quinta-feira, 29 de outubro de 2015

A morte de crianças pode ser considerada uma questão cultural?




Por Lenio Luiz Streck


Abstract: O Plenário da Câmara aprovou Projeto de Lei tratando de medidas para combater práticas tradicionais nocivas em sociedades indígenas, como o “infanticídio”, e da proteção dos direitos fundamentais de crianças, adolescentes, mulheres e idosos vulneráveis nessas comunidades. Nesta coluna tentarei demonstrar a correção do projeto aprovado.

Hoje vou mexer em um vespeiro. Entretanto, é um tema que deve ser enfrentado, em tempos de globalização de direitos humanos ou o nome que se dê para a universalização da proteção da fundamentalidade dos direitos das gentes.

Ninguém melhor que Pablo Neruda definiu os estragos feitos pelos colonizadores europeus no continente Americano: “A espada, a cruz e a fome iam dizimando a família selvagem”. As bactérias e os vírus trazidos pelas caravelas; a guerra; a imposição do cristianismo pela Igreja Católica e a desagregação estrutural das tribos geraram um enorme holocausto. E até hoje a violência continua muito presente no cotidiano das comunidades indígenas que restaram, ao serem atropeladas por grileiros, pecuaristas, madeireiras, garimpeiros e, muitas vezes, pelo próprio governo. Foi assim que a ditadura militar brasileira realizou seu projeto de ocupação do interior do território na época da construção da Transamazônica. Por trás de todas essas atividades econômicas, sempre se impôs o argumento do progresso.

Foi por esse motivo que os irmãos Villas Bôas apresentaram uma política indigenista baseada numa intensa preocupação protecionista e preservacionista. Os sertanistas sabiam que o simples contato já era suficiente para iniciar a destruição dos povos indígenas e, por isso, implantaram o Parque Indígena do Xingu para resguardar os índios da penetração cada vez maior da política de desenvolvimento econômico do Estado brasileiro. Os irmãos sabiam que a chegada de outra civilização e a ausência de uma política preservacionista acarretaria a dizimação dos povos que habitavam a região do Alto Xingu. É por isso que, ainda hoje, a indefinição do Estado brasileiro para resolver os constantes conflitos de terra, que envolvem a demarcação das terras indígenas, tem se apresentado como um problema extremamente grave em algumas regiões, como é o caso do atual conflito entre grupos indígenas e fazendeiros no interior do Mato Grosso do Sul.

É inegável que o choque entre culturas sempre produziu destruição ao longo da história. Entre os próprios povos pré-colombianos é possível comprovar essa situação. O Império Asteca chegou a reunir 11 milhões de pessoas e, por meio da guerra, realizou a devastação e o domínio sobre diversos povos vizinhos. A legitimidade dessa expansão se baseava, por exemplo, na crença de que o povo Asteca era o povo escolhido pelo deus Sol, Huitzilopochtli, e que, por isso, estava destinado a conquistar e dominar outros povos. É evidente que essa situação histórica não se apresenta como um argumento favorável à dizimação dos povos indígenas por meio de uma cultura eurocêntrica, mas apenas demonstra que o desaparecimento de algumas culturas é um movimento presente na própria história.

Nesse sentido, ao mesmo tempo em que o Estado brasileiro deve demarcar as terras indígenas para reduzir o impacto da violência cultural que, inevitavelmente, acaba ocorrendo sobre as diversas comunidades indígenas, também é importante se questionar quais seriam as razões para a manutenção da prática do homicídio/infanticídio entre os grupos indígenas adeptos desse comportamento.

Eis o vespeiro. Esse tema vem gerando muitas discussões devido ao Projeto de Lei 1057/2007 apresentado pelo deputado Henrique Afonso, já que tem o objetivo de coibir essa prática de eliminar crianças com deficiência ou nascidas de estupro. O projeto — por favor, não critiquem antes de lerem a íntegra do projeto aprovado na Câmara — homenageia e tem como origem o protesto de uma mãe da tribo dos suruwahas, que se rebelou contra a tradição de sua tribo e salvou a vida da filha, que seria morta por ter nascido deficiente. Sem pieguice — ou até sendo — permito-me mostrar a fotografia da menina:



Em nome de certo multiculturalismo ingênuo, alguns parlamentares e antropólogos tem se posicionado contra qualquer tipo de interferência do Estado em relação à prática desse comportamento. Alguns chegam a dizer que, se o Estado não é capaz de enfrentar as constantes violações dos direitos da criança, não deveria se envolver na questão do “infanticídio” (aqui o termo não é técnico) indígena. Genial, não? Acontece que, mesmo diante dos dados alarmantes sobre a violência contra a criança, é preciso reconhecer que esta violência só não é normalizada graças à reação cultural que existe em nossa sociedade. Os mecanismos legais de proteção à criança são resultados dessa transformação cultural. Isso deve ficar bem claro. É por isso que a maioria das pessoas se incomoda quando uma criança é vítima de maus tratos.

Obviamente, a prática do infanticídio ou homicídio indígena possui um sentido para as comunidades adeptas desse costume.[1] No entanto, a partir do momento em que a comunidade está integrada, não há motivo algum para a aceitação dessa manifestação cultural numa sociedade que tem como princípio a proteção dos direitos e garantias fundamentais da criança. Um multiculturalismo ingênuo, que naturaliza a morte de crianças (ou a ablação de mulheres na África), acaba caindo em um discurso puramente relativista e, mais tarde, encontra sérias dificuldades para apresentar argumentos consistentes em defesa dos direitos humanos. Se a morte de crianças indígenas possui um sentido cultural para as comunidades que o praticam, é importante lembrar que as execuções do Estado Islâmico, motivadas pela ortodoxia religiosa, também o possui. Mutilação de partes femininas, idem. A situação é a seguinte: ou assumimos um discurso relativista e, portanto, aceitamos a normalização dessas práticas; ou abandonamos o relativismo e, assim, assumimos a integridade e a coerência como um ponto fundamental para a defesa dos direitos humanos.

Se tudo é cultural ou se a cultura tem o condão de superar a concepção de direitos humanos constante na Constituição de um país, então teríamos que achar “natural-cultural” a descoberta de tribos que escravizam a outra. Neste caso, a escravidão seria considerada, cultural? Aliás, o projeto trata disso. E do estupro também.

No fundo, a pergunta que se põe é: a morte de crianças pode ser uma “questão cultural”?

Post scriptum: O Fator Target
Os dois magistrados que defenderam os enunciados voltaram à carga sustentando o insustentável (ler aqui). Não vou respondê-los, pela simples razão de que os comentaristas da ConJur (Gustavo Mantovan, Vítor Rios, R. G., Dartiz, Ziel F. L., Ricardo Rocha Lopes Da Costa, José Tacla, Edmilson_R, Lucas Paim, Gabriel da Silva Merlin e Claudio Melim) já o fizeram. Acrescentar o quê? Em geral, meus críticos (e não foi diferente neste caso) usam do Fator Target contra mim. Primeiro atiram a flecha e depois pintam o alvo ao redor. Bingo. Por isso é que não erram nunca. And I rest my case!


[1] A lei aprovada na Câmara visa a combater: I - infanticídio ou homicídio; II - abuso sexual, ou estupro individual ou coletivo; III - escravidão; IV - tortura, em todas as suas formas; V - abandono de vulneráveis; VI - violência doméstica.


Lenio Luiz Streck é jurista, professor de direito constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do Escritório Streck, Trindade e Rosenfield Advogados Associados: www.streckadvogados.com.br.

Revista Consultor Jurídico, 29 de outubro de 2015, 8h00

Reflexões sobre o substrato teórico da argumentação visual



Por Felipe Dantas de Araújo


Nesta quinzena, a coluna tem assinatura do camarada de reflexões sobre suporte a litígios Felipe Dantas. O texto que segue trabalha, principalmente, aspectos teóricos sobre a argumentação visual, assunto frequente aqui na coluna (exemplos aqui e aqui) e que sempre desperta interesse dos caríssimos leitores.

A linguagem nas operações jurídicas
A ciência do Direito atual (assim como as demais ciências humanas) é fortemente influenciada pelo chamado “giro linguístico”, um dos principais desenvolvimentos na filosofia ocidental de meados do século XX em diante. A partir do positivismo lógico de Wittgenstein e do reconhecimento de que a linguagem não é um meio transparente de transmissão do pensamento, derivaram durante todo o século XX perspectivas estruturalistas, como a de Ferdinand Saussure, no sentido de que a linguagem em si é um componente estruturante da realidade, ou pelo menos da realidade percebida. Dessa forma, preocupações com a linguagem passaram a ocupar um lugar de destaque na relação de conhecimento, de forma que a epistemologia é complexificada a partir de investigações sobre o processo comunicacional. Pelo fato de ser o direito um saber que se desenvolve em torno de uma realidade abstrata — o sistema jurídico — expressa linguisticamente em termos de proposições prescritivas[1], a filosofia jurídica recente foi enormemente reduzida à análise crítica da linguagem das normas.

Mas é justamente na atividade de debater e pôr em prática as normas jurídicas, atividade esta que ocorre majoritariamente no campo das práticas e discursos judiciários e judicializados, que o giro linguístico influencia mais fortemente as preocupações da epistemologia jurídica. Da mesma forma que não há, portanto, conhecimento sem linguagem, não há normas jurídicas abstratas sem linguagem e, principalmente, não há argumentação jurídico-judiciária (isto é, aplicação por um órgão judiciário do Direito no caso concreto) sem linguagem. As teorias jurídicas pós-positivistas caracterizam-se justamente por: 1) dar aos princípios valor normativo; 2) aproximar a teoria moral à teoria do Direito, reabilitando a axiologia dos direitos fundamentais; (no que interessa particularmente a este trabalho) 3) dar relevância crucial à dimensão argumentativa na compreensão do funcionamento do Direito; e 4) reabilitar a razão prática, buscando correlações entre legitimidade e argumentação no processo de prática jurídica judicial[2].

Todas as manifestações de linguagem que permeiam o mundo jurídico são majoritariamente simbólicas e textuais. Passados alguns milhares de anos do início da história, ainda é comum encontrar doutrina jurídica que se refere a “normas escritas” como uma grande evolução tecnológica da prática jurídica. Não só a “realidade” do Direito — um sistema jurídico formado por normas escritas — aparece como um conjunto de proposições textuais, mas a prática da argumentação judiciária e o estudo científico do fenômeno jurídico são fortemente baseados em experiências textuais. Na experiência jurídica brasileira, essa forte vinculação entre texto (principalmente o escrito) e Direito se percebe nas práticas processuais cartorárias, onde abundam petições, despachos, certidões e sentenças rebuscadas e formulárias. A argumentação jurídica, entre nós, é uma argumentação discursiva textual, muitas vezes inimiga da lógica em virtude de aspirações de erudição e beletrismo.

Essas interinfluências entre o Direito e a linguagem são relevantes para o suporte a litígios porque, como Marcelo Stopanovski e eu demonstramos no artigo sobre o uso de sínteses gráficas nos julgamentos do Coaf (descrito nesta coluna), a prova e a argumentação jurídica ganham capacidade de convencimento quando tratadas com o uso de ferramentas de análise e síntese gráfica de informações. Essas são duas técnicas paralegais reconhecidas e que tem fundamento também em estudos da ciência da informação na técnica segundo a qual a informação apresentada com o uso de sínteses gráficas ganha contundência.

Sínteses gráficas e argumentação jurídica
Pensadores críticos (como Habermas, Foucault e Ricoeur) valeram-se em larga medida do giro linguístico aplicado ao Direito para problematizar aspectos políticos mais amplos, de relações de dominação e poder, manutenção do status quo e falhas, intencionais ou não, no processo lógico de construção normativa e aplicação prática do Direito. Mas o interesse do suporte a litígios pela relação entre linguagem e Direito é de um escopo mais modesto, limitando-se a investigar como técnicas de argumentação linguísticas e pictóricas alternativas influenciam de forma positiva no convencimento judiciário da prova e da argumentação jurídica. Para tanto, usamos o termo “sínteses gráficas” para nos referir a representações gráficas no contexto da argumentação jurídica.

Segundo Perini[3], por representações visuais, gráficas ou pictóricas entendem-se aquelas cujas características de distribuição espacial de símbolos dizem alguma coisa a respeito do referente. Relações espaciais em uma figura podem representar, obviamente, relações espaciais de outra magnitude ou escala (como em um mapa), relações temporais (como em linhas do tempo) e relações entre propriedades (gráficos em geral e também tabelas). Outras características perceptíveis, como cores e tamanhos diferentes de símbolos e letras, podem também contribuir para o significado de representações visuais, dependendo das convenções adotadas caso a caso, mas o papel referencial de relações espaciais é a característica distintiva das representações visuais. Essa autora ressalta que tabelas podem ser incluídas como representações gráficas porque, por mais que seu conteúdo seja eminentemente textual (o que está escrito nas células da tabela), o que sobreleva na sua forma de expressão é o arranjo de dados meramente textuais em duas dimensões, valendo-se de relações espaciais para modelar relações entre determinados aspectos desses dados. Dessa forma, essas relações espaciais permitem a identificação de outros padrões entre os referentes, em uma expressão um nível acima do que a mera enunciação linguística dos dados.

Estudos específicos sobre o papel do uso de representações visuais na argumentação científica apontam que a cognição humana, mesmo em um campo linguisticamente controlado, como o científico, emite e percebe representações visuais como representações com força e valor em si, e não como meras traduções. O modelo da argumentação como tradução afirma que a figura é traduzida para signos linguísticos (matemáticos ou textuais) e a tradução é o que conta, e não a figura. Todavia, sabe-se que esse modelo da mera tradução não descreve de forma apropriada nem a técnica da tabela, uma figura formada a partir da orientação espacial da linguagem textual.

De fato, também com referência a Perini, a tradução em uma representação linguística serial do conteúdo de uma tabela pode representar bem o conteúdo do que está escrito nas suas células (o que não é surpresa, já que as células da tabela contêm termos escritos), mas falha em capturar o importante efeito da tabela como arranjo espacial: como o conteúdo da tabela se relaciona ou importa nos argumentos que esta suporta.

Todavia, enquanto não há ainda uma preocupação da ciência do Direito mainstream com esse assunto, o que se reflete como ausência de literatura a respeito no campo jurídico, é possível valer-se, interdisciplinarmente, de referências epistemológicas ligadas ao estudo das ciências em geral. Nesse sentido, é banal a observação de que acadêmicos de todos os campos apresentam suas hipóteses em periódicos e conferências científicas por meio de argumentos que têm como suporte não apenas texto, mas também representações visuais. Um paralelo entre o campo da prática jurídica com seus procedimentos judiciários e o campo acadêmico com as exigências do método científico demonstra uma comum ritualização de práticas e procedimentos. Assim, acreditamos que, se o manejo pictórico da argumentação é útil para o campo científico, há também um farto campo de investigação (e uso) de sínteses gráficas na argumentação jurídica.

O possível contra-argumento de que a argumentação jurídica é um discurso a respeito de entes abstratos sem existência física (as normas), o que impossibilitaria as sínteses gráficas na prática jurídica pode ser refutado em três níveis:

1) Fatos concretos são essenciais ao campo judiciário: a argumentação jurídica é um discurso que relaciona um fato (por exemplo, homicídio) a proposições prescritivas sancionáveis (“não matar”, que se desobedecido acarreta uma pena). A perspectiva de que os fatos são vistos pela ciência jurídica tradicional como menos nobres, deixando sua verificação a cargo de peritos, enquanto a tarefa do advogado seria apenas a de brilhar na retórica argumentativa, não afasta a realidade prática de que não existe um caso judiciário sem um fato… E esse fato pode ser mais bem compreendido/representado por meio de uma figura;

2) É possível representar visualmente entidades abstratas: matemática (que utiliza gráficos para expressar conceitos também não geométricos), psicologia (mandalas jungianas), física de partículas (dualidades onda-partícula), representações de extrapolações estatísticas nas ciências sociais econométricas e a própria pirâmide normativa kelseniana são exemplos da possibilidade de ilustrar conceitos, ideias, proposições com o uso pictórico de figuras que não são, grosso modo, ilustrações da realidade, mas tão somente representações visuais convencionais de entes sem existência corpórea;

3) A figura pode ser o argumento: indo além, as hard sciences não usam figuras como meras ilustrações ou representações ou como expressões redundantes de informação apresentada no texto científico. Ao contrário, os cientistas tratam as representações pictóricas que criam como se elas tivessem um papel integral nos argumentos nos quais elas aparecem (p. 913). Esse fenômeno, a prevalência de figuras apresentadas para fundamentar hipóteses e as formas como os cientistas avaliam essas figuras na análise da hipótese como um todo sugerem que a representação visual faz uma contribuição significativa aos argumentos, que é distinta da mera representação linguística.

Para um aspecto prático do texto, destaca-se que, da mesma forma que certos estilos e tipografias “combinam” mais com a função de determinados textos, há, por exemplo, gêneros de gráficos mais adequados para melhor representar fatos e relações de acordo com o que se queira ressaltar (veja quadro).



[1] As proposições prescritivas seriam a forma linguística universal da norma jurídica, distinguindo-as das proposições prescritivas (relativas às hard sciences) e das expressivas (características das expressões artísticas). Vide: BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. Bauru: Edipro, 2003, p. 180.
[2] Chain Perelman, Robert Alexy e Jürgen Habermas, todos apresentam em suas obras, sob diferentes formulações, alguma relação de correlação entre legitimidade e argumentação racional. Vide: PERELMAN , Chain. Lógica Jurídica. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 222; ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica. São Paulo: Landy, 2001, p. 17; e HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia, entre facticidade e validade, v. 1. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p 222 e 245).
[3] PERINI, Laura. Visual Representations and Confirmation. Philosophy of Science, n. 72, p. 913-926, dez. 2005

Felipe Dantas de Araújo é advogado e diretor de Compliance Anticorrupção no Walmart. Mestre em Direito pela UniCEUB e doutorando, também em Direito, pela USP, foi delegado de polícia e procurador federal.

Revista Consultor Jurídico, 28 de outubro de 2015, 14h39

Falsidade da jornada registrada nos cartões de ponto exige prova contundente



Desde que o estabelecimento conte com mais de dez trabalhadores, a prova da jornada de trabalho será feita com a anotação da hora de entrada e de saída dos empregados em registro manual, mecânico ou eletrônico. São os cartões de ponto, previstos no artigo 74, parágrafo 2º, da CLT. Algumas vezes, esses documentos são fraudados, com a clara intenção de não se pagar ao trabalhador a totalidade das horas extras. Nesses casos, os cartões de ponto são desconstituídos como meio de prova da real jornada de trabalho, que, então, será fixada pelo juiz de acordo com os depoimentos testemunhais. Mas, para tanto, é preciso haver prova clara e contundente sobre a inveracidade dos horários de trabalho registrados nos cartões de ponto. Caso contrário, eles devem prevalecer.
É essa a lição que se extrai do acórdão da 3ª Turma do TRT-MG que, acolhendo o voto do desembargador relator, Manoel Barbosa da Silva, julgou desfavoravelmente o recurso de um trabalhador e manteve a sentença que indeferiu o seu pedido de horas extras.
Na ação, o reclamante pretendia a desconsideração dos cartões de ponto e o reconhecimento da jornada indicada na inicial. Ele alegou a existência de duplo sistema de anotação de jornada, além de sustentar que os registros eram britânicos (sem variações) em grande parte do contrato de trabalho. Mas não teve sua tese acolhida pela Turma revisora.
Conforme ressaltou o relator, a prova da jornada de trabalho é feita, em princípio, pelos registros de ponto, conforme dispõe o parágrafo 2º do artigo 74 da CLT. Assim, as anotações contidas nos controles de ponto geram presunção relativa de veracidade e só podem ser elididas por fortes elementos de convicção, o que não se verificou no caso.
Em seu exame, o julgador observou que os controles juntados pela reclamada mostravam jornadas variáveis, com inúmeros registros de prorrogações, dentro da margem contratual informada pelo reclamante na petição inicial, ou seja, de forma compatível com a realidade de trabalho do reclamante. Ele notou ainda que os cartões de ponto continham a assinatura do reclamante e ponderou ser difícil acreditar que ele assinaria esses documentos por mais de quatro anos (período do contrato) se os horários neles registrados não estivessem corretos. Além disso, as testemunhas, inclusive aquelas trazidas pelo próprio reclamante, disseram que os espelhos de ponto podiam ser e eram, de fato, conferidos pelos empregados.
Por essas razões, o relator entendeu que o reclamante não comprovou que prestava horas extras, além daquelas mostradas nos cartões de ponto. E, mantendo o valor probante desses documentos, manteve o indeferimento do pedido de horas extras, no que foi acompanhado pela Turma julgadora.

PJe: Processo nº 0010139-34.2014.5.03.0156-RO. Data de publicação da decisão: 24/07/2015Para acessar a decisão, digite o número do processo em:
https://pje.trt3.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/ConsultaProcessual.seam



Fonte: TRT3

Vendedora que teve nome incluído no SPC em razão de atraso no acerto rescisório será indenizada



O Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) é um banco de dados que registra as informações pessoais de quem não paga suas dívidas. A negativação do nome gera muitos transtornos, como não poder fazer compras a prazo e tomar empréstimos. Uma situação bastante incômoda e que pode causar constrangimento.
Foi justamente por se sentir assim que uma vendedora decidiu procurar a Justiça do Trabalho para pedir que a ex-empregadora fosse condenada ao pagamento de indenização por dano moral. A alegação foi a de que seu nome foi parar no SPC depois que a reclamada a dispensou e não pagou as parcelas rescisórias da forma correta. Após avaliar as provas, a juíza Maria Tereza da Costa Machado Leão, então titular da 1ª Vara do Trabalho de Uberaba, deu razão à trabalhadora.
Com base nos documentos juntados aos autos, a julgadora constatou que a reclamante teve seu nome incluído no SPC em razão do não pagamento de dívidas. Isto ocorreu justamente no período em que ela ainda aguardava o acerto rescisório e liberação das guias para o levantamento do FGTS e do seguro-desemprego. Para a magistrada, ficou claro que a ré teve culpa no ocorrido, já que não procedeu ao acerto no prazo legal, conforme previsto na alínea b do parágrafo 6º do artigo 477 da CLT. Este foi o motivo de a trabalhadora não ter conseguido arcar com o pagamento de suas dívidas.
Com fundamento nos artigos 186 e 927 do Código Civil, e considerando a extensão dos danos (artigo 944) e a capacidade econômica da reclamada, a juíza acolheu o pedido formulado na petição inicial e condenou a empresa ao pagamento de R$10 mil a título de indenização por dano moral. No entanto, em grau de recurso, o TRT da 3ª Região reduziu o valor para R$5 mil. A maioria da Turma julgadora entendeu ser este valor mais condizente com o evento danoso, diante dos vários critérios expostos na decisão.
A empresa reclamada é uma das maiores varejistas de eletrodomésticos do Brasil e possui inúmeras reclamações na Justiça do Trabalho mineira, encontrando-se dentre as maiores litigantes do TRT da 3ª Região.
( 0001342-60.2013.5.03.0041 RO )



Fonte: TRT3

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Formas de pagar indenização moral tendem a mudar com novos enunciados




Por Fernando Martines


O dever de indenizar tende a mudar no Brasil a partir deste final de ano. Entre os enunciados aprovados na última edição da Jornada de Direito Civil, dois abordam especificamente a maneira como a responsabilidade civil será cobrada. Um ressalta que dinheiro não é a única maneira de reparar uma ofensa, sendo possível compensar o dano apenas com direito de resposta. O outro afirma ser inadequado calcular o valor da indenização baseando-se no patrimônio do ofendido.

A Jornada do Direito Civil reúne ministros do STF, STJ, desembargadores e advogados especializados na área cível para discutir os rumos do Direito e formas de encurtar decisões e gerar economia processual. Um enunciado aprovado no evento não tem força vinculante, mas é forte orientador do Judiciário dali para frente. Em 2015 o evento chegou a 7ª edição e analisou 277 propostas, das quais 36 foram aprovadas.

Os dois novos entendimentos sobre a responsabilidade civil foram elaborados pelo advogado Ermiro Ferreira Neto. Escrito por ele, o enunciado que agora ganhou o número de 589 estabelece: “A compensação pecuniária não é o único modo de reparar o dano extrapatrimonial, sendo admitida a reparação in natura, na forma de retratação pública ou outro meio”. O texto se amparou no artigo 927 do Código Civil.

“Um exemplo é o episódio de Romário com a Veja, caso ele entre na Justiça para pedir dano moral. O juiz até então decidiria pela indenização financeira. Com o enunciado, o juiz pode optar por indenização pecuniária, retratação pública ou os dois. Assim ele pode decidir somente pelo pedido de desculpas pela Veja, no caso a retratação pública, se considerar que o dano causado ao Romário foi de natureza pública e não financeira”, afirma Ferreira Neto.

Segundo o advogado, esse novo entendimento vai encurtar muito os processos que hoje são longos por existirem recursos discutindo valores financeiros. “Há casos e casos, mas há também o que chamamos de indústria do dano moral. Existem casos de brigas pessoais que vão parar na Justiça e viram briga financeira, até porque gera mídia. Na prática, abre a possibilidade de os juízes todos decidirem se o dano pode ser reparado apenas com o pedido de desculpas público. Até os jornais e jornalistas podem ser beneficiados porque são também alvos desses tipos de processos. Tem muito espertalhão que vai pensar duas vezes antes de processar porque sabe que pode perder e só ganhar um pedido de desculpas público”, diz o advogado.

Igualdade na indenização
O segundo enunciado proposto por Ferreira Neto recebeu o número de 588 e foi baseado no mesmo artigo do Código Civil. “O patrimônio do ofendido não pode funcionar como parâmetro para o arbitramento de indenização por dano extrapatrimonial”, define o texto.

“O exemplo mais claro deste caso, na prática, é quando uma pessoa pobre tem o nome inscrito no SPC ou Serasa e um rico também. Os dois entram na Justiça e o que se vê hoje é que a indenização do rico por dano moral é sempre maior porque o juiz leva em consideração o patrimônio da pessoa, o que ela perdeu com essa inclusão. O pobre terá uma indenização menor porque o juiz entende que não ele não teve tanto prejuízo. Vítima é vítima sempre e não importa sua condição social. O dano é causado e pronto. Se tem dano não se deve levar em consideração a condição financeira do ofendido”, explica o autor do enunciado.


Fernando Martines é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 27 de outubro de 2015, 10h28

SDC reconhece cláusula de acordo mais benéfica para empregados do Inter



A Seção Especializada em Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho conheceu de recurso do Sport Club Internacional e revalidou cláusula de acordo coletivo firmado com o Sindicato dos Empregados em Clubes Esportivos (RS) que desvincula da relação empregatícia serviços prestados alheios ao contrato de trabalho.

O Ministério Público do Trabalho ajuizou ação anulatória apontando desvirtuamento da relação de emprego por conta das atividades denominadas "tarefas", como serviços prestados em eventos nas dependências do clube, como show no Estádio Beira-Rio. O pagamento a título de tarefas, segundo o órgão, não tinha por fim remunerar atividade desvinculada do contato laboral, fora da jornada regular de trabalho e nos limites de suas dependências, conforme previsão contida em acordo coletivo, "mas, sim, o próprio trabalho realizado pelo empregado em favor do clube, de forma rotineira e em excesso à carga horária normal".

Segundo o órgão, essas funções não são consideradas jornada extra e não incidem sobre os cálculos de verbas trabalhistas como férias, 13º salário e FGTS. Para o MPT, esse acordo "extrapola os limites da negociação e autonomia coletivas", violando o artigo 7º incisos XIII e XVI da Constituição Federal.

A defesa do time gaúcho alegou que a norma não é obrigatória, mas por ser mais rentável aos trabalhadores, "uma vez que o valor pago pela hora da tarefa é mais que o dobro caso fosse contabilizado como jornada extra" o acordo possui boa aceitação e vem sendo celebrado há mais de 30 anos pelo clube.

O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) acolheu o pedido do MPT e declarou a nulidade da cláusula. Para o TRT, normas pertinentes à jornada e os critérios de remuneração são inderrogáveis, "não podem ser afastadas por normas coletivas".

Benefícios

A relatora do recurso ordinário do clube ao TST, ministra Maria Cristina Peduzzi, reformou a decisão Regional por considerar que cláusula convencional estabelece benefícios econômicos aos trabalhadores que ultrapassam os prejuízos alegados pelo MPT. Segundo a ministra Peduzzi, por ser um serviço eventual e uma atividade facultada ao empregado, sem a presença do poder diretivo do empregador, a relação de emprego não se caracteriza.

A decisão foi por maioria, vencido o ministro Maurício Godinho Delgado.

(Alessandro Jacó/RR)

Processo: RO - 20931-03.2014.5.04.0000

Fonte: TST 

Franqueado McDonald’s terá de pagar indenização a funcionário agredido por supervisor




A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) manteve a condenação da Nutrisa Vour Comércio de Alimentos Ltda., franquia McDonald's, de indenizar, por danos morais, um funcionário agredido fisicamente por seu gerente. Os ministros negaram provimento ao agravo de instrumento interposto pela empresa, que pedia a reforma da decisão.

Na reclamação trabalhista, acolhida pela 3ª Vara do Trabalho de Sorocaba (SP), o empregado conta que levou um soco de seu supervisor dentro da van que os levava do trabalho para casa. Segundo ele, a discussão começou nas dependências da empresa, terminando na agressão física dentro do veículo. O funcionário relata ainda que constantemente era ofendido pelo supervisor. Ao analisar os fatos e constatar o dano moral, o juiz sentenciou a empresa ao pagamento de R$ 43 mil.

Retratação


Ao recorrer ao Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP), a empresa alegou que a discussão e a agressão ocorreram fora de suas instalações, e se deram por motivos puramente pessoais dos funcionários. Ressaltou também que o gerente agressor foi demitido após o ocorrido. O TRT não encontrou indícios que sustentassem a exclusão da condenação e julgou comprovada a agressão sofrida pelo funcionário nas dependências da empresa. Mas o valor da indenização foi reduzido para R$18 mil, uma vez que ao dispensar o agressor, a empresa efetivamente tentou se retratar.

TST

Insatisfeita com a decisão ordinária, a Nutrisa entrou com pedido de recurso no TST, apresentando os mesmos argumentos defendidos no Regional. Diante das alegações e dos fatos, o relator do processo, ministro Alexandre Agra Belmonte, entendeu que a condenação fixada pelo Tribunal Regional deveria ser mantida. Belmonte negou provimento ao agravo de instrumento, fundamentado nos Artigos 932, III, e 933 do Código Civil, que preveem a responsabilidade do empregador por atos ou conduta de seus empregados, quando em exercício do trabalho. Para o ministro, a empresa tem o dever de proporcionar um ambiente de trabalho saudável e seguro para seus empregados.
A decisão da Turma foi unânime.


(Marla Lacerda/RR)

Processo: AIRR-162300-16.2009.5.15.0109

Fonte: TST 

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...