É inegável que o Brasil vive um momento de crise. Mas, ao mesmo tempo, o país pode aproveitar para transformá-lo num momento de ruptura. E não apenas de ruptura do sistema político. Também num sentido mais amplo, de abandonar as amarras burocráticas que travam o país, e finalmente olhar para frente. É o que prega o ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli, presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
Segundo na linha sucessória à Presidência do Supremo, aos 48 anos, o ministro já pode registrar no currículo uma gestão incontestável — e inconteste — à frente do TSE. Porém, o que preocupa Toffoli é que “o país está muito travado”. Para ele, o Brasil “investe mais em amarras do que em desamarras”.
“O Brasil hoje é um país absolutamente atolado, e, quanto mais se criam regras, mais burocracia. Quanto mais burocracia, mais chances ao jeitinho, às possibilidades de corrupção, às maneiras de tentar obter desvios para obter facilidades”, comenta, em entrevista exclusiva à revista Consultor Jurídico.
Toffoli recebeu a reportagem da ConJur em seu gabinete no TSE a princípio para falar sobre seu tempo à frente da Justiça Eleitoral e como maestro das eleições presidenciais mais disputadas da história recente do Brasil, as de 2014, das quais Dilma saiu reeleita. No entanto, por causa da agenda do ministro, o encontro só aconteceu depois da deflagração do processo deimpeachment da presidente Dilma Rousseff e de todas as movimentações subsequentes.
A conversa foi na sexta-feira (11/12), último dia para as manifestações na ação em que o STF discutirá o rito do impeachment. Impossível, portanto, não falar de política com o presidente do TSE e um dos membros mais proeminentes da atual composição do Supremo.
E, diante dos fatos recentes, difícil não perguntar a um notório eleitoralista: “Todo presidente do Brasil precisa passar por um processo deimpeachment?”. Em resposta, o ministro Toffoli faz um resgate histórico desde a abdicação de D. Pedro I até Dilma, passando pelas revoltas civis da República Velha, pelo golpe militar de 1964 e pelo impeachment de Fernando Collor, para concluir: “No Brasil, todo presidente é eleito para ser deposto”.
Leia a entrevista:
ConJur — Em palestra no Congresso de Direito Constitucional do IDP, o senhor falou que o Brasil devia voltar a ter uma agenda desenvolvimentista. Que recado o senhor quis passar?
Dias Toffoli — O país está muito travado. Investe mais em controles, mais em amarras do que em desamarras. Temos que passar a ter uma agenda diferenciada. Veja, por exemplo, o caso daquela barragem no Rio Doce, em Mariana: teve decisões da Justiça, uma da Justiça Federal dizendo que a lama não podia chegar ao mar, e aí outra, da Justiça estadual, dizendo que a lama deve ser drenada para o mar; aí o Ministério Público Federal atua de um jeito, o estadual, de outro. O correto seria uma atuação de Estado uniforme que não fique batendo cabeça. Enquanto isso tudo acontece, o dano ambiental está acontecendo, e que ação fizeram? Nada. Ou seja, o Estado tem de ser mais dinâmico, com um planejamento e com uma ação desenvolvimentista.
ConJur — O que isso quer dizer?
Dias Toffoli — Quer dizer ter sistemas de controle, mas que sejam absolutamente eficazes para prevenir, e não só para isso que assistimos hoje nas operações e nas investigações, que são para reprimir. Se chegamos a uma situação dessas é porque os sistemas de controle não funcionaram adequadamente. Uma agenda desenvolvimentista diz respeito, por exemplo, a agências reguladoras, a planejamento estratégico do Estado brasileiro, cumprimento de metas — no Estado brasileiro nós não temos metas — e a relação do Estado com a iniciativa privada, que tem que ser modificada.
ConJur — Em que sentido?
Dias Toffoli — Temos que liberalizar o Brasil. O Brasil hoje é um país absolutamente atolado, e, quanto mais se criam regras, mais burocracia. Quanto mais burocracia, mais chances ao jeitinho, às possibilidades de corrupção, às maneiras de tentar obter desvios para obter facilidades e também mais judicialização.
ConJur — Isso passa pelo tamanho do Estado?
Dias Toffoli — Olha, essa é uma grande discussão. O tamanho do Estado passa sem dúvida nenhuma por um debate necessário. O que estamos assistindo é que não temos um Estado, um Poder Executivo e um Congresso Nacional que planejam no médio e no longo prazo. O Brasil continua, infelizmente, resolvendo o problema de ontem para tentar viver o hoje. É como o cidadão que, na penúria, vende o almoço para comprar o jantar. O Brasil fica sempre olhando o passado quando precisa olhar para frente.
ConJur — Em outra entrevista que fizemos, o senhor disse que “o Brasil precisa parar de ser adolescente em matéria institucional”. O senhor vê isso acontecer num futuro próximo?
Dias Toffoli — O momento atual é de crise, e enquanto ela permanecer fica difícil ter ideia do que vai acontecer nos próximos dias ou meses. Mas o momento pode ser uma grande oportunidade de o Brasil se olhar no espelho, de as suas instituições se olharem no espelho, e verificarem que não dá mais pra gente trabalhar dessa forma.
ConJur — Como assim?
Dias Toffoli — Temos que tratar de planejamento como algo de conteúdo, e não apenas como algo formal para encaminhar ao Tribunal de Contas da União, ou para um cumprimento de legislação. Um planejamento estratégico deve envolver toda a instituição, como fizemos aqui no TSE, envolvendo todos os tribunais regionais eleitorais, todos os cartórios eleitorais, servidores, colaboradores etc. para planejar ações para os próximos cinco anos. Tem que envolver as pessoas que trabalham com o tema. E na área da administração pública não assistimos isso.
ConJur — Ao que assistimos?
Dias Toffoli — As instituições do Estado brasileiro não estão coordenadas em uma mesma missão. Cada órgão do Estado brasileiro, do Poder Executivo, por exemplo, se sente alheio ao órgão vizinho. Veja, por exemplo, o projeto da Identidade Única do Cidadão brasileiro: quantos órgãos do Poder Executivo ficam jogando contra esse projeto, que está encaminhado pela Presidência da República ao Congresso Nacional? E tudo porque não querem perder o seu poder ali, no sentido de ser o declarador de quem é o cidadão de acordo com ele. Isso não funciona. O Estado brasileiro não vai funcionar assim, infelizmente, e se o Congresso Nacional continuar defendendo apenas e tão somente lobbies de um Brasil do século XIX, nós vamos continuar no atoleiro. A perspectiva de curto prazo não é boa.
ConJur — O senhor mencionou as brigas em torno da Identidade Única. Por que virou esse campo de batalha?
Dias Toffoli — Porque é uma briga do Brasil do século XIX, dos cartórios, das fraudes, da não identificação inequívoca do cidadão, da possibilidade de manter corrupção e lavagem de dinheiro com CPFs falsos, contra o país moderno, da urna eletrônica, da identificação única, que está acabando com os eleitores em duplicidade, triplicidade. Identificamos aqui um cidadão com 47 certidões de nascimento diferentes, 47 carteiras de identidade diferentes, 20 CPFs ativos diferentes. Quem é contra esse projeto é a favor do Brasil do século XIX.
ConJur — E por que é que o TCU entrou na história?
Dias Toffoli — Não sei. Boa pergunta.
ConJur — Voltando à questão da adolescência, todo presidente precisa passar por um processo de impeachment no Brasil?
Dias Toffoli — Se fizermos um resumo da história do Brasil, todo presidente é eleito para ser deposto.
ConJur — Desde a República Velha?
Dias Toffoli — Nosso primeiro imperador renunciou. Em 1831, Dom Pedro I abdicou do trono porque as elites locais estavam em conflito entre si e em conflito com o poder central. Deixou um filho menor de idade, de cinco anos, para ser seu sucessor, na forma constitucional, e houve a Regência. Primeira Regência, Segunda Regência, Regência Una etc. Houve o Ato Adicional nº 1, de 1834, que deu mais poder às províncias, às elites locais, e depois houve o Regresso, em 1841. Depois Pedro II começou a administrar, com muita habilidade, os gabinetes, conservadores e liberais, no sistema parlamentarista do Império, de uma monarquia parlamentarista que vigorou no Brasil até a proclamação da República. O primeiro presidente da República após o golpe militar de Estado contra a monarquia, o marechal Deodoro da Fonseca, renunciou. Ele foi levado a uma situação de instabilidade institucional em que os estados passaram a ter uma força muito grande. É o movimento do pêndulo: de um poder central mais absoluto, na figura de um monarca, vai para a autonomia das províncias.
ConJur — E depois de Deodoro as crises continuaram.
Dias Toffoli — Deodoro renunciou e seu vice, Floriano Peixoto, passou por duas grandes revoltas, a da Armada, que pedia a volta da monarquia, e a dos federalistas, no Sul do país. O primeiro presidente eleito pelo povo, Prudente de Morais, também passou por grande período de instabilidade, inclusive licença-saúde e até tentativa de assassinato. Durante sua Presidência, eclodiu a Guerra de Canudos, na Bahia. Depois veio Campos Salles, que para ter estabilidade criou a malfadada política dos governadores. Seguiu Rodrigues Alves, que enfrentou a Revolta das Vacinas e a primeira greve na capital da República. Afonso Pena teve de administrar, com recursos do Banco do Brasil, a guerra econômica da política de valorização do café decorrente do Convênio de Taubaté. Nilo Peçanha teve de intervir em alguns estados para garantir a posse de governadores (na época, "presidentes") aliados. Hermes da Fonseca enfrentou a Guerra do Contestado, em Santa Catarina, entre 1912 e 1916, uma guerra entre dois estados e a União. Além da Revolta da Chibata. Com Venceslau Brás, as primeiras greves gerais de vulto do país, e o Brasil declarou guerra à Alemanha. Rodrigues Alves foi eleito novamente, em 1918, mas não assumiu, pois havia contraído a gripe espanhola — morreu dois meses depois. Assumiu o vice, Delfim Moreira, que teve de convocar novas eleições.
ConJur — Na década seguinte, novas revoltas.
Dias Toffoli — Na década de 20, no governo Epitácio Pessoa, que fora ministro do Supremo, mas aposentou-se por invalidez, começaram as revoltas militares, com os 18 do Forte de Copacabana, e houve Estado de Sítio. No governo de Artur Bernardes, muita instabilidade política e várias revoltas tenentistas. Em 1924, a cidade de São Paulo foi bombardeada. Milhares ficaram feridos e centenas morreram. Trezentos mil habitantes saíram de lá. No Rio Grande do Sul, houve uma guerra em razão da quinta candidatura à reeleição de Borges de Medeiros, a Revolta de 1923, que terminou com o Pacto de Pedras Altas, estando Getúlio Vargas e Assis Brasil em lados opostos.
ConJur — Que depois fizeram as pazes.
Dias Toffoli — Depois Getúlio Vargas virou presidente, e Assis Brasil, seu ministro. Portanto, revoltas em São Paulo, Rio Grande do Sul, revolta em Fortaleza, revolta em Manaus... Artur Bernardes governou três anos e meio sob Estado de Sítio, e foi em seu governo que teve início a Coluna Prestes. Depois veio Washington Luís, deposto pela Revolução de 30 antes de dar posse a Júlio Prestes, eleito. Uma junta governativa assumiu para dar poder ao segundo colocado nas eleições, Getúlio Vargas, sob a condição de que ele convocasse uma Constituinte. Uma curiosidade: foi contratado um parecer de Hans Kelsen para dar uma roupagem de legítimo ao governo provisório e à convocação da constituinte.
ConJur — Mas a Constituinte não foi convocada.
Dias Toffoli — Pois bem, segue o Governo Provisório de Getúlio e a Revolução paulista de 32 para pedir a Constituinte, que não fora convocada como prometido por Getúlio. Embora derrotado do ponto de vista militar, São Paulo saiu vitorioso do ponto de vista dos interesses paulistas. Em 1938, pela Constituição de 34, haveria eleição, mas um ano antes Getúlio deu um golpe e o Brasil entrou no Estado Novo, com o fechamento de todas as eleições. Em 1945, Getúlio foi deposto pelos militares, com medo de que ele influenciasse nas eleições marcadas para o dia 2 de dezembro daquele mesmo ano. Assumiu a Presidência José Linhares, do STF, que passou a faixa para o presidente eleito, Eurico Gaspar Dutra. Em 1950, Getúlio foi eleito e voltou ao poder.
ConJur — Mesmo assim, não foram eleições tranquilas.
Dias Toffoli — Não havia previsão de segundo turno, e veio a discussão se o presidente eleito tomaria posse ou não, já que não tivera maioria absoluta dos votos. Isso foi parar no TSE de então pela mão da UDN. Embora Getúlio tivesse obtido 48% dos votos, o brigadeiro Eduardo Gomes, segundo colocado, pretendia um novo turno jamais previsto na Constituição de 1946.
ConJur — Já naquela época, judicialização da política.
Dias Toffoli — Tudo isso foi judicializado. Em 1954, a forte oposição da UDN, de Carlos Lacerda e de setores militares levaram Getúlio ao suicídio, em agosto. Assumiu o vice, Café Filho, que se licenciou um ano e três meses depois, no dia 3 de novembro, alegando problemas cardiovasculares. No dia 8, foi substituído pelo presidente da Câmara, Carlos Luz, deposto no dia 11 pelo então general Henrique Lott, que entendia que o deputado conspirava contra a posse de Juscelino Kubistchek, eleito. Café Filho tentou assumir, mas o Congresso aprovou seu impedimento por ele ter participado da mesma conspiração. Foi ao Supremo, mas não conseguiu. Assumiu Nereu Ramos, presidente do Senado, que governou sob estado de sítio até a posse de JK, em 1956. Tudo isso foi contestado pela UDN, que queria um segundo turno, pois ninguém teve maioria absoluta dos votos — JK teve 35,6% e Juarez Távora, 30%.
ConJur — E aí Jânio Quadros...
Dias Toffoli — Depois disso tudo, a renúncia de Jânio em 61, e quem assumiu foi João Goulart, que estava na China. Assume ou não? O movimento pela legalidade surge, Jango volta, cria-se o parlamentarismo, mas, depois de plebiscito, ele assume a Presidência com plenos poderes. E aí o que aconteceu? Golpe de 64, e Castelo Branco é eleito presidente pelo Congresso inicialmente com a intenção de devolver o poder aos civis em curto período. Mas Costa e Silva não aceitava essa devolução, e os atos institucionais foram se recrudescendo. Em 1969, Costa e Silva ficou doente e quem teria de assumir era o vice, um civil, Pedro Aleixo. Aí uma junta militar não deixa Aleixo assumir e edita a famigerada Emenda 1 de 69, que era na verdade um novo texto constitucional.
ConJur — E restabelecida a democracia, depois do fim da ditadura, todos aqueles problemas.
Dias Toffoli — Teve o movimento das Diretas Já, com a emenda Dante de Oliveira, e toda uma movimentação para que ela não fosse aprovada. Em janeiro de 85, teve a eleição de Tancredo, mas ele ficou doente e morreu, e José Sarney, vice, assumiu, com toda a instabilidade política e econômica. Em 1989, Fernando Collor é eleito e dois anos e meio depois sofre um processo de impeachment e é deposto, e quem assume é Itamar Franco, o vice. Fernando Henrique veio depois, com o capital político do Plano Real, de ter estabilizado a moeda, e a emenda da reeleição dá mais estabilidade à figura do presidente da República. Mesmo assim, passa por vários pedidos de impeachment. Lula, que o seguiu, também, e com várias crises institucionais. E agora o governo Dilma, que sofre de novo essas agruras.
ConJur — E qual a conclusão?
Dias Toffoli — Que todos eles enfrentam crises institucionais porque o Brasil não tem uma elite nacional. Não existe aqui em Brasília uma elite nacional, seja ela econômica, política ou social, que tenha um projeto de nação para o país. O Brasil não conseguiu criar uma nação do ponto de vista de poder. São ainda várias nações. Ao contrário da América espanhola, a América portuguesa, para não se desmilinguir, se manteve numa monarquia. Se tivéssemos optado pela república, o Brasil hoje seriam várias repúblicas. Ou seja, todo mundo que governa este país passa por situações de crise, porque o Brasil é um país fragmentado, um país desigual entre suas regiões.
ConJur — Mas falando especificamente de impeachment, pelo menos desde a redemocratização para cá, todos passaram por isso. Como se resolve?
Dias Toffoli — Todos os futuros presidentes também vão passar por situações assim. Isso se resolve com a habilidade de quem está no poder de saber lidar com isso, de saber que vai passar por isso e ter a habilidade de superar essas crises. Todos passam por testes de fogo. Pedro II, o mais hábil da história, foi deposto, exilado e morreu sem nunca ter pisado no Brasil República.
ConJur — O parlamentarismo seria uma solução?
Dias Toffoli — Tem que fazer uma grande reformulação no sistema jurídico eleitoral. Se é o parlamentarismo que vamos ter junto à reforma, é outra discussão que o país tem de aprofundar.
ConJur — Por quê?
Dias Toffoli — Parlamentarismo com um Congresso fragmentário é extremamente complicado, e vira aquela discussão do ovo e da galinha, ou o dilema do pão quente: o Congresso é fragmentário porque não é parlamentarista ou não é parlamentarista porque é fragmentário? Todas essas são questões muito complexas, mas o Brasil precisa enfrentar. Mas de uma coisa não tenho dúvida: o sistema eleitoral com base proporcional, tendo os estados como base da circunscrição eleitoral para eleição de um deputado federal, continuará levando o Brasil à ingovernabilidade.
ConJur — Esse chamado presidencialismo de coalisão, então...
Dias Toffoli — Fracassou. Não funciona mais.
ConJur — Por isso se fala tanto no parlamentarismo?
Dias Toffoli — Por isso digo que toda crise é sempre uma grande oportunidade. O Brasil deve se olhar no espelho e verificar que esse sistema eleitoral falido não tem mais condições de existir. Ele foi concebido para ser um arranjo de composição das elites locais após a Revolução de 30 e nos levou a ter, na eleição de 2014, 28 partidos eleitos para o Congresso Nacional. Isso vai levar a cada dia que cada deputado queira ser um partido político, porque lhe rende acesso à televisão, ao fundo partidário. Os partidos vão continuar se multiplicando, e quanto maior essa multiplicação, maior dificuldade de alguém poder ter uma base política, e uma maior dificuldade de entendimento no Congresso Nacional. Portanto, toda essa situação também mostra a necessidade de, uma vez por todas, se reformular o sistema eleitoral brasileiro e o sistema político também. Temos que diminuir o número de partidos políticos, definitivamente. Essa reforma eleitoral de 2015 não foi suficiente, vamos ter que aprofundá-la.
ConJur — Em que sentido?
Dias Toffoli — Criar verdadeiras cláusulas de barreira, de maneira programática cada vez maior, para que o país possa chegar a ter de quatro a cinco partidos políticos nos próximos dez ou 15 anos. Não há por que ter mais do que isso. Quem não tiver 5% de votos não poderia mais ter benefícios e mandatos, independentemente de serem partidos históricos. Se na próxima eleição a agremiação conseguir 5%, tem acesso ao Congresso Nacional, a fundo partidário, a outros benefícios naturais dos partidos políticos. Não há sentido vivermos num país com 35 partidos registrados na Justiça Eleitoral.
ConJur — Do ponto de vista democrático, a cláusula de barreira não é ruim? Não é o mesmo que dizer que algumas vozes não serão ouvidas?
Dias Toffoli — Hoje vamos para uma eleição presidencial para escolher entre três e quatro candidatos. Mas quem escolheu esses três ou quatro candidatos? O fato de ter muitos partidos políticos não quer dizer que haja democracia neles. O que assistimos é que aqueles que são apresentados como candidatos não são escolhidos democraticamente. Os partidos se reúnem em cúpula e decidem quem vai ser o candidato, e o povo não participa dessa ideia. Temos que repensar o que é o partido político, qual a sua natureza. Será que ele realmente está sendo democrático? Está cumprindo a sua função de intermediário entre o povo e o acesso ao poder, ao mandato? Ou passou a ser um partido de maleta, de interesses apenas e tão somente econômicos, e de compra e venda de voto? Temos que repensar também, além do sistema eleitoral, uma reforma política, do sistema político-eleitoral. Temos que repensar os partidos.
ConJur — Mas em que sentido o senhor fala em repensar?
Dias Toffoli — Precisamos de uma legislação que possa realmente interferir nos partidos para que eles sejam democráticos. E uma coisa que estamos debatendo aqui no TSE é a jurisprudência segundo a qual questões internas dos partidos devem ir para a Justiça comum. Temos que mudar essa jurisprudência, porque o partido é um instrumento de acesso ao poder. Ele está dentro da natureza, sem dúvida nenhuma, político-eleitoral. Embora a Constituição Federal diga, no artigo 17, que os partidos são de natureza privada, eles têm um caráter de direito público. Eles têm uma função política fundamental para a existência da democracia, mas a verdade é que, dos partidos políticos de hoje, nenhum é democrático. Continuar tendo eleições diretas para presidente da República em que vamos às urnas para escolher entre dois ou três nomes escolhidos em mesa de restaurante ou em reunião de cúpula? Isso não é democracia.
Pedro Canário é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 13 de dezembro de 2015, 9h57
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