Entre Pedrinhas e “rolezinhos”, é o caso de ponderar princípios?
Difícil tomar decisões jurídicas em relação a temas palpitantes, não apenas porque as opiniões a respeito de assuntos momentosos, não raro, são apaixonadas, mas também porque todos dão seu palpite... Mas é exatamente aí que está o problema: é possível decidir questões jurídicas movido pela paixão?
Vamos ao caso dos “rolezinhos”. É caso de ponderar princípios, citando Alexy e Dworkin — como se ambos pensassem do mesmo modo sobre o tema...—, para “escolher” qual dos direitos prepondera — por exemplo, é possível ponderar entre livre manifestação do pensamento e direito de propriedade?
Parece não ser esse o caso.
A Constituição assegura o direito de reunião pacífica e sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de prévia autorização, e desde que não frustre reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo exigido prévio aviso à autoridade competente (artigo 5.º, XVI). A principal tarefa do jurista, no caso, não está em ponderar princípios ou direitos, mas em definir, por exemplo, “local aberto ao público”, para saber se o shopping center se enquadra no que está escrito na regra constitucional, ou não. Ao se começar a fundamentação da decisão dizendo que o caso exige uma “ponderação de princípios”, praticamente diz-se, nas entrelinhas, que ao final se decidirá de acordo com convicções pessoais, e não com (verdadeiro) argumento de princípio — escrevi a respeito aqui.
O que dizer, então, do sucede no presídio em Pedrinhas — que tornou-se símbolo dos problemas graves que acontecem não apenas naquele local, mas em muitos outras prisões brasileiras? Pode o Judiciário ordenar ao Estado que construa novas prisões, para dar conta da população carcerária — por exemplo, sob pena de multa? Voltamos, aqui, à questão dos limites que devem operar entre a atuação jurisdicional e os outros órgãos do Estado. O problema se coloca porque, não raro, aqueles que ocupam poder de decisão no âmbito do poder Executivo, por exemplo, não atuam em consonância com o que impõe a Constituição. Em casos assim, ordenar ao Estado que cumpra uma decisão judicial sob pena de multa a ser paga pelo próprio Estado parece ser medida inócua. Insta identificar e responsabilizar o agente público que violou a lei. Apenas dizer que o Estado é responsável, pura e simplesmente, nada resolve, não passa de retórica vazia. Volto, aqui, ao que disse antes, em outro texto desta coluna. É preciso tornar de fato o que a Constituição estabelece de direito. O que sucede nas prisões brasileiras é resultado de uma equação perniciosa que começa na própria lei.
O que une os dois temas, para além dos aspectos sociológicos e políticos? Para mim, especialmente dois pontos: o primeiro, de tratar-se de temas que interessam apenas no presente momento, e deles logo nos esqueceremos, até que aconteça mais uma tragédia em algum presídio brasileiro; o segundo, de ambos ligarem-se ao nosso preconceito: em nossos tempos, é fácil ouvir que “bandido bom é bandido morto”, e que há pessoas que, sem saber qual o seu lugar, cometem o atrevimento de ir a um shopping center...
José Miguel Garcia Medina é doutor em Direito, advogado, professor e membro da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto de Código de Processo Civil. Acompanhe-o no Twitter, no Facebook e em seu blog.
Revista Consultor Jurídico, 20 de janeiro de 2014
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