segunda-feira, 12 de agosto de 2013

CDC deve ser aplicado nos casos de extravio de mala

Em casos de extravio de bagagem em voos internacionais, deve ser aplicado o Código de Defesa do Consumidor em detrimento da Convenção de Varsóvia. A decisão é da 3ª Vara Cível de São Paulo, que condenou a American Airlines a pagar indenização de R$ 15 mil a um maratonista que teve sua bagagem extraviada em um voo de São Paulo a Nova York. O juiz Álvaro Luiz Valery Mirra seguiu a linha dos tribunais superiores no sentido de que, nestes casos, deve prevalecer os dispositivos do CDC e da Constituição que garantem ao consumidor pedir indenização no valor que achar compatível com o dano sofrido. Cabe recurso.
Tanto o CDC quanto a Constituição proíbem as cláusulas que atenuam a responsabilidade do fornecedor de serviços de transporte aéreo. De acordo com o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, a empresa tem responsabilidade pelo defeito na prestação do serviço de transporte aéreo de pessoas e coisas, não podendo ser atribuída nenhuma parcela de culpa ao autor.
Já a Convenção de Varsóvia, que unificou as regras relativas à aviação civil internacional, estabelece, entre outros deveres, a responsabilidade da empresa transportadora em caso de danos ao passageiro, bagagem e carga ocorridos durante a execução do transporte entre dois ou mais países. O tratado, diferente do CDC, estabelece um limite de multa para extravio da bagagem de até 1.000 Direitos Especiais de Saque (DES). Em janeiro deste ano, o DES foi cotado em $ 2,5742.
Proteção ao consumidor
Consta dos autos que Oswaldo Silveira pegou um voo da American Airlines rumo aos Estados Unidos no dia 28 de outubro de 2009 para participar da Maratona de Nova York. Segundo ele, ao chegar à cidade, percebeu que sua mala tinha sido extraviada. O maratonista procurou a empresa para obter informações e assistência, porém, como a empresa não o ajudou, não lhe restou alternativa se não comprar roupas e objetos necessários para sua estadia e participação na competição. Apenas no dia 2 de novembro ele recebeu a informação de que sua bagagem estava no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.

Ao recorrer à Justiça, Silveira informou que gastou R$ 428,33 na compra e que se sentiu humilhado e frustrado, principalmente porque, devido à falta de seus materiais de corrida, não obteve o resultado esperado na competição, após seis meses de treinamento. Silveira foi representado pelo advogadoPablo Dotto, do escritório Monteiro, Dotto e Monteiro Advogados Associados.
Em sua defesa, a American Airlines alegou que, em se tratando de extravio de bagagem em voo internacional, deve ser aplicada a Convenção de Varsóvia. Citou determinação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), segundo a qual apenas extravios superiores a 30 dias são passiveis de indenização e afirmou ainda que, tratando-se de extravio temporário da mala, o ressarcimento dos bens adquiridos durante a viagem configura enriquecimento sem causa.
Em sua decisão, o juiz Álvaro Luiz Valery Mirra considerou que a aplicação do CDC revoga a Convenção de Varsóvia, no que concerne à tarifação da indenização, por ser norma que trata da relação de consumo fundada na Constituição, em seu artigo 5º, XXXII. Ele citou decisão da 22ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo no sentido de que o sistema de limitação da responsabilidade previsto no artigo 22 da Convenção de Varsóvia não está em harmonia com a Constituição, nem com o sistema de proteção ao consumidor promovido pelo Estado, "devendo ser afastado nos casos em que se caracterize a relação de consumo".
Em julgado da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, também citado por Mirra, o colegiado afirma que "não mais prevalece a tarifação prevista na Convenção de Varsóvia". Isso porque deve ser utilizada a lei que melhor beneficie o cidadão, uma vez que as hipóteses de reparação de dano por atraso de voo internacional estão garantidas nas três normas legais.
Culpa ou dolo
Em sua decisão, o juiz destacou que, mesmo que não fosse considerados os dispositivos da Constituição ou do CDC, a Convenção de Varsóvia, em seu artigo 25, e a Convenção para Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional, no artigo 22, dizem que a tarifação da indenização deixa de incidir na hipótese de culpa ou dolo da empresa. Como no caso a empresa não deu qualquer explicação ou assistência ao maratonista sobre o extravio de sua mala, houve culpa grave, segundo o juiz.

"Assim, como se pode perceber, seja pela aplicação do Código de Defesa do Consumidor, seja pela aplicação da própria Convenção de Varsóvia e demais textos internacionais sobre a responsabilidade civil do transportador aéreo, a conclusão é sempre a mesma, vale dizer, a de que a ré deve indenizar os prejuízos experimentados pelo autor, em sua integralidade, sem qualquer limitação."
O juiz observou ainda que os prejuízos materiais alegados pelo maratonista, relacionados à aquisição de vestuário, de objetos de uso pessoal e para a prática de corrida não compreendem "valor exorbitante", pois correspondem ao necessário para a participação na Maratona de Nova York. Sobre os danos morais, Mirra destacou que os transtornos causados pelo extravio da bagagem e pela demora na solução do problema são inegáveis, não se resumindo a meros aborrecimentos.
"Saliente-se que parte da preparação de um atleta para uma competição é de ordem psicológica, de sorte que ocorrências desse tipo têm o condão de prejudicar sua concentração e performance. Tal peculiaridade da situação vivenciada pelo autor, à evidência, é o quanto basta para a configuração do dano moral reparável pecuniariamente." Com isso, o juiz condenou a American Airlines a pagar para o maratonista R$ 428,33 por danos materiais e R$ 15 mil por danos morais.
Entendimento do STJ
Os ministros do STJ têm aplicado o CDC e a Constituição, além da Convenção de Varsóvia, nos casos que tratam de extravio de bagagens ou atrasos de voos internacionais. No julgamento de um Recurso Especial em 2000, a 4ª Turma entendeu que o limite estipulado nas convenções internacionais sobre transporte aéreo está em desacordo com o CDC, que tem regra expressa para proteger o passageiro do mau serviço prestado pelas empresas de aviação. Desse modo, a turma estabeleceu indenização de 50 salários mínimos a um passageiro da empresa Tower Air Incorporation, baseando a decisão no CDC brasileiro.

Em outra decisão, de 2002, a 3ª Turma condenou a American Airlines e a Circle Fretes Internacionais do Brasil a ressarcir a Bradesco Seguros também com base no CDC. Os ministros entenderam que a Convenção de Varsóvia só deve ser utilizada em casos decorrentes do chamado risco do ar, como queda da aeronave, por exemplo. Para as situações de extravio de carga e bagagem, o CDC é mais adequado.
Clique aqui para ler a decisão da 3ª Vara Cível de São Paulo.
Processo 583.00.2009.229569-5
Ludmila Santos é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 15 de janeiro de 2011

Consumidora será indenizada por malas extraviadas

A TAM Linhas Aéreas deve indenizar em R$ 8.110,60 uma consumidora que teve malas extraviadas durante viagem entre São Paulo e Nova Iorque. A decisão é da juíza Paula Lopes Gomes, da 1ª Vara do Juizado Especial Cível do Foro Regional de Pinheiros, em São Paulo, que entendeu que a consumidora tem direito a indenização tanto pelos danos materiais quanto pelos danos morais em razão dos transtornos sofridos.
A empresa aérea afirmou que não há provas de que a consumidora tivesse colocado na bagagem extraviada todos os bens que descreveu. Segundo explicação da juíza, que julgou parcialmente procedente ação, “trata-se de relação elaborada unilateralmente pela autora, a qual, por ocasião do embarque, não formalizou perante a ré declaração especial de conteúdo e valor, conforme artigo 22, item 2, da Convenção de Montreal”.
A juíza afirmou que, ”ante a ausência de provas dos objetos transportados pela autora, mas considerando como incontroverso o fato de que a bagagem foi efetivamente extraviada, deve ser utilizado como parâmetro o valor previsto no artigo 22 da Convenção de Montreal”. Sendo assim, o valor da indenização por danos materiais corresponde a R$ 3.408,60, que deve ser somado aos R$ 5.110,60 pagos pela empresa aérea. Além disso, a juíza ainda estipulou o valor de R$ 3 mil por danos morais.
A TAM pediu que fosse aplicada a Convenção de Varsóvia e sustentou a legalidade da limitação do valor indenizatório. Em resposta, a juíza afirmou que a pretensão de limitar o litígio à aplicação da Convenção não pode ser acolhida, tendo em vista que, conforme jurisprudência consolidada, as normas de proteção do Código de Defesa do Consumidor, ao ampliar as responsabilidades, caracterizam um "plus" jurídico que prevalece sobre as convenções internacionais. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-SP.
Processo 0007274-31-2013-8.26.0011
Revista Consultor Jurídico, 11 de agosto de 2013

sábado, 10 de agosto de 2013

Homenagem ao dia do advogado e aos alunos do 10º período do Curso de Direito do UNILAVRAS/2013/1


HOMENAGEM AOS ADVOGADOS E AOS FORMANDOS DO CURSO DE DIREITO DO UNILAVRAS - TURMA 2013/1



Amanhã comemoraremos mais um dia do advogado, aquele chamado a defender; aquele que, no ato de colação de grau jura fazer da justiça uma consequência normal e lógica do direito; que jura confiar na paz como resultado final da justiça; que promete defender a liberdade, pois sem ela não há direito que sobreviva, muito menos justiça, e nunca haverá paz; aquele que promete utilizar-se, no exercício da profissão de advogado, dos princípios éticos e morais sobre os quais se fundamentam as leis e justiça, valendo-se para assegurar aos Homens os seus direitos fundamentais e inatacáveis. Esse é o advogado!

Hoje, igualmente, é um dia muito especial para os alunos do 10º período de Direito do Unilavras - 2013/1, pois comemoram a vitória, a conclusão de um curso, talvez um dos momentos mais marcantes da vida de cada um. Parabéns a todos, desejo-lhes todo sucesso!!!

Deixo-lhes como mensagem o “decálogo do advogado” escrito pelo professor e jurista Ives Gandra Silva Martins:


“DECÁLOGO DO ADVOGADO”


(Professor Ives Gandra da Silva Martins)


1. O Direito é a mais universal das aspirações humanas, pois, sem ele não há organização social. O advogado é seu primeiro intérprete. Se não considerares a tua como a mais nobre profissão sobre a terra, abandona-a porque não és advogado.

2. O direito abstrato apenas gana vida quando praticado. E os momentos mais dramáticos de sua realização ocorrem no aconselhamento às dúvidas, que suscita, ou no litígio dos problemas, que provoca. O advogado é o deflagrador das soluções. Sê conciliador, sem transigência de princípios, e batalhador, sem tréguas, nem leviandade. Qualquer questão encerra-se apenas quando transitada em julgado, e até que isto ocorra, o constituinte espera de seu procurador dedicação sem limites e fronteiras.

3. Nenhum país é livre sem advogados livres. Considera tua liberdade de opinião e a independência de julgamento os maiores valores do exercício profissional, para que não te submetas à força dos poderosos e do poder ou desprezes os fracos e insuficientes. O advogado deve ter o espírito do legendário El Cid, capaz de humilhar reis e dar de beber a leprosos.

4. Sem o Poder Judiciário não há Justiça. Respeita teus Julgadores como desejas que teus julgadores te respeitem. Só assim, em ambiente nobre e altaneiro, as disputas judiciais revelam, em seu instante conflitual a grandeza do Direito.

5. Considera sempre teu colega adversário imbuído dos mesmos ideais de que te revestes. E trata-o com a dignidade que a profissão que exerces merece ser tratada.

6. O advogado não recebe salários, mas honorários, pois que os primeiros causídicos, que viveram exclusivamente da profissão, eram de tal forma considerados, que o pagamento de seus serviços representava honra admirável. Sê justo na determinação do valor de teus serviços, justiça que poderá levar-te a nada pedires, se legítima a causa e sem recursos o lesado. É, todavia, teu direito receberes a justa paga por teu trabalho.

7. Quando os governos violentam o Direito, não tenha receio de denunciá-los, mesmo que perseguições decorram de tua postura e os pusilânimes te critiquem pela acusação. A história da humanidade lembra-se apenas dos corajosos que não tiveram medo de enfrentar os mais fortes, se justa a causa, esquecendo ou estigmatizando os covardes e os carreiristas.

8. Não percas a esperança quando o arbítrio prevalece. Sua vitória é temporária. Enquanto, fores advogado e lutares para recompor o Direito e a Justiça, cumprirás teu papel e a posteridade será grata à legião de pequenos e grandes heróis, que não cederam às tentações do desânimo.

9. O ideal da Justiça é a própria razão de ser do Direito. Não há direito formal sem Justiça, mas apenas corrupção do Direito. Há direitos fundamentais inatos ao ser humano que não podem ser desrespeitados sem que sofra toda a sociedade. Que o ideal de Justiça seja a bússola permanente de tua ação, advogado. Por isto estuda sempre, todos os dias, a fim de que possas distinguir o que é justo do que apenas aparenta ser justo.

10. Tua paixão pela advocacia deve ser tanta que nunca admitas deixar de advogar. E se o fizeres, temporariamente, continua a aspirar o retorno à profissão. Só assim poderás, dizer, à hora da morte: “Cumpri minha tarefa na vida. Restei fiel à minha vocação. Fui advogado.”

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Meios alternativos de solução de litígios



Renata Helena Paganoto Moura


Mestre em Direito pela PUC/SP, Professora dos Cursos de Especialização em
Direito Civil e Direito Processual Civil da Consultime-ES e da AMAGES,
Professora da Pós-graduação em Processo Civil da PUC/SP
Professora de Direito Civil, Processual Civil e Prática Jurídica Extrajudicial da FACCAMP,
Diretora da Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial da Associação Comercial de Campo Limpo Paulista,
Advogada.



SUMÁRIO: Introdução. 1 Trabalhando o conceito "meios alternativos de solução de litígios". 2 Conciliação 2.1 Conciliação e transação 2.2 Objeto da conciliação: direitos patrimoniais disponíveis 2.3 Classificação da conciliação: conciliação judicial e extrajudicial 3 Arbitragem 3.1 A formação do processo arbitral 3.2 A sentença arbitral e seus efeitos 3.3 Os meios de impugnação à decisão arbitral 3.4 Ação de nulidade de ato jurídico 4 Mediação 4.1 Institucionalização da mediação 5 Comissões de Conciliação Prévia 6 Negociação; Conclusão; Referências Bibliográficas.


Introdução


É pouco comum uma visão do Direito que não o veja através de seu aspecto litigioso e sendo assim através de seu método judicial de solução de conflito, o processo, e através de seus personagens, o juiz, o promotor, o advogado, o autor, o réu.

Mas o direto não é só conflito, e nem todo conflito exige como única possibilidade de solução a judicial.

Apresentar o Direito de uma forma menos litigiosa, dar a mesma importância a disciplinas como filosofia, sociologia, psicologia, entender que o direito material é efetivamente desvinculado do direito adjetivo - não se ensina direito civil para ajuizar uma ação, não se ensina direito do trabalho para se propor uma Reclamação -, e compreender que a solução de um conflito não deságua necessariamente no Poder Judiciário, são os desafios que devemos empreender na formação do profissional do direito.

Desse último aspecto cuida esse trabalho. Dos meios alternativos de soluções de conflitos.

Nem todo conflito exige como única solução a judicial. Temos cada vez mais a possibilidade de soluções extrajudiciais, como também cada vez mais temos o processo como um meio conciliador e não apenas julgador do conflito das partes.

Esse estudo pretende reunir os principais meios alternativos de soluções de conflitos, ou, pelo menos aqueles a que se tem dado maior ênfase. A própria definição da expressão "meios alternativos" não é fácil, pode-se através dela indicar mais de um caminho.

No estudo dos chamados meios alternativos, o que se busca, em última análise, é uma alternativa à solução judicial do conflito.

Assim falar de formas alternativas de solução de conflitos para muitos deve significar apenas arbitragem, mas talvez, apesar de em certos aspectos podermos considerá-la a mais importante - por ser completa, não necessita do Judiciário, e o Árbitro é juiz de fato e de direito - não é a única. Temos além desta a Mediação, as Comissões Prévias do Direito do Trabalho e soluções alternativas de conflito também passam pela visão de um processo que não sirva apenas de instrumento julgador, mas também fomentador da conciliação e para isso o estudo desta é extremamente importante.

E hoje cada vez mais o processo permite e obriga a conciliação, não sendo mais esta um mero acaso do processo.

Cada vez mais temos figuras extrajudiciais de conciliação, como as Comissões prévias de Conciliação e Julgamento do direito do trabalho, a mediação até na área de família.

Mas apesar de todas essas formas sabemos que não temos uma cultura conciliatória, uma cultura para solucionar conflitos através dessas fórmulas: Arbitragem, Comissões de Conciliação Prévia, Mediação.

E porque isso? Porque tudo isso passa pelo ensino do direito, pois enquanto a formação do direito for voltada para o litígio, para o processo, essas formas sempre serão eventuais.

E é também esse objetivo que buscamos nesse trabalho, o de fomentar em seus leitores uma visão menos litigiosa do Direito e assim menos litigiosa do conflito e que o profissional do direito não seja somente um formulador de ações e sentenças, mas de soluções, e soluções extrajudiciais.

Sob a designação 'meios alternativos de solução de litígios' pode se querer dizer muita coisa, a expressão não é unívoca e há mesmo quem hoje em dia a critique.

Por isso se faz necessário antes de tratarmos dos meios alternativos explicarmos um pouco essa história.

Há um apelo muito grande sobre os chamados meios alternativos como uma 'salvação' dessa grande crise de lentidão que o judiciário enfrenta há tanto tempo.

Assim aos meios alternativos tem se dado muita ênfase e inclusive o próprio judiciário tem incentivado muito a sua utilização, recentemente virou até notícia de televisão com um quadro no programa fantástico da Rede Globo intitulado 'O Conciliador' em que se apresenta ao vivo as tentativas de conciliação no Judiciário Paulista.

Todos então já ouviram falar sobre conciliação, arbitragem, mediação, negociação mas onde precisamente isso se enquadra dentro do nosso tema.

Inicialmente podemos dizer que esses são os "meios" alternativos. Mas não são só estes e mesmo estes tem naturezas muito diversa, alguns são judiciais outros são extrajudiciais, alguns impõe a presença de um terceiro, outro não. Sendo assim devemos primeiro definir o quer dizer a expressão "meios alternativos de solução de litígios" e qual o seu conteúdo.


Artigo publicado no sitio Mediação e Advocacia.


Reconstrução do Direito do Trabalho


Nelson Mannrich 

Advogado e Consultor Jurídico; Livre-Docente, 
Doutor e Mestre pela USP; Professor Titular de
Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da
USP e Professor Titular de Direito do Trabalho
da Faculdade de Direito da Universidade
Presbiteriana Mackenzie; Presidente da
Academia Nacional de Direito do
Trabalho.

Artigo publicado na Revista Magister de Direito Trabalhista e Previdenciário nº 53 - Mar/Abr de 2013





RESUMO: Levanta-se o tema da reconstrução do Direito do Trabalho como proposta para posterior reflexão, investigação e respostas concretas a serem dadas pelos atores envolvidos. Assim, depois de fazer referências ao sentido da palavra reconstrução e sua possível aplicação na seara trabalhista, passa-se a refletir sobre justificativas da reconstrução e, em seguida, numa perspectiva de revisão dos fundamentos do Direito do Trabalho, fazer um confronto entre o que se pode entender como particularismos e os pilares propriamente ditos. Por fim, procura-se lançar mais luzes naquilo que se pode considerar como os pilares do Direito do Trabalho. 


PALAVRAS-CHAVE: Direito do Trabalho. Reconstrução. Fundamentos. Pilares. Direitos Fundamentais. 



SUMÁRIO: Introdução. 1 Reconstrução do Direito do Trabalho. 2 Direito do Trabalho na Atualidade: Justificativas da Reconstrução. 3 Revendo os Fundamentos do Direito do Trabalho: Particularismos e Pilares. 4 Pilares do Direito do Trabalho; 4.1 A Dignidade e a Igualdade como Fundamentos do Direito do Trabalho e Matriz de seus Princípios; 4.2 Contribuições da Doutrina Social da Igreja; 4.3 Dimensões do Trabalho; 4.4 Dignidade do Trabalhador e Igualdade ou Não Discriminação na Perspectiva dos Direitos Fundamentais. Conclusões. Bibliografia. 


Introdução 


A reconstrução do Direito do Trabalho, no plano teórico, instiga os pensadores do direito a rever conceitos fundamentais como autonomia do Direito do Trabalho e ciência jurídica. Essa investigação exige, por outro lado, retomar o debate em torno dos chamados princípios do Direito do Trabalho em busca de seus verdadeiros pilares: a dignidade da pessoa humana do trabalhador e a igualdade e não discriminação, com suporte nos valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa. Note-se que o art. 1º de nossa Constituição de 1988 estabelece nessa ordem os princípios fundamentais do pacto federativo, obviamente precedidos dos princípios da soberania e da cidadania. 

Por outro lado, refletir sobre reconstrução do Direito do Trabalho implica responder a seguinte pergunta: qual o Direito do Trabalho que queremos? Qual projeto queremos implantar de relações trabalhistas? 

Muitas são as respostas a essa indagação: (i) retomada das Comissões de Conciliação Prévia, como forma de incentivar soluções alternativas de conflitos, prestigiando-se a mediação, a conciliação e a própria arbitragem, em vez de se continuar apostando exclusivamente na Justiça do Trabalho como único centro seguro de solução definitiva do conflito. Para tanto, haveria necessidade de se rever o art. 477 da CLT, em especial o seu § 1º, e, assim, dar eficácia aos recibos de quitação do contrato de trabalho; (ii) revitalizar a Inspeção do Trabalho para que cumpra seu papel de contribuir para a efetividade do Direito do Trabalho, retomando seu vigor como caixa de ressonância dos atores sociais na sua missão de contribuir para a eficácia das normas protecionistas; (iii) desestimular trabalho sem registro e os excessos de jornada de modo a erradicar essas duas pragas que tanto comprometem nossas relações trabalhistas; estimular a construção de ambiente de trabalho seguro e saudável, avançando ainda mais na atual sistemática de redução de encargos previdenciários, premiando empresas sem acidentes ou que tenham diminuído seus índices; (iv) avançar na implantação da verdadeira democracia no interior das empresas, resgatando a cidadania do trabalhador por meio de sua representação legítima e sua gradativa participação na vida da empresa; (v) implantar liberdade sindical e resgatar a negociação coletiva como mecanismo primordial para suplantar conflitos coletivos de natureza econômica ou de interesses, de modo que os sindicatos possam assumir suas responsabilidades constitucionais, não se limitando a simples arrecadação de contribuições sindicais, transformando os acordos e convenções coletivas em autênticas fontes de produção da norma e, assim, contribuir para a mudança de nosso modelo de relações trabalhistas, de excessivamente conflitivo, para acentuadamente negociado, entre outras tantas e importantes propostas possíveis, passando pelos ajustes na perspectiva do trabalho decente, sem se falar da necessária reforma do processo do trabalho e, em especial, melhoria dos mecanismos de execução. 

Essas questões são levantadas por conta de um quadro de todos nós conhecido, resultado de abandono a que relegamos nossas relações trabalhistas, mesmo porque o crescimento econômico, a geração de emprego e o próprio crescimento da renda sinalizavam possível colocar comodamente essa importante questão em pautas futuras. 

No conjunto de justificativas possíveis das propostas de reforma, podem-se destacar graves desajustes entre a nova realidade e a legislação: esta não acompanhou as transformações do mundo do trabalho, fruto de diversos fatores (mundialização da economia, novas tecnologias da comunicação e informação, etc.). Além disso, a omissão do legislador, que acabou empurrando algumas empresas a uma reforma unilateral e selvagem, precipitou o agravamento da precarização das relações trabalhistas, como um todo, e a terceirização fraudulenta, em particular, responsáveis pelo surgimento do mundialmente conhecido modelo brasileiro de relações trabalhistas, recheado ainda de novas e agressivas formas de trabalho escravo urbano e a persistência do trabalho infantil, flagelo do qual ainda não nos livramos totalmente. 

Não se pretende nem enfrentar as questões dogmáticas acima apontadas nem tampouco apresentar um modelo de reforma, apenas levantar esse tema como proposta para posterior reflexão, investigação e respostas concretas a serem dadas pelos atores envolvidos. 

Assim, (1) depois de fazer referências ao sentido da palavra reconstrução e sua possível aplicação na seara trabalhista, passa-se a refletir sobre (2) justificativas da reconstrução e, em seguida, (3) numa perspectiva de revisão dos fundamentos do Direito do Trabalho, fazer um confronto entre o que se pode entender como particularismos e os pilares propriamente ditos, nada além de esboçar essa problemática. Por fim, (4) lançar mais luzes naquilo que se pode considerar como os pilares do Direito do Trabalho. 


1 Reconstrução do Direito do Trabalho 

De acordo com nossos dicionários, reconstruir significa construir de novo ou reedificar, retomando o processo de construção ou edificação. Há referências, ainda, a faxina, recomposição, reestruturação, reforma, reorganização e reedificação 1. 

Talvez a figura da reconstrução de uma cidade, como Paris, fosse um exemplo aproximado para entender o que se precisaria fazer com o Direito do Trabalho. Victor Hugo faz um retrato surpreendente da antiga Paris - no clássico Les Misérables -, cheia de ruelas congestionadas, com bairros miseráveis envolvidos em camadas de escuridão, bem a gosto dos revolucionários de plantão com preferência pelas barricadas. Havia necessidade de colocar tudo isso abaixo para dar lugar a "espaços livres", onde grandes bulevares permitiriam ao tráfego fluir, ligando em linha reta um extremo a outro da cidade. Essa intervenção urbanística de reformulação da Cidade Luz, do segundo Império, foi executada por Georges Eugène Haussmann, prefeito de Paris, investido no cargo por mandato imperial de Napoleão, surgindo desse planejamento uma nova cidade, reformulada, reconstruída. 


A tarefa de reconstrução do Direito do Trabalho, diferentemente do que é possível numa cidade, como ocorreu em Paris, não depende de um decreto imperial nem poderá sair das mãos de um único empreendedor, pois envolve outra realidade e não se está falando de espaço físico ou de derrubada de edifícios de forma tão singela, embora custosa e dolorida. Mas há consenso em torno de um modelo esgotado, que precisa ser reformulado, não apenas por conta da crise econômica, mas de uma constatação muito simples: o mundo do trabalho mudou e ele é plural, exigindo ao mesmo tempo respostas globais e pontuais como resultado do diálogo social. 

De qualquer forma, não se pretende emprestar amplitude demasiada para o que se espera enfrentar mais modestamente: como repensar o Direito do Trabalho e seus fundamentos, partindo-se do papel reservado a esse ramo e como vem sendo reguladas as relações de trabalho e quais as mudanças possíveis em vista de sua maior eficácia. 

De um ramo sem importância, o Direito do Trabalho exige cada vez mais do profissional grandes desafios e especializações em face de sua atual complexidade e relações multidisciplinares, não apenas pelas transformações do mundo do trabalho como pela própria ampliação das competências da Justiça do Trabalho, questões estas ainda não totalmente absorvidas por quantos atuam nessa área, e de ranços corporativistas ainda não superados de todo. Nesse sentido, o advogado trabalhista - não sei se acontece isso com os juízes do trabalho com a mesma intensidade -, quando comparado com advogados de outras áreas, não é considerado "grande coisa". Segundo Bernd Rüthers, nós advogados trabalhistas "somos uma espécie de andarilhos, que atravessam as fronteiras sem papéis ou autorização de residência. Somos um povo atrevido que colhe nos campos alheios, que semeia um permanente conflito social" 2. 


Entretanto, afinal, para que serve o Direito do Trabalho, qual sua finalidade? As respostas são múltiplas, mas, para Tore Sigeman, também citado por Júlio Gomes, destina-se a impedir ou estabelecer restrições a "uma utilização socialmente inaceitável da liberdade de concorrência e das liberdades de circulação de bens, prestações de serviços e capital. Há um antagonismo ou oposição entre escopos sociais e econômicos. Espera-se do Direito do Trabalho a garantia aos trabalhadores de uma rede de proteção humanitária contra condições de trabalho gravosas ou prejudiciais. Essa proteção é tida como um valor numa cultura que considera a dignidade humana como valor mais elevado" 3. 


Sempre se vislumbrou grande futuro para o Direito do Trabalho - novo ramo que se expandiria -, mas fala-se com frequência de sua morte, ou ao menos de seu declínio, ou mesmo de sua grave enfermidade, por conta de suas contradições de origem e de certos desafios não devidamente, enfrentados. Além disso, parece que não chegou a se emancipar como ramo autônomo - seus princípios, como o de proteção, para Antoine Jeammaud, não passam de particularismos - e princípios como o da igualdade ou dignidade da pessoa humana do trabalhador inexplicavelmente apresentam-se como secundários ou com menos importância. Nem conseguiu se libertar por completo do Direito Civil, de quem tentou se afastar e, embora proclamada sua autonomia, muitos defendem sua reaproximação, no contexto da chamada reprivatização do Direito do Trabalho, que tanto incômodo acaba causando. 


A reconstrução do Direito do Trabalho encontra dificuldades, em parte por conta de algumas contradições: protege quem não necessitaria ser protegido e, muitas vezes, deixa de proteger quem deveria. Isso resultaria de uma construção contraditória e inacabada do conceito de subordinação, para abranger alguns trabalhadores que não necessitariam de um mesmo grau de proteção e deixando sem proteção parte considerável de trabalhadores - seja porque estão na informalidade, seja porque pressupõem-se fora de sua órbita. Assim, protege igualmente o diretor da empresa e o faxineiro; como ignora trabalhadores informais ou simplesmente porque são eventuais ou autônomos, ou mesmo parassubordinados ou "autônomos dependentes", sendo que pouco avançamos no debate envolvendo esses últimos temas. 


2 Direito do Trabalho na Atualidade: Justificativas da Reconstrução 

Quando se aprovou a Estratégia Europeia do Emprego, em 1997, na reunião de Luxemburgo, a proposta era tornar realidade a adoção de uma "estratégia coordenada de emprego", com vistas a uma "mão de obra qualificada, formada e susceptível de adaptação, bem como mercados de trabalho que reagissem rapidamente às mudanças econômicas (...)" 4. O chamado "Processo de Luxemburgo" acabou antecipando a vigência do Tratado de Amsterdã, com o objetivo de reduzir o desemprego em cinco anos. 

Entre as estratégias, foi instituído um sistema de supervisão para os planos de ação de cada país-membro. A coordenação dessas políticas fundava-se em 4 (quatro) pilares: (i) empregabilidade (combate ao desemprego juvenil e ao de longa duração, por meio de novos sistemas educacionais e de formação, inclusive acordo-quadro para as empresas se dedicarem à formação e à qualificação profissional); (ii) espírito empresarial (simplificação burocrática e redução da carga fiscal, com regras apropriadas para geração e gestão de novas empresas para o melhor funcionamento do mercado de trabalho); (iii) adaptabilidade (modernização dos métodos de trabalho e introdução de contratos de trabalho flexíveis); (iv) igualdade de oportunidades (combate às desigualdades entre homens e mulheres com favorecimento do ingresso destas no mercado mediante políticas públicas de apoio e acolhimento, inclusive de regresso ao emprego). 


Em março de 2000, por ocasião do Conselho de Lisboa, foi estabelecida a meta de, em dez anos, a União Europeia tornar-se "a economia baseada no conhecimento, mais competitiva e dinâmica do mundo, capaz de um crescimento econômico sustentável com mais e melhor emprego e maior coesão social", com acento na estratégia do emprego 5. 

Em 2008, grave crise se abateu sobre a economia mundial, com sérios reflexos na União Europeia, e, atualmente, nova onda de crise agrava ainda mais muitos Estados-membros, como se verifica na Espanha, onde se cogita o risco de 18 milhões de pessoas se encontrarem na zona de pobreza e exclusão social em 2022, o que representaria 38% da população, se continuar a tendência de cortes e austeridade, segundo o relatório "Crise, desigualdade e pobreza" do Intermón Oxfan, ONG dedicada à erradicação da pobreza 6 Segundo seu presidente, Jose Maria Vera, na: 


"América Latina, las consecuencias se centraron de forma especial sobre los más pobres y los más vulnerables y se produjo un aumento del desempleo, la precarización, los salarios mínimos y el salario agrícola real - todavía no recuperado en algunos países desde los años 80. En todos estos países la crisis supuso un fuerte aumento de los niveles de pobreza y a mediados de los 90 se habían empobrecido gran parte de ellos con un retraso en los porcentajes de las personas que vivían en situación de pobreza equiparables a los de 25 años antes." 7 


Acredita-se que a Espanha esteja entre os 27 países da União Europeia com mais desigualdade social 8. 

Se as metas envolvendo estratégias europeias de emprego foram atingidas e se há um modelo europeu de emprego são questões, embora importantes, à margem do quanto se pretende aqui discutir 9. Essa questão é levantada a pretexto do seguinte argumento: nós copiamos em parte o modelo de relações trabalhistas da Europa continental, sendo as legislações francesa, italiana e mesmo a espanhola e a portuguesa importantes referências para nós. No entanto, apesar da grave crise pela qual passam esses países europeus, em especial a Espanha 10, com altos índices de desemprego e quase generalizada estagnação salarial - ao contrário da realidade brasileira, onde assistimos ao crescimento do emprego e dos salários -, lá os ditos "patamares civilizatórios" são mantidos na medida do possível, enquanto aqui não conseguimos erradicar o mal da "precarização das condições de trabalho". 

Ora, retomando-se o art. 125 do Tratado da União Europeia, acima citado, tudo indica que foi possível adotar uma estratégia quem sabe coordenada de emprego - embora nem sempre com vistas a uma "mão de obra qualificada, formada e susceptível de adaptação". Mas o que foi feito com nosso "mercado de trabalho", no sentido de reagir "rapidamente às mudanças econômicas"? Parece encontrar-se aqui outro elemento para a reflexão envolvendo a reconstrução do Direito do Trabalho. 


3 Revendo os Fundamentos do Direito do Trabalho: Particularismos e Pilares 

O Direito do Trabalho se especializou como ramo autônomo - pelo menos assim se aprendeu, na condição de estudante, e depois se ensinou aos nossos alunos -, não apenas por conta da desigualdade entre os sujeitos contratantes, mas em vista de critérios de doutrina clássica a respeito. Porém, quando se fala em fundamentos do Direito do Trabalho, de que ponto se poderia partir? Afinal, o que é ciência? Direito é ciência? Direito corresponde a um fenômeno normativo e o que está na CLT não é ciência, é um discurso normativo, na lição de Antoine Jeammaud 11. Indagado se Direito do Trabalho tem autonomia, Jeammaud responde negativamente, ao referir-se ao Direito francês. 


Levando-se em conta a divisão feita por Palma Ramalho (autonomia formal, substancial, sistemática e dogmática) 12, segundo Jeammaud, autonomia sistemática implica autossuficiência, de modo que uma questão trabalhista não poderia ser resolvida com auxílio do Código Civil - aliás, este é invocado pelo próprio Código do Trabalho, adverte. E argumenta: o direito à vida privada, intimidade, entre outros direitos de personalidade, encontram suas respostas no Direito Civil, Administrativo e na própria Constituição, não no Código do Trabalho. 

Por sua vez, autonomia dogmática implica a presença de princípios próprios de determinado ramo, sendo que a palavra princípio é polissêmica, que perdeu seu sentido original, ora indicando autênticas normas, ora apenas tendências do sistema, como garantia de proteção ao mais débil na relação de emprego 13. É nesse sentido, certamente, a constatação de que, nas relações entre empregado e empregador, há uma relação desigual de poder - em tese, o empregado não tem poder nenhum, isoladamente, apenas dever de obediência, daí a necessidade de compensação por mecanismos protetivos. 


No entanto, indaga Jeammaud, há princípios informadores do Direito do Trabalho ou se constatam apenas determinados particularismos? 

Ora, como ensina Ramalho, o debate em torno da autonomia dogmática envolve a natureza de apenas um de seus fenômenos no plano das relações individuais: o trabalho subordinado e o contrato de trabalho, com vistas à sua emancipação do Direito Civil, e é nessa perspectiva que alguns autores insistem na autonomia do Direito do Trabalho. Segundo a autora portuguesa, o Direito do Trabalho tem duas grandes metas: "progressividade irredutível", somente havendo evolução se o sistema jurídico for mais favorável ao trabalhador; e "universalização da proteção", atingida na medida em que houvesse abrangência generalizada de todos com a plenitude das garantias trabalhistas, e conclui: a radicalização dessas metas contribuiu para a atual crise do nosso sistema, com sérios desvios aos imperativos de justiça que se buscava implantar 14-15. 


Essa a possível origem da fragilidade das relações trabalhistas e da fratura que se constata, com uma minoria protegida, titular de privilégios negados a outra expressiva massa de trabalhadores à margem do sistema. 


O socialmente correto é continuar apostando no protecionismo, que se justificou plenamente quando da formação do próprio Direito do Trabalho para encontrar respostas que o Direito Civil não conseguia dar, em face da exploração desenfreada que se observou no início da Revolução Industrial. Nesse sentido, entende-se a afirmação de Ermida Uriarte: o direito laboral é protetor "o carece de razón de ser" 16, servindo de referência para os demais princípios, os quais são deduzidos a partir do princípio de proteção, e, dessa forma, protegendo o empregado, seria possível reduzir a desigualdade e seus efeitos maléficos. 


Não se trata, nesse breve espaço de tempo, de rever conceitos fundamentais envolvendo distinção entre norma e princípio. Tampouco pretende-se lamentar o tempo perdido nessa inglória investigação, nem mesmo afirmar que o princípio de proteção para nada serviu ou que seria melhor dele se livrar. Ao contrário, graças a esse marco inicial, o Direito do Trabalho se estruturou e tanto avançou - mas deve-se fazer uma leitura nova desses chamados princípios clássicos do Direito do Trabalho (princípio de proteção, irrenunciabilidade, primazia da realidade, etc.), tão caros a todos nós, de modo que não valessem por eles mesmos, mas essenciais para conter o poder do empregador no contexto do contrato de trabalho -, também, não apenas por conta da desigualdade, mas pelo simples fato de que o trabalhador é uma pessoa humana. É possível encontrar um novo modelo de relações trabalhistas dando a esses princípios novo vigor e nova dimensão, repensando-os e redimensionando-os à luz dos verdadeiros pilares do Direito, como o da dignidade da pessoa humana do trabalhador e o da igualdade. 

Por outro lado, ninguém pode imaginar o Direito do Trabalho de todo livre da intervenção necessária do Estado, destinada a impedir os abusos praticados em nome da liberdade contratual, por mais que se possa acreditar como saída importante a negociação coletiva. Todos conhecem o ardil e toda sorte de artifício praticadas com o intuito de impedir ou fraudar a lei ou mesmo as simulações de toda ordem com graves prejuízos à cidadania, ao erário e à própria concorrência saudável. 


Todos têm um sentimento generalizado em torno de suas causas. Entre elas, podem-se destacar: (i) a ganância de alguns empresários, que apostam no lucro fácil e na certeza da impunidade - raramente por conta da ignorância ou desconhecimento das normas aplicáveis, concorrendo para o acirramento do dumping social; (ii) dificuldades de se estabelecer fronteiras entre trabalho autônomo e trabalho subordinado - novas formas de trabalho, em especial de natureza intelectual, fonte de tanta criatividade duramente combatida e muitas vezes de forma injusta; (iii) estatuto único para todas as empresas e mesmo regime de proteção a todos os empregados; (iv) omissão do legislador em assumir reformas realistas, tarefa que as empresas acabaram assumindo a seu modo e muitas vezes de forma lamentável, facilitando e até estimulando o fenômeno da fuga do direito do trabalho; (v) leniência por parte do Estado em dotar a Inspeção do Trabalho de pessoal com qualificação adequada para assumir seu verdadeiro papel de agentes de transformação, munindo-a ainda de material de apoio necessário; (vi) fragilidade decorrente da cultura da hipossuficiência e de contingências decorrentes da crise econômica, levando o empregado a tolerar a fraude - que ele acaba praticando no interior da empresa em proveito próprio, com cínico arrependimento posterior, muitas vezes com a indulgência da própria Justiça do Trabalho; (viii) ausência de sanções mais duras, inclusive de ordem penal, aos infratores que contribuem para a derrocada da Previdência Social e da própria dignidade do trabalhador; (ix) crença generalizada no correto monopólio nas mãos do estado, a solução dos conflitos e certo conformismo em aceitar que a Justiça do Trabalho tivesse "competência" para legislar 17 em matéria trabalhista por meio de Súmulas, Orientações Jurisprudenciais ou Instruções Normativas, em parte por conta da omissão mesma do legislador ou da pouca importância dada à negociação coletiva, procrastinando a necessária e urgente reforma trabalhista. 

4 Pilares do Direito do Trabalho 

A reconstrução do Direito do Trabalho deveria colocar em sua base o valor social do trabalho. É de nossa tradição tal escolha, desde a Constituição de 1946 (art. 145), passando pela Constituição de 1967 e Emenda Constitucional de 1969 (art. 160, II) e, finalmente, pela atual Constituição da República de 1988 (art. 1º, IV), por influência de documentos centenários e de compromissos do Brasil no âmbito internacional. Assim, o trabalho não corresponde a mero fator produtivo, mas fonte de realização material, moral e espiritual do trabalhador. 

Nessa perspectiva, o trabalho como valor social representa a atividade humana destinada a transformar ou adaptar recursos naturais com o fim de produzir bens e serviços que satisfaçam necessidades individuais e coletivas do homem em sociedade. É esse o trabalho cuja valorização constitui fundamento da ordem econômica. Os valores sociais do trabalho estão precisamente na sua função de criar riquezas, de prover a sociedade de bens e serviços e, enquanto atividade social, fornecer à pessoa humana bases de sua autonomia e condições de vida digna. 

Ao lado do trabalho como valor, encontra-se, igualmente, na base do Direito do Trabalho, a livre-iniciativa como fundamento da ordem econômica. Levando-se em conta que a atual Constituição da República pauta-se pela realização da justiça social, o lucro a ser perseguido pela livre-iniciativa não se justifica por si mesmo, subordinando-se à função social da empresa. É nesse sentido que se deveria interpretar o caput do art. 7º, ao vincular os direitos assegurados aos trabalhadores na perspectiva da melhoria de sua condição social, servindo de norte ao empresário de propiciar melhores condições de vida aos trabalhadores, no contexto da valorização do trabalho. 

Se a livre-iniciativa não se compatibilizar com a valoração do trabalho humano, comprometerá a própria ordem econômica. Daí a previsão constitucional de que esta ordem é fundada, simultaneamente, nesses dois valores - intimamente interligados entre si. 

Levando-se em conta os referidos valores tidos como fundantes da República, bem como os princípios do Direito do Trabalho, igualmente tidos como fundantes desse ramo da ciência jurídica, diversos são os pilares da reconstrução do Direito do Trabalho. Entre eles, destacam-se a dignidade do trabalhador e a igualdade. 

4.1 A Dignidade e a Igualdade como Fundamentos do Direito do Trabalho e Matriz de seus Princípios 

A ideia de dignidade da pessoa humana resulta do reconhecimento de que o homem tem fins próprios a cumprir por si mesmo - o homem é o centro e o fim de toda cultura -, ou, dito de outra forma, a razão de ser do próprio trabalho. A doutrina de Kant nesse sentido é comumente invocada, ao referir-se ao fundamento da metafísica dos costumes: dignidade humana designa um princípio moral indicando que a pessoa humana nunca deve ser tratada apenas como meio, mas como um fim em si, ou seja, o homem jamais poderá ser utilizado como meio sem levar em conta que ele é ao mesmo tempo um fim em si 18. 

Essa noção de que o homem é um fim em si mesmo tem sua origem em estudos mais antigos, fundada no Antigo Testamento e com destaque na mensagem cristã transmitida pelo Novo Testamento, na observação de Recaséns Siches, ou seja, o homem foi criado à imagem e à semelhança de Deus, de modo que Kant teria retomado esse discurso, dando fundamentação filosófica à visão religiosa da dignidade 19. 

Todos, na condição comum de filhos de Deus, devem ser tratados igualmente - ao lado da ideia de dignidade, surge a da igualdade. Em outras palavras, dessa construção teológica resulta não apenas o princípio da dignidade - ele tem natureza divina, como o princípio da igualdade, pois somos todos filhos do mesmo Pai. 

Já antes dos cristãos, a ideia de dignidade encontrava raízes no pensamento chinês - o que mais importava era o homem, o mesmo se observando na filosofia grega clássica, apesar de a ideia de dignidade encontrar limitações na liberdade igual para todos. Mesmo assim apontou-se um caminho para a ética do humanismo, ou seja, no exercício de sua razão, o homem pode almejar uma vida boa. E conclui Luis Recaséns Siches: "O homem é uma criatura que se singulariza por sua mente racional, graças a qual é capaz de um conhecimento das verdades mais altas. Isso confere ao homem sua dignidade própria, e o faz notoriamente superior a todos os demais seres vivos da terra" 20. 

Embora a questão envolvendo dignidade humana tenha seu campo fértil na filosofia e na religião, como referido, cabe ao Direito reconhecer e determinar como a dignidade será protegida. 

Como referido por Ingo Wolfgang Sarlet 21, a questão da dignidade não diz respeito a certos aspectos específicos como integridade física ou mental, privacidade ou intimidade, mas à qualidade inerente ao ser humano, intrínseca a ele - aquilo que constitui o valor próprio que identifica o ser humano. 

A partir dessa concepção religiosa segundo a qual o homem foi criado à imagem e à semelhança de Deus, cujas bases foram assentadas no Concílio de Calcedônia, a palavra "pessoa" tem novo impulso e enriquecimento, não se equiparando mais a mero status. Esse mesmo caminho perfilhou o termo dignidade: deixou de significar apenas "uma função eminente" para assumir o atributo da pessoa, ainda na lição de Sarlet 22. 


4.2 Contribuições da Doutrina Social da Igreja 

A dignidade da pessoa humana é proclamada no plano internacional, como amplamente divulgado, mas é, também, pela Doutrina Social da Igreja. 

O marco dessa contribuição é a Encíclica Rerum Novarum de Leão XIII, de 15.05.1891, mas antes dela a própria doutrina do cristianismo com suas raízes no judaísmo, como já referido. 

As principais mensagens das Encíclicas, com influência direta na formação do Direito do Trabalho, na perspectiva da dignidade da pessoa humana do trabalhador, podem ser assim enunciadas: (i) não compactuar com os excessos do capitalismo, cabendo ao Estado o dever de interferir na chamada questão social; (ii) reconhecer no trabalhador sua dignidade; (iii) ao trabalho prestado pelo operário é devido o salário justo, não bastando simples retribuição com base em estimativas econômicas ou de mercado; (iv) a empresa, além de sua função social, deve ser um espaço onde o trabalhador tem direito à participação ativa; (v) cabe a esse ramo especializado proteção dos excluídos do mundo do trabalho, como jovens, mulheres, portadores de deficiências, entre outros, bem como os idosos; (vi) necessidade de atribuir valor ao trabalho humano, que não é mera mercadoria. O trabalho corresponde à ação produtiva do homem livre em busca de sua sobrevivência e realização pessoal - ou seja, o que justifica o trabalho do homem, na condição de empregado, ou não, é a construção de sua felicidade; (vii) impossibilidade de separar capital e trabalho: não pode haver capital sem trabalho, nem trabalho sem capital. 


4.3 Dimensões do Trabalho 

O homem vive de seu trabalho - daí corresponder a um direito natural, pois trata-se de corolário do direito à vida 23. O fato de o trabalho ser executado pelo homem implica levar em conta sua dignidade como pessoa humana e cidadão. 


Daí por que questões relativas ao trabalho do homem envolvem os chamados direitos fundamentais. 

Muito já se escreveu sobre os "direitos fundamentais", e mais ainda sobre os direitos do homem. Segundo uma noção já repetida e que integra os ideários dos países civilizados, direitos fundamentais correspondem ao conjunto de direitos reconhecidos ao ser humano e assegurados pela Carta Constitucional. Não se confundem com os chamados "direitos humanos". Estes, proclamados em Tratados Internacionais, correspondem aos direitos que a ordem internacional reconhece a todo ser humano, ainda que determinado país não o reconheça em sua Carta Constitucional nem no seu ordenamento interno. Em outras palavras, os "direitos humanos" correspondem aos direitos que a ordem jurídica reconhece a todo ser humano. 

Assim, de um lado, os direitos fundamentais correspondem aos direitos assegurados, em âmbito constitucional, de forma restrita aos cidadãos submetidos à soberania do Estado. Indicam as prerrogativas conferidas ao indivíduo pela Constituição de determinado país. Há relação entre Constituição, "fundamento da ordem jurídica", e os direitos por ela assegurados. Os direitos fundamentais correspondem aos direitos humanos que a Constituição reconhece e garante aos cidadãos sob seu império, em determinado território. 

Já os direitos humanos alcançam todos os homens, sem "limitação espacial de validade". São faculdades e instituições de direito natural que, em determinado tempo e lugar, concretizam as exigências básicas de liberdade, dignidade e igualdade humanas, sendo objeto de positivação nas Declarações de Direitos Internacionais, enquanto que, no plano interno, deveriam ser objeto de positivação nas Constituições, o que nem sempre ocorre. 

Nesse sentido, prefere-se vincular os direitos do homem com aqueles que independem da ordem jurídica, mesmo porque, por serem reconhecidos como direitos naturais, a precedem 24. 

Luisa Galantino faz oportuna reflexão sobre o trabalho como dever e como direito, a partir do disposto no art. 4 da Constituição Italiana 25. Segundo ela, de um lado trata-se de um dever, de tal modo que o Estado não poderia coagir alguém a trabalhar; cabe ao trabalhador a liberdade de escolher seu trabalho, tendo a Corte Constitucional já admitido que, embora se possa limitar a liberdade de trabalho, ela não poderá ser suprimida "em nome de outros direitos constitucionalmente protegidos 26. Teria esse dever caráter moral ou, inclusive, valor jurídico, no sentido de o legislador indiretamente sancionar quem não cumprisse tal dever, ou seja, o ocioso ou o desocupado. Por outro lado, continua, trata-se de um direito de garantia ampla. Cabe ao Estado promover políticas para remover estruturas que impeçam igual oportunidade. Leva-se em conta que entre o Estado e o cidadão há uma situação de inferioridade. De qualquer forma, deve-se considerar determinadas categorias em condições de inferioridade econômica, merecendo tutela específica por meio de equivalentes regimes jurídicos 27. 

4.4 Dignidade do Trabalhador e Igualdade ou Não Discriminação na Perspectiva dos Direitos Fundamentais 

Não há como dissociar o trabalhador de sua dignidade, servindo esta de instrumento que limita o poder patronal. Essa questão pode ser examinada na perspectiva dos direitos fundamentais do homem enquanto cidadão e, em especial, enquanto trabalhador. 

Entre os principais aspectos dos direitos fundamentais da pessoa humana do trabalhador relacionados com o contrato de trabalho, podem ser apontados os seguintes, entre outros, segundo Renato Bignami 28: (i) há direitos fundamentais de todo cidadão a serem respeitados pelo Estado; (ii) os direitos fundamentais devem ser respeitados também pelos cidadãos contra atos de outros particulares (no caso, do empregador), direitos estes a serem também tutelados pelo Estado (eficácia horizontal dos direitos fundamentais - Drittwirkung der Grundrechte); (iii) aplicam-se os direitos fundamentais a qualquer local de trabalho; (iv) há direitos fundamentais próprios ao cidadão trabalhador. 

Em síntese, os direitos fundamentais atuam fora e à margem da lógica contratual, mas inserem-se na dinâmica interna, integrando seu conteúdo de modo a moldar o contrato de trabalho e por ele ser moldado. Essa construção certamente foi possível graças ao esforço de se desviar as relações entre empregado e empregador da simples esfera civilista, com base em certos princípios que deram fundamento ao conjunto de regras que se construiu no início da formação do Direito do Trabalho, em especial o de proteção. No entanto, poucos se atentaram para o fato de que na base dessa questão encontrava-se o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como o da igualdade ou não discriminação. 

Com efeito, o exame das relações entre contrato de trabalho e direitos fundamentais é relativamente recente 29. Os direitos fundamentais consistiam em direitos subjetivos de defesa perante o Estado, único capaz de ameaçar a liberdade individual. Nessa visão liberal, partia-se da separação entre Estado e sociedade civil - entre direito público e direito privativo. Do ponto de vista privado, prevalecia a autonomia da vontade no âmbito da liberdade contratual. Essa visão é alterada, no século XX, com o reconhecimento da normatividade da Constituição e ampliação do conteúdo dos textos constitucionais que condicionam o sistema político e a sociedade civil. No âmbito privado, uma das primeiras manifestações de intervenção constitucional se deu com a constitucionalização do Direito do Trabalho. Isso ocorreu com a Constituição de Weimar (1919) - embora a Constituição mexicana de 1917 seja reconhecida como a pioneira -, quando diversos princípios laborais tiveram assento, o que influenciou outras Constituições, que acabaram reconhecendo os direitos dos trabalhadores no âmbito coletivo (liberdade sindical, negociação coletiva, greve), além dos direitos a prestações do Estado, como compromisso de assegurar mecanismos de proteção social. Esse movimento de constitucionalização, que reconheceu determinados direitos dos trabalhadores, em geral externos ao contrato de trabalho, deixou na sombra aspectos relacionados com a moderna teoria dos direitos fundamentais, relacionados ao trabalhador como cidadão, ou seja, "aos direitos de cidadania no âmbito do contrato de trabalho". Apenas nas décadas de 60 e 70 do século XX, tomou corpo a ideia do valor do trabalhador como cidadão na estrutura do contrato de trabalho, bem como consciência de que a contratação do empregado não o priva dos direitos que a Constituição assegura ao trabalhador como cidadão. Percebe-se profunda revalorização do contrato de trabalho à luz dos preceitos constitucionais, acentuando-se a vinculação entre a pessoa humana e seus direitos, questões estas sem sentido ao operário do século XIX e início do século XX. 

Os direitos fundamentais passaram a ser encarados como componentes estruturais do contrato de trabalho, cuja relação envolve a pessoa do trabalhador inserida numa organização alheia em que se submete a "uma autoridade do trabalho de poder social". Observa-se acentuada afirmação e salvaguarda das liberdades individuais e consequente redução dos poderes patronais para a devida acomodação do espaço para as liberdades individuais do empregado. 

É inegável a importância dos direitos fundamentais nos ordenamentos jurídicos avançados, irradiando-se a Constituição na ordem jurídica de forma global, modulando determinado sistema de valores, cujo fundamento é a dignidade humana. Por meio desses direitos, o trabalhador se desenvolve como pessoa no exercício da liberdade, expressão da sua dignidade, fundamento da sociedade e do Estado. 

Em vista da coerência interna, os direitos fundamentais projetam-se em todo ordenamento, de tal modo que os valores éticos e os princípios democráticos atingem todos os níveis sociais e todas as pessoas. Essa irradiação plena é exigência da democracia, pois nas relações privadas há ameaças à dignidade humana, inclusive por parte do poder econômico, às vezes mais perigoso que o próprio Estado. 

Daí a ideia de eficácia horizontal dos direitos fundamentais, cujo pioneirismo não por acaso se deu nas relações trabalhistas. Como se vê, deve-se partir do pressuposto de que os direitos fundamentais estejam presentes nas relações interprivadas como limite à autonomia negocial. 

Há o reconhecimento de uma dimensão objetiva dos direitos fundamentais, não apenas de direito subjetivo em face do Estado. Não são considerados numa esfera subjetiva, mas os direitos fundamentais "representam a máxima expressão de uma ordem axiológica, de um sistema de valores" que dá unidade ao ordenamento jurídico, cujo fundamento é a dignidade da pessoa humana. 

A dignidade, ainda, é a base dos direitos, como queria o pensamento liberal, entendida não como liberdade do indivíduo isolado, mas como livre desenvolvimento da personalidade de homens solidários: não há liberdade individual sem interdependência e solidariedade. Os direitos fundamentais garantem um status socialis contra os detentores de poderes sociais ou contra indivíduos com poder equiparável à supremacia do Estado. 

Na Alemanha, com pioneirismo, se confrontou a problemática da eficácia dos direitos fundamentais nas relações jurídico-privadas (Drittwirkung der Grundrechte). Com a redução das fronteiras entre direito público e direito privado, a questão que se coloca é a efetividade dos direitos fundamentais nos domínios da sociedade civil - como nas relações entre grupos e seus associados ou conflitos laborais. 

Essa problemática não pode perder de vista a unidade e a coerência do sistema jurídico e a necessidade de se manter a autonomia do direito privado. 

Há um movimento de se reconhecer a eficácia dos direitos fundamentais no âmbito dos poderes privados - como no caso do empregador que dispõe, em face do empregado, de "uma situação real de poder". 


Nesse contexto, o contrato de trabalho corresponde a um ambiente natural para o Drittwirkung se consolidar. O fato de haver uma relação desigual de poder entre empregado e empregador gera riscos potenciais para a liberdade e direitos do empregado. 

Importa saber se os interesses subjacentes a tal relação justificam a limitação da liberdade individual do empregado. Em princípio, não se admitem lesões aos direitos fundamentais e liberdades. A empresa não é um mundo à parte. A lógica empresarial não pode afastar a ideia de que a dignidade da pessoa humana é o fundamento do ordenamento jurídico. 

Há consciência da necessidade de proteger os direitos e valores constitucionais como inerentes à dignidade do ser humano, de modo que a dogmática do contrato de trabalho deve ser considerada à luz desses princípios. A lógica contratual é condicionada pela dignidade do trabalhador. 

A eficácia dos direitos fundamentais, como o reconhecimento da intimidade da vida privada, a liberdade de expressão, a proibição de discriminação e a liberdade ideológica, tem importantes consequências. Há aparente confronto entre, de um lado, a pressão pela revisão dos princípios tradicionais em face da flexibilização do mercado de trabalho e, de outro, a afirmação dos direitos fundamentais - o que se busca é melhor qualidade de vida do trabalhador e sua realização pessoal na construção da felicidade. 

Assim, apesar das transformações do Direito do Trabalho, esse ramo do Direito recupera seu papel de garantir a plena autodeterminação do trabalhador como pessoa e como cidadão. O Direito constitucional tem grande importância nesse contexto: empresta ao Direito do Trabalho nova dimensão e exige tomada de posição, devolvendo-lhe seu papel de vanguarda do direito privado. 

Tais questões interessam aos ordenamentos jurídicos que têm em sua base o Estado Democrático de Direito, com fundamento na dignidade da pessoa humana e respeito aos direitos e liberdades fundamentais, como o nosso 30. Só assim valores como igualdade, justiça e liberdade, amplamente proclamados, terão efetiva concretização. E, com base nesses valores, é possível a reconstrução do Direito do Trabalho, pois representam seus pilares. 

Conclusões 

Os pilares da reconstrução do Direito do Trabalho se assentam nos princípios da dignidade da pessoa humana do trabalhador e no da igualdade e não discriminação. Com isso, não se pretende negar nem excluir o tradicional princípio de proteção, entre outros, mas afirmá-los e revisitá-los, dando-lhes novo impulso e vigor. 

Observa-se harmonia e complemento entre o princípio da dignidade e igualdade em face dos tradicionais princípios do Direito do Trabalho, também referidos como particularismos. 

Com efeito, o princípio de proteção, por si, não se justifica mais. Ao contrário, se fortalece sob a luz e no contexto da dignidade da pessoa humana do trabalhador e do princípio da igualdade e não discriminação. Essa a justificativa e a razão de ser da proteção dispensada ao trabalhador. 

Avançamos muito na afirmação dos direitos fundamentais do homem como trabalhador. Mesmo assim, temos um longo caminho a percorrer nesse processo de profunda transformação da nossa sociedade, tornando realidade o sonho plantado na Constituição da República de 1988, em especial no seu art. 1º. 

Nossas reformas são pontuais - um caminho possível, no lugar de um corte abrupto, mesmo porque contrário às nossas tradições - e mesmo assim insatisfatórias, podendo-se citar, entre tantas, a solução que demos à contratação de trabalhadores intelectuais (art. 129 da Lei nº 11.196/05) - além de ineficaz, acabou gerando mais insegurança, tão a gosto dos reformistas de plantão, que torcem para que tudo continue como sempre foi, sem contrariar interesses corporativos arraigados. 

A tarefa da reconstrução do Direito do Trabalho certamente será para mais de uma geração, mas que se inicie logo, sob pena de se adiar uma reforma que poderia fazer a diferença no projeto ambicioso que o Brasil tem no cenário internacional. 

Se o século XIX foi a era dos trabalhadores independentes e o século XX o século dos trabalhadores subordinados 31, a reforma que nos desafia determinará o que caracterizará o presente século - certamente, não será exclusivamente dos trabalhadores independentes nem dos subordinados, mas do reconhecimento do trabalho digno e decente. 

O Direito do Trabalho cumprirá seu papel quando a sociedade passar a se incomodar com qualquer tipo de afronta à dignidade do trabalhador ou desrespeito à sua cidadania. 

TITLE: Reconstruction of labor law. 


ABSTRACT: The reconstruction of Labor Law is addressed here as a proposal for future reflections, investigations and concrete answers to be given by the parties involved. Thus, after quoting the meaning of the word "reconstruction" and its possible application in the labor law scope, a reflection is made about justifications for the reconstruction. Then, aiming at reviewing the essentials of Labor Law, there is a confrontation between what can be understood as particularities and the basis itself. Ultimately, there is an attempt at clarifying what can be considered as a basis for Labor Law. 


KEYWORDS: Labor Law. Reconstruction. Essentials. Basis. Fundamental Rights. 



Bibliografia 

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BIGNAMI, Renato. Los derechos fundamentales de la persona del trabajador. In: Revista de Direito do Trabalho, n. 122, RT. 

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GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Da relação de emprego à relação de trabalho: alargamento e adequação do núcleo da competência trabalhista. Tese apresentada para obter título de livre-docente, junto à Faculdade de Direito da USP. São Paulo, 2010. 

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RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Da autonomia dogmática do direito do trabalho. Coimbra: Almedina, 2000. 

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SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. 

Fonte: Editora Magister.

XXII CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI


Informações

Diante da necessidade de integrar e divulgar as linhas de pesquisa e os trabalhos desenvolvidos nos programas de mestrado e doutorado, e considerando também importância que se constitua um fórum de discussão de pesquisa em Direito no Brasil, o Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito no Brasil - CONPEDI viabiliza estas discussões, principalmente através de Encontros Nacionais e Congressos Nacionais. 

Assim, o XXII Congresso Nacional do CONPEDI, será realizado em São Paulo – SP, entre os dias 13 a 16 de novembro de 2013, promovido pelo CONPEDI e pelo Programa de Mestrado em Direito da Universidade Nove de Julho - UNINOVE, com apoio da CAPES e CNPq sobre o tema“SOCIEDADE GLOBAL E SEUS IMPACTOS SOBRE O ESTUDO E A EFETIVIDADE DO DIREITO NA CONTEMPORANEIDADE”. 

A temática proposta revela a dimensão do desafio que as diversas linhas de investigação do Direito em desenvolvimento no país têm buscado enfrentar ao acolherem abordagens que possibilitem aprender de forma consistente a crescente complexidade do processo de globalização. 

Destaca-se ainda que pela diversidade e amplitude temática dos Grupos de Trabalhos previstos, todas as linhas e projetos de pesquisa em desenvolvimento na área poderão encontrar foros adequados de discussão nas oficinas.


Fonte: CONPEDI

"O que é Direito" de Paolo Grossi (Resenha)


Resenha “O Que é Direito”, de Paolo Grossi.




O direito pode ser demonstrado através de representações para comunicar-se, mas mesmo quando não demonstrado de maneira clara a todos, este direito permanece sendo realidade, caracterizado e diferenciado pelo direito imaterial. Esse abstrato do direito faz com que muitas pessoas estejam distante do saber jurídico, tenham pelo direito um sentimento de mistério, aí está muitas vezes a origem de tantas incompreensões pela matéria. Traz consigo repulsas, porque ao homem comum, o direito surge do alto e de longe, como se fosse uma gota d’água que cai sobre alguém, sem avisar, chega tomando o comando, e traz consigo todo um aparato e ainda as ameaças de possíveis sanções caso não haja o cumprimento de todo o ordenamento jurídico.






Todo este distanciamento da compreensão do direito é muito maléfico, tanto para o direito, como para o homem comum. O direito e sociedade podem descolar-se de tal forma, de que não haja sincronia, a complexidade jurídica passa não atender mais ao homem e os juristas tornam-se exímios hermeneutas, porém dissociados da realidade social. Colocar toda esta culpa de distanciamento no homem comum, seria injustiça, isto tudo é conseqüência de escolhas dominantes e determinantes na história. Houve um estreitamento muito grande entre poder político e direito, fazendo com que a política chegasse a monopolização da dimensão jurídica, por essa conter princípio bem fortes e estabelecidos. Então, a partir daí desenvolveram-se muitas mitologias, para fins de dar sustentabilidade aos interesses políticos da minoria em nome da maioria. Criavam-se leis que em nome do povo, teoricamente para o povo, o mito da vontade geral, mas que locupletavam o soberano.




A imperatividade da lei, a questão do comando está fora da realidade do homem comum, não só dele, mas também da cultura circulante e arrisca tornar-se um corpo estranho na sociedade, ou seja, estar descolada da realidade.




Deixar de olhar o direito com lentes que o deformam, eis o nosso desafio, nada fácil, ainda mais para aqueles que empenham-se na busca da compreensão do direito, quando buscam traços essenciais de uma realidade nem sempre bem compreendida. Fazer leitura do direito é desvendar questões que nasceram para e com o homem, no espaço e no tempo. Quando falamos de homens, falamos também de pluralidade, embora haja muitos, todos diferenciam-se de alguma forma, um desafio para o direito é tratar com a multiplicidade de indivíduos. É impreterível sua socialidade, uma relação de duas ou mais pessoas, ai pode encontrar-se o direito, transformando em social a experiência singular do sujeito. Pode encontrar o direito, pelo fato de que apenas um simples aglomerado de pessoas sem interação não geram direito, mas a partir do momento em que organizam-se e observam, espontaneamente as regras organizativas, nasce o direito, claro que nesta exposição, de maneira bem simples.




Mesmo nos dias hodiernos, isto pode parecer um paradoxo, dizer que o direito deve expressar a sociedade e não o estado, embora o estado ostente o monopólio jurídico atualmente. Resgatar o direito passa pela percepção de que não é por forças coativas, mas sim pela necessidade sentida de busca da perfeita organização social, o direito mostra-se necessário ao bom andamento social, de maneira que todos entendam a sua necessidade, quase que seria a vinda de baixo para cima, de baixo porque viria da circulação cultural e tornaria-se uma regra aplicável, e sociedade e direito estariam na mesma direção. Sendo assim, teremos visualização de que o direito, não tem poder de comando só pelo fato de ser positivado, mas sim, ainda mais pelo seu nascimento anterior a regra, ele já estava na sociedade, e a partir dele nasceram às regras. Vale ressaltar de que o direito deve ser mais entendido no sentido de observância e não de obediência, na medida em que se pretende uma aceitação não totalmente passiva da regra, mas precedida de plenas faculdades de entendimentos e postas em prática pelo desenvolvimento da razão em torno da estrita observância da norma, isso tudo de maneira espontânea. 


Robson Cunha.

cadêmico do Curso de Direito da Universidade de Caxias do Sul - (UCS)” 
Fonte: Blog Robson Cunha

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