No ano em que o Código Civil completa 10 anos de vigência, o Conselho da Justiça Federal aprovou 46 novos enunciados que definem as interpretações da norma. São 10 enunciados sobre a parte geral do Código Civil; 10 sobre obrigações e contratos; 13 sobre responsabilidade civil; 7 sobre coisas; e 6 sobre família e sucessões. Os novos enunciados, que vão do número 530 ao 575, foram aprovados nos dias 11 e 12 de março, durante o VI Jornada de Direito Civil (clique aqui para ler os enunciados aprovados, com as justificativas).
Entre os entendimentos, há questões controversas, como os enunciados 532 e 533. O primeiro diz que “é permitida a disposição gratuita do próprio corpo com objetivos exclusivamente científicos, nos termos dos artigos 11 e 13 do Código Civil”. Na justificativa desse ítem, o CJF explica que pesquisas com seres humanos vivos são feitas todos os dias, sem as quais não seria possível o desenvolvimento da Medicina e de áreas afins.
"Esse entendimento é de grande valia visto que há casos ímpares que, por conta das leis, não podem ser estudados, uma vez que até então não poderia haver tal colaboração por parte do indivíduo disposto a ajudar nas pesquisas", explica o advogado Augusto Fauvel de Moraes, do escritório Fauvel e Moraes Sociedade de Advogados.
O segundo enunciado diz que “o paciente plenamente capaz poderá deliberar sobre todos os aspectos concernentes a tratamento médico que possa lhe causar risco de vida, seja imediato ou mediato, salvo as situações de emergência ou no curso de procedimentos médicos cirúrgicos que não possam ser interrompidos”. A aprovação é justificada diante do crescente reconhecimento da autonomia da vontade e da autodeterminação dos pacientes nos processos de tomada de decisão sobre questões envolvidas em seus tratamentos de saúde.
A justificativa é que, nesse caso, o artigo 15 do Código Civil deve ser interpretado na perspectiva do exercício pleno dos direitos da personalidade, especificamente no exercício da autonomia da vontade. Segundo o CJF, o risco de vida será inerente a qualquer tratamento médico, em maior ou menor grau de frequência. Por essa razão, não deve ser o elemento complementar do suporte fático para a interpretação do referido artigo.
O advogado Renato Moraes, do escritório Moraes Pitombo Advogados, explica que a importância dos enunciados é seu caráter orientador da interpretação dos artigos. “Servem como um norte para interpretação. Há no Código Civil conceitos mais difíceis, como o do abuso de direito, por exemplo, que precisam dessa orientação para não serem lidos de maneira equivocada.”
O abuso de direito foi um dos temas abordados. De acordo com enunciado 539, “o abuso de direito é uma categoria jurídica autônoma em relação à responsabilidade civil. Por isso, o exercício abusivo de posições jurídicas desafia controle independentemente de dano”.
Os enunciados 553 e 554 também eliminam dúvidas da jurisprudência. Eles dizem respectivamente o seguinte: “Constituem danos reflexos reparáveis as despesas suportadas pela operadora de plano de saúde decorrentes de complicações de procedimentos por ela não cobertos” e “Nas ações de responsabilidade civil por cadastramento indevido nos registros de devedores inadimplentes realizados por instituições financeiras, a responsabilidade civil é objetiva”.
A reparação por dano moral também foi discutida durante a Jornada. O enunciado 550 diz que “a quantificação da reparação por danos extrapatrimoniais não deve estar sujeita a tabelamento ou a valores fixos”. De acordo com a justificativa, cada caso deve ser analisado separadamente. “A análise do caso concreto deve ser sempre priorizada. Caso contrário, corremos o risco de voltar ao tempo da Lei das XII Tábuas, em que um osso quebrado tinha um valor e a violência moral, outro”, diz a justificativa.
O CJF lembra ainda que, no caso de dano moral, o juiz não pode eximir-se do seu dever de analisar, calcular e arbitrar a indenização dentro daquilo que é pretendido entre as partes.
“Limitar o valor de dano moral é absurdo. É inadmissível fixar um teto para a dor que a pessoa está sentindo”, comenta Renato Moraes. Na Câmara dos Deputados há diversos projetos que tratam do dano moral e limitam valores. Um deles é o PL 523/2011, do deputado Walter Tosta (PMN-MG), que dispõe sobre os casos em que é cabível indenização por dano moral e fixa o valor entre 10 e 500 salários mínimos.
Veja abaixo os enunciados aprovados na VI Jornada de Direito Civil:
Parte Geral
Enunciado 530 – A emancipação, por si só, não elide a incidência do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Artigo: 5°, parágrafo único, do Código Civil
Enunciado 531 – A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.
Artigo: 11 do Código Civil
Enunciado 532 – É permitida a disposição gratuita do próprio corpo com objetivos exclusivamente científicos, nos termos dos arts. 11 e 13 do Código Civil.
Artigos: 11 e 13 do Código Civil
Enunciado 533 – O paciente plenamente capaz poderá deliberar sobre todos os aspectos concernentes a tratamento médico que possa lhe causar risco de vida, seja imediato ou mediato, salvo as situações de emergência ou no curso de procedimentos médicos cirúrgicos que não possam ser interrompidos.
Artigo: 15 do Código Civil
Enunciado 534 – As associações podem desenvolver atividade econômica, desde que não haja finalidade lucrativa.
Artigo: 53 do Código Civil
Enunciado 535 – Para a existência da pertença, o art. 93 do Código Civil não exige elemento subjetivo como requisito para o ato de destinação.
Artigo: 93 do Código Civil
Enunciado 536 – Resultando do negócio jurídico nulo consequências patrimoniais capazes de ensejar pretensões, é possível, quanto a estas, a incidência da prescrição.
Artigo: 169 do Código Civil
Enunciado 537 – A previsão contida no art. 169 não impossibilita que, excepcionalmente, negócios jurídicos nulos produzam efeitos a serem preservados quando justificados por interesses merecedores de tutela.
Artigo: 169 do Código Civil
Enunciado 538 – No que diz respeito a terceiros eventualmente prejudicados, o prazo decadencial de que trata o art. 179 do Código Civil não se conta da celebração do negócio jurídico, mas da ciência que dele tiverem.
Artigo: 179 do Código Civil
Enunciado 539 – O abuso de direito é uma categoria jurídica autônoma em relação à responsabilidade civil. Por isso, o exercício abusivo de posições jurídicas desafia controle independentemente de dano.
Artigo: 187 do Código Civil
Obrigações e Contratos
Enunciado 540 – Havendo perecimento do objeto da prestação indivisível por culpa de apenas um dos devedores, todos respondem, de maneira divisível, pelo equivalente e só o culpado, pelas perdas e danos.
Artigo: 263 do Código Civil
Enunciado 541 – O contrato de prestação de serviço pode ser gratuito.
Artigo: 594 do Código Civil
Enunciado 542 – A recusa de renovação das apólices de seguro de vida pelas seguradoras em razão da idade do segurado é discriminatória e atenta contra a função social do contrato.
Artigos: 765 e 796 do Código Civil
Enunciado 543 – Constitui abuso do direito a modificação acentuada das condições do seguro de vida e de saúde pela seguradora quando da renovação do contrato.
Artigo:765 do Código Civil
Enunciado 544 – O seguro de responsabilidade civil facultativo garante dois interesses, o do segurado contra os efeitos patrimoniais da imputação de responsabilidade e o da vítima à indenização, ambos destinatários da garantia, com pretensão própria e independente contra a seguradora.
Artigo: 787 do Código Civil
Enunciado 545 – O prazo para pleitear a anulação de venda de ascendente a descendente sem anuência dos demais descendentes e/ou do cônjuge do alienante é de 2 (dois) anos, contados da ciência do ato, que se presume absolutamente, em se tratando de transferência imobiliária, a partir da data do registro de imóveis.
Artigos: 179 e 496 do Código Civil
Enunciado 546 – O § 2º do art. 787 do Código Civil deve ser interpretado em consonância com o art. 422 do mesmo diploma legal, não obstando o direito à indenização e ao reembolso.
Artigos: 787, § 2º, e 422
Enunciado 547 – Na hipótese de alteração da obrigação principal sem o consentimento do fiador, a exoneração deste é automática, não se aplicando o disposto no art. 835 do Código Civil quanto à necessidade de permanecer obrigado pelo prazo de 60 (sessenta) dias após a notificação ao credor, ou de 120 (cento e dias) dias no caso de fiança locatícia.
Artigos: 366 e 835 do Código Civil e art. 40, X, da Lei n. 8.245/1991
Enunciado 548 – Caracterizada a violação de dever contratual, incumbe ao devedor o ônus de demonstrar que o fato causador do dano não lhe pode ser imputado.
Artigo: 389 e 475 do Código Civil
Enunciado 549 – A promessa de doação no âmbito da transação constitui obrigação positiva e perde o caráter de liberalidade previsto no art. 538 do Código Civil.
Artigo: 538 do Código Civil
Responsabilidade Civil
Enunciado 550 – A quantificação da reparação por danos extrapatrimoniais não deve estar sujeita a tabelamento ou a valores fixos.
Artigos: 186 e 944 do Código Civil
Enunciado 551 – Nas violações aos direitos relativos a marcas, patentes e desenhos industriais, será assegurada a reparação civil ao seu titular, incluídos tanto os danos patrimoniais como os danos extrapatrimoniais.
Artigos: 186, 884, 927 e 944 do Código Civil
Enunciado 552 – Constituem danos reflexos reparáveis as despesas suportadas pela operadora de plano de saúde decorrentes de complicações de procedimentos por ela não cobertos.
Artigo: 786, caput, do Código Civil
Enunciado 553 – Nas ações de responsabilidade civil por cadastramento indevido nos registros de devedores inadimplentes realizados por instituições financeiras, a responsabilidade civil é objetiva.
Artigo: 927 do Código Civil
Enunciado 554 – Independe de indicação do local específico da informação a ordem judicial para que o provedor de hospedagem bloqueie determinado conteúdo ofensivo na internet.
Artigo: 927, parágrafo único, do Código Civil
Enunciado 555 – “Os direitos de outrem” mencionados no parágrafo único do art. 927 do Código Civil devem abranger não apenas a vida e a integridade física, mas também outros direitos, de caráter patrimonial ou extrapatrimonial.
Artigo: 927, parágrafo único, do Código Civil
Enunciado 556 – A responsabilidade civil do dono do prédio ou construção por sua ruína, tratada pelo art. 937 do CC, é objetiva.
Artigo: 937 do Código Civil
Enunciado 557 – Nos termos do art. 938 do CC, se a coisa cair ou for lançada de condomínio edilício, não sendo possível identificar de qual unidade, responderá o condomínio, assegurado o direito de regresso.
Artigo: 938 do Código Civil
Enunciado 558 – São solidariamente responsáveis pela reparação civil, juntamente com os agentes públicos que praticaram atos de improbidade administrativa, as pessoas, inclusive as jurídicas, que para eles concorreram ou deles se beneficiaram direta ou indiretamente.
Artigos: 942, caput e parágrafo único, do Código Civil, combinado com os arts 3º, 4º, 5º e 6º da Lei n. 8.429, de 2/6/1992 (Lei de Improbidade Administrativa)
Enunciado 559 – Observado o Enunciado 369 do CJF, no transporte aéreo, nacional e internacional, a responsabilidade do transportador em relação aos passageiros gratuitos, que viajarem por cortesia, é objetiva, devendo atender à integral reparação de danos patrimoniais e extrapatrimoniais.
Artigos: 732 e 736 do Código Civil, 256, § 2º, b, da Lei n. 7.565/1986 e 1º do Decreto n. 5.910/2006
Enunciado 560 – No plano patrimonial, a manifestação do dano reflexo ou por ricochete não se restringe às hipóteses previstas no art. 948 do Código Civil.
Artigo: 948 do Código Civil
Enunciado 561 – No caso do art. 952 do Código Civil, se a coisa faltar, dever-se-á, além de reembolsar o seu equivalente ao prejudicado, indenizar também os lucros cessantes.
Artigo: 952 do Código Civil
Enunciado 562 – Aos casos do art. 931 do Código Civil aplicam-se as excludentes da responsabilidade objetiva.
Artigo: 931 do Código Civil
Direito das Coisas
Enunciado 563 – O reconhecimento da posse por parte do Poder Público competente anterior à sua legitimação nos termos da Lei n. 11.977/2009 constitui título possessório.
Artigo: 1.196 do Código Civil
Enunciado 564 – As normas relativas à usucapião extraordinária (art. 1.238, caput, CC) e à usucapião ordinária (art. 1.242, caput, CC), por estabelecerem redução de prazo em benefício do possuidor, têm aplicação imediata, não incidindo o disposto no art. 2.028 do Código Civil.
Artigo: 1.238 do Código Civil
Enunciado 565 – Não ocorre a perda da propriedade por abandono de resíduos sólidos, que são considerados bens socioambientais, nos termos da Lei n. 12.305/2012.
Artigo: 1.275, III, do Código Civil
Enunciado 566 – A cláusula convencional que restringe a permanência de animais em unidades autônomas residenciais deve ser valorada à luz dos parâmetros legais de sossego, insalubridade e periculosidade.
Referência legislativa: Código Civil, art. 1.335, I, e Lei n. 4.591/1964, art. 19
Enunciado 567 – A avaliação do imóvel para efeito do leilão previsto no § 1º do art. 27 da Lei n. 9.514/1997 deve contemplar o maior valor entre a avaliação efetuada pelo município para cálculo do imposto de transmissão inter vivos (ITBI) devido para a consolidação da propriedade no patrimônio do credor fiduciário e o critério fixado contratualmente.
Referência Legislativa: Lei n. 9.514/1997, art. 27, § 1º
Enunciado 568 – O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato, admitindo-se o direito de sobrelevação, atendida a legislação urbanística.
Referência legislativa: Código Civil, art. 1.369, e Estatuto da Cidade, art. 21
Enunciado 569 – No caso do art. 1.242, parágrafo único, a usucapião, como matéria de defesa, prescinde do ajuizamento da ação de usucapião, visto que, nessa hipótese, o usucapiente já é o titular do imóvel no registro.
Artigo: 1.242, parágrafo único, do Código Civil
Família e Sucessões
Enunciado 570 – O reconhecimento de filho havido em união estável fruto de técnica de reprodução assistida heteróloga “a patre” consentida expressamente pelo companheiro representa a formalização do vínculo jurídico de paternidadefiliação, cuja constituição se deu no momento do início da gravidez da companheira.
Artigos: 1.607 e 1.609 do Código Civil
Enunciado 571 – Se comprovada a resolução prévia e judicial de todas as questões referentes aos filhos menores ou incapazes, o tabelião de notas poderá lavrar escrituras públicas de dissolução conjugal.
Artigos: 1.571 ao 1.582 do Código Civil, combinados com a Lei n. 11.441⁄2007
Enunciado 572 – Mediante ordem judicial, é admissível, para a satisfação do crédito alimentar atual, o levantamento do saldo de conta vinculada ao FGTS.
Artigos: 1.695 e 1.701, parágrafo único, do Código Civil
Enunciado 573 – Na apuração da possibilidade do alimentante, observar-se-ão os sinais exteriores de riqueza.
Artigo: 1.694, § 1º, do Código Civil
Enunciado 574 – A decisão judicial de interdição deverá fixar os limites da curatela para todas as pessoas a ela sujeitas, sem distinção, a fim de resguardar os direitos fundamentais e a dignidade do interdito (art. 1.772).
Artigo: 1.772 do Código Civil
Enunciado 575 – Concorrendo herdeiros de classes diversas, a renúncia de qualquer deles devolve sua parte aos que integram a mesma ordem dos chamados a suceder.
Artigo: 1.810 do Código Civil
Tadeu Rover é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 15 de abril de 2013
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