuística sobre cada modelo de negócio”, disse.

Além de Villas Bôas Cueva, participaram da audiência os ministros Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi, Moura Ribeiro, Isabel Gallotti, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino e Marco Aurélio Bellizze.

Fonte: STJ

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

"O Brasil é um país atolado que precisa olhar para frente e deixar o século XIX"





É inegável que o Brasil vive um momento de crise. Mas, ao mesmo tempo, o país pode aproveitar para transformá-lo num momento de ruptura. E não apenas de ruptura do sistema político. Também num sentido mais amplo, de abandonar as amarras burocráticas que travam o país, e finalmente olhar para frente. É o que prega o ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli, presidente do Tribunal Superior Eleitoral.

Segundo na linha sucessória à Presidência do Supremo, aos 48 anos, o ministro já pode registrar no currículo uma gestão incontestável — e inconteste — à frente do TSE. Porém, o que preocupa Toffoli é que “o país está muito travado”. Para ele, o Brasil “investe mais em amarras do que em desamarras”.

“O Brasil hoje é um país absolutamente atolado, e, quanto mais se criam regras, mais burocracia. Quanto mais burocracia, mais chances ao jeitinho, às possibilidades de corrupção, às maneiras de tentar obter desvios para obter facilidades”, comenta, em entrevista exclusiva à revista Consultor Jurídico.

Toffoli recebeu a reportagem da ConJur em seu gabinete no TSE a princípio para falar sobre seu tempo à frente da Justiça Eleitoral e como maestro das eleições presidenciais mais disputadas da história recente do Brasil, as de 2014, das quais Dilma saiu reeleita. No entanto, por causa da agenda do ministro, o encontro só aconteceu depois da deflagração do processo deimpeachment da presidente Dilma Rousseff e de todas as movimentações subsequentes.

A conversa foi na sexta-feira (11/12), último dia para as manifestações na ação em que o STF discutirá o rito do impeachment. Impossível, portanto, não falar de política com o presidente do TSE e um dos membros mais proeminentes da atual composição do Supremo.

E, diante dos fatos recentes, difícil não perguntar a um notório eleitoralista: “Todo presidente do Brasil precisa passar por um processo deimpeachment?”. Em resposta, o ministro Toffoli faz um resgate histórico desde a abdicação de D. Pedro I até Dilma, passando pelas revoltas civis da República Velha, pelo golpe militar de 1964 e pelo impeachment de Fernando Collor, para concluir: “No Brasil, todo presidente é eleito para ser deposto”.

Leia a entrevista:

ConJur — Em palestra no Congresso de Direito Constitucional do IDP, o senhor falou que o Brasil devia voltar a ter uma agenda desenvolvimentista. Que recado o senhor quis passar?
Dias Toffoli — O país está muito travado. Investe mais em controles, mais em amarras do que em desamarras. Temos que passar a ter uma agenda diferenciada. Veja, por exemplo, o caso daquela barragem no Rio Doce, em Mariana: teve decisões da Justiça, uma da Justiça Federal dizendo que a lama não podia chegar ao mar, e aí outra, da Justiça estadual, dizendo que a lama deve ser drenada para o mar; aí o Ministério Público Federal atua de um jeito, o estadual, de outro. O correto seria uma atuação de Estado uniforme que não fique batendo cabeça. Enquanto isso tudo acontece, o dano ambiental está acontecendo, e que ação fizeram? Nada. Ou seja, o Estado tem de ser mais dinâmico, com um planejamento e com uma ação desenvolvimentista.

ConJur — O que isso quer dizer?
Dias Toffoli — Quer dizer ter sistemas de controle, mas que sejam absolutamente eficazes para prevenir, e não só para isso que assistimos hoje nas operações e nas investigações, que são para reprimir. Se chegamos a uma situação dessas é porque os sistemas de controle não funcionaram adequadamente. Uma agenda desenvolvimentista diz respeito, por exemplo, a agências reguladoras, a planejamento estratégico do Estado brasileiro, cumprimento de metas — no Estado brasileiro nós não temos metas — e a relação do Estado com a iniciativa privada, que tem que ser modificada.

ConJur — Em que sentido?
Dias Toffoli — Temos que liberalizar o Brasil. O Brasil hoje é um país absolutamente atolado, e, quanto mais se criam regras, mais burocracia. Quanto mais burocracia, mais chances ao jeitinho, às possibilidades de corrupção, às maneiras de tentar obter desvios para obter facilidades e também mais judicialização.

ConJur — Isso passa pelo tamanho do Estado?
Dias Toffoli — Olha, essa é uma grande discussão. O tamanho do Estado passa sem dúvida nenhuma por um debate necessário. O que estamos assistindo é que não temos um Estado, um Poder Executivo e um Congresso Nacional que planejam no médio e no longo prazo. O Brasil continua, infelizmente, resolvendo o problema de ontem para tentar viver o hoje. É como o cidadão que, na penúria, vende o almoço para comprar o jantar. O Brasil fica sempre olhando o passado quando precisa olhar para frente.

ConJur — Em outra entrevista que fizemos, o senhor disse que “o Brasil precisa parar de ser adolescente em matéria institucional”. O senhor vê isso acontecer num futuro próximo?
Dias Toffoli — O momento atual é de crise, e enquanto ela permanecer fica difícil ter ideia do que vai acontecer nos próximos dias ou meses. Mas o momento pode ser uma grande oportunidade de o Brasil se olhar no espelho, de as suas instituições se olharem no espelho, e verificarem que não dá mais pra gente trabalhar dessa forma.

ConJur — Como assim?
Dias Toffoli — Temos que tratar de planejamento como algo de conteúdo, e não apenas como algo formal para encaminhar ao Tribunal de Contas da União, ou para um cumprimento de legislação. Um planejamento estratégico deve envolver toda a instituição, como fizemos aqui no TSE, envolvendo todos os tribunais regionais eleitorais, todos os cartórios eleitorais, servidores, colaboradores etc. para planejar ações para os próximos cinco anos. Tem que envolver as pessoas que trabalham com o tema. E na área da administração pública não assistimos isso.

ConJur — Ao que assistimos?
Dias Toffoli — As instituições do Estado brasileiro não estão coordenadas em uma mesma missão. Cada órgão do Estado brasileiro, do Poder Executivo, por exemplo, se sente alheio ao órgão vizinho. Veja, por exemplo, o projeto da Identidade Única do Cidadão brasileiro: quantos órgãos do Poder Executivo ficam jogando contra esse projeto, que está encaminhado pela Presidência da República ao Congresso Nacional? E tudo porque não querem perder o seu poder ali, no sentido de ser o declarador de quem é o cidadão de acordo com ele. Isso não funciona. O Estado brasileiro não vai funcionar assim, infelizmente, e se o Congresso Nacional continuar defendendo apenas e tão somente lobbies de um Brasil do século XIX, nós vamos continuar no atoleiro. A perspectiva de curto prazo não é boa.

ConJur — O senhor mencionou as brigas em torno da Identidade Única. Por que virou esse campo de batalha?
Dias Toffoli — Porque é uma briga do Brasil do século XIX, dos cartórios, das fraudes, da não identificação inequívoca do cidadão, da possibilidade de manter corrupção e lavagem de dinheiro com CPFs falsos, contra o país moderno, da urna eletrônica, da identificação única, que está acabando com os eleitores em duplicidade, triplicidade. Identificamos aqui um cidadão com 47 certidões de nascimento diferentes, 47 carteiras de identidade diferentes, 20 CPFs ativos diferentes. Quem é contra esse projeto é a favor do Brasil do século XIX.

ConJur — E por que é que o TCU entrou na história?
Dias Toffoli — Não sei. Boa pergunta.

ConJur — Voltando à questão da adolescência, todo presidente precisa passar por um processo de impeachment no Brasil?
Dias Toffoli — Se fizermos um resumo da história do Brasil, todo presidente é eleito para ser deposto.

ConJur — Desde a República Velha?
Dias Toffoli — Nosso primeiro imperador renunciou. Em 1831, Dom Pedro I abdicou do trono porque as elites locais estavam em conflito entre si e em conflito com o poder central. Deixou um filho menor de idade, de cinco anos, para ser seu sucessor, na forma constitucional, e houve a Regência. Primeira Regência, Segunda Regência, Regência Una etc. Houve o Ato Adicional nº 1, de 1834, que deu mais poder às províncias, às elites locais, e depois houve o Regresso, em 1841. Depois Pedro II começou a administrar, com muita habilidade, os gabinetes, conservadores e liberais, no sistema parlamentarista do Império, de uma monarquia parlamentarista que vigorou no Brasil até a proclamação da República. O primeiro presidente da República após o golpe militar de Estado contra a monarquia, o marechal Deodoro da Fonseca, renunciou. Ele foi levado a uma situação de instabilidade institucional em que os estados passaram a ter uma força muito grande. É o movimento do pêndulo: de um poder central mais absoluto, na figura de um monarca, vai para a autonomia das províncias.

ConJur — E depois de Deodoro as crises continuaram.
Dias Toffoli — Deodoro renunciou e seu vice, Floriano Peixoto, passou por duas grandes revoltas, a da Armada, que pedia a volta da monarquia, e a dos federalistas, no Sul do país. O primeiro presidente eleito pelo povo, Prudente de Morais, também passou por grande período de instabilidade, inclusive licença-saúde e até tentativa de assassinato. Durante sua Presidência, eclodiu a Guerra de Canudos, na Bahia. Depois veio Campos Salles, que para ter estabilidade criou a malfadada política dos governadores. Seguiu Rodrigues Alves, que enfrentou a Revolta das Vacinas e a primeira greve na capital da República. Afonso Pena teve de administrar, com recursos do Banco do Brasil, a guerra econômica da política de valorização do café decorrente do Convênio de Taubaté. Nilo Peçanha teve de intervir em alguns estados para garantir a posse de governadores (na época, "presidentes") aliados. Hermes da Fonseca enfrentou a Guerra do Contestado, em Santa Catarina, entre 1912 e 1916, uma guerra entre dois estados e a União. Além da Revolta da Chibata. Com Venceslau Brás, as primeiras greves gerais de vulto do país, e o Brasil declarou guerra à Alemanha. Rodrigues Alves foi eleito novamente, em 1918, mas não assumiu, pois havia contraído a gripe espanhola — morreu dois meses depois. Assumiu o vice, Delfim Moreira, que teve de convocar novas eleições.

ConJur — Na década seguinte, novas revoltas.
Dias Toffoli — Na década de 20, no governo Epitácio Pessoa, que fora ministro do Supremo, mas aposentou-se por invalidez, começaram as revoltas militares, com os 18 do Forte de Copacabana, e houve Estado de Sítio. No governo de Artur Bernardes, muita instabilidade política e várias revoltas tenentistas. Em 1924, a cidade de São Paulo foi bombardeada. Milhares ficaram feridos e centenas morreram. Trezentos mil habitantes saíram de lá. No Rio Grande do Sul, houve uma guerra em razão da quinta candidatura à reeleição de Borges de Medeiros, a Revolta de 1923, que terminou com o Pacto de Pedras Altas, estando Getúlio Vargas e Assis Brasil em lados opostos.

ConJur — Que depois fizeram as pazes.
Dias Toffoli — Depois Getúlio Vargas virou presidente, e Assis Brasil, seu ministro. Portanto, revoltas em São Paulo, Rio Grande do Sul, revolta em Fortaleza, revolta em Manaus... Artur Bernardes governou três anos e meio sob Estado de Sítio, e foi em seu governo que teve início a Coluna Prestes. Depois veio Washington Luís, deposto pela Revolução de 30 antes de dar posse a Júlio Prestes, eleito. Uma junta governativa assumiu para dar poder ao segundo colocado nas eleições, Getúlio Vargas, sob a condição de que ele convocasse uma Constituinte. Uma curiosidade: foi contratado um parecer de Hans Kelsen para dar uma roupagem de legítimo ao governo provisório e à convocação da constituinte.

ConJur — Mas a Constituinte não foi convocada.
Dias Toffoli — Pois bem, segue o Governo Provisório de Getúlio e a Revolução paulista de 32 para pedir a Constituinte, que não fora convocada como prometido por Getúlio. Embora derrotado do ponto de vista militar, São Paulo saiu vitorioso do ponto de vista dos interesses paulistas. Em 1938, pela Constituição de 34, haveria eleição, mas um ano antes Getúlio deu um golpe e o Brasil entrou no Estado Novo, com o fechamento de todas as eleições. Em 1945, Getúlio foi deposto pelos militares, com medo de que ele influenciasse nas eleições marcadas para o dia 2 de dezembro daquele mesmo ano. Assumiu a Presidência José Linhares, do STF, que passou a faixa para o presidente eleito, Eurico Gaspar Dutra. Em 1950, Getúlio foi eleito e voltou ao poder.

ConJur — Mesmo assim, não foram eleições tranquilas.
Dias Toffoli — Não havia previsão de segundo turno, e veio a discussão se o presidente eleito tomaria posse ou não, já que não tivera maioria absoluta dos votos. Isso foi parar no TSE de então pela mão da UDN. Embora Getúlio tivesse obtido 48% dos votos, o brigadeiro Eduardo Gomes, segundo colocado, pretendia um novo turno jamais previsto na Constituição de 1946. 

ConJur — Já naquela época, judicialização da política.
Dias Toffoli — Tudo isso foi judicializado. Em 1954, a forte oposição da UDN, de Carlos Lacerda e de setores militares levaram Getúlio ao suicídio, em agosto. Assumiu o vice, Café Filho, que se licenciou um ano e três meses depois, no dia 3 de novembro, alegando problemas cardiovasculares. No dia 8, foi substituído pelo presidente da Câmara, Carlos Luz, deposto no dia 11 pelo então general Henrique Lott, que entendia que o deputado conspirava contra a posse de Juscelino Kubistchek, eleito. Café Filho tentou assumir, mas o Congresso aprovou seu impedimento por ele ter participado da mesma conspiração. Foi ao Supremo, mas não conseguiu. Assumiu Nereu Ramos, presidente do Senado, que governou sob estado de sítio até a posse de JK, em 1956. Tudo isso foi contestado pela UDN, que queria um segundo turno, pois ninguém teve maioria absoluta dos votos — JK teve 35,6% e Juarez Távora, 30%.

ConJur — E aí Jânio Quadros...
Dias Toffoli — Depois disso tudo, a renúncia de Jânio em 61, e quem assumiu foi João Goulart, que estava na China. Assume ou não? O movimento pela legalidade surge, Jango volta, cria-se o parlamentarismo, mas, depois de plebiscito, ele assume a Presidência com plenos poderes. E aí o que aconteceu? Golpe de 64, e Castelo Branco é eleito presidente pelo Congresso inicialmente com a intenção de devolver o poder aos civis em curto período. Mas Costa e Silva não aceitava essa devolução, e os atos institucionais foram se recrudescendo. Em 1969, Costa e Silva ficou doente e quem teria de assumir era o vice, um civil, Pedro Aleixo. Aí uma junta militar não deixa Aleixo assumir e edita a famigerada Emenda 1 de 69, que era na verdade um novo texto constitucional. 

ConJur — E restabelecida a democracia, depois do fim da ditadura, todos aqueles problemas.
Dias Toffoli — Teve o movimento das Diretas Já, com a emenda Dante de Oliveira, e toda uma movimentação para que ela não fosse aprovada. Em janeiro de 85, teve a eleição de Tancredo, mas ele ficou doente e morreu, e José Sarney, vice, assumiu, com toda a instabilidade política e econômica. Em 1989, Fernando Collor é eleito e dois anos e meio depois sofre um processo de impeachment e é deposto, e quem assume é Itamar Franco, o vice. Fernando Henrique veio depois, com o capital político do Plano Real, de ter estabilizado a moeda, e a emenda da reeleição dá mais estabilidade à figura do presidente da República. Mesmo assim, passa por vários pedidos de impeachment. Lula, que o seguiu, também, e com várias crises institucionais. E agora o governo Dilma, que sofre de novo essas agruras.

ConJur — E qual a conclusão?
Dias Toffoli — Que todos eles enfrentam crises institucionais porque o Brasil não tem uma elite nacional. Não existe aqui em Brasília uma elite nacional, seja ela econômica, política ou social, que tenha um projeto de nação para o país. O Brasil não conseguiu criar uma nação do ponto de vista de poder. São ainda várias nações. Ao contrário da América espanhola, a América portuguesa, para não se desmilinguir, se manteve numa monarquia. Se tivéssemos optado pela república, o Brasil hoje seriam várias repúblicas. Ou seja, todo mundo que governa este país passa por situações de crise, porque o Brasil é um país fragmentado, um país desigual entre suas regiões.

ConJur — Mas falando especificamente de impeachment, pelo menos desde a redemocratização para cá, todos passaram por isso. Como se resolve?
Dias Toffoli — Todos os futuros presidentes também vão passar por situações assim. Isso se resolve com a habilidade de quem está no poder de saber lidar com isso, de saber que vai passar por isso e ter a habilidade de superar essas crises. Todos passam por testes de fogo. Pedro II, o mais hábil da história, foi deposto, exilado e morreu sem nunca ter pisado no Brasil República.

ConJur — O parlamentarismo seria uma solução?
Dias Toffoli — Tem que fazer uma grande reformulação no sistema jurídico eleitoral. Se é o parlamentarismo que vamos ter junto à reforma, é outra discussão que o país tem de aprofundar.

ConJur — Por quê?
Dias Toffoli — Parlamentarismo com um Congresso fragmentário é extremamente complicado, e vira aquela discussão do ovo e da galinha, ou o dilema do pão quente: o Congresso é fragmentário porque não é parlamentarista ou não é parlamentarista porque é fragmentário? Todas essas são questões muito complexas, mas o Brasil precisa enfrentar. Mas de uma coisa não tenho dúvida: o sistema eleitoral com base proporcional, tendo os estados como base da circunscrição eleitoral para eleição de um deputado federal, continuará levando o Brasil à ingovernabilidade.

ConJur — Esse chamado presidencialismo de coalisão, então...
Dias Toffoli — Fracassou. Não funciona mais.

ConJur — Por isso se fala tanto no parlamentarismo?
Dias Toffoli — Por isso digo que toda crise é sempre uma grande oportunidade. O Brasil deve se olhar no espelho e verificar que esse sistema eleitoral falido não tem mais condições de existir. Ele foi concebido para ser um arranjo de composição das elites locais após a Revolução de 30 e nos levou a ter, na eleição de 2014, 28 partidos eleitos para o Congresso Nacional. Isso vai levar a cada dia que cada deputado queira ser um partido político, porque lhe rende acesso à televisão, ao fundo partidário. Os partidos vão continuar se multiplicando, e quanto maior essa multiplicação, maior dificuldade de alguém poder ter uma base política, e uma maior dificuldade de entendimento no Congresso Nacional. Portanto, toda essa situação também mostra a necessidade de, uma vez por todas, se reformular o sistema eleitoral brasileiro e o sistema político também. Temos que diminuir o número de partidos políticos, definitivamente. Essa reforma eleitoral de 2015 não foi suficiente, vamos ter que aprofundá-la.

ConJur — Em que sentido?
Dias Toffoli — Criar verdadeiras cláusulas de barreira, de maneira programática cada vez maior, para que o país possa chegar a ter de quatro a cinco partidos políticos nos próximos dez ou 15 anos. Não há por que ter mais do que isso. Quem não tiver 5% de votos não poderia mais ter benefícios e mandatos, independentemente de serem partidos históricos. Se na próxima eleição a agremiação conseguir 5%, tem acesso ao Congresso Nacional, a fundo partidário, a outros benefícios naturais dos partidos políticos. Não há sentido vivermos num país com 35 partidos registrados na Justiça Eleitoral.

ConJur — Do ponto de vista democrático, a cláusula de barreira não é ruim? Não é o mesmo que dizer que algumas vozes não serão ouvidas?
Dias Toffoli — Hoje vamos para uma eleição presidencial para escolher entre três e quatro candidatos. Mas quem escolheu esses três ou quatro candidatos? O fato de ter muitos partidos políticos não quer dizer que haja democracia neles. O que assistimos é que aqueles que são apresentados como candidatos não são escolhidos democraticamente. Os partidos se reúnem em cúpula e decidem quem vai ser o candidato, e o povo não participa dessa ideia. Temos que repensar o que é o partido político, qual a sua natureza. Será que ele realmente está sendo democrático? Está cumprindo a sua função de intermediário entre o povo e o acesso ao poder, ao mandato? Ou passou a ser um partido de maleta, de interesses apenas e tão somente econômicos, e de compra e venda de voto? Temos que repensar também, além do sistema eleitoral, uma reforma política, do sistema político-eleitoral. Temos que repensar os partidos.

ConJur — Mas em que sentido o senhor fala em repensar?
Dias Toffoli — Precisamos de uma legislação que possa realmente interferir nos partidos para que eles sejam democráticos. E uma coisa que estamos debatendo aqui no TSE é a jurisprudência segundo a qual questões internas dos partidos devem ir para a Justiça comum. Temos que mudar essa jurisprudência, porque o partido é um instrumento de acesso ao poder. Ele está dentro da natureza, sem dúvida nenhuma, político-eleitoral. Embora a Constituição Federal diga, no artigo 17, que os partidos são de natureza privada, eles têm um caráter de direito público. Eles têm uma função política fundamental para a existência da democracia, mas a verdade é que, dos partidos políticos de hoje, nenhum é democrático. Continuar tendo eleições diretas para presidente da República em que vamos às urnas para escolher entre dois ou três nomes escolhidos em mesa de restaurante ou em reunião de cúpula? Isso não é democracia.

Pedro Canário é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.



Revista Consultor Jurídico, 13 de dezembro de 2015, 9h57

Pesquisa Pronta publica cinco novos temas para consulta




A Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça disponibilizou para consulta cinco novos temas da Pesquisa Pronta. Essa é uma ferramenta que busca facilitar o trabalho de interessados em conhecer a jurisprudência do STJ. O serviço é on-line e está integrado à base de jurisprudência do tribunal.

Sobre o primeiro tema, Utilização das tabelas do Conselho Nacional de Seguros Privados ou da Superintendência de Seguros Privados na indenização paga pelo seguro DPVAT,o STJ já decidiu pela validade da utilização da tabela elaborada pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) ou da elaborada pela Superintendência de Seguros Privados (Susep) na quantificação do valor da indenização a ser paga pelo seguro DPVAT.

Em A Justificação Criminal como instrumento da Revisão Criminal, o tribunal admitiu que a justificação criminal serve para colher prova nova a fim de instruir a ação revisional.

No terceiro tema, Análise da tempestividade recursal na ocorrência de feriado, recesso ou suspensão de expediente forense, a corte decidiu que a comprovação da tempestividade recursal, em virtude de feriado local ou de suspensão de expediente forense no tribunal de origem, ocorra na interposição do agravo regimental.

No caso da Análise da possibilidade de decretações sucessivas de prisão preventiva, o STJ tem se posicionado pela possibilidade de decretação de nova prisão preventiva, desde que demonstrada concretamente sua necessidade.

A respeito do quinto tema, Extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição retroativa, o STJ já decidiu que, dada a quantidade de pena fixada e tendo em vista que entre a data do recebimento da denúncia e a publicação da sentença condenatória transcorreu prazo superior ao previsto no artigo 109, do Código Penal, fica obrigado a reconhecer a incidência da prescrição retroativa.

Acesse o link.

Conheça a Pesquisa Pronta

A ferramenta oferece consultas a pesquisas prontamente disponíveis sobre temas jurídicos relevantes, bem como a acórdãos com julgamento de casos notórios.

Embora os parâmetros de pesquisa sejam predefinidos, a busca dos documentos é feita em tempo real, o que possibilita que os resultados fornecidos estejam sempre atualizados.

Como utilizar a ferramenta

A Pesquisa Pronta está permanentemente disponível no portal do STJ. Basta acessar Jurisprudência > Pesquisa Pronta, na página inicial do site, a partir do menu principal de navegação.

As últimas pesquisas realizadas podem ser encontradas emAssuntos Recentes. A página lista temas selecionados por relevância jurídica de acordo com o ramo do direito ao qual pertencem.

Já o link Casos Notórios fornece um rol de temas que alcançaram grande repercussão nos meios de comunicação.

Ao clicar em um assunto de interesse, o usuário é direcionado a uma nova página com os espelhos de acórdãos do tribunal que dizem respeito ao tema escolhido.

Quem preferir pode clicar diretamente no link com o nome do ramo do direito desejado para acessar os assuntos que se aplicam a ele.

Indenização: STJ garante direito a cliente que teve roubadas joias em penhor na Caixa




A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) garantiu a uma consumidora o ressarcimento integral do valor de mercado de suas joias oferecidas como garantia em contrato de penhor realizado com a Caixa.

O contrato de penhor é uma linha de crédito ágil em que o cliente entrega o bem como garantia e recebe o dinheiro na hora, sem análise cadastral ou avalista. Depois, basta pagar o empréstimo e pegar de volta o objeto penhorado.

No caso, a consumidora viajaria durante dois meses e não achou seguro deixar suas joias em casa. Assim, procurou uma agência da Caixa para deixar 34 peças, avaliadas em R$ 1.857.

Algum tempo depois, foi informada de que houve um assalto na agência e que suas joias foram roubadas. A Caixa aceitou indenizar a cliente em 1,5 vezes o valor da avaliação, com atualização monetária, descontando o saldo devedor do empréstimo.

Valor sentimental

No entanto, a consumidora não aceitou e entrou na Justiça pedindo indenização por danos morais e materiais da Caixa sustentando que o valor total das avaliações efetuadas pela instituição não traduz o valor de mercado das joias e tampouco seu valor sentimental. Segundo a defesa, o valor estimado seria de R$ 135 mil.

A Justiça não atendeu ao pedido e considerou válida a cláusula contratual que limitava a indenização a 1,5 vezes o valor da avaliação. A cliente recorreu, e o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) manteve a sentença.

No STJ, a cliente alegou que a Caixa teve responsabilidade objetiva por causa de falhas no sistema de segurança da agência. A responsabilidade objetiva é a atribuição de responsabilidade a uma pessoa sobre a prática de um ato sem que haja a análise de culpa.

Cláusula abusiva

O relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva, considerou abusiva a cláusula do contrato que limitava a indenização, com base no artigo 51 da Lei 8.078/90, e reconheceu o direito da consumidora ao ressarcimento integral do valor das joias por causa da falha no serviço prestado pela instituição financeira.

Assim, o ministro condenou a Caixa a indenizar a consumidora em valor equivalente ao de mercado das joias empenhadas, descontado o que já havia sido pago pelo banco.

Fonte: STJ

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

TCCs no Direito: como não se deve escrevê-los — retratos da crise






Abstract: a coluna trata da dramática situação dos trabalhos de conclusão de curso (TCC) em Pindorama; ou “arrumamos” isso, ou “isso” pode ser a pá-de-cal da e na crise do Direito. No PS falo do impeachment.

De há muito denuncio a crise do ensino jurídico em terras brasileiras e de que como esta tem (de)formado nossos estudantes e profissionais. É óbvio que este cenário não representa a totalidade dos nossos cursos jurídicos. Contudo, infelizmente, isso é de se esperar em um país em que tem mais faculdades do que professores aptos a lecionar. Hoje meu olhar para esta crise se volta para o “temido” TCC. Acho este um termômetro, no mínimo razoável, para pensar como estão se saindo nossos estudantes que durante cinco (ou mais) anos estiveram por horas e horas sentados nos bancos universitários.

Nesta semana fui surpreendido (se é que ainda há algo com que possamos nos espantar...) com a matéria de um jornal de uma cidade da nossa região sul. Nela uma aluna, devido ao seu êxito no seu TCC, foi entrevistada em página inteira e nos deu algumas pistas de como estamos avaliando e distinguindo um bom trabalho de um ruim, e o que e como nosso estudante produz cientificamente falando. Com efeito.

A aluna protagonista da reportagem começou dizendo que sua pesquisa versou sobre os “Direitos Humanos ou Direitos dos Manos”. E que foi orientada por sua professora de Direitos Humanos que inicialmente mostrou alguma hesitação, mas depois foi favorável e achou a temática interessante. Conforme sua afirmação, depois de dias e dias de intensa dedicação, a professora “rejeitou” a primeira versão e a estudante teve que recomeçar do zero.

Ela conta que, neste recomeço, encontrou uma obra que foi muito importante para o desenvolvimento de seu TCC, citando um fragmento: “nossa Constituição foi promulgada sobre o signo da dor, suposta ditadura militar, entre outras. Então as pessoas foram criando muitos direitos e criou-se o direito de ser criminoso". (grifei) Gostei da expressão “suposta ditadura”. E do “direito de ser criminoso”. Será que estamos lendo a mesma Constituição? A pergunta é: como um trabalho pode ser erigido a partir da premissa de que a nossa Carta Constitucional constitui uma realidade ampla de direitos, dentre eles o de ser criminoso (pareceu-me que o autor da frase faz uma análise jocosa da Constituição ou estou enganado)? E o que é isto — a suposta ditadura? Está certo que o jurista-autor-do-texto-citado pode ser conservador, mas, por favor, até o ponto de dizer isso? Bom, como não tenho como verificar a informação, não declinarei o nome referido pela aluna. Mas não tenho como duvidar da aluna e tampouco de sua professora-orientadora.

Seguimos com a entrevista da aluna. Faltando quatros dias para a entrega final, ela conta que recebeu a segunda correção e que a professora informou que o trabalho não estava apto para ser apresentado para a banca. Então nestes pouquíssimos dias, como veremos, quase que milagrosamente o trabalho foi da água para o vinho. Ela diz que teve que começar do zero, de novo. Só que, agora, em vez de usar uma redação mais opinativa, buscou reportagens polêmicas sobre o assunto. E delas extraiu suas conclusões finais. Um novo recorde: um TCC em quatro dias. Observação: ela não disse se manteve a citação do autor do “direito de ser criminoso”. Estou curioso para ler o TCC. Bom, como a douta banca recomendou a publicação, logo teremos o livro a disposição.

Sigo. Com as palavras da aluna, verbis: "Faltava apenas quatro dias para a entrega. Comecei na quarta-feira a noite o trabalho do zero, eu tinha que entregá-lo na segunda. Entrei em desespero e comecei a buscar reportagens relacionadas a isso e encontrei várias matérias. Redigi de uma forma totalmente diferente ao invés de usar a minha opinião usei o que as pessoas pensam sobre o assunto e consegui reportagens polêmicas. Por exemplo, uma que dizia que 50% da população concorda com aquela expressão que ‘bandido bom é bandido morto'', além de outra, do El Pais, que dizia que a segurança pública no Brasil era deplorável. Uma pesquisa da FGV que diz que 82% das pessoas do país acham que a segurança pública é deplorável e 25% dizem que a segurança pública é o que mais incomoda e o que mais causa preocupação. Foi então que montei todo o trabalho em cima disso. E, recentemente, um caso aqui em Santa Catarina, no qual um senhor foi pego roubando e a população o amarrou e o agrediu no poste até que a polícia chegasse. Nesse contexto conclui que o "Direito dos Manos'' não existe nem na teoria, nem na prática. Porque, juridicamente, eles não significam nada. São, na verdade, fruto do descontentamento das pessoas, que veem na mídia que o delinquente tem mais direito do que o povo, que começa a tomar suas próprias atitudes".

Poderíamos falar de vários problemas... Não sei por onde começar. O primeiro problema reside no prazo de quatro dias em que o TCC foi feito. O segundo são as fontes. Matérias esparsas, certamente com critérios distintos de pesquisa, que demonstram uma suposta realidade, servem de lastro suficiente para uma monografia jurídica? Existem discussões importantes do/no Direito sobre o problema da violência, mas que, pelo visto, foram deixadas de lado. Ademais, até mesmo sob o aspecto sociológico, as matérias jornalísticas devem ser vistas com muita cautela, o que certamente não aconteceu. E por fim, isto é suficiente para dizer que existem ou não o tal “Direitos dos Manos”? E, afinal, quem são “Os Manos”? Afinal, ela crítica o quê? A Constituição tem direitos em excesso? Se pegarmos o autor que ela referiu, parece que sim. Mas, de que modo isso entra no TCC?

A sequência da entrevista parece deixar mais clara essa questão. Para ela, “o criminoso tem o direito de ser defendido, ser tratado com dignidade, mas nós temos mais direito. Enquanto nós estamos presos em nossas residências eles estão lá fora fazendo o que bem entendem". O que ela queria dizer, mesmo, com isso? Ao que li da entrevista, pareceu-me que ela insinua (estou sendo generoso) que as pessoas que comentem crimes teriam mais direitos dos que as vítimas, uma vez que, os que assim não fazem, vivem presos em suas casas e estes (os criminosos) ficam livres para fazer o que querem. Consequentemente — se entendi bem — por este argumento existiria um Direitos dos Manos, questão presente no título do TCC (vejam a pergunta irônica do título: Direitos Humanos ou Direitos dos Manos?). Pois é. Ocorre que a elogiada aluna (espero que a professora não concorde com a aluna e tampouco a banca do TCC, embora tenha dado nota máxima com louvor ao trabalho) fez um trabalho repetindo coisas que se dizem por aí sobre segurança pública, coisas que se podem ouvir em programas tipo Marcelo Rezende ou Datena. Mas em um trabalho de final de curso pode ser dito isso, sem um olhar crítico? Nem vou falar dos demais elogios que a banca teria feito a aluna e ao conteúdo do TCC.

Deixo claro que não conheço a aluna nem sua professora e não almejo desqualificá-las. Tanto é que não declino o seu nome e de ninguém relacionado ao episódio. Poderia fazê-lo, já que não corre em segredo de justiça, por assim dizer. E, ao que sei, não houve desmentido. Contei a história como a representação simbólica do que ocorre no mundo jurídico. Milhares de TCCs são apresentados por ano em nosso país. Parcela deles não tem qualquer consistência. Isso daria uma CPI. No fundo, os alunos não têm culpa desse quadro caótico. Tem gato nessa tuba, é evidente. O que leva, por exemplo, a nossa protagonista do TCC a não fazer um juízo crítico sobre os direitos humanos, a ponto de achar bonito que um livro coloque em dúvida a existência da ditadura militar e diga que a Constituição dá excessivos direitos aos criminosos (ou algo assim)?

Isto é apenas um sintoma de um problema muito maior sobre o qual precisamos refletir. Sim, refletir sobre como saem os estudantes, e como se dá a sua formação. Afinal, isso tem reflexo em nossa prática do dia-a-dia forense e na academia. Basta que olhemos em volta. Ou alguém acha que o modo como os advogados peticionam, os juízes decidem e os promotores acusam (como “promotores públicos”) são coisas que caem do céu? Como diria Nelson Rodrigues, tudo isso é fruto de muito esforço e dedicação...

Post Scriptum 1: Meu bunker já está preparado.

Post Scriptum 2: antes que alguém pergunte minha posição sobre a decisão do ministro Edson Fachin no processo do impeachment, respondo: a um, não poderia ser diferente a decisão dele, já que, dias antes, dissera que a votação no caso do senador Delcidio deveria ser aberta; a dois, o ministro mostrou-se — corretamente — cauteloso, levando a questão ao Plenário; a três, porque, se no caso do senador havia dúvidas acerca do Regimento Interno (dizia-se, no Senado, que a alteração constitucional somente desconstitucionalizara a matéria e, assim, valeria o regimento), agora a questão parece mais fácil, uma vez que não há regulamentação explicitada no Regimento Interno e nem na Constituição sobre se o voto deve ser secreto ou aberto. Logo, tratando-se da matéria mais importante em uma República — o impeachment do chefe do Poder Executivo no sistema presidencialista —não parece sustentável, no plano de uma hermenêutica constitucional, a tese de que um representante do povo possa decidir os destinos do presidente de forma secreta. Dando o tapa e escondendo a mão. Para o bem e para o mal. Diria mais: se o regimento estabelecesse o voto secreto, seria inconstitucional. Aguardemos os próximos acontecimentos. Atentos.

Post Scriptum 3. No apagar das luzes, leio que o jornal O Globo diz que o Min. Fachin apenas suspendeu o funcionamento, mas manteve a criação da comissão especial (leia aqui). Equivocado o jornal. A opinião distorce o sentido da decisão. Aliás, se a decisão trata sobretudo da questão do voto secreto ou aberto e a comissão foi formada (ao menos em parte) desse modo, parece óbvio que a decisão do ministro suspende a própria formação da comissão.


Lenio Luiz Streck é jurista, professor de direito constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do Escritório Streck, Trindade e Rosenfield Advogados Associados:www.streckadvogados.com.br.



Revista Consultor Jurídico, 10 de dezembro de 2015, 8h00

CDC deve ser aplicado aos contratos de transporte aéreo internacionalde






Com satisfação, inauguramos esta primeira coluna do site Consultor Jurídico versando sobre direito do consumidor, a qual se pretende seja um útil espaço de discussão sobre este ramo do Direito que, especialmente no Brasil, é responsável não apenas pela disciplina das relações de consumo no mercado, mas também por sensíveis transformações no âmbito do direito privado e do direito processual ao longo do seu desenvolvimento. A proposta da coluna é justamente tratar de temas relevantes e atuais sobre o Direito do Consumidor, a partir da contribuição de colegas reunidos pelo Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon), entidade científica de estudos e pesquisas sobre o direito do consumidor, associada àInternational Association of Consumer Law, e que reúne os principais especialistas sobre esta disciplina no Brasil.

Com este propósito, nada melhor do que discutir tema cuja atualidade retorna, em vista de julgamento em andamento no Supremo Tribunal Federal acerca da aplicação ou não do Código de Defesa do Consumidor ao contrato de transporte aéreo internacional de passageiros. Desde já, cumpre situar o leitor acerca do aspecto controvertido neste caso: discute-se se o Código de Defesa do Consumidor deve incidir sobre estes contratos, em detrimento de convenções internacionais celebradas pelo Brasil antes de sua vigência — no caso, a Convenção de Varsóvia de 1929 e suas modificações posteriores. E sendo mais exato, o aspecto mais relevante desta discussão diz respeito à definição dos valores de indenização no caso do descumprimento, pelo transportador aéreo, do contrato celebrado. As situações aí se multiplicam, desde a indenização a ser arbitrada em caso de extravio de bagagem em voos internacionais, até situações mais graves, com a compensação de danos de vítimas de acidentes aéreos e seus familiares.

Ocorre que a Convenção de Varsóvia estabelece limites pré-definidos para a indenização de danos sofridos por passageiros, hipótese também conhecida comumente como tarifamento. Por esta razão, sofreu firme rejeição por expressiva jurisprudência e doutrina, em vista das normas do Código de Defesa do Consumidor e da própria Constituição de 1988. Em especial, pelo fato de confrontar-se com o direito à indenização, identificado por parte da doutrina como espécie de direito fundamental associado à própria dignidade humana (artigo 5º, V c/c artigo 1º, III, da Constituição da República). Mas que mesmo que a tal não se chegue, também definido como um direito básico do consumidor, assegurado pelo artigo 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor. Em outros termos, da incidência do Código de Defesa do Consumidor ao transporte aéreo – considerado espécie de serviço oferecido no mercado de consumo mediante remuneração, a teor do seu artigo 3º, § 2º — resultou o afastamento dos limites de indenização definidos na Convenção de Varsóvia e no próprio Código Brasileiro de Aeronáutica, tendo em vista o direito básico do consumidor à efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos (artigo 6º, VI, do CDC) e a ampla reparabilidade dos danos, assegurada pela Constituição de 1988.

Esse modelo de indenização pré-definida por lei foi afastado pelas cortes brasileiras em face de sua incompatibilidade com a Constituição Federal de 1988, não apenas em relação aos danos sofridos pelo consumidor, mas também em outras hipóteses de reparação de danos[1]. No caso do transporte aéreo, não bastasse a incompatibilidade do Código de Defesa do Consumidor, com a vigência do Código Civil de 2002 somou-se o argumento que seu artigo 732, ao disciplinar o contrato de transporte formalmente, derrogou a Convenção[2], entendimento assumido pela majoritária jurisprudência brasileira[3]. Estabelece o artigo 732 do Código Civil: "Aos contratos de transporte, em geral, são aplicáveis, quando couber, desde que não contrariem as disposições deste Código, os preceitos constantes da legislação especial e de tratados e convenções internacionais"[4].

A atenção ao tema foi renovada, contudo, em vista de decisão, originalmente isolada, do Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 297.901[5], de relatoria da ministra Ellen Gracie. Esta orientou-se em sentido contrário a outros precedentes da Corte, reconhecendo a prevalência da Convenção de Varsóvia em relação ao Código de Defesa do Consumidor. Mais recentemente, foi atribuída repercussão geral ao tema a partir da decisão do Agravo de Instrumento 762.184/RJ[6], o qual foi substituído, como paradigma para exame da questão, pelo Recurso Extraordinário 636.331/RJ, de relatoria do ministro Gilmar Mendes. O objeto da controvérsia, então, é novamente a prevalência das disposições da Convenção de Varsóvia sobre o CDC.

O julgamento do recurso já foi iniciado pelo STF em maio de 2014, tendo sido colhidos os votos do ministro-relator, Gilmar Mendes, bem como dos ministros Luís Roberto Barroso e Teori Zavascki, no sentido da prevalência das disposições da Convenção de Varsóvia e os limites de indenização que define, sobre as regras do Código de Defesa do Consumidor. Na mesma sessão, pediu vista a ministra Rosa Weber, que ora examina a questão.

O argumento que orienta o entendimento dos votos já proferidos resulta do reconhecimento da prevalência dos tratados e convenções internacionais sobre transporte internacional, em vista do disposto no artigo 178 da Constituição de 1988, que refere: “Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade”.

Em sentido contrário, repousa o argumento não apenas do fundamento constitucional da defesa do consumidor como espécie de garantia fundamental (artigo 5º, XXXII) expressa pelo próprio Código de Defesa do Consumidor, de igual origem (artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), mas também, o fato de seu artigo 1º ter expressamente reconhecido como lei de ordem pública[7]. Não há espaço, segundo as dimensões deste texto, para avançar sobre toda a evolução doutrinária em Direito brasileiro e comparado sobre o sentido do que se indicam como leis de ordem pública. Diga-se, apenas, que expressam um conteúdo afeto aos valores e preceitos fundamentais do sistema jurídico a que pertencem, e por isso terão prevalência de sua aplicação em relação a outras normas.

Por outro lado, a prevalecer este giro jurisprudencial, a partir da redefinição da questão pelo Supremo Tribunal Federal, note-se que os efeitos não serão percebidos apenas na questão específica em julgamento. A Corte estará admitindo também, pela primeira vez desde a consolidação do entendimento sobre a ampla reparabilidade dos danos patrimoniais e extrapatrimoniais, resultado da interpretação da Constituição de 1988, a possibilidade de limitação (ou tarifamento) de sua indenização por norma infraconstitucional. E neste caso, alterando um importante paradigma fixado na compreensão da reparação de danos pelo direito brasileiro contemporâneo.



[1] Assim ocorreu, também, com o tarifamento da indenização presente nas disposições da Lei de Imprensa (Lei Federal 5.250/67), declarada como não recepcionada pela ordem constitucional vigente de acordo com a decisão do STF na ADPF 130 (Rel. Min. Ayres Britto, j. 30/04/2009, p. 06/11/2009).
[2]ASSIS, Araken de. Contratos nominados: mandato, comissão, agência e distribuição, corretagem e transporte. São Paulo: Ed. RT, 2005, p. 213.
[3] STF, RE 351750, 1.ª T., j. 17.03.2009, rel. p/ acórdão Min. Carlos Britto, DJ 25.09.2009; STJ, REsp 235678/SP, 4.ª T., j. 02.12.1999, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 14.02.2000; AgRg no REsp 1060792/RJ, 3.ª T., j. 17.11.2011, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 24.11.2011.
[4] MIRAGEM, Bruno. Contrato de transporte. São Paulo: RT, 2014, p. 170 e ss.
[5] STF, RE 297901, 2.ª T., j. 07.03.2006, rel. Min. Ellen Gracie, DJ 31.03.2006.
[6] AI 762184/RJ, j. 22.10.2009, rel. Min. Cezar Peluso, DJ 18.12.2009.
[7] Nelson Nery Junior, ao comentar o Código de Defesa do Consumidor com outros autores do anteprojeto, chega a cunhar a expressão “ordem pública constitucional de proteção” ao explicar o conteúdo deste preceito.


Bruno Miragem é advogado e professor dos cursos de Graduação e do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Presidente nacional do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon).



Revista Consultor Jurídico, 9 de dezembro de 2015, 8h00

JT-MG concede indenização a trabalhadora que não tinha acesso a banheiro feminino e era assediada sexualmente por chefe



As mulheres têm conquistado espaço cada vez maior no mercado de trabalho brasileiro. Mas, apesar dos avanços, ainda se encontram em situação desfavorável em relação ao sexo masculino. Esta realidade é confirmada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cujos dados revelam também que, em média, elas ganham menos que os homens. E as reclamações que chegam à Justiça do Trabalho mineira não deixam dúvidas disso: todos os dias são julgados casos envolvendo denúncias de desrespeito e discriminação da mulher no trabalho.

Exemplo disso é a ação julgada pela juíza Maria Irene Silva de Castro Coelho, na titularidade da 1ª Vara do Trabalho de João Monlevade. Após constatar que uma empresa de engenharia não disponibilizava banheiros femininos e em boas condições de higiene nos locais de trabalho e, ainda, que a reclamante, operadora de pá carregadeira, sofria assédio sexual por parte de um superior hierárquico, a julgadora condenou a empresa ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$10 mil. A decisão foi confirmada pelo TRT-MG.

A prova oral revelou que, além de os banheiros químicos oferecidos ficarem distantes do canteiro de obras, não eram destinados ao público feminino. Isto, apesar de trabalharem cerca de mulheres no local. Conforme apurado, a limpeza dos banheiros químicos também era precária, não sendo realizada diariamente pela empresa encarregada da tarefa.

Além disso, uma testemunha apontou já ter presenciado a reclamante constrangida no local de trabalho por ter sido assediada pelo encarregado. Ela contou que este já teria indagado a respeito da colega, tendo afirmado que se a pressionasse ficaria com ele por medo de perder o emprego. O chefe comentou que estava insistindo, mas a reclamante estava "se fazendo de difícil". Segundo a testemunha, mesmo comentando que a reclamante era casada, o encarregado insistiu no assédio.

Quanto à inexistência de banheiros femininos, a magistrada explicou que a conduta afronta a NR-24, item 24.1.2.1, do Ministério do Trabalho e Emprego."Incumbe ao empregador fornecer ao trabalhador todas as condições para o desenvolvimento de seu mister, e, ainda mais, daquelas que atingem diretamente a preservação de sua intimidade", destacou na sentença, acrescentando que a separação de banheiros por sexo decorre de obrigação legal, que não pode ser negligenciada pelo empregador. Para a julgadora, a situação vivenciada pela reclamante implica dano moral indenizável.

Da mesma forma, ela reconheceu que o tratamento inadequado recebido do superior hierárquico causou dano moral à reclamante, e este deve ser reparado:"Trata-se de situação constrangedora e humilhante, que violou a sua integridade psíquica, vilipendiando direitos da personalidade, como liberdade sexual, honra, imagem, vida privada, intimidade e dignidade pessoal e profissional", registrou na sentença.

Por esses fundamentos, a juíza deferiu à trabalhadora uma indenização pelos danos morais sofridos. O valor foi fixado em R$10 mil, levando em conta a gravidade da lesão, a extensão do dano e as condições das partes. A quantia arbitrada foi considerada suficiente para assegurar o caráter pedagógico da punição e a reparação adequada à vítima, sendo confirmada em 2º Grau.

Fonte: TRT3

NJ ESPECIAL - Súmula nº 44 do TRT-MG: É indevido o pagamento de adicional de periculosidade a vigia








A Lei 12.740/2012 alterou o art. 193 da CLT, que passou a considerar, em seu inciso II, como atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial. É pacífico o posicionamento de que, a partir da regulamentação da matéria pelo Ministério do Trabalho e Emprego, os vigilantes passaram a fazer jus ao pagamento do adicional de periculosidade. Mas será que é cabível a extensão do direito ao adicional de periculosidade a profissionais de segurança patrimonial, a exemplo dos vigias, que não se enquadrem na conceituação de vigilante atribuída pela Lei 7.102/83?

Recentemente, esse questionamento esteve presente nos processos julgados pela JT mineira e despertou entendimentos divergentes dos magistrados. Até que, na sessão ordinária realizada no dia 03/08/2015, o TRT-MG pacificou a questão. Nessa data, o Tribunal Pleno do TRT de Minas, em cumprimento ao disposto no art. 896, parágrafo 3º, da CLT, e na Lei 13.015/2014, conheceu do Incidente de Uniformização de Jurisprudência (IUJ) suscitado no processo 00558-2014-171-03-00-8-RO e, por maioria absoluta de votos, determinou a edição da Súmula nº 44, com a seguinte redação:"ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. INCISO II DO ART. 193 DA CLT. VIGIA.É indevido o pagamento do adicional de periculosidade previsto no inciso II do art. 193 da CLT (inserido pela Lei n. 12.740/12) ao vigia, cuja atividade, diversamente daquela exercida pelo vigilante (Lei n. 7.102/83), não se enquadra no conceito de "segurança pessoal ou patrimonial" contido no item 2 do Anexo 3 da NR-16, que regulamentou o referido dispositivo".

Histórico do IUJ: Processo de origem - Entendendo a matéria objeto do incidente

No caso analisado no processo nº 00558-2014-171-03-00-8, o juiz sentenciante reconheceu ser devido o pagamento do adicional de periculosidade para os rondantes, a partir de 03 de dezembro de 2013, data de publicação da Portaria 1.885 do Ministério do Trabalho e Emprego, regulamentadora da Lei 12.740/2012.

A ré é uma empresa pública do município de Itabira (MG) que possui plano de empregos, salários e carreiras próprio, homologado pelo prefeito municipal por meio do Decreto nº 1.376, de 11 de dezembro de 2009. Dentre os empregos existentes nesse plano consta o de rondante, cuja descrição sintética traz o seguinte teor: "compreende os empregos que se destinam a exercer a vigilância dos prédios, obras, praças, parques e outros estabelecimentos ou locais, percorrendo-os sistematicamente e inspecionando suas dependências para prevenir incêndios, furtos, entradas de pessoas estranhas e depredações". Para esses empregados rondantes, o sindicato autor pediu o pagamento de adicional de periculosidade, com fundamento no art. 193, inc. II, da CLT, na nova redação dada pela Lei 12.740/2012.

O juiz sentenciante entendeu que os rondantes empregados da ré se enquadram nessa hipótese legal, ao exercerem atividades de prevenção de roubos e segurança patrimonial dos bens públicos municipais. Ao deferir o pedido, o magistrado acentuou que "a especificação do local de trabalho, no presente caso, é irrelevante, pois, estando o rondante num espaço aberto, como praça e parques, ou fechado, como escolas e prefeitura, sua atividade tem destinação específica de proteção do patrimônio público e o expõe a risco de violência física, a justificar a remuneração correspondente, por meio do adicional de periculosidade, estendido para esse profissionais, na forma da nova lei".

Inconformada, a empresa Itaurb recorreu dessa decisão, argumentando que os empregados exercem a função de vigias, trabalhando desarmados, sem uniforme especial ou curso de formação específico. Ressaltou ainda a diferenciação entre as funções de vigia e vigilante. Mas a 5ª Turma do TRT-MG negou provimento ao recurso, por entender que os empregados contratados por empresa pública para realização de vigilância patrimonial fazem jus ao recebimento do adicional de periculosidade, pouco importando a utilização de armamento ou de uniforme.

O Ministro do Tribunal Superior do Trabalho Vieira de Mello Filho, ao examinar o Recurso de Revista interposto contra o acórdão proferido pela 5ª Turma do TRT-MG, decidiu proceder à uniformização da jurisprudência envolvendo o tema vigia - adicional de periculosidade - cabimento, atendendo às determinações contidas no §4º do art. 896 da CLT. Suspenso o julgamento do mencionado Recurso de Revista e devolvidos os autos a este Regional, o desembargador José Murilo de Moraes, 1º Vice-Presidente do TRT mineiro, determinou o registro e o processamento do IUJ, na forma da Resolução 9, de 29 de abril de 2015, assim como a suspensão do andamento dos processos que versem sobre a mesma matéria, até o julgamento do Incidente.

Distribuídos os autos ao desembargador relator Paulo Maurício Ribeiro Pires, foi determinada a remessa do processo à Comissão de Jurisprudência deste Tribunal (art. 11, inciso III, da referida Resolução GP n. 9/2015), que providenciou a juntada de documentos, assim como emitiu parecer. O Ministério Público do Trabalho, em parecer da lavra da Procuradora-Chefe Márcia Campos Duarte, opinou pelo conhecimento do Incidente, a fim de que este Tribunal confira interpretação uniforme à matéria, na forma do verbete sugerido pela Comissão de Uniformização de Jurisprudência.Diferenças entre as funções de vigilante e vigia

Inicialmente, o relator fez uma breve exposição sobre as distinções entre as funções de vigilante e vigia:

O primeiro é o profissional contratado com a finalidade de proceder à vigilância patrimonial das instituições financeiras e de outros estabelecimentos, públicos ou privados, bem como a segurança de pessoas físicas, nos moldes estabelecidos pela Lei nº 7.102/83, que dispõe sobre a segurança para estabelecimentos financeiros e estabelece normas para constituição e funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores.

O exercício de tal função pressupõe a observância de diversos requisitos, tais como: ser brasileiro; idade mínima de 21 anos; instrução correspondente à 4ª série do primeiro grau; aprovação em curso de formação de vigilante realizado em estabelecimento autorizado; aprovação em exame de saúde física, mental e psicológica; não ter antecedentes criminais registrados; estar quite com suas obrigações eleitorais e militares; prévio registro no Departamento de Polícia Federal (artigos 16 e 17 da Lei 7.102/83). Além disso, cumpre ao vigilante usar uniforme somente quando em efetivo serviço, sendo-lhe assegurado o porte de arma, também durante o trabalho (art. 19 da referida lei).

Por sua vez, o vigia exerce atividades de fiscalização de localidades e dos bens patrimoniais que ali se encontrem, nos moldes estabelecidos pela pessoa física e jurídica que o contratou, mas a ele não é possibilitado o exercício da vigilância armada e tampouco se exige preparação específica, inexistindo em relação à referida função qualquer regulamentação legal.

A respeito dos vigias e das tarefas por eles desempenhadas, a Comissão de Jurisprudência do TRT-MG destacou que, ainda que exerçam fiscalização ou vistoria do local onde prestam serviço, percorrendo e inspecionando as dependências da empresa ou da residência, tais atividades não têm o alcance da norma legal citada. Isto é, este profissional não tem o dever de agir ou reagir a ações efetivas ou tentadas contra a vida ou patrimônio de pessoas naturais e jurídicas. Acrescentou que o enquadramento sindical do vigia é determinado pela categoria econômica que pertence o empregador, conforme atividade preponderante que exerce. Portanto, não se trata de pessoa ocupante de categoria profissional diferenciada (§ 3° do art. 511 c/c art. 570, ambos da CLT), tal como ocorre com os vigilantes, regidos por legislação própria (Lei n° 7.102/83).Teses Divergentes 
Corrente minoritária: Pelo pagamento do adicional de periculosidade extensivo ao vigia.

O desembargador relator salientou que o entendimento adotado pela 5ª Turma do Regional mineiro, em julgamento de relatoria do juiz convocado Antonio Carlos Rodrigues Filho, foi no sentido de que empregados contratados por empresa pública para realização de vigilância patrimonial fazem jus ao recebimento do adicional de periculosidade, pouco importando a utilização de armamento ou de uniforme. Foi destacado no voto que, estando o rondante num espaço aberto como praça e parques, ou fechado, como escolas e prefeitura, sua atividade tem destinação específica de proteção do patrimônio público e o expõe a risco de violência física. Nesse sentido, a ementa atribuída ao julgado:"EMENTA: ADICIONAL DE PERICULOSIDADE - ART. 193, DA CLT - NOVA REDAÇÃO - A redação do art. 193 da CLT foi alterada pela Lei nº 12.740/2012, que indicou algumas atividades como sendo de risco, estendendo o adicional de periculosidade aos profissionais da segurança pessoal ou patrimonial, possuindo vigência a partir da data da sua publicação (10.12.2012)".



Os julgadores que adotam esse posicionamento minoritário salientam que as atividades exercidas por vigias patrimoniais envolvem riscos associados a roubos e outras espécies de violência física, fazendo eles jus, portanto, ao adicional de periculosidade desde a publicação da Lei 12.740/12, data de aquisição do direito (fundamentos extraídos do acórdão da 7ª Turma no processo TRT-RO-01371-2013-060-03-00-9; DEJT 22/05/2015).

Da mesma forma, a Sexta Turma, ao julgar o recurso interposto nos autos do processo TRT-RO-0001085-42.2013.5.03.0071, fundamentou que a ausência de treinamento específico direcionado a empregados investidos em atividade de segurança patrimonial e pessoal justifica, com maior intensidade, o deferimento do adicional de periculosidade, notadamente quando o empregado, zelador e vigia, encontra-se exposto a situações de risco em proporção superior aos típicos funcionários de segurança de empresas especializadas. Acrescentam ser cabível a interpretação analógica, à hipótese, do trabalhador exposto à energia elétrica, que faz jus ao respectivo adicional embora o empregador não pertença ao ramo de geração, transmissão e distribuição de energia, a teor do que dispõe a Súmula n. 18 do TRT de Minas Gerais.Corrente majoritária: Não é devido o adicional de periculosidade a vigias

Por sua vez, a 9ª Turma, em julgado cujo relator foi o desembargador Ricardo Antonio Mohallem, adotou entendimento diverso, segundo o qual o enfrentamento de possíveis roubos ou a exposição a outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial é inerente à função do vigilante armado e qualificado para tanto, o que não é o caso do reclamante, vigia. Foi destacado no voto, ainda, que as atividades de vigia, ou mesmo de porteiro, destinam-se à guarda do patrimônio ou controle de ingresso de pessoas, de modo que esses profissionais não se enquadrariam nas hipóteses do item 2 do Anexo 3 da NR-16, não lhes sendo devido o adicional de periculosidade. A ementa do acórdão é a seguinte:"VIGIA. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. NÃO CABIMENTO. O enfrentamento a meliantes ou mesmo o enfrentamento físico nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial é inerente à função do vigilante armado, qualificado para tanto, o que não é o caso do reclamante, vigia. Tanto é que sua função não se amolda ao conceito de 'profissionais de segurança pessoal ou patrimonial' dado pelo item 2 do Anexo 3 da NR-16, que regulamentou o inc. II do art. 193 da CLT. (PJe: TRT-RO-0011094-59.2014.5.03.0061-RO; Nona Turma; Rel. Ricardo Antonio Mohallem; Disponibilização DEJT: 26/03/2015)".



Essa corrente majoritária no TRT mineiro, adotada inclusive pelo relator, exclui o vigia da percepção do adicional de periculosidade, por entender que ele não se enquadra no conceito de profissional de segurança pessoal ou patrimonial descrito na norma regulamentadora. O relator observou que esse posicionamento prevalecente pode ser representado pelos fundamentos adotados no acórdão proferido no processo TRT-RO-01359-2014-178-03-00-1, em que a 10ª Turma, em decisão unânime, manteve a sentença que indeferiu o adicional em questão a vigia que realizava rondas com o objetivo de proteção patrimonial da empresa em que trabalhava.

Conforme registrado no acórdão: "a função de vigia é menos abrangente do que a de vigilante, porquanto não lhe é exigida a efetiva ação no combate ao crime, como ocorre com os vigilantes, cujo mister se dá pela estrita observância das disposições contidas na Lei nº 7.102/83. Nos termos do mencionado diploma legal, o trabalho do vigilante exige registro na DRT - Delegacia Regional do Trabalho, aprovação em curso de formação própria e no exame de saúde física e mental, psicotécnico, assegurando- se, também, uniforme especial e porte de arma. O trabalho do vigia, menos abrangente, cinge-se à vistoria patrimonial, sem que se exijam atividades mais complexas e sem exposição eminente ao perigo".

O relator do IUJ citou, ainda, outra linha de raciocínio, que também leva ao indeferimento do adicional de periculosidade aos vigias, extraída do julgamento do recurso ordinário interposto nos autos do processo nº 0000399-28.2015.5.03.0185, cujo relator foi o desembargador Manoel Barbosa da Silva: "A Lei 12.740/2012, que alterou o art. 193 da CLT, estendeu o adicional de periculosidade aos empregados que exerçam atividades que impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial. Este artigo foi regulamentado pelo MTE, através da portaria nº 1.885/2013, cujo anexo 3 da NR-16 vem definir as hipóteses em que o profissional de segurança fará jus ao respectivo adicional. Assim, a referida NR-16 determinou que serão considerados profissionais de segurança, para fins de percepção do adicional de periculosidade, aqueles que forem contratados por empresas privadas que exerçam atividade econômica na área segurança pessoal e patrimonial, registradas e autorizadas pelo Ministério da Justiça, ou se contratados pela Administração Pública conforme as disposições ali contidas. A função exercida pela reclamante não se enquadra dentre as hipóteses normativas. Isso porque a autora não foi contratada por empresa de segurança, devidamente registrada e autorizada para o exercício, conforme preconiza o anexo 3 da NR-16".Decisão da maioria

Inicialmente, o relator observou que, conforme levantamento realizado por ele próprio e pela Comissão de Uniformização de Jurisprudência, não foi localizado precedente específico do TST sobre o tema, o que se credita à recente regulamentação da matéria, carecedora de maturação nos contornos da Justiça do Trabalho. O relator observou ainda que o Ministério Público do Trabalho, na esteira do posicionamento prevalecente, destacou em seu parecer que as funções exercidas pelo vigilante e pelo vigia são substancialmente distintas, e concluiu não ser devido, a este último, o pagamento do adicional de periculosidade previsto em lei.

Em razão da considerável distinção entre as funções dos vigias e vigilantes, prevaleceu, no âmbito do TRT mineiro, a corrente jurisprudencial que entende ser incabível o pagamento do adicional de periculosidade aos primeiros. Em consonância com esse posicionamento prevalecente no TRT-MG, o relator acolheu, em parte, o parecer da Comissão de Jurisprudência, sugerindo apenas pequena alteração na redação da ementa por ela elaborada, referente a aspectos da legislação pertinente. Acatando esse entendimento, a maioria do Tribunal Pleno decidiu pela edição de súmula com a redação que espelha a jurisprudência predominante no âmbito do TRT mineiro.Proc. nº 0000558-47.2014.5.03.0171-IUJ. Acórdão publicado em 03/09/2015 

Notícias jurídicas anteriores sobre o tema: 

29/07/2015 06:00h - Vigia que trabalha desarmado não tem direito a adicional de periculosidade previsto para vigilantes 

21/01/2015 06:01h - Trabalho de vigia não se confunde com a função de vigilante 

17/07/2008 06:40h - Trabalho do vigilante não se confunde com atividades de vigia 




Fonte: TRT3

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...