sexta-feira, 10 de maio de 2013

AULA DE TÍTULOS DE CRÉDITO - LETRA DE CÂMBIO


AULA DE DIREITO EMPRESARIAL III
TÍTULOS DE CRÉDITO EM ESPÉCIE – LETRA DE CÂMBIO

Por Robson Soares Leite

1.- CONSIDERAÇÕES GERAIS

            O CC/02, inspirado no Código Civil italiano de 1942, tentou unificar o direito privado, disciplinando, em um único diploma legislativo, tanto a matéria cível quanto a matéria comercial. Contudo, houve apenas uma unificação formal.
 - art. 903 – os títulos de crédito só produzirão efeitos se preencherem os requisitos previstos na legislação específica e, não dispondo de modo diverso da lei especial, reger-se-ão pelas disposições do CC/02.
            O disposto no CC/02 não se aplica aos títulos de crédito (típicos) que possuem legislação específica. Isto é, as normas do CC/02 são de aplicação supletiva, destinadas a suprir lacunas em regramentos jurídicos específicos.
            Títulos de crédito típicos/próprios – aqueles que possuem legislação específica: duplicata, letra de câmbio, nota promissória, cheque.
            Títulos de crédito atípicos – não possuem lei específica, aplicando-se a eles a teoria geral dos títulos de crédito existente no CC/02.
            Enunciado 52, Conselho da Justiça Federal (CJF), com redação dada pelo Enunciado 464, aprovado na V Jornada de Direito Civil – As disposições relativas aos títulos de crédito do Código Civil aplicam-se àqueles regulados por leis especiais, no caso de omissão ou lacuna.
            Em resumo: As normas sobre títulos de crédito do CC/02 só se aplicam quando a lei especial (LUG, LC, LD etc.) disciplina o assunto de igual modo. Se esta contiver dispositivo com comando diverso, não se aplica o CC/02.


1.2. DESMATERIALIZAÇÃO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO
            O crescente desenvolvimento da informática tem propiciado o surgimento de títulos de crédito que não chegam a ser materializados em uma cártula, razão pela qual o princípio da cartularidade tem sido colocado em dúvida por alguns doutrinadores.
            Atento a esse assunto, o CC/02 permitiu expressamente a emissão de títulos de crédito a partir de caracteres criados em computador ou meio eletrônico – art. 889, § 3º, CC/02.
            Também deve ser registrado a edição da Lei 11.419/2006 que regulou no Brasil o processo eletrônico.
            Enunciado 461, CJF: Art. 889. As duplicatas eletrônicas podem ser protestadas por indicação e constituirão título executivo extrajudicial mediante a exibição pelo credor do instrumento de protesto, acompanhado do comprovante de entrega das mercadorias ou de prestação dos serviços.
            Enunciado 462, CJF: Art. 889, § 3º. Os títulos de crédito podem ser emitidos, aceitos, endossados ou avalizados eletronicamente, mediante assinatura com certificação digital, respeitadas as exceções previstas em lei.

1.3. ENDOSSO E SEUS EFEITOS
            Em todo tempo, no endosso, o endossante responde pela solvência do crédito.
Mas, o CC/02 trouxe regra diversa no art. 914, dizendo que o endossante não responde pela solvência do crédito.
            A regra do art. 903, CC/02, contudo, excepciona essa regra se houver legislação específica que trate do assunto.
            O endosso em uma nota promissória gerará para o endossante a responsabilidade pela solvência do crédito, visto que a Lei de Genebra possui regra nesse sentido.

1.4. A DISCIPLINA DO AVAL
            O aval, a exemplo do endosso, também foi tratado de forma diversa que o disposto em legislação específica.
            O CC/02 predica que é vedado o aval parcial – art. 897, parágrafo único. Mas a Lei de Genebra (Decreto 57.663/66) permite o aval parcial, como reza o seu art. 30.
Nesse caso, haverá aplicação da regra do art. 903, CC/02, excepcionando a regra geral contido no Código Civil.

1.4 CLÁUSULA DE JUROS NOS TÍTULOS DE CRÉDITO
            - art. 890, CC/02.
            A LUG no art. 5º trata expressamente dessa matéria, permitindo que nas letras de câmbio à vista ou a certo termo de vista se estabeleça cláusula de juros, desde que a taxa aplicável seja indicada expressamente no título.
            Os juros serão contados da data da letra de câmbio, salvo se outra tenha sido expressamente indicada nela.

1.5. TÍTULOS AO PORTADOR
            A regra geral dos títulos de crédito típicos é de que eles circulem através de endosso, quer dizer, tratam-se de título nominais e à ordem.
            A exceção é a do cheque no valor de R$100,00 – art. 69, Lei 9.069/95 – Plano Real.
            Para combater a sonegação fiscal, a Lei 8.021/90 proibiu a circulação de títulos ao portador no Brasil.
            O CC/02 tratou do título ao portador nos arts. 904 a 909.
            - art. 907, CC/02. O Código Civil tratou o título ao portador como regra não exceção. Daí que os títulos de crédito típicos são nominais à ordem, exceto o cheque no valor de R$100,00.

1.6. TEORIA DA CRIAÇÃO VERSUS TEORIA DA EMISSÃO
            Em que momento efetivamente a obrigação cambial se constitui?
            Para os adeptos da teoria da criação, a obrigação cambial nasce a partir da mera criação do título de crédito (a partir da sua confecção material, que se consuma com a respectiva assinatura do sacador).
            Já para a teoria da emissão, a obrigação cambial nasce apenas com a entrega voluntária do título de crédito ao tomador (beneficiário).
            A importância das teorias reside para os casos em que o título seja extraviado ou posto em circulação contra a vontade do sacador.
            Para a teoria da criação, como a obrigação já havia nascido desde a confecção do título, o sacador estará obrigado nessas condições. No caso da teoria da emissão, a obrigação cambial não se aperfeiçoa nestes casos, assim, o sacador não assume qualquer obrigação cambial.
            Parece que o CC/02 adotou a teoria da criação – art. 905, parágrafo único e art. 896.
2. LETRA DE CÂMBIO
2.1 INTRODUÇÃO
            Trata-se do título de crédito com origem histórica mais remota.
            A letra de câmbio surge das operações cambiais denominadas de câmbio trajetício, materializada por uma littera cambii quando um negociante trocava todo o seu dinheiro com um banqueiro, entregando este àquele uma carta, qual ordenava que outro banqueiro pagasse a quantia nela fixada ao seu portador.
O título mais apropriado para o estudo da teoria geral dos títulos de crédito é a letra de câmbio, já que sua estrutura permite, com maior facilidade, o exame dos aspectos mais relevantes relacionados à constituição e à exigibilidade do crédito cambial.
            No Brasil, a letra de câmbio é pouco utilizada, tendo sido substituída pela duplicata.
            Hoje é proibida a emissão de LC na compra e venda mercantil e na prestação de serviço, circunstâncias próprias da duplicata.

2.2. SAQUE DA LETRA
            A letra de câmbio se estrutura como título de ordem de pagamento, dando origem a três situações jurídicas distintas:
a)- sacador – aquele que emite a ordem;
b)- sacado – aquele a quem a ordem é destinada;
c)- tomador – aquele que é o beneficiário da ordem.
As três situações jurídicas apresentadas não necessitam estar ocupadas por três pessoas diferentes – art. 3º, LUG:
i)- à ordem do próprio sacador: o sacador e o tomador são a mesma pessoa, ou seja, a letra é emitida por alguém em seu próprio benefício;
ii)- sobre o próprio sacado: o sacador e o sacado são a mesma pessoa, ou seja, a letra é emitida pelo sacado contra ele mesmo;
iii)- por ordem e conta de terceiro: é a situação usual em que as três situações jurídicas são ocupadas por sujeitos de direito também distintos, ou seja, uma pessoa (sacador) ordena que alguém (sacado) pague a outrem (tomador).

            Emitido pelo sacado, o título é entregue ao tomador, que deverá procurar o sacado, normalmente duas vezes: a primeira, para consulta-lo sobre se aceita ou não cumprir a ordem; caso aceite, a segunda, para receber o pagamento.
            O saque é o ato de criação da LC. Nesse ponto aplica-se a teoria da emissão (confecção material do documento, que se conclui com a aposição da assinatura do sacador na cártula) e da criação (entrega do documento ao tomador) e as consequências.
- art. 16, LUG – o portador de boa-fé tem direito ao recebimento do crédito.

2.3 REQUISITOS
            A letra de câmbio deve ser emitida preenchendo os seus requisitos essenciais estabelecidos na legislação, quer dizer, trata-se de título formal (deve ostentar certos elementos para fundamentar a aplicação do regime jurídico-cambial).

2.3.1. EXCEÇÃO AOS REQUISITOS
A despeito de a LUG apontar a necessidade de requisitos, a jurisprudência admite a emissão da letra de câmbio (e de qualquer outro título de crédito) em branco ou incompleta.
Súmula 387, STF – A cambial emitida ou aceita com omissões ou em branco, pode ser completada pelo credor de boa-fé antes da cobrança ou do protesto.
CC/02, art. 891 – O título de crédito, incompleto ao tempo da emissão, deve ser preenchido de conformidade com os ajustes realizados.

Tanto a LC como qualquer outro título de crédito pode ser emitido e circular validamente, em branco ou incompleto.
Os requisitos não precisam estar totalmente atendidos no momento em que sacador/emitente assinar o documento, ou o entrega ao tomador. Eles podem ser completados posteriormente, contudo, o portador/credor somente se considera mandatário do devedor, enquanto age de boa-fé.
A validade da emissão e circulação do título em branco ou incompleto é fundada na lei – art. 3º, Dec. 2.044/1908, admitia pela jurisprudência – Súmula 387, STF.
A LC deve estar devidamente preenchida no momento que antecede ao protesto ou à cobrança judicial. O cartório não pode receber, para protesto, cambial incompleta; e é nula a execução do título não preenchido na forma da lei.

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- art. 1º e 2º, LUG:
a)- expressão “letra de câmbio” – cláusula cambiária;
            OBSERVAÇÕES
A precisa identificação do título por intermédio da cláusula cambiária é de suma importância:
i)- porque o título de crédito, a depender da sua espécie, submete-se a regimes jurídicos às vezes distintos;
ii)- porque nos títulos de crédito próprios – nota promissória, letra de câmbio, duplicata e cheque – considera-se implícita a cláusula à ordem (admite circulação por meio de endosso – art. 11, LUG).
Obs.: Nada impede que conste a cláusula não a ordem – art. 11, LUG. Porém, para circular através e CCC é preciso expressamente contar tal cláusula no título de crédito, visto que a cláusula à ordem está implícita.

b)- ordem incondicional de pagamento de quantia determinada;
Obs1.: Não é possível que a obrigação mencionada na letra fique sujeita à implementação de qualquer condição, suspensiva ou resolutiva.
Obs2.: Quanto ao valor da letra, deve ser mencionada a moeda de pagamento. Para tanto, o art. 1º, II do Decreto 2.044/1908 estabelece que as letras emitidas em território brasileiro devem ser pagas em moeda nacional.
Obs3.: Admite-se emissão de letra com indexação, desde que o índice seja conhecido e de ampla utilização na praxe comercial, ou seja, admite-se sempre a cláusula de correção monetária e, se a letra é à vista ou a certo termo da vista, também a fluência de juros entre as datas do saque e da apresentação a pagamento – art. 5º, LUG.
 Nas LC em data certa e a certo termo da data, os juros somente podem ser cobrados, a partir do vencimento, caso se verifique o inadimplemento da obrigação.
Obs4.: Em razão do princípio da literalidade, se houver discrepância entre os algarismos e o valor por extenso da quantia devida, prevalece o por extenso – art. 6º, LUG.

c)- nome do sacado – pessoa que deve pagar;
            É de relevante importância a identificação do sacado, qual deverá ser feita – art. 3º, Lei 6.268/75:
i)- menção ao número da sua carteira de identidade;
ii)- CPF;
iii)- título de eleitor;  
iv)- CTPS.

d)- nome do tomador – pessoa a quem o título será pago;
            A exigência de identificação do tomador, por sua vez, denota a impossibilidade, pelo menos em tese, de emissão de letra de câmbio ao portador, já que o STF admite a emissão do título em branco ou incompleto.
Não é possível a emissão da LC ao portador, fato que lhe retira toda a eficácia como título de crédito. Mas, como se trata de título nominativo, através do endosso em branco é possível transformar a LC em título ao portador.
É permitida a inserção da cláusula não à ordem no momento da emissão – art. 11, LUG – fazendo com que o título circule apenas por CCC.

e)- assinatura do sacador – quem dá a ordem;
            Com a assinatura do sacador dá-se a constituição do crédito cambiário.
Embora não seja o devedor principal da letra de câmbio - posição ocupada pelo sacado exarado o aceite -, torna-se codevedor a partir de sua emissão (assinatura), porque garante a aceitação e o pagamento da letra – art. 9º, LUG.
            Resumindo: se o sacado não aceitar a letra ou não pagá-la, o tomador pode voltar-se contra o sacador, cobrando-lhe o crédito.

f)- data do saque;

g)- lugar do pagamento ou a menção de um lugar junto ao nome do sacado;
            A LC deve informar o lugar do pagamento ou, pelo menos, mencionar um lugar ao lado do nome do sacado, requisitos considerados equivalentes pela lei.

h)- lugar do saque ou a menção de um lugar junto ao nome do sacador.
            O título deve trazer a identificação do lugar do saque, ou, senão, a menção de um lugar ao lado do nome do sacador.

            Não há entre os requisitos a necessidade de indicação da data do pagamento do título, porque, na sua ausência, considera-se à vista – art. 1º, n. 4 e art. 2º, segunda alínea, LUG.
            Assim, a ausência da época do pagamento do título não invalida a letra.

 2.4. CLÁUSULA-MANDATO
            O saque, assim como os demais atos cambiários, pode ser praticado por procurador, com poderes especiais.
            A LUG trouxe regra específica para os casos de exorbitância dos direitos outorgados - art. 8º, LUG (declaração cambial sucedânea).
            É plenamente jurídico que uma pessoa se obrigue, em decorrência de ato cambial, através de procurador.


2.5.  ACEITE DA LETRA
            - art. 25, LUG: emitida a letra de câmbio, ela será entregue ao tomador, o qual, por sua vez, a levará ao sacado, para que este a aceite.
            A LC é uma ordem de pagamento que o sacador endereça ao sacado, cujo qual não está obrigado a cumprir a ordem contra a sua vontade. Enquanto não manifesta sua concordância através do aceite, não contrai nenhuma obrigação cambial.
            O aceite deve ser feito no próprio título por meio da expressão “aceito”, seguida da assinatura do sacado ou de procurador com poderes especiais para tanto – art. 11, Decreto 2.044/1908.
             O local do aceite é no anverso do título, mas no Brasil, a praxe na LC era lança-lo à esquerda do documento, no sentido vertical.
            É possível aceite no verso, desde que indicada a natureza do ato pela expressão “aceito”, ou outra equivalente – art. 25, LUG.
IMPORTANTE: Em virtude do princípio da literalidade, só é aceite o ato praticado no próprio título. Mas se o sacado manifestou aceitação do título por outro modo, e se recusa, posteriormente, lançar o aceite no título, ele responderá como se tivesse aceito perante a pessoa para quem comunicou a sua intenção – art. 29, LUG.
            Se a letra foi emitida contra mais de um sacado, o tomador deve apresenta-la, inicialmente, ao primeiro nomeado no título, e depois sucessivamente.
            O sacado não tem obrigação cambial alguma, porque ele não é obrigado a cumprir a ordem de pagamento emitida pelo sacador contra a sua vontade.
            O aceite é o ato pelo qual o sacado assume obrigação cambial e se torna o devedor principal da letra (aceitante). Somente quando o aceitante não pagar é que os codevedores poderão ser acionados.
            O aceite, na letra de câmbio, é facultativo, porém, irretratável após a restituição da cártula.
            Como o aceite é facultativo, o sacado pode recusá-lo sem dar qualquer justificativa. Assim, nenhuma atitude poderá o sacador, tomador ou qualquer outro envolvido no título tomar contra o sacado.
            A recusa do aceite produzirá efeitos relevantes para o sacador e o tomador, pois ocorrerá o vencimento antecipado do título. Nesse caso, o tomador poderá exigir do sacador (codevedor da letra) o seu pronto pagamento – art. 43, LUG. Já em relação ao sacado, não se opera nenhum efeito.

2.5.1. ACEITE PARCIAL
            Se o sacado pode recusar totalmente o aceite, ele também pode aceitar a letra parcialmente, situação que gerará uma recusa parcial.
            Diante do aceite parcial ocorrerá vencimento antecipado do título, podendo o tomador cobrar a totalidade do crédito contra o sacador.
            Há diferença entre recusa total e parcial, pois nesta o sacador se vincula ao pagamento do título nos termos do seu aceite (art. 26, LUG), já naquela, ele não assume obrigação cambial nenhuma.

2.5.2. ESPÉCIES DE ACEITE
a)- aceite-limitativo – o sacado aceita penas parte do valor do título, quer dizer, reduz o valor da obrigação que ele assume;
b)- aceite-modificativo – o sacado altera alguma condição de pagamento do título. Exemplo: vencimento ou lugar do pagamento.

            Tanto na hipótese do aceite limitativo, como na do modificativo, opera-se recusa parcial do aceite. Nestes casos, o sacado se vincula ao pagamento da LC nos termos do seu aceite – art. 26, LUG.

OBSERVAÇÃO: O sacado pode sujeitar sua obrigação, mediante aceite, sob condição suspensiva ou resolutiva (espécie de aceite modificativo).
            No saque da LC não é possível emitir ordem de pagamento condicionada. Tal restrição cabe apenas ao sacador, que, ao condicionar o pagamento retirará a eficácia do título de crédito.
            Porém, como o sacado não está vinculado ao título, ao aceita-lo poderá introduzir uma condição de pagamento, fato que resultará em vencimento antecipado contra o sacador, vinculando o aceitante nos exatos termos do seu aceite.
            Deste modo, o sacador deverá cumprir imediatamente a obrigação cambial perante o titular do crédito, mas só poderá se voltar contra o sacado (aceitante), após implementada a condição constante do aceite.

2.6. CLÁUSULA NÃO ACEITÁVEL

            Ao emitir uma letra de câmbio, o sacador corre o risco de ter de honrá-la, mesmo antes do seu vencimento, quando o sacado não aceita a letra, total ou parcialmente.
            Porém, o sacador pode se prevenir quanto ao vencimento antecipado da letra colocando a cláusula não aceitável (art. 22, LUG).
            Tal cláusula impõe ao tomador (ou o portador) a obrigação de só procurar o sacado para o aceite na data do vencimento. Se o tomador procurar o sacado antes, desobedecendo a cláusula, mesmo diante da recusa do aceite, não haverá o vencimento antecipado do título.
            A cláusula não aceitável pode ter uma variante, quando o sacador estipula uma data certa para que o tomador apresente a letra para aceite. Antes de tal data é vedada a apresentação do título para aceite do sacado.
            Não é admitida a cláusula não aceitável nas letras de câmbio a certo termo de vista, porque nestas o prazo de vencimento somente se inicia a partir do aceite.

2.7. ENDOSSO DA LETRA DE CÂMBIO
            O título de crédito é um documento que facilita a circulação do crédito nele representado.
            O ato de transmissão é denominado de endosso, chamado de próprio ou translativo, pelo qual o credor de um título de crédito com cláusula à ordem transmite os seus direitos a outra pessoa.
            O endosso introduz no título duas novas situações jurídicas: endossante (credor do título que resolve transferi-lo a outra pessoa) e endossatário (pessoa para quem o crédito foi transferido).
            Na LC o primeiro endossante será sempre o tomador porque a ordem de pagamento é sacada em seu benefício.
            O endosso só não é permitido quando a LC contiver cláusula não à ordem, que pode ser inserida pelo sacador (art. 11, LUG) ou pelo endossante (art. 15, LUG), sujeitando o título à circulação pelo regime do direito civil, cujo ato será a cessão civil de crédito (CCC).
            Não se pode esquecer que a cláusula à ordem é implícita nos títulos de crédito.
            São efeitos do endosso a transferência do título ao endossatário e a vinculação do endossante ao seu pagamento. O endossatário passa a ser credor e o endossante um dos seus codevedores.
            Se o endossante não quiser assumir a responsabilidade pelo pagamento do título, caso concorde o endossatário, poderá inserir a cláusula sem garantia (espécie de endosso impróprio – admitida apenas no endosso).
            O art. 914, CC/02, não é aplicado à LC, porque a LUG tem regramento próprio – art. 15, primeira parte, LUG.
            O endosso pode ser em branco ou em preto, não identificando ou indicando o beneficiário, respectivamente.
            Com o endosso em branco, a LC se torna um título ao portador, passando a circular por simples tradição.
            Quando se fala em endosso impróprio, tal assunto refere-se à situação em que é necessário legitimar a posse que determinada pessoa exerce sobre o documento, sem transferir o crédito.
            Sabe-se que pelo princípio da cartularidade somente pode exercer o direito creditício decorrente da cambial o possuidor do respectivo documento. Presume-se que o portador da cártula seja o credor, a não ser que outra conclusão resulte da cadeia de endossos – art. 16, LUG.
            O endosso é impróprio porque um dos seus efeitos, transferência da titularidade do crédito, não existe.
            São espécies de endosso impróprio: endosso-mandato (o endossatário é investido na condição de mandatário do endossante – art. 18, LUG) e endosso-caução (endossatário é investido na condição de credor pignoratício do endossante – art. 19, LUG).
            O endossatário, no endosso-impróprio, pode exercer todos os direitos emergentes da letra de câmbio, exceto o de transferir a titularidade do crédito – art. 18 e 19, LUG.

2.7.1.ENDOSSO versus CESSÃO CIVIL DE CRÉDITO

            O título de crédito à ordem transfere-se por endosso – regime jurídico cambiário.
            O título de crédito não à ordem transfere-se por CCC – regime jurídico civil.
            As diferenças básicas entre endosso e CCC são: a) enquanto o endossante, em regra, responde pela solvência do devedor, o cedente, em regra, responde apenas pela solvência do crédito; b) o devedor não pode alegar contra o endossatário de boa-fé exceções pessoais, mas as pode alegar contra o cessionário.
OBSERVAÇÃO: Em duas situações o endosso produz efeitos de CCC: i)- quando praticado após o protesto por falta de pagamento ou depois de expirado o prazo para a sua efetivação – art. 20, LUG; ii)- quando praticado em título em que se inseriu a cláusula não à ordem – art. 15, LUG.

2.8. AVAL DA LETRA DE CÂMBIO
            Aval é o ato cambiário pelo qual uma pessoa (avalista) se compromete a pagar o título de crédito, nas mesmas condições que um devedor desse título (avalizado).
            Usualmente, o avalista garante todo o valor do título, mas a lei admite o aval parcial – art. 30, LUG.
            O avalizado será sempre um devedor da letra de câmbio - sacador, aceitante ou endossante.
            O art. 14, do Dec. 2.044/08 autoriza o aval antecipado, dado antes do aceite ou do endosso. No caso, o tomador que não conhece o sacado, ou tem dúvidas sobre a aceitação do título, pode exigir que o sacador, antes de lhe entregar a letra, encontre quem esteja disposto a garantir o seu pagamento, como avalista do devedor principal.
            São características do aval: autonomia e equivalência. O avalista assume, perante o credor do título, uma obrigação autônoma, mas equivalente à do avalizado.
            Em relação à autonomia, a existência, validade e eficácia do aval não estão condicionadas à da obrigação avalizada.
            Quanto à equivalência, significa que o avalista é devedor do título “na mesma maneira que a pessoa por ele afiançada” – art. 32, LUG.
            Não quer a equivalência dizer que há absoluta identidade de condições entre a obrigação do avalista e do avalizado, mas que são iguais as maneiras de o avalista e o avalizado responderem pelo título, estabelecendo uma cadeia de regresso.
            Todos os que podem exercer o seu direito de crédito contra determinado devedor do título, também podem fazê-lo contra o avalista dele. Assim como todos os que podem ser acionados por determinado devedor, em regresso, também o podem ser pelo respectivo avalista.
            Da equivalência decorrem definições de anterioridade ou posteridade, na cadeia de regresso.
            O local típico do aval é o anverso do título, podendo ser no verso, caso contenha a expressão por aval ou equivalente.
            Quando o avalista não define o devedor em favor de quem está prestando a garantia, cabe à lei definir. No caso da LC, o avalizado no aval em branco é o sacador – art. 31, LUG.

2.7.1.AVAIS SIMULTÂNEOS E SUCESSIVOS

            O devedor cambial pode ter sua obrigação garantida por mais de um avalista. É hipótese de avais simultâneos ou co-avais.
            Se o anverso da LC apresenta, além da assinatura do sacador e do aceitante, também a de outras pessoas, define-se que essas praticaram aval em branco. Pode ocorrer também de haver mais de um aval em preto, em favor do mesmo avalizado.
            Nesses casos, os avalistas são simultâneos, garantindo solidariamente o cumprimento da obrigação avalizada.
            Mesmo que se fale que a obrigação cambiária em geral é, muitas vezes, conceituada como solidária (credor pode exigir a totalidade do título de qualquer dos devedores), deve-se acentuar que essa noção não é apropriada, porque o exercício de regresso no direito cambiário não segue as regras da solidariedade passiva do direito civil.
Ex.: O endossante que teve que pagar integralmente o valor de uma LC pode voltar-se contra o aceitante-sacado, sacador ou respectivos avalistas. Nesse caso, o endossante pode receber o valor integral de cada um deles.
            Mas, se fosse o caso de solidariedade passiva, após o devedor ter satisfeita a obrigação por inteira junto ao credor, teria direito de cobrar, em regresso, apenas a quota-parte de cada um dos demais devedores solidários.
OBSERVAÇÃO: Só haverá solidariedade cambial quando mais de uma pessoa se encontrar na mesma situação jurídica. Ex.: se são dois sacadores, há solidariedade entre eles. A mesma coisa acontecerá entre coaceitantes, coendosssantes e coavalistas.

            No caso de avais simultâneos, mais de um avalista assume responsabilidade solidária entre eles em favor do mesmo devedor. Se um avalista pagar integralmente a dívida, poderá cobrar a totalidade do devedor principal ou metade do outro avalista.
            Já na situação de avais sucessivos, o avalista garante o pagamento do título em favor de um devedor, e tem ao mesmo tempo a sua própria obrigação garantida também por aval.
            Pela jurisprudência do STF, os “avais em branco e superpostos consideram-se simultâneos e não sucessivos” – Súmula 189. Porem, a LC tem regramento legal nessa hipótese, porque o devedor avalizado no aval em branco é o sacador. Assim, todo e qualquer avalista em branco na LC somente pode ser considerado coavalista do mesmo avalizado.
            No caso da NP e do cheque, também há definição legal – art. 77, LUG e art. 30, p. único, Lei 7.357/85.
            A aplicação da súmula só se dá à duplicata.

2.7.3. AVAL E FIANÇA

            O ato civil de garantia correspondente ao aval é a fiança e são duas as diferenças básicas existentes entre eles:
1ª- O aval é autônomo em relação à obrigação avalizada, já a fiança é obrigação acessória.
2ª- O benefício de ordem só pode ser invocado pelo fiador, não pelo avalista.

2.8. VENCIMENTO

            Emitida a letra e realizado o aceite pelo sacado, o título se torna exigível a partir do seu vencimento, quer dizer, o vencimento é o fato jurídico que torna exigível o crédito cambiário nela mencionado.
O vencimento da LC pode se dar de duas formas:
a)- ordinária:
i)- decurso do tempo (o fluir do tempo é o fato a que o direito positivo atribui a qualidade de pressuposto para a cobrança do crédito documentado na cambial);
ii)- nos títulos à vista, o fato que torna a obrigação cambiária exigível na LC é a sua apresentação ao sacado.
b)- extraordinária:
i)- recusa do aceite pelo sacadoart. 43, LUG;
ii)- falência do aceitanteart. 19, II, Dec. 2.044/08.
Obs.: a falência do sacador, endossante e avalista não são casos de vencimento extraordinário.
            No caso de vencimento antecipado da LC, o seu valor se reduz, de acordo com as taxas bancárias vigentes no local do domicílio do credor – art. 48, LUG.
            Quanto ao vencimento, podem existir quatro espécies de letra de câmbio:
a)- letra com dia certo: é aquela que vence na data preestabelecida pelo sacador, logicamente posterior à data do saque. É fixada uma data certa, mencionada no título, em que a letra irá vencer.
b)- letra à vista: é aquela que tem seu vencimento no dia da apresentação do título ao sacado. Não há prefixação de uma data específica.
c)- letra a certo termo da vista: é aquela que vence após um determinado prazo, estipulado pelo sacado quando de sua emissão, que começa a correr a partir do aceite do título. Ex.: a letra vence dois meses após o aceite.
d)- letra a certo termo da data: é aquela que vence após um determinado prazo estipulado pelo sacador, mas que começa a correr não a partir do aceite, mas a partir do próprio saque do título.
Obs.: nos casos de recusa de aceite, ocorrerá o vencimento antecipado da letra de câmbio, tornando imediatamente exigível contra o seu sacador.

2.9. PAGAMENTO

            Dependendo de quem paga, o pagamento da LC extingue uma, algumas ou todas as obrigações cambiais nela mencionadas.
            Se o devedor principal, paga a LC, o ato jurídico correspondente extingue todas as obrigações documentadas no título.
            Se o aceitante paga, desconstitui-se a totalidade dos vínculos creditícios, liberando-se sacador, endossantes e avalistas da LC.
            Se o codevedor pagar, o pagamento extingue a obrigação de quem pagou e a dos devedores posteriores, e aquele que pagou pode exercer direito de regresso contra os devedores anteriores.
            A cadeia de anterioridade-posteridade dos devedores cambiais se organiza a partir de três critérios:
a)- o devedor principal é o primeiro;
b)- sacador e endossantes se localizam pelo critério cronológico;
c)- avalista é o devedor imediatamente posterior ao seu avalizado.
EXEMPLO DE CADEIA DE ANTERIORIDADE-POSTERIDADE APRESENTADA POR ULHOA – p. 423.
A apresentação da LC ao devedor principal é condição inafastável para a exigibilidade do crédito contra os codevedores.
            A tentativa de cobrança extrajudicial do devedor principal é condição sine qua non da exigibilidade do crédito cambial contra os codevedores.
            Apresentada a LC ao aceitante, se ele não pagar, o credor – depois de providenciado o protesto do título – pode escolher qualquer dos codevedores para exigir o valor do crédito.

2.9.1. PRAZO DE APRESENTAÇÃO E PAGAMENTO DA LETRA

            Entregue a letra ao tomador, ele deve leva-la ao sacado para que este proceda ao aceite no título.
            A letra com dia certo é pagável no dia do seu vencimento, ou se não útil esse, no primeiro dia útil seguinte.
            Para o direito cambiário, dia útil é aquele em que há expediente bancário regular, podendo ser prorrogado para o próximo dia útil caso vença em dia não útil, seja feriado ou haja suspensão do atendimento bancário.
            Na letra a certo termo da vista, o tomador deverá apresenta-la para aceite no prazo estabelecido no título, ou, caso não tenha sido estabelecido prazo algum, dentro de um ano contado da data de sua emissão – art. 23, LUG.
            Na letra à vista, o tomador não apresentará o título para aceite, mas para pagamento, o que deve ser feito em um ano a partir da emissão do título.
            Apresentada para aceite a letra de câmbio, o sacado deve devolvê-la imediatamente – art. 24, LUG – não podendo retê-la, sob pena de apropriação indébita – art. 168, CP.
            Pode o sacado requerer ao tomador que a letra seja apresentada novamente no dia seguinte ao da primeira apresentação – 24 horas. Trata-se do chamado “prazo de respiro”.
            Aceita a letra, o tomador aguardará o vencimento, quando a obrigação se tornará exigível, apresentando o título diretamente ao aceitante (sacado), que é o seu devedor principal.
            A letra deverá ser apresentada para pagamento na data do seu vencimento, salvo se recair em dia não útil, quando será apresentada no dia útil seguinte.
            Vencido o título e não pago começa a fluir o prazo para protesto, que na letra de câmbio deverá ser feito nos dois dias úteis seguintes ao vencimentoart. 44. LUG.

2.10. PROTESTO

            É o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida – art. 1º, Lei 9.492/97.
OBS.: O conceito legal do protesto é incorreto, especialmente no caso da recusa de aceite pelo sacado. Tal ato não figura descumprimento de obrigação, visto que ele não está vinculado a aceitar a LC quando o sacador saca a ordem contra ele.
            Melhor definição seria: ato praticado pelo credor, perante o competente cartório, para fins de incorporar ao título de crédito a prova de fato relevante para as relações cambiais.
            Quem protesta é o credor, porque o cartório apenas reduz a termo a vontade expressa pelo titular do crédito.
            A prova da falta de aceite/recusa é o protesto. O ato formaliza a prova de um fato jurídico.
            De igual forma, por exemplo, ocorre no protesto por falta de pagamento. Este é a prova de que o devedor principal não adimpliu a obrigação, fato que possibilita o endossatário procurar o endossante para receber o crédito.
            Na LC, além do protesto por falta de aceite ou de pagamento, há, ainda, o protesto por falta de data de aceite, que ocorre na letra a certo termo da vista, em que o sacado aceita o título, mas se esquece de mencionar a data em que pratica o ato. Como o prazo de vencimento do título começa a correr a partir da data do aceite, a sua ausência reclama o protesto para suprir a falta do termo inicial do respectivo prazo, caso o sacador, procurado, se recuse a escrever a data do aceite no título.
            Esse tipo de protesto é raro, visto que o credor tem duas outras formas para suprir a data do aceite:
a)- preencher a LC, datando o aceite (Súmula 387, STF);
b)- considerar o aceite praticado no último dia do prazo de apresentação da letra – art. 35, LUG.

2.10.1. PROTESTO POR FALTA DE PAGAMENTO

            Não paga a LC na data do vencimento, o credor deve protestá-la por falta de pagamento.
            Quando se trata de título com vencimento em dia certo, a providência deve se adotada nos dois dias úteis seguintes àquele em que é pagável – art. 44, LUG.
            Se o credor perde o prazo para a efetivação do protesto, a consequência será a inexigibilidade do crédito contra os codevedores e seus avalistas.
            No caso, se o endossatário não obedece ao prazo legal, ele não poderá cobrar a LC do sacador, endossante e seus avalistas – art. 53, LUG. Mas, continua com direito de crédito contra o aceitante e o avalista do aceitante (não produz qualquer efeito o desatendimento do prazo contra esses devedores).

2.10.2. ESPÉCIES DE PROTESTO POR FALTA DE PAGAMENTO:
- necessário: o protesto deve ser praticado dentro do prazo legal para conservar os direitos creditícios contra os codevedores (sacador e endossantes) e seus respectivos avalistas.
- facultativo: a cobrança do devedor principal (aceitante) e do seu avalista independe do protesto.

2.10.3. CLÁUSULA ”SEM DESPESAS” OU CLÁUSULA “SEM PROTESTO”

            Se a LC for sacada com a cláusula “sem despesas”, o credor está dispensado do protesto cambial contra quaisquer devedores.
            Tal situação pode ocorrer também diante do endossante e do avalista, se no ato cambial que praticarem incluírem a referida cláusula, dispensando o credor do tempestivo protesto por falta de pagamento, tendo, como consequência, a conservação dos direitos creditícios contra eles.

2.10.4. PAGAMENTO EM CARTÓRIO
            A partir do vencimento da LC, incidem juros de mora e correção monetária.
            Para se evitar o protesto da LC em cartório, deve ser pago o principal (valor do título) + acessórios (juros e correção), além das despesas e custas da tentativa de protesto da cambial.

2.10.5. CANCELAMENTO DO PROTESTO
            Quem figura como protestado tem reais dificuldades de acesso a crédito, porque, no meio bancário e empresarial, a certidão positiva de protesto de títulos é prova de inidoneidade dos que nela figuram como devedores.
             Atualmente, o protesto além de ato de conservação de direitos é instrumento extrajudicial de cobrança.
            Após o pagamento, o devedor tem direito ao cancelamento do protesto – art. 26, Lei 9.492/97.
            O pedido de cancelamento do protesto pode ser feito pelo próprio devedor ou terceiro interessado, apresentando ao Cartório o título protestado (a posse do título presume o pagamento) ou declaração de anuência do credor (supre a exibição do título).

2.11. AÇÃO CAMBIAL E DIREITO DE REGRESSO: PRAZO PRESCRICIONAL E AÇÕES FUNDADAS NO TÍTULO
            O processo de execução judicial se chamará ação cambial se houver a possibilidade de invocar a inoponibilidade das exceções pessoais. Inexistindo essa situação, a ação em nada se diferencia das demais execuções.
            A LUG fixou prazo prescricional para a ação cambial – art. 70:
- contra o devedor principal e seu avalista: 3 anos, a contar do vencimento da LC;
- contra os codevedores: 1 ano, contado do protesto (ou do vencimento, no caso de cláusula “sem despesas”;
- para o exercício do direito de regresso contra o codevedor: 6 meses, a partir do pagamento ou do ajuizamento da execução.

            Prescrita a execução, ninguém poderá ser acionado em virtude da LC. Mas, se a obrigação que se encontrava representada pelo título tinha origem extracontratual, seu devedor pode ser demandado por ação de conhecimento (ação de cobrança) – art. 48, Decreto-Lei 2.044/1908 – ou por monitória, na qual a LC servirá apenas como elemento probatório.



quinta-feira, 9 de maio de 2013

ESTADO DE EXCEÇÃO JUDICIÁRIO?

Violências...
O filósofo esloveno Slavoj Zizek em sua obra "Sobre la violencia: seis reflexiones marginales" desenvolve três conceitos de violência que são importantes para entendermos os equívocos das políticas de encarceramento e aumento das penas e controle sobre as pessoas. Zizek nos fala de três formas de violência:
a) Uma violência subjetiva que representa a decisão, vontade, de praticar um ato violento. A violência subjetiva representa a quebra de uma situação de (aparente) não violência por um ato violento. A normalidade seria a não violência, a paz e o respeito às normas (normalidade) que é interrompida por um ato de vontade violento.
b) A violência objetiva, diferente da violência subjetiva é permanente. A violência objetiva são as estruturas sociais e econômicas, as permanentes relações que se reproduzem em uma sociedade hierarquizada, excludente, desigual, opressiva e repressiva.
c) A violência simbólica é também permanente. Esta violência se reproduz na linguagem, na gramática, na arquitetura, no urbanismo, na arte, na moda, e outras formas de representação. Para entendermos melhor, podemos exemplificar a violência simbólica presente na gramática: em diversos idiomas os sobrenomes se referem exclusivamente ao pai ou ainda, o plural, no idioma português, por exemplo, sempre vai para o masculino. Assim, se estiverem em uma sala 40 mulheres e um homem, diremos: "eles estão na sala". O plural para uma mulher passeando com um cachorro será: "eles estão passeando". A violência simbólica, assim como a violência estrutural, objetiva, atuam permanentemente.
Assim, de nada adianta construirmos políticas públicas de combate à violência subjetiva sem mudarmos as estruturas socioeconômicas opressivas e desiguais (violentas) ou todo o universo de significações e representações que reproduzem a desigualdade, a opressão e a exclusão do "outro" diferente, subalternizado, inferiorizado.
Um exemplo interessante: a escola moderna é um importante aparelho ideológico, reproduzindo a mão de obra necessária para ocupar os postos de trabalho que permitirão o funcionamento do sistema socioeconômico assim como reproduzindo os valores e justificativas necessárias para que as pessoas se adequem e não questionem seriamente o seu lugar no sistema social (e no sistema de produção e reprodução). A escola, portanto, tem a fundamental função de uniformizar valores e comportamentos. O recado da escola moderna é: adeque-se; conforme-se; este é o seu lugar no sistema.
Simbolicamente, a escola moderna diz diariamente isso aos seus alunos, por meio do uniforme. Sem o uniforme, a meia, a calça, a camisa e os sapatos da mesma cor, o aluno não pode assistir a aula. Durante muito tempo, e ainda hoje em algumas escolas uniformiza-se os cabelos, o andar, o sentar, e claro mas um monte de outras coisas mais profundas como o pensar, o desejar e o gostar. A criança desde cedo deve se vestir da mesma forma, se comportar da mesma maneira, palavras mágicas, sem as quais as portas não se abrem. Pois bem, vamos ao problema: a criança, mesmo que não seja dito por meio da palavra (o que também ocorre), simbolicamente percebe, diariamente, todo o tempo, que não há lugar para quem não se normaliza, uniformiza. O recado muito claro da escola moderna é: o uniformizado é o bom; não há lugar para o diferente (não uniformizado); para o que se comporta diferente, se veste diferente, ou de alguma forma não se enquadra no padrão. É claro que esta criança, processando o recado permanente (dito e repetido de várias formas) irá compreender que o padrão é bom e o diferente do padrão é ruim. No seu universo de significados em processo de construção, o diferente deve ser excluído, afastado, punido, uma vez que o que foge ao padrão não pode assistir a aula, não pode sequer permanecer na escola. Logo, quando esta criança percebe alguém ou algo em alguém que para ela, é diferente do padrão (o cabelo; uma roupa; a cor; a forma do corpo; da fala; do olhar) esta criança irá de alguma forma reagir a ameaça do diferente, excluindo e punindo o diferente "ruim".
Em outras palavras, a escola moderna ensina diariamente a criança a praticar o "bullying". Vejamos então a ineficiência das políticas de combate à violência, à discriminação, à corrupção que padecem, todas, deste mal. No exemplo descrito acima, a escola, o estado, os governos, criam políticas públicas pontuais de combate ao "bullying" (a tortura mental e agressão física decorrente da discriminação do "diferente") ao mesmo tempo que mantém uma estrutura simbólica que ensina a discriminação (o "bullying").
Voltamos aos conceitos de violência: toda política de combate à violência; às drogas; à corrupção, serão sempre ineficazes se não se transformarem as estruturas sociais e econômicas que permanentemente criam as condições para que esta violência subjetiva se reproduza, assim como o sistema simbólico que continua, da mesma forma reproduzindo a violência. Para acabar com a violência subjetiva só há uma maneira: acabar com a violência simbólica e objetiva. Para acabar com o "bulling" na escola só mudando as estruturas uniformizadoras e excludentes presentes diariamente na escola; para acabar com a corrupção só transformando o sistema social e econômico e de valores (condições objetivas e simbólicas) que reproduzem as condições para que esta (a corrupção) se torne parte da estrutura social e econômica vigente.
Neste artigo pretendemos trazer algumas reflexões (preocupações) sobre a relação entre "ética, cotidiano e corrupção", o que faremos a partir das premissas teóricas acima desenvolvidas. De nada adiantarão as constantes políticas pontuais de combate a corrupção na vida de nosso país, se estas políticas atacarem apenas os efeitos de forma repressiva e (ainda pior) com o direito penal, o aumento do controle e da punição. Os resultados serão enganosos, sempre, se não respondermos algumas perguntas: porque a corrupção¿ Quais são os elementos estruturais e simbólicos em nossa sociedade que reproduzem as condições para a corrupção?

O direito penal não resolve.

Nesta perspectiva podemos trazer nossas reflexões para o Brasil, 2012, segundo semestre, às vésperas das eleições municipais.
O pano de fundo do julgamento é construído pela insistente campanha dos principais meios de informação (a grande mídia) que aposta na punição dos excluídos, dos não enquadrados, dos não uniformizados e normalizados. As cidades, a exemplo da Paris do Barão Haussmann (1853-1867), não é para todos. A higienização urbana (a exclusão dos pobres) continua sendo a mais nova política urbana do século XXI. O direito penal é a grande aposta. A ideia também não é nova. Se voltarmos ao século XIX nos reencontramos com este morto vivo que perambula pelo século XXI. A brutal concentração de riquezas causada pela aposta em uma economia naturalizada que recompensará o mais ousado e eficaz competidor no mercado gera a exclusão; a exploração radical do trabalho; a desigualdade, e com esta, a crescente insatisfação, que se traduz em rebeliões difusas de um lado (o que se pode chamar de uma criminalidade "comum") e rebeliões políticas de outro lado (que são também criminalizadas pelo Estado ocupado pelos grandes proprietários). Em meio a tamanha insatisfação causada pela desregulamentação econômica que agrava a concentração de riqueza e deixa livre os grandes proprietários para o abuso do poder econômico (qualquer semelhança com a atual crise não é mera coincidência), a resposta do Estado será (estamos no século XIX) mais direito penal; mais encarceramento; mais controle social; mais polícia; mais manicômios e presídios. Toda uma justificativa ideológica é construída para explicar a situação. Os problemas econômicos não são sistêmicos mas atribuídos às condutas de alguns indivíduos. A criminalidade tampouco é sistêmica, e não se reconhece nenhuma conexão desta com o sistema econômico, social e cultural do liberalismo. Se existe crime é por causa dos indivíduos que escolhem o caminho do mal ou são doentes mentais. O poder do Estado, nas mãos dos proprietários, define o que é crime, normalidade e pecado, o que, é claro, são as condutas dos pobres excedentes do sistema econômico. Este retrato do século XIX restaurado com cores falsas no final do século XX é colocado em grandes imagens globalizadas no século XXI. Este é o pano de fundo para o "espetáculo" transmitido diariamente para todo o país. Onze juízes, vaidosos, com poses e gestos, com capas pretas até o tornozelo, sentindo-se a consciência moral do país, julgam e condenam sem provas mas segundo "indícios fortes" (alegação transmitida e gravada pela TV para todos ouvirem). Não, não estamos no século XVI. O mais interessante é a coincidência do julgamento com as eleições municipais.
O julgamento dos políticos envolvidos na acusação, coincide, quase, com o dia do pleito eleitoral municipal de 2012. Coincidências a parte, lembramos que os fatos que envolvem o julgamento foram utilizados para uma tentativa de "golpe de estado" contra o presidente eleito democraticamente e no poder em 2005 (no novo formato de golpe utilizado em Honduras e Paraguai - o golpe parlamentar travestido de falsa legalidade).
Não, o direito penal não resolverá a corrupção. A corrupção está na estrutura e nas representações simbólicas de um sistema social, econômico e político intrinsecamente corrupto. A corrupção está no futebol de toda semana; na fila furada; na propina diária; nas pequenas vantagens; a corrupção está na sala de aula; no assinar a presença sem estar presente na aula; na mentira na mídia; na mentira e no encobrimento; na notícia distorcida; nas coincidências... No jogo do roto e do esfarrapado só um é mostrado como tal. Assim como vimos apoiadores da ditadura acusando democratas de autoritários, assistimos corruptos "históricos" pronunciando discursos históricos de moralidade.
Efetivamente, o direito penal não resolverá a corrupção. Lei de "ficha limpa"; o espetáculo televisivo da ação penal 470 (realizado por uma mídia que se tornou autista); isto não resolverá a corrupção. Felizmente alguma coisa está fora da ordem (como diria Caetano). Por algum momento "eles" (na verdade o "nós" no poder) perderam o controle do monopólio da desinformação diária. A mídia alternativa mostra o que a grande mídia (que defende a liberdade dos donos dos meios de comunicação e não a liberdade de imprensa) não mostra, mas propositalmente esconde. O "autismo" em que se lança a mídia pode ser um sinal de esperança para a conquista da liberdade de expressão. O "julgamento do século" como insistiu a grande mídia, não mobilizou ninguém e ainda nos expos ao pior, à ameaça e comprometimento do Estado constitucional e democrático por uma prática que lembra um "tribunal de exceção" (condenação por indícios). Alias, o que vemos revelado nas telas da TV é o que acontece com muita frequência, de forma não revelada, com os pobres.
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Professor da PUC-Minas, UFMG e FDSM. Mestre e Doutor em Direito. www.joseluizquadrosdemagalhaes.blogspot.com.br
ZIZEK, Slavoj. Sobre la violencia: seis reflexiones marginales, editora Paidós, Buenos Aires, 2009.
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos do estado - nota sobre aparelhos ideológicos do estado, Biblioteca de Ciências Sociais, editora Graal, 9 edição, Rio de Janeiro, 1985.
 
Fonte: Coluna do Professor José Luiz Quadros Magalhães
publicada no dia 07/12/2012

quarta-feira, 8 de maio de 2013

OS ADVOGADOS ENFRENTAM PROBLEMAS COM O PROCESSO ELETRÔNICO


Nós, advogados, sofremos com todas as mudanças do poder Judiciário e, consequentemente, a aflição maior é da população necessitada de Justiça. Ninguém em sã consciência pode ser contrário à modernização do Judiciário, especialmente em relação ao processo de digitalização, tornando-o eletrônico, nos moldes já utilizados em outros países. Evidentemente, todos querem a melhoria da prestação jurisdicional e, portanto, a celeridade da Justiça que, em tese, se dará com o processo eletrônico. No entanto, essas mudanças devem ocorrer sem pressa e com muita parcimônia a fim de evitar transtornos no Judiciário em prejuízo da cidadania.
Sendo assim, na implantação do processo eletrônico, há de se ter uma via alternativa para que se permita o acesso à Justiça de maneira efetiva e que possamos evitar o que está ocorrendo nos dias atuais, principalmente em São Paulo, no maior tribunal da América Latina.
No Fórum Central da Capital de São Paulo, a distribuição tem uma limitação de 10 MB, o que significa dizer que a parte autora não poderá distribuir uma ação com um número grande de documentos juntados e, tampouco, a ré poderá contestar a ação com número equivalente que ultrapasse o limite estabelecido pelo tribunal. E como resolver esta situação? Temos informações que as iniciais têm sido fracionadas e gerado muito desconforto para os autores, pois, segundo alegação do tribunal, as petições chegam fora de ordem, ensejando a determinação de emenda à inicial, como se esta houvesse sido mal proposta, o que, efetivamente, não é o caso.
Dessa forma, temos hoje em São Paulo uma verdadeira desorganização na distribuição das peças inaugurais bem como das contestações, o que reclama providências urgentes! Temos ainda a situação das medidas cautelares e de urgência, como por exemplo, a sustação de protesto. A medida é urgente e o processo eletrônico tem de entrar na fila para os devidos despachos. Neste caso, como a parte poderá evitar o protesto?
Essas situações precisam ser resolvidas com a máxima urgência em favor da sociedade e do exercício da cidadania. O nosso objetivo é, simplesmente, com toda a deferência ao comando do e-Tribunal de Justiça de São Paulo, apontar esses gargalos, alertando a direção do tribunal para que possa encontrar alternativas até o processo eletrônico alcançar seu desenvolvimento natural em favor da sociedade e das partes envolvidas.
Sem qualquer pretensão de reinventar a roda, talvez o sistema alternativo seja o de recepcionar os processos volumosos no sistema tradicional até o aperfeiçoamento do sistema eletrônico, sob pena de se estar penalizando a parte porquanto não poderá pleitear seus direitos por culpa da incompleta prestação jurisdicional.
Precisamos avançar, mas devemos fazê-lo com os pés no chão e não como querem alguns, sob o argumento de que o Brasil é a sexta economia do mundo, o que é verdade, mas também é verdade que o nosso IDH está no nível dos países mais atrasados do planeta. Assim, tenhamos a calma devida para que possamos implantar o sistema corretamente em benefício da população do nosso grande e extraordinário país.
Raimundo Hermes Barbosa é presidente da Federação das Associações dos Advogados do Estado de São Paulo (Fadesp).
Revista Consultor Jurídico, 8 de maio de 2013

O BANCO DO BRASIL É CONDENADO EM AÇÃO COLETIVA POR DEMORA A ATENDIMENTO A CLIENTE


A Justiça de Roraima condenou o Banco do Brasil ao pagamento de R$ 2 milhões, por demora no atendimento aos clientes, em total descumprimento à época da Lei Municipal 848/2006. A legislação determinava que o atendimento aos consumidores fosse feito em, no máximo, 20 minutos em dias normais e em até 30 minutos em vésperas ou após os feriados e nos dias de pagamento.
Com base em denúncias de clientes do Banco do Brasil à Promotoria de Defesa do Consumidor e da Cidadania, o Ministério Público estadual ajuizou Ação Civil Pública na 6ª Vara Cível de Boa Vista em janeiro de 2010. No decorrer das investigações, foi constatada a veracidade dos fatos.
Além da condenação por danos morais coletivos, o Banco do Brasil deve, ainda, pagar multa no valor de R$ 14 mil por cada reclamação formalizada pelos clientes junto à Justiça Comum ou ao Ministério Público e, também, R$ 20 mil por dia de descumprimento da decisão judicial. Os valores pagos a título de multa e indenização serão revertidos para o Fundo Estadual de Defesa dos Direitos Difusos, em consonância com o artigo 13 da Lei da Ação Civil Pública.
Para Ademir Teles Menezes, promotor de justiça do Consumidor e autor da ação, a decisão certifica a falha no atendimento bancário. “A Justiça reconheceu a conduta de desrespeito da instituição financeira aos usuários de seus serviços, sujeitando-os a longa espera nas filas, o que resulta na perda de tempo, sofrimento, angústia e constrangimento”. Com informações da Assessoria de Imprensa do MP-RR.
Revista Consultor Jurídico, 7 de maio de 2013

terça-feira, 7 de maio de 2013

O STJ APLICA O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PARA PESCA ILEGAL A RÉU FLAGRADO COM SEIS PEIXES

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou o princípio da insignificância para absolver um réu acusado de crime ambiental. Denunciado por pescar ilegalmente em período defeso às margens do rio Uruguai, em Garruchos (RS), no dia 6 de outubro de 2006, ele foi condenado a um ano de detenção, em regime aberto, substituída por pena restritiva de direitos.

O réu foi flagrado com seis peixes, devolvidos com vida ao rio. Por maioria, a Quinta Turma entendeu que a conduta não provocou lesão ao bem jurídico tutelado pela lei ambiental. O ministro Jorge Mussi, autor do voto vencedor, argumentou que a apreensão de seis peixes, devolvidos ao rio com vida, não afetou o equilíbrio ecológico.

A decisão da Turma foi proferida em agravo regimental interposto contra decisão que, inicialmente, havia negado seguimento a recurso especial do Ministério Público Federal.

Ao julgar apelação do réu, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) manteve a condenação, com o argumento de que o princípio da insignificância não se aplicaria a delito ambiental.

O TRF4 apontou jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de que não se aplica esse princípio em casos de pesca em local ou período proibido ou quando da captura de espécies ameaçadas de extinção.

Atipicidade

O ministro Jorge Mussi, por sua vez, apresentou outro precedente do STF, em que um pescador flagrado com 12 camarões foi absolvido da infração penal pela atipicidade da conduta. Citou também jurisprudência do próprio STJ, cujas Turmas de direito penal têm admitido o princípio da insignificância nos casos em que fica demonstrada a ínfima ofensa ao bem ambiental legalmente protegido.

O Ministério Público Federal deu parecer favorável à aplicação do princípio da insignificância.

Segundo Jorge Mussi, embora as leis ambientais visem proteger bem jurídico de “indiscutível valor social”, o direito penal deve intervir somente nos casos em que a conduta ocasionar lesão jurídica, devendo ser reconhecida a atipicidade de perturbações jurídicas mínimas ou leves.

“A tipicidade penal não corresponde a mero exercício de adequação do fato concreto à norma abstrata, pois além da correspondência formal, para a sua configuração, é necessária análise materialmente valorativa das circunstâncias do caso concreto, a fim de se constatar a ocorrência de lesão grave e penalmente relevante do bem jurídico tutelado”, defendeu o ministro.

Embora a conduta do réu atenda tanto à tipicidade formal quanto à subjetiva, na medida em que comprovado o dolo, não se reconhece a tipicidade material com base na relevância penal da conduta, acrescentou.
Fonte: STJ
A notícia ao lado refere-se
aos seguintes processos: 

segunda-feira, 6 de maio de 2013

PEDESTRES E CICLISTAS TAMBÉM SÃO RESPONSÁVEIS POR ACIDENTE


A análise que aqui se faz não tem por objetivo transferir a responsabilidade dos condutores de veículos, inclusive náuticos, para os pedestres e ciclistas, estes, na maioria das vezes, realmente vítimas e pessoas economicamente mais necessitadas. Sem dúvida, são os motoristas os causadores dos danos patrimoniais e pessoais e, por isso, a jurisprudência obriga-os a indenizar.

No entanto, é estranho que, mesmo em índices absolutamente menores, pedestres e ciclistas não sejam nunca responsabilizados, fato que se evidencia pela ausência de precedentes judiciais. Quais os motivos? Façamos uma análise, sob o foco administrativo e civil.
O Código Brasileiro de Trânsito (CBT) é atualizado e rigoroso. Proíbe, com razão, que se guie falando ao telefone celular, exceder-se na velocidade ou dirigir após tomar um copo de cerveja. Policiais e filmadoras estão sempre a postos para registrar as faltas e não abrem espaço à defesa, obrigando os infratores a pagar multas severas ou a passar uma boa temporada usando, involuntariamente, o transporte coletivo ou se dedicando a caminhadas.
Do ponto de vista da reparação civil, face ao contido nos artigos 186 e 927 do Código Civil, raramente, um dano praticado por um motorista passa imune a um pedido de indenização. Os advogados estão alertas, as vítimas mais conscientes, e, quando não dispõe de recursos, são bem orientadas pelos Defensores Públicos. Condenações a indenizar são rotina nas Varas e Juizados Especiais Cíveis.
Mas, invertendo a ordem natural das coisas, e se a culpa for de um pedestre? Ou de um ciclista?
Do ponto de vista administrativo, o CTB, no artigo 254, veda ao pedestre determinadas condutas, como desobedecer à sinalização de trânsito específica. Por exemplo, atravessar a rua com o sinal vermelho. A infração é considerada leve. Já o artigo 255 considera infração, de natureza média, dirigir bicicleta em passeios, ou seja, parte das calçadas ou das pistas de rolamento destinadas a pedestres e/ou ciclistas, onde a circulação não seja permitida.
Sob a ótica civil, são indenizáveis quaisquer danos causados por pedestres ou ciclistas (artigo 927 do CC), desde que tenham praticado ato ilícito. Mas, a jurisprudência, tão rica em ações causados por automobilistas, não registra julgamentos oriundos de multas administrativas ou de ações indenizatórias por dano causados por culpa de pedestres e ciclistas.
Os julgados em que aparecem pedestres são os resultantes de ações movidas por eles contra motoristas. Nestas hipóteses, como ensina Rui Stoco, “quando se verifica a culpa exclusiva da vítima,tollitur questio: inocorre indenização. Inocorre igualmente, se a concorrência de culpas do agente e da vítima chegam a ponto de, compensando-se, anularem totalmente a imputabilidade do dano” (Tratado de Responsabilidade Civil: doutrina e jurisprudência, 7ª edição, RT, página 185).
Por exemplo, se a vítima atravessa a rua em local impróprio e inseguro. Como decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo, “impõe-se a improcedência do pedido indenizatório, tendo em vista a culpa exclusiva da vítima no atropelamento, que empreendeu a travessia da via quando havia sinalização de passagem livre para os veículos.” (APL 9185065-71.2007.8.26 SP, relator Vanderci Alves, julgado em 29 de maio de 2012).
Nos acidentes ocorridos em rodovias a jurisprudência mostra-se mais rigorosa, invertendo muitas vezes o ônus da prova. Cita-se, a título de exemplo, o acórdão do TJ-PR em que afirma: “vítima embriagada que intenta atravessar uma avenida/rodovia de intenso movimento, desprezando a faixa de pedestre e uma passarela existente nas proximidades, age com manifesta imprudência, de modo a afastar a culpa do motorista do veículo” (Processo 8754134 PR 875413-, relator Nilson Mizuta, julgado em 26 de abril de 2012).
A jurisprudência revela também a existência de casos de culpa recíproca, ou seja, do atropelador e do atropelado. Nestes casos, a reparação divide-se pela metade. Vejamos duas decisões do TJ-SP:
Indenizatória. Atropelamento. R. sentença de improcedência. Apelo só da autora vencida. Culpa recíproca reconhecida. Danos materiais cortados pela metade, dos comprovados, e danos morais de 10 salários mínimos. Apelação parcialmente provida, com sucumbência recíproca. Embargos declaratórios opostos pela demandada. Arguição de obscuridade e contradição. Embargos rejeitados. (ED 9244961112008826 SP, rel. Campos Petroni, j. 17.7.2012).
INDENIZAÇÃO - Danos morais e materiais - Atropelamento de ciclista em rodovia - Velocidade incompatível com o local - Tráfego de bicicleta, por sua vez, em desacordo com as normas de trânsito - Culpa recíproca reconhecida - Procedência parcial da ação - Recurso provido em parte.( APL 9129851032004826 SP, rel. Souza Lima, j. 28.9.2011).
A pesquisa por acidentes praticados por ciclistas revela a quase inexistência de registros. Uma raranotícia é a de que no município de Toledo (PR), um menor de 13 anos atropelou uma mulher, causando-lhe lesões corporais de natureza leve. Este fato poderia ensejar ação indenizatória, figurando o pai como responsável civil (artigo 932, inciso I, CC).
Porém, infrações administrativas praticadas por ciclistas são rotineiras. Por exemplo, dirigir contra a mão de direção. No entanto, não se tem notícias de que sejam objeto de lavratura de auto de infração e, menos ainda, que existam precedentes das Câmaras de Direito Público dos Tribunais de Justiça.
Consultas ao site do TJ-RS, sabidamente dos mais produtivos, sob os temas “multa de trânsito aplicada a ciclista” e “multa de trânsito aplicada a ciclista”, revelou a inexistência de precedentes. Aí a prova de que os dispositivos do CTB são de ineficiência absoluta.
Mas, então, se infrações existem, o que as torna apenas uma norma do “dever ser” e não da realidade? Não há uma resposta, mas várias. A primeira delas é a falta de consciência do dever dos pedestres e ciclistas. A segunda é a ausência de uma política púbica por parte das autoridades de trânsito, a fim de tornar a norma efetiva. A terceira é a mais complexa: a lavratura do auto de infração poderia levar o agente do trânsito à desmoralização. É que o autuado, na tensa relação pessoal, poderia não fornecer seus dados, sair andando ou até mesmo reagir com violência.
Seja qual for a situação, o Estado revela-se despreparado para enfrentá-la. E por isso permanece inerte, como se o fato não existisse. Vivemos tempos de responsabilização de tudo e de todos, dos administradores públicos aos profissionais liberais. Se assim é, nada justifica que uma parcela da sociedade permaneça imune à ação do Poder Público, como vem ocorrendo.
Portanto, e encerrando, se a evolução do nosso convívio no trânsito depende de educação, que é o mais importante, e de repressão, via responsabilização administrativa e civil, é chegado o tempo de pedestres e ciclistas também assumirem o seu papel na busca da segurança.
Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.
Revista Consultor Jurídico, 5 de maio de 2013

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