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segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

CÂMARA INSERE GRANDE RETROCESSO EM PROJETO DO CPC

Câmara insere grande retrocesso em projeto do CPC

 
Tenho acompanhado com muito interesse todas as discussões que são realizadas a respeito do projeto de novo Código de Processo Civil. Atuei, diretamente, da elaboração do anteprojeto que serviu de base aos debates que se seguiram, no Senado e na Câmara dos Deputados. Nessas casas legislativas outras comissões foram formadas e alterações foram realizadas. Minha participação, nesse novo contexto, limita-se a enviar sugestões e críticas ao projeto — algumas delas publicadas em textos desta coluna. Posso dizer que os princípios que nortearam os trabalhos da comissão que elaborou o anteprojeto continuam presentes, em grande medida, na versão ora analisada na Câmara.
Aliás, é inegável que muitos aperfeiçoamentos foram feitos no projeto, nas idas e vindas do processo legislativo. Por exemplo, segundo o artigo 847 do anteprojeto, “os tribunais velarão pela uniformização e pela estabilidade da jurisprudência”. Na versão aprovada pelo Senado, o texto ganhou um inexplicável “em princípio”: “Os tribunais, em princípio, velarão pela uniformização e pela estabilidade da jurisprudência”. Fica-se, à luz desse texto, com a impressão de que os tribunais podem, se for o caso, deixar de lado a ideia de que a jurisprudência deve ser íntegra, o que é um evidente absurdo. Na Câmara dos Deputados esse disparate foi corrigido. A regra aprovada nessa Casa dispõe que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”.
Há, evidentemente, vários pontos em que inexiste acordo, sequer entre os estudiosos do processo civil. Enquanto participei da comissão que fez o anteprojeto, fiz várias sugestões que foram rejeitadas, e votei contra muitas outras que foram aprovadas. Mas isso faz parte do jogo democrático. Ter participado um pouco da história do novo Código não me impede de criticá-lo e de continuar a enviar minhas sugestões — como, de resto, qualquer cidadão pode fazê-lo.
É nesse contexto que surge, como grande retrocesso, o destaque recentemente aprovado pela Câmara, que restringe a realização de atos executivos sobre dinheiro, quando se tratar de efetivação de liminar que antecipa efeitos da tutela. Diz o destaque aprovado: “A efetivação da tutela antecipada observará as normas referentes ao cumprimento provisório da sentença, no que couber, vedados o bloqueio e a penhora de dinheiro, de aplicação financeira ou de outros ativos financeiros”.
Tal como aprovada, a vedação ao bloqueio e à penhora de dinheiro e ativos financeiros é amplíssima, impedindo, por exemplo, a prática de atos executivos liminarmente, em ações de improbidade administrativa. Mas há consequências ainda mais graves. Exemplo: e se, para realizar concretamente um direito fundamental ameaçado de lesão, a única medida executiva adequada for o bloqueio de ativos financeiros? A maioria dos deputados, que aprovou o referido destaque, parece não ter se preocupado com isso. Parece, de todo modo, difícil compatibilizar o texto aprovado com a regra prevista no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal.
A movimentação no sentido de se inserirem textos que impedissem a prática de atos executivos já vinha sendo noticiada pela imprensa — que sugeria, inclusive, que a inclusão de tal restrição no texto do projeto serviria ao interesse pessoal de alguns deputados (cf. reportagem do Jornal Valor Econômico, disponível aqui). É curioso que isso não tenha sido questionado, na Câmara, durante a discussão sobre o destaque acima referido.
O projeto de novo CPC, ora em discussão, é resultado da soma de esforços de uma grande quantidade de estudiosos, professores, magistrados, advogados, representantes do Ministério Público, enfim, de tantos quantos se interessam pelo aprimoramento da legislação processual e trabalharam para que se construísse um projeto de novo CPC moderno e alinhado às garantias constitucionais. É, enfim, um projeto de seu tempo, que vem sendo construído democraticamente, que foi e tem sido objeto de amplo debate entre senadores e deputados.
É preciso cuidado, contudo. Se é certo que o projeto de novo CPC representa um grande avanço para o processo civil brasileiro, devemos nos manifestar, reiteradamente, para que o Congresso Nacional não insira, nele, textos despropositados. Pode-se dizer que, embora o projeto de novo CPC não o seja, a Câmara dos Deputados conseguiu, com a aprovação da referida restrição à prática de atos executivos sobre dinheiro, nele inserir um grande retrocesso.
 
José Miguel Garcia Medina é doutor em Direito, advogado, professor e membro da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto de Código de Processo Civil. Acompanhe-o no Twitter, no Facebook e em seu blog.
Revista Consultor Jurídico, 17 de fevereiro de 2014

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

DECISÃO JUDICIAL COMO CAUSA DE PROLIFERAÇÃO DE RECURSOS

descaso judicial como causa de proliferação dos recursos
 
Há, com certeza, um equivocado consenso entre os leigos de que a interposição de recurso constitui estratégia que conspira contra a duração razoável do processo. Realmente, dúvida não há de que um processo longo transforma-se, em última análise, em um cômodo instrumento de ameaça e pressão, uma arma formidável nas mãos dos mais privilegiados em detrimento do direito dos litigantes desafortunados! Todavia, sob a ótica da técnica processual, é evidente que a interposição do recurso previsto na lei não tem o condão, por si só, de tisnar a efetividade do processo. Se, por uma vertente, o advogado, que aspirou ser essencial à administração da justiça, ao lado do juiz, é destinatário do dever de zelar pela celeridade processual, é certo que, por outra, tem ele inarredável compromisso profissional com o seu cliente, nos quadrantes da garantia constitucional da ampla defesa.
A esse respeito, duas observações se impõem: a) havendo uma centelha de chance, na aferição objetiva e prudente feita pelo advogado, o recurso deve ser interposto; e b) a conduta abusiva, com deliberada intenção de retardar a marcha do processo, a par de ser coibida pelo Código de Ética e de trazer notório desprestígio à atuação pessoal do advogado, deve ser reprimida pelo órgão jurisdicional.
Ressalte-se, ademais, que, antes de ser o recurso a causa que propicia a lentidão, na verdade, são as “etapas mortas” — entre outras, o tempo de espera do julgamento do recurso — que determinam a intempestividade da prestação jurisdicional. Partindo-se de dados empíricos, resulta inequívoca a existência de um flagrante descompasso entre a legislação codificada e a realidade do serviço judiciário. Não é concebível — apenas para dar dois exemplos corriqueiros — que, em pleno século XXI, o tribunal ad quem, após quase dois ou três anos de angustiante expectativa dos interessados, não conheça de um recurso de apelação, porque a competência é da outra seção; ou, ainda, depois de todo esse tempo, dê provimento ao recurso para anular a sentença, pela preterição de um litisconsorte necessário. Mas não é só.
A qualidade das decisões tem deixado muito a desejar. À míngua de dados estatísticos, a experiência tem demonstrado que há uma significativa margem de recursos providos: Agravos, Apelações e Recursos Especial e Extraordinário. Nesse particular, conta muito a falta de humildade do juiz, que, na maioria das vezes, mesmo diante de um notório equívoco, deixa de reconsiderar a decisão errada, determinando a interposição de Agravo ou — o que é pior — de Apelação. Em outras oportunidades, o desprezo, pelo magistrado, à letra do texto legal ou aos precedentes consolidados, também culmina com um recurso, que, provido, acarreta o inconveniente de retornar tudo à estaca zero.
Apenas para dar um singelíssimo exemplo, dentre tantos outros análogos, causa enorme perplexidade o número de recursos providos na sessão de julgamento de 12 de dezembro de 2013 da prestigiosa 36ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo: a Apelação n. 0000166-89.2010.8.26.0581 foi provida pelos experientes e conceituados desembargadores Jayme Queiroz Lopes, relator, Pedro Baccarat e Arantes Theodoro, com fundamento na falta de atenção a regra expressa do CPC, uma vez que, segundo constou do voto condutor, “a inércia do autor autoriza a extinção do processo com base no inc. III do art. 267, que trata do abandono da causa por mais de 30 dias. E, nesta hipótese, exige-se, além da intimação dos patronos, também a intimação pessoal da parte para suprir a falta em 48 horas, em observância ao disposto no parágrafo 1º do art. 267, o que aqui não ocorreu, razão pela qual fica reformada a sentença, devendo o feito ter regular prosseguimento...”.
Este imperdoável descuido por magistrado de primeiro grau deu ensejo ao provimento, pela mesma turma julgadora, de mais dois recursos por idêntico fundamento. Ainda a guisa de exemplo, na mesma sessão de julgamento, a referida 36ª Câmara de Direito Privado proveu também mais três Agravos de Instrumento, de relatoria do ilustre desembargador Jayme Queiroz Lopes, com fundamento em error in procedendo: AI 2009587-61.2013.8.26.0000 (Apelação julgada deserta, quando o tema da gratuidade poderia ser novamente invocado), AI 2031780-70.2013.8.26.0000 (equivocado indeferimento de inclusão no polo passivo de sucessor inter vivos) e AI 2034017-77.2013.8.26.0000 (não aplicação de multa, em flagrante ofensa ao art. 461 do CPC).
Aduza-se, outrossim, que, no primeiro semestre de 2011, o CNJ, com o intuito de otimizar a gestão e o planejamento da administração da Justiça, publicou um importante diagnóstico dos 100 maiores protagonistas nos tribunais brasileiros. Colhe-se desse valioso documento que o INSS é o maior demandante, fazendo-se presente em 22,3% das ações do rol daqueles litigantes. Seguem-no a Caixa Econômica Federal (8,5%) e a Fazenda Nacional (7,4%). Verifica-se que 95% do total de demandas dessa listagem provêm do setor público, entidades financeiras e prestadoras de serviço de telefonia. Como acima observado, em muitas situações, a interposição de recursos manejados por estes mesmos litigantes aos tribunais superiores constitui um comportamento malicioso — verdadeira chicana —, para extrair da inexorável demora da prestação jurisdicional todas as vantagens e benefícios daquela decorrentes.
São potencialmente estas causas e não propriamente os recursos que retardam a tramitação do processo!
É necessário, portanto, coibir o abuso processual e jamais preconizar, de forma arbitrária, a mutilação do sistema recursal visando a tornar a justiça mais rápida!
 
José Rogério Cruz e Tucci é advogado, ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo e professor titular da Faculdade de Direito da USP
Revista Consultor Jurídico, 21 de janeiro de 2014

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

RECURSOS "PREMATUROS" E JURISPRUDÊNCIA DEFENSIVA

Recursos "prematuros” e jurisprudência defensiva

 
Tenho dedicado vários textos publicados na coluna Processo Novo, aqui na revista eletrônica Consultor Jurídico, ao debate de questões relacionadas àquilo que se convencionou chamar de jurisprudência defensiva.
Como disse o ministro Humberto Gomes de Barros, então presidente do Superior Tribunal de Justiça, jurisprudência defensiva é postura “consistente na criação de entraves e pretextos para impedir a chegada e o conhecimento dos recursos que lhe são dirigidos”.
A definição fala por si: as manifestações de jurisprudência defensiva ou não têm base legal, ou decorrem de interpretação distorcida do texto da Lei.
Tal é o que ocorre com a orientação firmada no Enunciado 418 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual é “inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação”. A jurisprudência, a respeito, é implacável: considera indispensável a ratificação do recurso interposto antes do julgamento dos embargos de declaração, qualquer que seja o resultado do julgamento deste recurso.
É certo que, como já se decidiu, a decisão que julga os embargos de declaração, ainda que para rejeitá-lo, integra a decisão embargada. No entanto, é evidentemente injustificável a exigência de ratificação, se não houve qualquer alteração na decisão embargada.
Esse aspecto foi destacado em julgados proferidos pelo Supremo Tribunal Federal. Em 2009, no julgamento da Ação Rescisória 1.668, o ministro Cezar Peluso chamou a atenção para o erro. Como disse ele, daquele que não interpôs embargos de declaração não se deve exigir a ratificação do recurso, após a rejeição dos embargos de declaração interpostos por outrem. Tal orientação veio a ser posteriormente confirmada pelo Supremo em 2013, no julgamento Agravo Regimental em Recurso Extraordinário 680.371, ao qual se seguiu, no mesmo sentido, o julgamento do Agravo Regimental em Recurso Extraordinário 740.688.
A despeito dessa boa evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a respeito do tema, no Superior Tribunal de Justiça continuou a preponderar o entendimento contrário, antes referido.
Há, aqui, problemas de duas ordens: de um lado, o criticável entendimento consolidado no mencionado enunciado sumular; de outro, a discrepância entre as orientações dominantes nos dois tribunais, a respeito do tema, o que em nada contribuiu para a construção de uma jurisprudência íntegra.
Diante disso, é elogiável a intenção dos ministros do Superior Tribunal de Justiça, recentemente noticiada, de aperfeiçoar o entendimento veiculado no Enunciado 418 da sua súmula. Espera-se que haja alinhamento entre os entendimentos desse tribunal e do Supremo, para se exigir nova manifestação daquele que interpôs outro recurso antes da oposição de embargos de declaração pela outra parte apenas se, com o julgamento deste recurso, houver alguma modificação da decisão embargada. Essa, aliás, é também a orientação adotada pelo projeto de novo Código de Processo Civil.
Paralelamente a esse problema, há aquele relacionado ao recurso considerado “prematuro” por ter sido interposto antes da publicação da decisão impugnada. A jurisprudência majoritária é no sentido de que o recurso assim interposto é intempestivo, mas há julgados bem fundamentados que adotam orientação contrária (cf. decidiu o STJ há quase 10 anos, orientação reiterada em julgado recente) e que nos parece correta. Afinal, se a parte teve, por outro meio —consulta aos autos ou ao site do tribunal, por exemplo —, conhecimento do teor do julgado contra o qual pretende recorrer, o objetivo da futura publicação já foi alcançado, e não há motivo jurídico para considerar intempestivo o recurso interposto antes da publicação da decisão.
A noticiada intenção dos ministros do Superior Tribunal de Justiça de alterar o entendimento hoje contido no Enunciado 418 da Súmula do referido tribunal representaria, sem dúvida, um avanço, e poderia repercutir quanto a outras orientações injustificáveis, como a acima referida, relacionada à tempestividade do recurso interposto antes da publicação da decisão.
Embora muito pequeno, esse seria um importante passo no sentido de se mitigar a jurisprudência defensiva.
 
José Miguel Garcia Medina é doutor em Direito, advogado, professor e membro da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto de Código de Processo Civil. Acompanhe-o no Twitter, no Facebook e em seu blog.
Revista Consultor Jurídico, 10 de fevereiro de 2014

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

JULGAMENTOS DE CASOS REPETITIVOS PODE VIOLAR GARANTIAS

 

 
Que fazer, quando indevidamente aplicado o regime de sobrestamento aos recursos extraordinário ou especial, nos casos previstos nos artigos 543-B, parágrafo 1.º e 543-C, parágrafo 1.º do CPC?
Sempre defendi, desde a alteração realizada no CPC pela Lei 11.418/2006 e, depois, pela Lei 11.672/2008, que seria cabível o agravo previsto no artigo 544 do CPC, em tal caso.
Esse entendimento, que ainda consideramos o correto, encontrava amparo no Enunciado 727 da Súmula do STF. A orientação retratada nesse Enunciado, porém, foi mitigada, ao menos nos casos em que o tribunal de origem determina o sobrestamento de recurso extraordinário.
De acordo com o artigo 328-A, parágrafo 1.º do RISTF (na redação da Emenda Regimental 23/2008), não apenas os recursos extraordinários ficam sobrestados se observada a hipótese prevista no parágrafo 1.º do artigo 543-B do CPC, mas também o agravo previsto no artigo 544 do CPC, se interposto contra decisão que sobrestou recurso extraordinário.
Essa mesma orientação vem sendo aplicada, mutatis mutandis, pelo Superior Tribunal de Justiça. A propósito, nesse Tribunal, a partir do julgamento da questão de ordem no Agravo 1.154.599/SP, firmou-se o entendimento de que não cabe o agravo previsto no artigo 544 do CPC não apenas na hipótese antes referida, mas, também, quando o Tribunal de origem não admite o recurso especial antes sobrestado, porque discordante da tese firmada pelo STJ, no julgamento do recurso especial selecionado (cf. artigo 543-C, parágrafo 7.º, I). O julgamento foi tomado por maioria, restando vencido o Ministro Teori Zavascki, à época Ministro do STJ.
Em tais casos, de acordo com o que têm decidido tanto o STF quanto o STJ, devem as partes valer-se de agravo interno, perante o próprio tribunal local. A questão, assim, acaba não podendo seguir a qualquer dos Tribunais Superiores.
Essa orientação tem graves conseqüências. Aqui, pretendo apenas mencionar duas delas.[1]
De um lado, ao não se admitir, em hipótese alguma, que lhes seja dirigido qualquer meio de impugnação contra a decisão que, equivocamente, determina o sobrestamento (artigo 543-B, parágrafo 1.º e artigo 543-C, parágrafo 1.º do CPC) ou não autoriza a subida (artigo 543-B, parágrafo 3.º e artigo 543-C, parágrafo 7.º, I do CPC) de recurso extraordinário ou especial, os Tribunais Superiores acabam criando embaraços, talvez intransponíveis, à revisão de orientações erradas, a respeito de determinada questão de direito.
Além disso, ao impedir que cheguem aos Tribunais Superiores recursos que versem sobre temas diferentes (indevidamente sobrestados), ou que, embora versem sobre o mesmo tema, veiculem fundamento autônomo, os Tribunais Superiores acabam violando o direito à diferença.
O direito ao tratamento isonômico previsto no artigo 5.º da Constituição também compreende o direito de ser considerado de modo particular, ou o reconhecimento do direito à diferença. Trata-se de um direito de ver respeitada a identidade. Viola-se o princípio ao se pretender dar tratamento isonômico a quem esteja em situação diferente.[2]
Essa percepção é relevante especialmente diante do movimento de julgamentos de teses jurídicas pelos tribunais superiores, com pretensão de resolução de grande quantidade de litígios de modo uniforme, o que somente pode ser admitido em se tratando de situações fático-jurídicas realmente idênticas.
Questões apenas semelhantes não são idênticas, mas diferentes (ainda que apenas um pouco diferentes), razão pela qual uma tese jurídica firmada em um caso particular poderá não ser aplicável aos casos que sejam tão somente parecidos, mas não absolutamente equiparáveis entre si, sob pena de violação ao princípio da isonomia.[3]
Cumpre à doutrina, ao invés de apenas capitular diante do que vêm decidindo os referidos Tribunais, apontar o erro, a fim de que a jurisprudência tome o rumo correto, que esteja acorde não apenas com o que dispõem os arts. 543-B e 543-C do CPC, mas, também, com o artigo 5.º da Constituição.

[1] Examino o assunto com mais vagar na obra Código de Processo Civil comentado, Ed. Revista dos Tribunais (3.ª ed. no prelo), bem como no livro Prequestionamento e repercussão geral – E outras questões relativas aos recursos especial e extraordinário, Ed. Revista dos Tribunais (7.ª ed. no prelo).
[2] Sobre o princípio da isonomia, escrevi na obra Constituição Federal comentada, Ed. Revista dos Tribunais (3.ª ed. no prelo).
[3] Sobre essa preocupação há poucas manifestações, nos Tribunais Superiores. A respeito, cf. voto vencido do Min. Teori Zavascki, mencionado no texto. Cf., também, no âmbito do STF, voto vencido do Min. Marco Aurélio, no julgamento do AgR na Rcl 9.540, que no sentido da admissibilidade de reclamação, “porque é possível o erro da Corte de origem quanto à observância do que decidido pelo Tribunal”.
José Miguel Garcia Medina é doutor em Direito, advogado, professor e membro da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto de Código de Processo Civil. Acompanhe-o no Twitter, no Facebook e em seu blog.
Revista Consultor Jurídico, 3 de fevereiro de 2014

domingo, 26 de janeiro de 2014

JUS SPERNIANDI: QUANDO O INCONFORMISMO NATURAL SE TORNA ABUSO DO DIREITO DE RECORRER



Uma discussão constante e sempre atual em termos de política judicial é o equilíbrio – ou a tensão – entre a existência de diversidade de recursos e o retardamento de soluções jurisdicionais definitivas. Atualmente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) defende, por exemplo, a criação de um filtro de relevância para admissão do recurso especial. Nesta reportagem especial, veja como os abusos ao direito de recorrer se apresentam na jurisprudência da Corte.

A tensão se resume em dois polos: segurança jurídica e efetividade da jurisdição. No primeiro, a pluralidade de meios de impugnação das decisões serve para atender ao inconformismo psicológico natural da parte que perde a demanda, mas também para evitar que erros sejam perpetuados por se confiar na infalibilidade do julgador. No outro, o excesso de recursos possíveis tende a prolongar os processos, retardando a formação da coisa julgada e a solução das disputas.

Em artigo de 1993, o hoje ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux aponta que desde a Bíblia se registra a existência de “recursos”, como os cabíveis ao Conselho dos Anciãos de Moisés contra os chefes de cem homens. Estes, por sua vez, recebiam recursos contra decisões dos chefes de 50 homens, e estes, dos chefes de dez homens.

A Constituição do Império, de 1824, trazia disposição incluindo o direito de recorrer como garantia da boa justiça. Os tribunais (relações) julgariam as causas em segunda e última instância, sendo criados tantos tribunais quantos necessários à “comodidade dos povos”. Nem mesmo a Constituição de 1988 é tão explícita, fixando-se no direito à ampla defesa e aos “meios e recursos a ela inerentes”.

Quando o direito de recorrer se torna excessivo? O STJ registra um caso classificado como “reconsideração de despacho nos embargos de declaração no recurso extraordinário no agravo regimental nos embargos de declaração no agravo em recurso extraordinário no recurso extraordinário nos embargos de declaração nos embargos de declaração no agravo regimental no agravo de instrumento”.

Há também “embargos de declaração nos embargos de declaração nos embargos de declaração nos embargos de declaração nos embargos de declaração no agravo regimental no recurso extraordinário nos embargos de declaração nos embargos de declaração nos embargos de declaração no agravo regimental no recurso especial”. São muitos os exemplos.

Jus sperniandi

Quando esse direito de recorrer é exercido de forma abusiva, usa-se uma expressão comum no meio jurídico: diz-se que a parte exerce seu jus sperniandi. O falso latinismo alude ao espernear de uma criança inconformada com uma ordem dos pais. O termo, de uso por vezes criticado, é encontrado rara e indiretamente na jurisprudência do STJ.

Em 2007, por exemplo, a ministra Laurita Vaz negou o Agravo de Instrumento 775.858, do Ministério Público de Mato Grosso (MPMT), contra decisão da Justiça local que concedeu liberdade a um então prefeito acusado de fraudes em licitações.

O juiz havia determinado a prisão do acusado, mas o Tribunal de Justiça (TJMT) entendeu que não havia violação da ordem pública na entrevista que concedeu à imprensa.

Conforme a ministra, para o TJMT, o acusado “apenas exerceu seu jus sperniandi acerca das imputações que lhe eram feitas, sem qualquer ameaça, rechaçando a tese de conveniência da instrução criminal”.

De modo similar, no Recurso Especial 926.331, a ministra Denise Arruda, já falecida, manteve acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) que entendeu que o exercício do “natural jus sperniandi” não configura atentado à dignidade da Justiça. “A especiosa urgência na distribuição de justiça não deve elidir o natural jus sperniandi”, afirmou o TRF3.

Litigância de má-fé

A legislação prevê sanções para o abuso do direito de recorrer. Em um caso relatado pela ministra Nancy Andrighi, o STJ aplicou multa de 1% sobre o valor da execução e mais 10% em indenização a um perito que tentava receber seus honorários havia 17 anos.

A punição se somou a outras, aplicadas ao longo de 14 anos de tramitação do processo na Justiça (o perito só iniciou a cobrança depois de esperar três anos pelo pagamento espontâneo).

“A injustificada resistência oposta pelos recorrentes ao andamento da ação de execução e sua insistência em lançar mão de recursos e incidentes processuais manifestamente inadmissíveis caracterizam a litigância de má-fé”, afirmou a ministra.

“Felizmente, não são muitas as hipóteses nas quais o Judiciário se depara com uma conduta tão desleal quanto a dos recorrentes”, acrescentou a relatora (RMS 31.708).

Fazenda condenada

A tentativa de procrastinar a efetivação de uma decisão do STJ em recurso repetitivo (REsp 1.035.847) levou a Fazenda Nacional a uma condenação. O caso tratava da correção monetária de créditos não escriturais de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

Para o então ministro do STJ Luiz Fux, a Fazenda tentou inovar nas razões dos embargos de declaração, apresentando argumentos que não constavam no recurso especial. O ente público foi multado em 1% do valor da causa, por tentar apenas adiar a solução do processo.

A União também foi condenada no Recurso Especial 949.166. Nesse caso, o ministro Mauro Campbell Marques afirmou que, ao apresentar diversos embargos de declaração protelatórios, a União contrariava o interesse público que levou à criação da Advocacia-Geral da União (AGU).

Juízes inimigos

“Em tempos de severas críticas ao Código de Processo Civil brasileiro, é preciso pontuar que pouco ou nada adiantará qualquer mudança legislativa destinada a dar agilidade na apreciação de processos se não houver uma revolução na maneira de encarar a missão dos tribunais superiores”, acrescentou o ministro.

“Enquanto reinar a crença de que esses tribunais podem ser acionados para funcionar como obstáculos dos quais as partes lançam mão para prejudicar o andamento dos feitos, será constante, no dia a dia, o desrespeito à Constituição”, afirmou.

“Como se não bastasse, as consequências não param aí: aos olhos do povo, essa desobediência é fomentada pelo Judiciário, e não combatida por ele; aos olhos do cidadão, os juízes passam a ser inimigos, e não engrenagens de uma máquina construída unicamente para servi-los”, completou o relator.

Execução imediata

No Recurso Especial 731.024, em 2010, o ministro Gilson Dipp, depois de julgar o recurso, o agravo regimental e cinco embargos de declaração, aplicou multa por protelação. Ele também determinou a imediata devolução dos autos à origem para execução do acórdão do recurso especial. Neste caso, houve ainda novo embargo de declaração, de outra parte, que foi igualmente rejeitado, já em 2013, pela ministra Regina Helena Costa, que sucedeu o relator.

Solução similar foi adotada pelo ministro Rogerio Schietti Cruz na Medida Cautelar 11.877. Ao julgar os quartos embargos de declaração do ex-juiz Nicolau dos Santos Neto, o ministro reconheceu abuso no direito de recorrer e determinou o trânsito em julgado e o arquivamento imediato da medida. Para ele, a jurisdição das instâncias extraordinárias já estaria esgotada no caso, tendo os embargos o objetivo apenas de adiar o resultado final da ação penal.

O mesmo réu já havia tido o cumprimento provisório da pena convertido em definitivo pelo STJ nos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 1.001.473. Naquele julgamento, os ministros da Sexta Turma entenderam que a intenção da defesa era meramente protelatória, devendo ser executada a condenação independentemente da publicação do acórdão ou da pendência de outros recursos.

Embargos protelatórios

Em um caso julgado pelo ministro Sidnei Beneti, no Recurso Especial 1.063.775, a parte buscava, em segundos embargos de declaração, questionar o mérito do recurso, o julgamento conjunto dos processos, a falta de transcrição de notas taquigráficas e a necessidade de republicação dos acórdãos.

Esses embargos foram rejeitados, com advertência de que a insistência na protelação levaria à aplicação de multa. A mesma parte embargou novamente a decisão, afirmando que o relator não teria informado aos demais ministros todos os argumentos apresentados. Segundo o embargante, ele teria se limitado a apontar que o recurso foi apresentado por advogado sem procuração nos autos.

Para o ministro, diante desses terceiros embargos improcedentes e com “procrastinação objetiva, a caracterizar verdadeiro abuso do direito de recorrer”, fez-se necessário certificar o trânsito em julgado imediato do processo, determinar a baixa dos autos e aplicar multa de 1% por protelação injustificada.

34 recursos

Em outro caso, também relatado pelo ministro Beneti, uma parte apresentou 34 recursos, além de exceções de impedimento e suspeição contra nove ministros, todos rejeitados. No processo específico, a parte insistia em recorrer sem ter recolhido multa imposta antes por recursos protelatórios.

No Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 133.669, o ministro cita que no direito internacional, houve situação em que se proibiu o ingresso de novas ações sobre um mesmo caso pelo abuso do direito de recorrer ou demandar. Ele também citou decisão da Justiça alemã que aponta ser elemento da segurança e da paz jurídicas, assim como do devido processo legal, o término das lides em algum momento.

“Compreendendo-se, evidentemente, em termos humanos, que a parte envolvida no litígio, subjetivamente não se conforme com a decisão contrária, deve-se, no campo estritamente objetivo-jurídico, assinalar que, afinal de contas, o litígio judicial necessita terminar”, ponderou o ministro Beneti.

Mas contrapôs: “Do ponto de vista estritamente processual-jurídico, falta ao recurso pressuposto processual recursal objetivo, consistente no recolhimento da multa, em situação análoga à da falta de preparo, em que, mantida a decisão relativa à necessidade de preparo, não há como admitir outro recurso que reviva a matéria.”

5%

Na maioria dos casos, a multa fica em 1% do valor da causa ou da condenação, na linha do artigo 538 do Código de Processo Civil (CPC). Mas nos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração no Agravo Regimental no Agravo em Recurso Extraordinário no Recurso Extraordinário nos Embargos de Declaração no Recurso em Mandado de Segurança 29.726, a Corte Especial do STJ decidiu ampliar a multa para 5% do valor da causa.

“O inconformismo com o resultado da decisão não pode servir de argumento à interposição continuada de recursos, como vem ocorrendo na hipótese dos autos, especialmente diante da ausência de vícios no julgado”, afirmou o relator, ministro Gilson Dipp.

O mesmo patamar de penalidade foi aplicado também pela Corte Especial, em outro caso relatado pelo ministro Dipp, no Agravo Regimental no Agravo em Recurso Extraordinário no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 603.448.

“O ora agravante, devidamente assistido por seus advogados, tem, de forma temerária, interposto, neste e em diversos outros feitos em trâmite nesta Corte, um elevado número de recursos e incidentes processuais sem quaisquer fundamentos legais, todos relacionados ao mesmo processo no tribunal de origem, configurando, assim, nítido abuso do poder de recorrer”, justificou o relator. Não por acaso, nesta reportagem, a mesma parte é citada em dois exemplos distintos.

10%

Novamente o ministro Dipp, igualmente na Corte Especial, foi o relator dos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração no Agravo Regimental nos Embargos de Declaração no Agravo em Recurso Extraordinário no Recurso Extraordinário nos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração no Recurso Especial 970.879.

No último recurso, a parte questionava a aplicação da multa anterior de 1%, insistindo que sua pretensão não era protelatória. Nesse caso, os ministros decidiram aplicar a multa máxima prevista para o abuso do direito de recorrer: 10% do valor da causa.

Multa repetida

Nos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração no Agravo Regimental nos Embargos de Divergência em Recurso Especial 1.100.732, o ministro Castro Meira, já aposentado, aplicou duas multas por protelação no mesmo processo.

A parte já havia sido condenada, primeiro, em 1% do valor da causa, valor depois aumentado para 10%. Mesmo assim, a parte apresentou novos embargos de declaração, também rejeitados, com imposição de baixa imediata dos autos.

Porém, essa última medida não pôde ser cumprida em razão da interposição dos embargos de divergência. Eles tiveram seguimento negado, pela falta de comprovação de pagamento de custas. A parte apresentou agravo regimental, também rejeitado.

Em seguida três novos embargos de declaração foram sucessivamente opostos, com fundamentos idênticos. As medidas adiaram em dois anos a efetivação da decisão do STJ.

20%

“A utilização seguida de embargos declaratórios caracteriza novo abuso de direito, distinto do anterior, que deve ser repelido, agora, com as sanções do artigo 18 do CPC, em virtude da litigância de má-fé”, afirmou o relator.

Além da nova multa de 1%, cumulada com a anterior, nesse caso o STJ determinou ainda que o embargante pagasse indenização de 20% à parte que teve seu direito prejudicado, além de ressarcimento das despesas com honorários contratuais referentes ao período de atraso decorrente do abuso do direito de recorrer. O caso ainda foi encaminhado ao Ministério Público Federal, para apuração de ilícito penal, e à Ordem dos Advogados do Brasil.

Cumulação de multas

A jurisprudência do STJ entende que as multas do artigo 538, aplicável apenas aos embargos declaratórios, ou do artigo 557, incidente nos agravos regimentais, não podem ser cumuladas com a do artigo 18 (por litigância de má-fé). Porém, no Recurso Especial 979.505, o ministro Mauro Campbell Marques esclareceu que essa impossibilidade de cumulação diz respeito a um mesmo recurso.

Nesse caso, o tribunal de origem já havia aplicado a multa pelos embargos declaratórios protelatórios, fundamentada no artigo 538. Mas o relator entendeu pela aplicação de nova multa, com base no artigo 18, em razão de o próprio recurso especial ser protelatório.

“Não há como negar, portanto, o caráter protelatório do recurso especial”, afirmou o ministro, acrescentando que a multa do artigo 18 “é genericamente aplicável a todas as situações em que houver abuso do direito de recorrer, até mesmo nas instâncias extraordinárias”.
 
A notícia ao lado refere-se
aos seguintes processos:
 
FONTE: STJ
 

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

O STJ DECIDE QUE HONORÁRIOS NÃO PODEM SER RECEBIDO EM EXECUÇÃO PROVISÓRIA

Honorários não podem ser recebidos em cumprimento provisório de sentença

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade de votos, pela impossibilidade de advogados receberem honorários de sucumbência relativos a cumprimento provisório de sentença. O tema foi decidido em julgamento de recurso repetitivo, rito previsto no artigo 543-C do Código de Processo Civil (CPC).

O recurso especial representativo de controvérsia trata do rompimento, em 2001, de um duto na Serra do Mar que impossibilitou a pesca na região por seis meses. Milhares de processos de indenização se seguiram ao acidente e a Petrobrás foi condenada a indenizar vários pescadores paranaenses que trabalhavam nas baías de Antonina e Paranaguá. A empresa entrou na Justiça contra a execução dos honorários requerida pelos advogados dos pescadores.

Paradigma

No caso tratado pela Corte Especial, a Petrobrás foi condenada a pagar a indenização a um dos pescadores e a sentença foi mantida pela apelação. O advogado deu início então à execução provisória, solicitando que a Petrobrás depositasse o valor da condenação, um total de R$ 3.150, e os honorários arbitrados entre 10% e 20% do valor da causa. O Tribunal de Justiça do Paraná aceitou o pedido de pagamento dos honorários.

Para o ministro Luis Felipe Salomão, relator do processo, o fato de ainda haver possibilidade de recurso impossibilita o pedido. “É descabido o arbitramento de honorários sucumbenciais, em benefício do exequente, na fase de cumprimento provisório de sentença”, afirmou.

Salomão citou decisões relativas à execução provisória e explicou que é entendimento pacífico no STJ a não incidência da multa do artigo 475-J do CPC, aplicada caso não haja pagamento pelo condenado no prazo de 15 dias.

Contradição

Não se pode, portanto, exigir o pagamento voluntário da condenação na fase de execução provisória, pois isto contrariaria o direito de recorrer, tornando prejudicado o recurso do executado. Por essa razão, segundo o relator, seria uma contradição aceitar o arbitramento dos honorários.

Salomão explicou que, se por um lado afasta-se a incidência da multa pelo fato de o devedor provisório não estar obrigado a efetuar o cumprimento voluntário da sentença sujeita a recurso, não é possível condená-lo ao pagamento de honorários na execução provisória exatamente porque não realizou o cumprimento voluntário da mesma sentença.

“Em suma, somente se transcorrido em branco prazo do art. 457-J – que se inicia com o ‘cumpra-se’ aposto depois do trânsito em julgado – sem pagamento voluntário da condenação é que o devedor ensejará instalação da nova fase executória, mostrando-se de rigor, nessa hipótese, o pagamento de novos honorários – distintos daqueles da fase cognitiva – a serem fixados de acordo com o art. 20, § 4º, do CPC”, afirmou o ministro.

Porém, como a promoção da execução provisória é opção do credor, não cabe, neste momento, arbitramento de honorários. “Posteriormente, convertendo-se a execução provisória em definitiva, nada impede que o magistrado proceda o arbitramento dos honorários advocatícios”, concluiu.
Fonte: STJ

ACESSO À JUSTIÇA

Brasil deve apostar em alternativas de resolução de conflito

 
A experiência com a injustiça é dolorosa. Mesmo em doses homeopáticas, a injustiça mata. Mas a experiência com a Justiça também pode doer. Principalmente quando o acúmulo de processos impede o Judiciário de dar a resposta oportuna. Administrar 93 milhões de processos num Brasil de 200 milhões de habitantes é acreditar que se vive no país mais beligerante do planeta. Será que é assim?
Não é verdade que todos os brasileiros sejam hoje clientes do Judiciário. Este é prioritariamente procurado pelo próprio Estado. União, por si e pela administração indireta, por suas agências, organismos, entidades e demais exteriorizações, é uma litigante de bom porte. Por reflexo, o estado-membro e os municípios também usam preferencialmente da Justiça.
Um exemplo claro disso é a execução fiscal. Uma cobrança da dívida estatal pretensamente devida pelo contribuinte. Por força da Lei de Responsabilidade Fiscal, todos os anos milhões de certidões de dívida ativa são arremessadas para o Judiciário, que fica incumbido de receber tais créditos. Sabe-se que o retorno é desproporcional ao número de ações. Os cadastros são deficientes, muitos débitos já estão prescritos ou são de valor muito inferior ao custo da tramitação do processo.
Mas o governo é também bastante demandado em juízo. Gestões estatais podem vulnerar interesses e uma legião de cidadãos entra em juízo para pleitear ressarcimento de seus direitos. Outros clientes preferenciais são os prestadores de serviços essenciais, que nem sempre atendem de forma proficiente os usuários. São lides repetitivas, às vezes sazonais, mas atravancam foros e tribunais.
O brasileiro precisa meditar se vale a pena utilizar-se exclusivamente do processo convencional ou se não é melhor valer-se de alternativas de resolução de conflito que dispensem o ingresso em juízo. Os norte-americanos, ricos e pragmáticos, só recorrem ao Judiciário para as grandes questões. As pequenas são resolvidas por conciliação, negociação, mediação, transação e outras modalidades como o "rent-a-judge", que nós ainda não usamos. Ganha-se tempo e eles sabem que "time is money", motivo por que o ganho é duplo.
O mais importante é que a solução conciliada ou negociada é uma resposta eticamente superior à decisão judicial. Esta faz com que o chamado "sujeito processual" se converta, na verdade, em "objeto da vontade do Estado-juiz". Enquanto que nas alternativas de resolução de conflitos o sujeito é protagonista, discute os seus direitos com a parte adversa, se vier a chegar a um acordo, será fruto de sua vontade, sob a orientação de um profissional do direito. Mas nunca será mero destinatário de uma decisão heterônoma, que prescindiu do exercício de sua autonomia.
É de se pensar se este não seria um caminho redentor da Justiça brasileira e, simultaneamente, construtor de um cidadão apto a implementar a ambicionada Democracia Participativa, que o constituinte prometeu em 1988.
 
José Renato Nalini é presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Revista Consultor Jurídico, 21 de janeiro de 2014

PONDERAÇÃO DE PRINCÍPIOS

Entre Pedrinhas e “rolezinhos”, é o caso de ponderar princípios?

 
Difícil tomar decisões jurídicas em relação a temas palpitantes, não apenas porque as opiniões a respeito de assuntos momentosos, não raro, são apaixonadas, mas também porque todos dão seu palpite... Mas é exatamente aí que está o problema: é possível decidir questões jurídicas movido pela paixão?
Vamos ao caso dos “rolezinhos”. É caso de ponderar princípios, citando Alexy e Dworkin — como se ambos pensassem do mesmo modo sobre o tema...—, para “escolher” qual dos direitos prepondera — por exemplo, é possível ponderar entre livre manifestação do pensamento e direito de propriedade?
Parece não ser esse o caso.
A Constituição assegura o direito de reunião pacífica e sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de prévia autorização, e desde que não frustre reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo exigido prévio aviso à autoridade competente (artigo 5.º, XVI). A principal tarefa do jurista, no caso, não está em ponderar princípios ou direitos, mas em definir, por exemplo, “local aberto ao público”, para saber se o shopping center se enquadra no que está escrito na regra constitucional, ou não. Ao se começar a fundamentação da decisão dizendo que o caso exige uma “ponderação de princípios”, praticamente diz-se, nas entrelinhas, que ao final se decidirá de acordo com convicções pessoais, e não com (verdadeiro) argumento de princípio — escrevi a respeito aqui.
O que dizer, então, do sucede no presídio em Pedrinhas — que tornou-se símbolo dos problemas graves que acontecem não apenas naquele local, mas em muitos outras prisões brasileiras? Pode o Judiciário ordenar ao Estado que construa novas prisões, para dar conta da população carcerária — por exemplo, sob pena de multa? Voltamos, aqui, à questão dos limites que devem operar entre a atuação jurisdicional e os outros órgãos do Estado. O problema se coloca porque, não raro, aqueles que ocupam poder de decisão no âmbito do poder Executivo, por exemplo, não atuam em consonância com o que impõe a Constituição. Em casos assim, ordenar ao Estado que cumpra uma decisão judicial sob pena de multa a ser paga pelo próprio Estado parece ser medida inócua. Insta identificar e responsabilizar o agente público que violou a lei. Apenas dizer que o Estado é responsável, pura e simplesmente, nada resolve, não passa de retórica vazia. Volto, aqui, ao que disse antes, em outro texto desta coluna. É preciso tornar de fato o que a Constituição estabelece de direito. O que sucede nas prisões brasileiras é resultado de uma equação perniciosa que começa na própria lei.
O que une os dois temas, para além dos aspectos sociológicos e políticos? Para mim, especialmente dois pontos: o primeiro, de tratar-se de temas que interessam apenas no presente momento, e deles logo nos esqueceremos, até que aconteça mais uma tragédia em algum presídio brasileiro; o segundo, de ambos ligarem-se ao nosso preconceito: em nossos tempos, é fácil ouvir que “bandido bom é bandido morto”, e que há pessoas que, sem saber qual o seu lugar, cometem o atrevimento de ir a um shopping center...
 
José Miguel Garcia Medina é doutor em Direito, advogado, professor e membro da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto de Código de Processo Civil. Acompanhe-o no Twitter, no Facebook e em seu blog.
Revista Consultor Jurídico, 20 de janeiro de 2014

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

FALTA AOS TRIBUNAIS FORMULAÇÃO ROBUSTA SOBRE PRECEDENTES

Falta aos tribunais formulação robusta sobre precedentes

 
Sempre tivemos dificuldades em entender a afirmação “definitiva”, de grande parcela dos pensadores pátrios, de que os enunciados de súmula seriam pronunciamentos dos Tribunais vocacionados à abstração e à generalidade, tal qual as leis, e de que sua aplicação poderia se dar desligada dos casos (julgados) que deram base à sua criação.[1]
Outra assertiva difícil de digerir é a de que o seu uso poderia ser comparado ao dos precedentes no common law, especialmente pela percepção de que lá é vital a ideia de que os tribunais não podem proferir regras gerais em abstrato.[2] É dizer, em países de common law, os precedentes não “terminam a discussão”, são sim, um principium[3]: um ponto de partida, um dado do passado, para a discussão do presente.
Aqui entre nós, a jurisprudência defensiva esforça-se para, logo, formatar um enunciado de Súmula (ou similar) a fim de se encerrar o debate sobre o tema, já que, no futuro, o caso terá pinçado um tema que seja similar ao enunciado de Súmula e, então, a questão estará resolvida quase que automaticamente. No “common law”, ao invés, para que um precedente seja aplicado há que se fazer exaustiva análise comparativa entre os casos (presente e passado, isto é, o precedente), para se saber se, em havendo similitude, em que medida a solução do anterior poderá servir ao atual.
Aqui não pretendemos negar que o uso de enunciados de súmula (e de ementas) se dê no Brasil, equivocadamente, como se lei fossem. Seguindo o mesmo raciocínio de generalidade e de aplicação das normas editadas pelo Parlamento. É como se esses enunciados jurisprudenciais se desgarrassem dos fundamentos determinantes (ratione decidendi ou holding) que os formaram. Não se nega também as razões históricas da criação desses enunciados na década de 1960, com inspiração nos assentos portugueses.
O que se critica é que após todos os avanços da teoria do direito e da ciência jurídica, se aceite a reprodução, mesmo sem se perceber, de uma peculiar aplicação do positivismo normativista da jurisprudência dos conceitos (Begriffsjurisprudenz),[4] que defendia a capacidade do Judiciário criar conceitos universais; um sistema jurídico fechado que parte do geral para o singular e que chega a “esse” geral com a negligência às singularidades. Perceba-se: nos séculos XVIII e XIX acreditava-se que o legislador poderia fazer normas “perfeitas”, gerais e abstratas de tal forma que seriam capazes de prever todas as suas hipóteses de aplicação. Descobrimos no século XX que isso não é possível (que, e.g., por detrás de toda pretensa objetividade da lei estavam os preconceitos daquele que a aplicava). Agora, em fins do século XX e início deste apostamos, mais uma vez, no poder da razão em criar regras perfeitas, apenas que agora seu autor não é mais (só) o legislador mas (também) o juiz.
Em assim sendo, apesar de se tematizar com recorrência nosso peculiar movimento de convergência com o common law, chamado pelo amigo Lenio Streck de ‘commonlização’[5], continuamos insistindo nessa equivocada formação e aplicação do direito jurisprudencial.[6]
Falta aos nossos Tribunais uma formulação mais robusta sobre o papel dos “precedentes”. Se a proposta é que eles sirvam para indicar aos órgãos judiciários qual o entendimento “correto”, deve-se atentar que o uso de um precedente apenas pode se dar fazendo-se comparação entre os casos — entre as hipóteses fáticas —, de forma que se possa aplicar o caso anterior ao novo.
E essa assertiva deve também valer para os enunciados de súmulas, é dizer, o sentido destas apenas pode ser dado quando vinculadas aos casos que lhe deram origem.
Nesses termos é se louvar o texto do artigo 520, parágrafo 2º, do CPC projetado ao determinar que “é vedado ao tribunal editar enunciado de súmula que não se atenha às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.”
Devemos perceber (o quanto antes) que qualquer enunciado jurisprudencial somente pode ser interpretado e aplicado levando-se em consideração os julgados que o formaram. Ele não surge do nada. Não há grau zero de interpretação. Nestes termos, sua aplicação deve se dar de modo discursivo, e não mecânico, levando-se a sério seus fundamentos (julgados que o formaram) e as potenciais identidades com o atual caso concreto. Nenhum país que leve minimante a sério o direito jurisprudencial pode permitir a criação e aplicação de súmulas e ementas mecanicamente.
Enquanto não mudarmos essa práxis, continuaremos a trabalhar com pressupostos e com resultados muito perigosos e equivocados. Estaremos inventando uma nova forma de legislação advinda de um novo poder, a juristocracia, que não apenas viola princípios constitucionais (como a separação de poderes, contraditório, ampla defesa e devido processo legal), mas que também padece dos mesmos problemas que a crença absoluta na lei: o “problema” da interpretação. Sim, porque, por mais que se tente acabar com a discussão a partir de um enunciado de Súmula, o fato é que este é um texto e, como tal, possui o mesmo pathos da lei: como não é possível antecipar todas as hipóteses de aplicação, uma e outra estão sujeitas ao torvelinho da práxis que evocará interpretação.

[1] Em sendo assim, os Tribunais Superiores poderiam possuir um grande (e crescente) número de obstáculos ao seu acesso, uma vez que não estão ali para “corrigir a injustiça da decisão”, mas somente para garantir a autoridade da Constituição/lei federal e a uniformidade da jurisprudência. Frente àqueles casos que conseguem ultrapassar a barreira da admissibilidade, os Tribunais Superiores não estariam preocupados com o caso em si, que seria abstraído de suas características de caso concreto e visto apenas a partir do tema de que se trata, a fim de, se valendo do caso (que é irrelevante), alcançar aqueles objetivos acima elencados.
[2] HUGHES, Graham. Common Law systems. MORRISON, Alan. Fundamentals of american law. New York.: Oxford University Press, 1996. p. 19.
[3] RE, Edward D. Stare Decisis. Revista Forense, v. 327, p. 38.
[4] PUCHTA, Georg Fredrich. Lehrbuch der Padekten. Leipzig: Berlag von Johann Ambrolius Barth, 1838.
[5] STRECK, Lenio. Por que agora dá para apostar no projeto do novo CPC! Acessível em: http://www.conjur.com.br/2013-out-21/lenio-streck-agora-apostar-projeto-cpc.
[6] NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Formação e aplicação do direito jurisprudencial: alguns dilemas. Revista do TST. Brasília. V. 79. Abr.- Jun. / 2013. Acessível em: http://pt.scribd.com/doc/176023132/Dierle-Nunes-e-Alexandre-Bahia-Formacao-e-aplicacao-do-Dir-Jurisprudencial-Revista-do-TST
Alexandre Bahia é advogado, doutor em Direito Constitucional pela UFMG e professor adjunto na UFOP e IBMEC-BH.
Dierle Nunes é advogado, doutor em Direito Processual, professor adjunto na UFMG e PUCMinas e sócio do escritório Camara, Rodrigues, Oliveira & Nunes Advocacia.
Revista Consultor Jurídico, 7 de janeiro de 2014

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

CHEGOU A HORA DA CÂMARA ANALISAR POJETO DO NOVO CPC

 


Chegou a hora da Câmara analisar projeto do novo CPC

Por José Miguel Garcia Medina



No próximo dia 22 completam-se três anos de tramitação do projeto de novo Código de Processo Civil na Câmara dos Deputados.[1] O texto-base do projeto já foi aprovado. Restam, agora, as votações sobre os destaques.[2] De acordo com a Agência Câmara Notícias, os destaques poderão ser analisados na sessão do próximo dia 17.[3]

O projeto tramita há muito tempo. Tendo em vista que a Câmara dos Deputados realizou muitas emendas, o projeto deverá retornar ao Senado Federal, casa iniciadora do projeto.[4]

Aqui na Coluna Processo Novo foram levantadas questões relevantes em torno das quais gira o projeto, como, por exemplo, a importância de haver uma nova compreensão dos sujeitos da relação processual,[5] a integridade da jurisprudência,[6] a fundamentação das decisões judiciais,[7] a preocupação com a “jurisprudência defensiva”,[8] etc. Sobre esses pontos, dentre tantos outros, o projeto de novo CPC apresenta importantes avanços.

Embora tenha participado da comissão que elaborou o anteprojeto,[9] tenho me manifestado, ao longo da tramitação do projeto no Senado Federal e na Câmara dos Deputados, a respeito de dispositivos que, creio, devem ser aperfeiçoados, tal como aqueles relacionados à configuração do prequestionamento[10] e à repercussão geral.[11]

Tenho insistido que os debates em torno do projeto não podem ser superficiais e que o discutamos com seriedade.Um dos pontos que merecem o devido cuidado, por exemplo, diz respeito ao efeito suspensivo da apelação.

Como observei em texto anterior desta Coluna,[12] o Código em vigor padece de grave incoerência.[13] Afinal, a decisão que concede liminar antecipando efeitos da tutela pode ser executada de imediato, pois o agravo de instrumento (recurso cabível, no caso) não tem efeito suspensivo automático (cf. artigos 273, parágrafo 3º, e 558 do CPC). A decisão que concede liminar — fundada, portanto, em cognição sumária — pode ser executada liminarmente, enquanto a sentença condenatória sujeita-se a apelação, recurso que, como regra, deve ser recebido com efeito suspensivo (CPC, art. 520), impedindo sua execução imediata.

O Código em vigor, assim, permite a execução imediata de uma liminar fundada em cognição sumária, mas não a execução de sentença fundada em cognição exauriente.

De acordo com o artigo 1.025, caput do projeto, na versão em discussão na Câmara dos Deputados,[14] “a apelação terá efeito suspensivo”. Mantém-se, assim, a incoerência da legislação em vigor. Melhor, segundo penso, é a regra correspondente prevista na versão aprovada pelo Senado Federal.[15] De acordo com o artigo 949 do projeto aprovado pelo Senado, os recursos, inclusive a sentença, não impedem a eficácia da decisão. Quanto à possibilidade de concessão de efeito suspensivo à apelação, previu-se que o mero protocolo no tribunal da petição que o requerer impede a eficácia da sentença, até que seja apreciada pelo relator.

Melhor mesmo, segundo pensamos, é a versão inicialmente aprovada pela comissão que elaborou o anteprojeto, mas que acabou não constando de sua versão final. Em reunião realizada nos dias 12 e 13.04.2010, foi aprovada pela comissão, por unanimidade, a seguinte redação: “O cabimento da apelação impede a execução da decisão impugnada, até que o Tribunal se manifeste a respeito do juízo de admissibilidade, ocasião em que poderá conceder o efeito suspensivo eventualmente requerido pelo recorrente”.[16] Tal não foi, contudo, a redação que acabou sendo registrada na versão final do anteprojeto.[17]

O texto aprovado inicialmente pela comissão que elaborou o anteprojeto, a meu ver, tem a vantagem de evitar o risco de sentenças manifestamente errôneas produzirem eficácia de imediato, mas permitem que, após manifestação do relator sobre a admissibilidade do recurso, sejam as sentenças desde logo executadas. Resolve-se, no caso, a polêmica, dispensando-se a necessidade de apresentação de requerimento autônomo diretamente no tribunal, para a atribuição de efeito suspensivo à apelação, enquanto esta tramita perante o juízo de primeiro grau. A apelação, assim, como regra, não teria efeito suspensivo, mas a eficácia da sentença dependeria de exame pelo relator sobre a admissibilidade do recurso. Andaria bem a Câmara dos Deputados, a meu ver, se incorporasse tal redação ao projeto.

É importante, de todo modo, que a Câmara dos Deputados delibere logo a respeito dos destaques, aprovando o que tivesse que ser aprovado, e rejeitando o que tiver que ser rejeitado. É lamentável ver projeto tão importante tendo sua análise sucessivamente adiada, tal como tem sido, nas sessões mais recentes. Que a Câmara dos Deputados conclua logo sua análise e o envie ao Senado Federal para apreciação das emendas, é o que se espera.



[1] O Projeto de Lei 8.046/2010 tramita na Câmara desde 22/12/2010 (cf. tramitação do referido projeto aqui). A partir de meados de 2011, referido projeto foi apensado ao Projeto de Lei 6.025/2005 (cf. tramitação do referido projeto aqui). Na página de tramitação deste projeto é possível acompanhar a evolução mais recente do Projeto.


[2] A relação dos destaques pode ser lida aqui.


[3] Cf. notícia publicada aqui.


[4] No Senado Federal, o Projeto de Lei tramitou sob o n. 166/2010 (cf. tramitação do referido projeto aqui).


[5] Cf. “Advogados têm direito a trabalhar com dignidade”, disponível aqui.


[6] Cf. “O que precisamos é de uma jurisprudência íntegra”, disponível aqui, “Jurisprudência não está, nem pode estar, acima da lei”, disponível aqui, e “Os caminhos percorridos pela jurisprudência do STF”, disponível aqui.


[7] Cf. “Precisamos de regra sobre fundamentação de decisões?”, disponível aqui, e “Fundamentação de decisões ainda não dá conta do básico”, disponível aqui.


[8] Cf. “Pelo fim da jurisprudência defensiva: uma utopia?”, disponível aqui.


[9] Os intensos trabalhos realizados pela referida Comissão podem ser conferidos aqui.


[10] Cf. “Câmara deve rever 'prequestionamento ficto' no CPC”, disponível aqui.


[11] Cf. “Deve caber repercussão geral sempre que houver divergência”, disponível aqui.


[12] Cf. “É um pássaro? Um avião? Não, é o 'superjuiz'!”, disponível aqui.


[13] Cf. também, a respeito, o que escreve Fernando Gajardoni: “Efeito suspensivo automático da apelação deve acabar”, disponível aqui.


[14] Disponível aqui, para download.


[15] Disponível aqui, para download.


[16] A ata da referida reunião está disponível aqui.


[17] Cf. artigo 908 da versão final do anteprojeto, disponível aqui.




José Miguel Garcia Medina é doutor em Direito, advogado, professor e membro da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto de Código de Processo Civil. Acompanhe-o no Twitter, no Facebook e em seu blog.

Revista Consultor Jurídico, 16 de dezembro de 2013

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

A PEC DO PELUSO PERDEU SUA ESSÊNCIA

 


Desvirtuada, PEC do Peluso vai a plenário do Senado

Por Felipe Luchete



Da ideia original presente na chamada PEC do Peluso só sobrou o nome. A Proposta de Emenda à Constituição 15/2011 será encaminhada para o plenário do Senado sem nada do que é defendido por quem deu origem a ela, o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Cezar Peluso. Se a intenção inicial era definir o trânsito em julgado após decisões de segunda instância para evitar o longo caminho criado por recursos protelatórios, o texto atual diz apenas que órgãos colegiados e tribunais do júri poderão expedir mandados de prisão assim que decisões condenatórias em ações penais forem proferidas.

A nova redação surpreendeu o próprio ministro aposentado, que ficou sabendo da mudança pela ConJur e a considerou inconstitucional. O texto atual, aprovado no dia 4 de dezembro pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, foi elaborado pelo senador Aloysio Nunes (PSDB-SP).

Também conhecida como PEC dos Recursos, a proposta teve origem no Senado após declarações do então ministro sobre a demora de decisões judiciais serem cumpridas. Assim surgiu a PEC 15/2011, apresentada pelo senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES). Ele modificava os artigos 102 e 105 da Constituição, que extinguia os recursos especiais e extraordinários e, no lugar, criava ações rescisórias especiais e extraordinárias. A mudança na nomenclatura tinha como objetivo encerrar o processo em decisões de segunda instância. Quaisquer tentativas de mudar as determinações no STJ e no STF, por exemplo, virariam uma nova ação.

Aloysio Nunes apresentou então um primeiro substitutivo, que Peluso considerou “perfeito”: as nomenclaturas continuavam as mesmas, mas os recursos não teriam mais poder de arrastar o trânsito em julgado. A definição passaria a ser definitiva a partir da segunda instância: prisões, pagamentos de indenizações ou quitação de dívidas trabalhistas seriam cumpridas imediatamente, ainda que recursos pudessem mudar a decisão no futuro.

O texto atual do senador, porém, mudou toda a proposta. Saíram todas essas questões, e a emenda passou a valer só para a área penal. Em vez de modificar os artigos 102 e 105, a proposta passou a alterar o artigo 96 da Constituição. “Eu não estava preocupado em prender ninguém, queria resolver um problema geral”, disse Peluso. Caso a PEC seja aprovada no Congresso e sancionada no futuro, é possível que o Supremo derrube a emenda por violar a garantia da presunção da inocência, diz o ministro aposentado, que hoje atua como advogado.

"Morreu na praia"
Para o ministro-chefe da Controladoria-Geral da União, Jorge Hage, a proposta, do jeito que foi modificada, não terá o efeito esperado. “Toda a discussão sobre mudanças na Justiça ficou reduzida naquele artigo, que autoriza o mandado de prisão. A ideia morreu na praia“, disse o ministro durante debate promovido nesta terça-feira (10/12) em São Paulo pela organização Transparência Brasil. No evento, a advogada Flávia Rahal Bresser Pereira, do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), disse que o processo não pode transitar em julgado após decisão do tribunal do júri, que é esfera de primeira instância.

Clique aqui para ler a proposta original do senador Ricardo Ferraço.
Clique aqui para ler o substitutivo, junto com o relatório, do senador Aloysio Nunes.
PEC 15/2011


Felipe Luchete é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 10 de dezembro de 2013

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

VALOR DA CAUSA SÓ PODE SER ALTERADO SE HOUVE IMPUGNAÇÃO

 


Valor da causa só pode ser alterado se houve impugnação

Por Livia Scocuglia



O valor da causa só pode ser alterado se houve impugnação pela parte contrária. Segundo o artigo 261, parágrafo único do Código de Processo Civil, se não tiver impugnação, presume-se aceito o valor atribuído à causa na petição inicial. Ao julgar um Recurso de Revista que envolvia a União e o McDonald's, a 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho decidiu que o juiz não pode alterar, de ofício, o valor da causa.

No caso, o McDonald's ajuizou Medida Cautelar para que não tivesse que pagar o valor da multa imposta pelo Delegado Regional do Trabalho no valor de R$ 1,9 milhão, para fins de interposição de recurso administrativo, atribuindo à causa o valor de R$ 20 mil.

Em 1° grau, o juiz alterou o valor da causa para o valor da multa imposta, cominando custas processuais no valor de R$ 38 mil. O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região manteve a decisão.

Entretanto, o TST não tem aceitado a majoração, de ofício, do valor dado à causa na petição inicial quando ausente impugnação pela parte contrária. Segundo jurisprudência da corte, a majoração de ofício do valor da causa é contrária ao artigo 261, parágrafo único, do Código de Processo Civil.

Além disso, na ação cautelar não se objetiva vantagem econômica imediata, mas apenas a tutela do direito.

O relator, desembargador convocado José Maria Quadros de Alencar julgou correta as alegações do McDonald's e restabeleceu o valor de R$ 20 mil atribuído à causa na petição inicial.

Clique aqui para ler a decisão.

RR – 133901-35.2005.5.0058


Livia Scocuglia é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 28 de novembro de 2013

terça-feira, 26 de novembro de 2013

FUNDAMENTAÇÃO DE DECISÕES AINDA NAO DÁ CONTA DO BÁSICO

 


Fundamentação de decisões ainda não dá conta do básico

Por José Miguel Garcia Medina


Em determinados momentos da vida, nos damos conta de que nossa atenção fica muito tempo voltada a problemas difíceis, e deixamos de lado questões mais simples, ainda que corriqueiras. Tentando responder ao complexo, acabamos nos esquecendo do básico, sem nos dar conta de que, se não nos resolvermos em relação ao que é básico, dificilmente daremos conta do que é complexo.

É o que ocorre, por exemplo, com o problema da fundamentação das decisões judiciais. Por aqui, tenho enfatizado questões como saber como decidir com base em princípios jurídicos, saber como deve ser a relação entre lei e jurisprudência, se o juiz deve ouvir a sociedade, se súmulas vinculantes têm caráter normativo etc. Faço um mea culpa: aqui mesmo na Coluna Processo Novo acabo me estendendo em temas dessa natureza, que não podem ser exauridos em uma, senão em várias, muitas e repetidas voltas ao tema.[1]

Saber como deve, democraticamente, ser fundamentada e controlada a decisão judicial é um dos temas sensíveis, entre jurisdição constitucional e direitos fundamentais. Não se trata apenas de algo que deve constar do Estatuto da Magistratura, como, a primeira vista, poderia parecer dizer o texto constitucional,[2] mas de verdadeira garantia constitucional. Concordo com o Prof. Lenio Streck, que afirma que ao dever de fundamentar as decisões corresponde o direito fundamental a uma resposta adequada ao sistema normativo, a partir da Constituição.[3]

Como, contudo, tratar com firmeza de questões um pouco mais complexas relacionadas à motivação dos julgados, se nem mesmo superamos o mais rudimentar, que é o direito (a que corresponde o dever) a uma resposta, uma mera resposta? Ora, sequer esse direito vem sendo reconhecido, por nossos tribunais.

Coloque-se a seguinte questão: tendo o pedido (ou o recurso, por exemplo) vários fundamentos, cada um deles hábil a levar ao seu acolhimento, pode ser julgado improcedente (ou o recurso, ser desprovido) sem que sejam todos eles examinados?[4]

Tenho a impressão de que qualquer estudante de direito responderia negativamente a essa questão. Afinal, se meu pedido tem os fundamentos A, B, C e D, não pode ser considerada fundamentada a decisão judicial que o julga improcedente sem examinar cada uma dessas alegações.[5]

Tal não é, contudo, a orientação dominante em nossa jurisprudência. Mesmo o Supremo Tribunal Federal, a respeito, decidiu que “o art. 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão”.[6]

Penso, diversamente, que não pode a pretensão da parte ser rejeitada, sem que todas as alegações que poderiam levar ao seu acolhimento sejam examinadas. Em termos simples: se meu pedido (ou defesa) assenta-se em cinco fundamentos, meu pedido (ou defesa) só pode ser rejeitado se cada um desses fundamentos for examinado e rejeitado.

O projeto de novo Código de Processo Civil, quanto a esse aspecto, corretamente estabelece que “não se considera fundamentada a decisão, sentença ou acórdão que [...] não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador”.[7]

O Supremo Tribunal tem, agora, a chance de corrigir o rumo das coisas. Recentemente, foi admitido recurso extraordinário com repercussão geral em que se debate a seguinte questão: em recurso, a parte suscitou várias questões, mas o tribunal de origem não as analisou; logo, em razão da ausência de prequestionamento, o recurso extraordinário não seria cabível. A repercussão geral foi reconhecida,[8] e o recurso aguarda julgamento.

O direito a uma resposta é o mínimo, o mais raso, que decorre do artigo 93, IX da Constituição. Quando o Supremo Tribunal Federal diz que nem todos os fundamentos de meu pedido precisam ser examinados e julgados, acaba por dizer que eu não teria direito a uma resposta. Esse modo de pensar, para mim, contraria a Constituição.

O modo básico do dever de fundamentação às decisões judiciais está em decidir as questões que poderiam levar ao acolhimento daquilo que pede a parte, não podendo ser considerado fundamentado o julgado que rejeita o pedido ou recurso da parte, sem examinar cada uma de tais questões.

Se não conseguimos satisfazer a isso, tenho dúvidas de que teremos condições de solver problemas um pouco mais complexos, no que diz respeito à fundamentação das decisões judiciais.

[1] Cf., aqui, lista dos textos já publicados, nesta coluna.

[2] A Constituição tratou da fundamentação da decisão judicial no artigo 93, IX. De acordo com o caput desse artigo, seus incisos dispõem sobre princípios a serem observados pela lei complementar que disporá sobre o Estatuto da Magistratura.

[3] Ver, a respeito, vários dos textos da Coluna Senso Incomum, aqui na ConJur, bem como a obra Verdade e Consenso, p. 619.

[4] A questão não se coloca do mesmo modo se, havendo vários fundamentos que conduzem à procedência do pedido, este é acolhido com base em apenas um deles, sem que os demais sejam examinados. Aqui, dedicamo-nos à hipótese inversa.

[5] Tenho defendido esse ponto de vista em vários trabalhos, em que o problema atinente à fundamentação das decisões judiciais é examinado com mais profundidade (cf., dentre outros, Constituição Federal comentada, 2.ed., Ed. RT, comentário ao art. 93; Código de Processo Civil comentado, 2.ed., Ed. RT, comentário ao art. 458).

[6] STF, AI 791292 QO-RG, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 26.06.2010; íntegra disponível aqui.

[7] Cf. artigo 476, parágrafo único, IV da versão do Senado (disponível aqui) e artigo 499, parágrafo único, IV da versão da Câmara dos Deputados (disponível aqui).

[8] STF, RE 719870 RG, rel. Min. Marco Aurélio, j. 29/08/2013; íntegra disponível aqui.


José Miguel Garcia Medina é doutor em Direito, advogado, professor e membro da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto de Código de Processo Civil. Acompanhe-o no Twitter, no Facebook e em seu blog.
Revista Consultor Jurídico, 25 de novembro de 2013

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