terça-feira, 3 de outubro de 2017

A DESEMBARGADORA VÓLIA BOMFIM FALA SOBRE O NEGOCIADO SOBRE O LEGISLADO

Fonte: TRT3ª Região

Doutora em Direito e Economia pela UGF, a desembargadora do TRT da 1a Região Vólia Bonfim Cassar falou sobre as novidades trazidas pela reforma no artigo 611-A e no 611-B. Mas, antes, ela chamou a atenção para o cuidado tomado pelo legislador reformista que, para dar segurança à flexibilização (ou redução de direitos por convenção ou acordo coletivo), tratou de mexer em três outros pontos.

Um deles foi o artigo 8º, parágrafo 3º, proibindo o Judiciário de anular normas coletivas que versem sobre redução ou supressão de direitos, salvo se violar o art. 104 do Código Civil.

§ 3o - No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.

De acordo com a palestrante, isso veio como uma bomba para o Judiciário: “Até porque, no parágrafo segundo, ele tenta reduzir o ativismo judicial, impedindo o TST e os tribunais trabalhistas de editarem súmulas ou teses vinculantes que criem ou restrinjam obrigações não previstas em lei, e, no parágrafo terceiro, consagra o princípio da mínima inervação na autonomia coletiva, dizendo que o juiz ou tribunal do trabalho só podem anular uma cláusula de acordo ou convenção coletiva em caso de objeto ilícito, agente incapaz ou forma não prescrita ou defesa em lei. Exclusivamente isso. A lei não é exemplificativa. Por ela, só haverá nulidade se violar o artigo 104”, frisa.

Assim, conforme prevê a desembargadora, não teremos grandes nulidades, já que agentes capazes os sindicatos e a pessoa jurídica da empresa são; forma prescrita não tem um regramento muito especial e, quanto ao objeto ilícito, a própria reforma apontou que seria o previsto no artigo 611-B, mais uma vez amarrando o julgador.

Nesse ponto, a palestrante faz parênteses para tecer o seu primeiro comentário crítico à lei da reforma que, para ela, tratou de estabelecer a flexibilização com o objetivo de dar segurança ao empresário. “Para o trabalhador são sete benefícios contra mais de 200 malefícios!”, dispara. E parte para comentar o artigo 612 que diz que, se houver conflito entre acordo e convenção coletiva, prevalece o acordo, mesmo que menos favorável. E lá no art. 614, o legislador reformista impediu a ultratividade da norma coletiva, prevista na Súmula 277 do TST.

Voltando ao comentário quanto às nulidades previstas no parágrafo terceiro do art. 8º, a palestrante manifesta a sua discordância, dizendo que há outras nulidades possíveis, que não as do artigo 104 do CC. Ela aponta que também haverá nulidade de acordo ou CCT pela inexistência dos requisitos dos artigos 612 ,613 e 614 da CLT.

Pelo que dispõe o art. 612, o instrumento normativo só é válido quando houver edital de convocação específico, e precisa ter um prazo de publicação exigido no edital. Assim, hoje, para acordos que diminuem direitos trabalhistas, todas essas formalidades devem ser analisadas: Foi feito sob a forma escrita? Foi divulgado? Teve quorum regulamentar? Houve edital? Para tanto, devem ser analisados o estatuto do sindicado, a ata da assembleia, se teve a publicidade exigida naquele tipo de estatuto e se o acordo incluiu todos os empregados da empresa.

De acordo com a palestrante, a reforma confunde a flexibilização de adaptação com a flexibilização de necessidade. E ela explica a diferença:

A flexibilização de adaptação é a prevista para empresa que não está em dificuldade financeira, mas não consegue cumprir determinado comando legal, pela sua especialização. Ex. Médicos em plantão de 24h, ou seja, um dia de trabalho por seis de descanso. Não há lei e nem norma coletiva permitindo isso e o médico ultrapassa as jornadas diárias legais. Para esses trabalhadores, segundo a desembargadora, seria necessário fazer essa negociação coletiva, já que médicos ganhavam horas extras na justiça por fazer mais de oito horas por dia. “Então a flexibilização de adaptação é aquele caso em que a lei não se amolda ao caso concreto e a norma coletiva vem suprir isso, mudando a regra imposta, rígida, e adaptando ao caso concreto, de forma que os dois lados ganham”, explicou, frisando que aí sempre haveria contrapartida patronal.

Já a flexibilização de necessidade seria o oposto: a empresa está atravessando sérias dificuldades financeiras e, por conta disso, simplesmente suprime direitos, inclusive reduzindo salários, sem contrapartida. No entender da palestrante, a intenção da comissão da reforma, inicialmente, era estabelecer a flexibilização de adaptação, com contrapartida, “mas quem escreveu não entendeu” e, no final, ficou apenas a flexibilização de necessidade, sem previsão de contrapartida.


De volta às nulidades, ela aponta a segunda possibilidade: quando houver redução de salário e jornada sem contrapartida (que seria manter o emprego enquanto durar a norma), a cláusula normativa será nula. Isso, segundo apontou, é o que está na própria Lei da reforma. (Art 611-A § 3o Se for pactuada cláusula que reduza o salário ou a jornada, a convenção coletiva ou o acordo coletivo de trabalho deverão prever a proteção dos empregados contra dispensa imotivada durante o prazo de vigência do instrumento coletivo).

A terceira hipótese de nulidade de cláusulas normativas não prevista na reforma seria quando se atropelarem os direitos constitucionais. A palestrante esclarece que, ao fixar o que não pode ser negociado, o art. 611-B não incluiu todos os direitos previstos na Constituição Federal, mas apenas parte do art. 7º e parte do art. 8º da CF/88. Ela observa que foram esquecidos os direitos, liberdades e garantias previstos no artigo 5º e, se ofendidos esses, obviamente, haverá nulidade. Exemplos disso são cláusulas que autorizem monitoramento por câmeras em banheiros, óbvia invasão de privacidade, ou que disponham que o trabalhador deva ficar trancado na empresa durante os intervalos. “Há, evidentemente, direitos e garantias constitucionais não especificadas na reforma e que gerarão nulidades, caso desrespeitados”, pondera, acrescentando que os magistrados deverão cumprir essa limitação do ativismo judicial, evitando declarar a nulidade da cláusula. “Mas não dá para interpretar literalmente o parágrafo terceiro do artigo 8º, quando diz que as nulidades são exclusivamente as do art. 104, porque não são”, arremata.

Vólia Bonfim comenta ainda que antes da reforma, os ACTs ou CCTs tinham valor de lei. Agora, o instrumento normativo tem prevalência sobre a lei. Assim, ela contesta o argumento de que os artigos da reforma que violam convenções internacionais não prevaleceriam. Isto porque, a convenção internacional entra no ordenamento jurídico nacional como decreto legislativo, que tem hierarquia de lei ordinária. Sendo a reforma, igualmente, lei ordinária, ela revoga todas as anteriores, ou seja, revoga os tratados naquilo que a contrariam. Lei posterior revoga a anterior, lembra e acrescenta que, “se o Brasil não está cumprindo os tratados, isso é problema que o País tem de resolver, politicamente, com a OIT”.

Ao comentar sobre o artigo 611-A, que diz que o acordado prevalece sobre o legislado, ela observa que os incisos são exemplificativos. Assim “tudo pode agora, desde que o direito não esteja previsto na Constituição”.

A partir daí, a palestrante passa a comentar alguns incisos que estabelecem o que pode ser negociado:

- Sobrejornada - As compensações de jornada agora só precisam respeitar um requisito temporal, que é o limite do banco de horas anual. “Não precisa respeitar duas horas por dia porque isso é a CLT que prevê e o acordo prevalece sobre a lei, desde que compense dentro de um ano”, ensina, acrescentando que a compensação aleatória, sem previsibilidade, só atende aos interesses do patrão, que poderá escolher como e quando será a folga compensatória. E mais: agora o empregado poderá trabalhar sem qualquer limite diário, se isso for ajustado com o sindicato profissional.

- Intervalo - Agora pode ser reduzido, mesmo sem refeitório na empresa.

- Redução do salário com a redução da jornada já era bastante discutido, em caso de dificuldade financeiras da empresa. Mas o percentual de redução ficava mais por conta da doutrina. Agora poderiam ter fixado um limite percentual, mas isso não foi feito.

- Plano de cargos e salários – Não tem mais sentido levar o PCS, norma interna da empresa, para a chancela sindical. Até porque a norma coletiva tem vigência temporária. Agora o empregador vai ter o poder de definir que o empregado tal ocupa cargo de confiança, apenas para excluí-lo do regime de jornada. E o juiz só poderá reconhecer isso como fraude se não tiver nenhuma atividade na função que demonstre a confiança.

- Regulamento da empresa - .O regulamento interno agora aplica-se a todos, inclusive àqueles com contrato vigente antes das eventuais alterações feitas nele. “Isso é para acabar com a Súmula 51 do TST”, alfineta.

- Representante dos trabalhadores no local da empresa – A norma coletiva poderá diminuir o período de estabilidade, a quantidade de representantes, o tempo do mandato, ou pode estabelecer comissões nacionais, em lugar de representações estaduais, etc.

- Teletrabalho – A reforma criou o inciso III no artigo 62 para excluir do regime de jornada o teletrabalhador.“A reforma diz que ele trabalha fora da empresa, mas não é um externo, ou seja, não é controlado. Agora tudo fica a cargo do teletrabalhador, como internet, energia, computador etc. Porque antes isso dependia de acordo, agora não mais”.

- Sobreaviso- Estabeleceu-se que não será computado no tempo de trabalho.

- Modalidade de registro de jornada – Se é a CLT que estipula a obrigatoriedade de controle de ponto para empresas com mais de 10 empregados, agora o acordo ou convenção coletiva pode dizer que não precisa ter controle de ponto ou que valerá o controle britânico etc.

- Enquadramento do grau de insalubridade - Pode ser estabelecido por instrumento normativo. Aí a palestrante aponta uma contradição, já que a própria Lei da reforma proíbe negociação sobre normas de saúde e higiene do trabalho.

- Remuneração por produtividade, gorjetas, remuneração por desempenho individual - A norma coletiva vai poder estabelecer a natureza jurídica dessas parcelas, retirando a integração delas à remuneração.

Ao comentar sobre o que não poderá ser negociado (art. 611-B), a desembargadora comemora o fato de que os instrumentos normativos, ao menos, não poderão mexer na conceituação de empregado, ou seja, não poderão definir quem é ou não empregado para efeitos legais.

Em contrapartida, ela critica o inciso V do art. 611-B, que, ao proibir a negociação apenas quanto ao “valor nominal do 13º salário”, deixa aberta a possibilidade de parcelamento do décimo terceiro, inclusive pagando-se 1/12 da verba por mês, o que, no seu entender, desvirtuaria o sentido do instituto, que é garantir ao trabalhador um salário extra ao final do ano. Outra “avenida aberta” ao desvirtuamento é a possibilidade de fracionamento indefinido dos dias de férias, o que ela entende como inconstitucional.

Finalizando, Vólia Bonfim vaticina que, a partir de agora, o papel dos juízes vai ser julgar o embate entre a Constituição Federal e a norma coletiva. “Alguns bons sindicatos não vão negociar bem, em prol dos seus associados, mas outros vão negociar tudo! E nós, juízes, vamos ter de julgar com base na norma coletiva e não mais com base na lei.”.

NOVIDADE! MODELO DE APELAÇÃO CÍVEL NO NOVO CPC


APELAÇÃO CÍVEL NO NOVO CPC

.- Considerações importantes

        É importante advertir a todos que este material não esgota o assunto, ao contrário, serve apenas como rota para que o estudante do curso de direito ou, até mesmo, o profissional do direito possa se orientar. 

         Nunes et al escreve que “o recurso no plano jurídico constitui um instrumento técnico destinado à impugnação (ataque) de decisões judiciais (decisões interlocutórias, sentenças, acórdãos) com a função de assegurar um controle de sua legalidade, legitimidade e adequação ao plano normativo”[i][i].

      Nas próximas linhas tentaremos tecer considerações gerais da apelação, trazendo conceitos, regramento legal, prazo, preparo e efeito. 

      Em síntese a apelação é o recurso cabível para impugnar a sentença (art. 1009, Novo CPC); é o recurso ordinário por excelência, isso porque permite a rediscussão da decisão em sua integralidade fático-jurídico-probatória. Nunes et al salienta que a “apelação é classificada como recurso de fundamentação livre (ou ilimitada, ou irrestrita)”[ii][iii].

          O fundamento legal da apelação está nos artigos 1009 a 1014 do Código de Processo Civil. 

         O prazo para interposição é de 15 dias (úteis). O mesmo prazo é concedido à parte contrária para contrarrazoar o recurso (art. 1010, §1º).

      O recurso de apelação está sujeito a preparo (pagamento das custas recursais), salvo se a parte recorrente for beneficiária da justiça gratuita.

           O Código de Processo Civil determina que a apelação será recebida, em regra, no efeito suspensivo – art. 1012. Entretanto, o próprio dispositivo, no seu §1º, elenca algumas situações em que o recurso será recebido no efeito devolutivo. 
           Isto acontece quando a sentença possui comandos de executividade imediata, como é o caso das ações que:

I - homologa divisão ou demarcação de terras; 
II - condena a pagar alimentos; 
III - extingue sem resolução do mérito ou julga improcedentes os embargos do executado; 
IV - julga procedente o pedido de instituição de arbitragem;
V - confirma, concede ou revoga tutela provisória; 
VI - decreta a interdição.

          Sobre o processamento da apelação, o artigo 1.010 dispõe que ela deve ser interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau e conterá: 

I - os nomes e a qualificação das partes;
II - a exposição do fato e do direito; 
III - as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade; 
IV - o pedido de nova decisão.

Após as formalidades previstas nos §§ 1º e 2º, do artigo 1010, os autos serão remetidos ao tribunal pelo juiz, independentemente de juízo de admissibilidade. 

O recurso será recebido e distribuído imediatamente ao relator, que poderá decidi-lo monocraticamente apenas nas hipóteses do art. 932, incisos III a V. Se não for o caso de decisão monocrática, elaborará seu voto para julgamento do recurso pelo órgão colegiado.


.- PASSOS QUE NÃO DEVEM FALTAR NA PROVA PRÁTICA DA OAB



1ª PEÇA - interposição


- Endereçamento (art. 1010, CPC)
- qualificação (art. 1010, I, CPC)
- efeitos (art. 1012, CPC)
- preparo (art. 1007, CPC)


2ª PEÇA – razões de apelação

I – DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE

- Tempestividade (prazo, art. 1003, §5º, CPC)
- cabimento (art. 1009, CPC) (transcrever o artigo 1009)

II – RAZÕES RECURSAIS

- Síntese do processo até a sentença (art. 1010, II CPC)
- colacionar pontos importantes da r. sentença.
- porque merece reforma (art. 1010, III, CPC)

III – PEDIDO 

- Recebimento (art. 1010, CPC)
- efeito (art. 1012, CPC)
- Provimento, reforma e invalidade
- resposta (art. 1010, §1º, CPC)
- inversão sucumbencial (art. 85, §11, CPC)


.- MODELO DE APELAÇÃO 

[PRIMEIRA PEÇA)

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA (...) VARA CÍVEL DA COMARCA DE (...) 


AUTOS Nº. ______________ 





NOME DO APELANTE, já qualificado nos autos em referência da ação [...], ajuizada por [nome da parte] (ou, em face de [nome da parte]), vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, por seu advogado adiante assinado, inconformado com a respeitável sentença proferida às fls. ___, interpor o presente RECURSO DE APELAÇÃO nos termos do artigo 1009 do Código de Processo Civil, pelas razões anexas, as quais deverão ser recebidas e encaminhadas ao e. Tribunal de Justiça de [nome do Estado]. 

Seguem anexas guias do recolhimento das custas e do preparo.

Obs.: Estando a parte recorrente sob o pálio da justiça gratuita, há necessidade de informar. A redação pode ser a seguinte: "A Recorrente informa que litiga sob o pálio da justiça gratuita, razão pela qual ausente o recolhimento das custas e do preparo.)

Nestes termos, 
Pede e espera deferimento. 

Local e data 


Nome e assinatura do advogado 
Inscrição na OAB


[SEGUNDA PEÇA]


EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO [nome do Estado]


RAZÕES DE APELAÇÃO

Nº DO PROCESSO 
APELANTE: [...] 
APELADA: [...] 
VARA DE ORIGEM [...] 



NOBRES  DESEMBARGADORES,

1.- DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE

O presente recurso é próprio, tempestivo, as partes são legítimas e estão devidamente representadas, portanto, preenchido os pressupostos de admissibilidade.


2.- PRELIMINARMENTE

[alegar eventuais preliminares de nulidade]


2.-  SÍNTESE DO PROCESSO

[o que de mais importante aconteceu no processo]

Este é o resumo dos autos.

3.- RAZÕES PARA REFORMA 

[as razões e a fundamentação para reforma ou nulidade da sentença]

Com efeito, entende o(a) Recorrente que a reforma da respeitável sentença é medida que se impõe.

4.- CONCLUSÃO 

Diante dessas considerações, o(a) Recorrente requer seja conhecido o presente recurso e, quando de seu julgamento, lhe seja dado integral provimento para reformar a respeitável sentença recorrida, acolhendo o pedido inicial ____________________. Fazendo isto, essa colenda Câmara estará renovando seus propósitos de distribuir a tão almejada Justiça (opcional). 

Neste termos, 
pede e espera deferimento. 
Local e data. 

Nome e assinatura do advogado 
Número de inscrição na OAB



[i][i] NUNES, Dierle et al. Curso de direito processual: fundamentação e aplicação. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 296. 
[ii][iii] Ibidem, p. 299. 
[iii][v] Publicada a respeitável sentença em [data da publicação], a contagem do prazo recursal teve início em [...], encerrando-se em [...], portanto, tempestivo. 




segunda-feira, 2 de outubro de 2017

NOVIDADE! MODELO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO NOVO CPC

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO NOVO CPC



        Inicialmente, cumpre esclarecer que este autor não tem a pretensão de apresentar um modelo padrão de embargos de declaração, até porque, esta não a finalidade deste blog. Nossa tarefa é apontar as alterações trazidas pelo novo Código de Processo Civil.

     Os Embargos de Declaração se apresentam como expediente utilizado pelas partes, com o fim de esclarecer (aclarar) obscuridade, contradição e omissão em qualquer decisão (seja ela interlocutória, monocrática, sentença ou acórdão), nos termos do artigo 1.022 do Novo Código de Processo Civil que diz, in verbis:


Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para:

I - esclarecer obscuridade ou eliminar contradição;
II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento;
III - corrigir erro material.


     O recurso deve ser dirigido ao próprio órgão julgador que proferiu a decisão. Isso no prazo de 5 dias. Lembrando que de acordo com o NCPC, a contagem de prazos é em dias úteis. 

    O CPC/1973 previa distinções quanto a esse recurso no regime do JEC (Juizado Especial Cível), mas, com o CPC/2015 o procedimento foi unificado. 


       O juiz deve apenas corrigir a sua falha na argumentação da sentença, mas não poderá modificar o conteúdo de sua decisão. Mas, se caso essa modificação gerar um resultado diferente na sentença, será chamado de embargos de declaração com efeitos infringentes (modificativos). Nesse caso, o embargado deverá ser intimado para realizar o contraditório, no prazo de cinco dias (art. 1.023, §2º). 

    A utilização do recurso como mecanismo de delongar o processo pode implicar em multa. Além disso, se tiver sido considerado protelatório os dois embargos anteriores, não serão admitidos novos embargos de declaração (Art. 1.026 § 4º). Ademais, estabelece a Súmula nº 98 do STJ – Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório.

   Uma das novidades trazidas pelo novo CPC se encontra no artigo 1025. Tal artigo estabelece que a simples oposição dos declaratórios já supre o requisito do prequestionamento. 



FUNDAMENTAÇÃO LEGAL:

Arts. 1.022 ao 1.026 do Novo Código de Processo Civil.

Cabimento: quando houver, em qualquer decisão, obscuridade ou contradição; for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal. Cabem também embargos para corrigir erro material. 

Prazo: 5 dias úteis (art. 1.023).

Efeito: devolutivo (porém, não admite revisão, apenas esclarecimento/integração), suspensivo (não há) e interruptivo (art. 1.026/CPC2015). 

Preparo: Não há.

Interposição: 1º e 2º grau. 

Embargos reiterados: A lei processual não limita a possibilidade de oposição de embargos declaratórios, salvo no caso de embargos protelatórios. 

Prequestionamento: os embargos de declaração servem para o prequestionamento. O prequestionamento corresponde à apreciação da questão por uma decisão, para poder ser apreciada em sede de recurso especial ou extraordinário. 


.- SUGESTÃO DE MODELO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO 


EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ___VARA CÍVEL DA COMARCA DE _____



(deixar espaço de 10 cm)

Autos nº. ______


........... (nome do embargante), nos autos da ação (nome da ação) ajuizada em face de (ou ajuizada por) ........... (nome do embargado), à vista da respeitável sentença de fls. (ou respeitável decisão interlocutória; ou venerando acórdão), vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência por seu advogado adiante assinado, com fundamento no artigo 1.022 e seguintes do Novo Código de Processo Civil, opor EMBARGOS DE DECLARAÇÃO conforme segue:

Conforme se depreende da respeitável sentença (ou decisão interlocutória, ou acórdão), entendeu por bem Vossa Excelência (enfatizar a parte da decisão que se presente discutir). 

Entretanto, observa-se manifesta omissão (ou obscuridade ou contradição) no julgamento quanto ao item relativo a ____ (indica-se o ponto omisso, ou, se for o caso, o erro, a obscuridade ou a contradição porventura existentes na Sentença).


Com efeito, a (indica-se: omissão, contradição ou obscuridade) deve ser sanada. 

Diante do exposto, requer a Vossa Excelência se digne de dar provimento a estes Embargos Declaratórios para o fim de sanar a (indica-se: omissão, contradição ou obscuridade). Fazendo isto, esse respeitável Juízo estará renovando seus propósitos de distribuir a tão almejada Justiça!

Nestes termos,

Pede e espera deferimento.

Local/data.


advogado
OAB

















Des. Sebastião Geraldo: Inovação do Dano Extrapatrimonial



Fonte: TRT3ª Região


Coube o tema ao desembargador do TRT-MG e mestre em Direito pela UFMG, Sebastião Geraldo de Oliveira, que também integra o Comitê Gestor Nacional do Trabalho Seguro e a Academia Brasileira de Direito do Trabalho.


Ao analisar os sete artigos que tratam das inovações em matéria de dano extrapatrimonial na seara trabalhista, o palestrante comenta que o artigo 223-A, da Lei da Reforma, teve a pretensão de estabelecer que toda a matéria referente ao dano extrapatrimonial seja regulada apenas pelas disposições daquele título, excluindo a lei civil, o que ele aponta como “ingenuidade do legislador”, pois, para ele, o título não dá conta de disciplinar toda a matéria da responsabilidade civil.


De todo modo, ressalta, esses dispositivos regulam apenas o dano extrapatrimonial. Em se tratando de danos materiais, pensionamento, etc, frutos de acidente de trabalho, a regulação continuará sendo feita pelo Código Civil.


Ele explica que o artigo 8º da CLT sofreu mudança importante porque foi suprimido do texto o dispositivo que mencionava a necessidade de compatibilidade na aplicação das normas do direito civil na seara trabalhista. “Esse filtro foi retirado, abrindo uma avenida para se aplicar o direito civil, igualando a pessoa civil ao trabalhador, ignorando-se a subordinação deste”, alerta e acrescenta que, ao se instituir uma regulação mais limitada em relação ao dano extrapatrimonial, o trabalhador tem, então, uma cobertura inferior ao cidadão comum que sofre acidente de trânsito, por exemplo.


Mas ele aponta como um ponto positivo da reforma a inclusão do dano existencial no direito trabalhista. Segundo explicou, o dano extrapatrimonial é mais abrangente, pois abarca dano moral, existencial e estético, podendo-se acumular com o dano material, lucro cessante e dano emergente. Isso porque está consagrado o dano existencial, cuja dimensão a doutrina deverá construir a partir de agora, pois, como se trata de direito positivo, começarão a chegar à JT pedidos nesse sentido.


Mas o que é o dano existencial? De acordo com as explicações do palestrante, é aquele que representa uma ofensa ao projeto de vida pessoal do trabalhador, afetando a sua existência. Ou, citando acórdão do TST, é a violação aos direitos fundamentais tutelados pela Constituição que causem alteração danosa no modo de ser do indivíduo, frustrando seu projeto de vida, independentemente de repercussão financeira. Como exemplos, ele cita as jornadas exaustivas que limitam ao trabalhador o convívio familiar e social. Como no caso em que a empresa ficou 10 anos sem conceder férias e foi condenada a pagar ao trabalhador indenização por dano existencial.


Partindo para a análise do artigo 223 B, Sebastião Geraldo comenta que esse dispositivo prevê, expressamente, que só caberá reparação por dano moral ao titular do direito, ou seja, à pessoa física ou jurídica que foi vítima do dano, seja em caso de assédio moral, acidente do trabalho etc. E aí ele aponta o primeiro questionamento: Não cabe mais, então, o dano em ricochete? No entendimento dele, a intenção do legislador foi, justamente, afastar isso. Ele relata o caso de um tratorista do Norte de Minas que sofreu um acidente, ficou paraplégico e recebeu indenização. Posteriormente, veio a esposa à Justiça dizendo que ela também foi atingida indiretamente (dano em ricochete), já que o marido passou a necessitar dos seus cuidados e também perdeu funções sexuais, o que a afetou diretamente. Por isso, o desembargador entendeu que houve dano em ricochete e concedeu a ela a indenização respectiva.


Ainda conforme destacou, se a reparação só se aplica à vítima direta do dano, isso significa que o dano do terceiro não é indenizável? Ou é indenizável na Justiça Comum? Se assim for, ficarão sem direito a pleitear indenização por dano moral na Justiça do Trabalho os descendentes, cônjuge e pais do trabalhador que sofrer o dano em decorrência de ato ilícito do empregador. “Mas, então, em caso de morte do pai trabalhador, o filho ou os pais do falecido não mais poderão ser indenizados pelo dano moral sofrido com essa perda?”, questionou o desembargador, entendendo ter sido criada uma limitação na amplitude do tema dano moral. Para ele, essa é uma das respostas a se buscar, entre as muitas dúvidas que surgem com a reforma, em alguns pontos que podem ser considerados inconstitucionais. Até porque, lembra, a lei não pode excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.


Prosseguindo, ele explica que, no artigo 223-C, o legislador teve a pretensão de nomear os bens jurídicos tutelados inerentes à pessoa física, em lista taxativa: a honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física. “Mas suprimiram a integridade psíquica? E os danos à alma?”, espanta-se e ironiza: “Faltou presença de espírito ao legislador”.


Rechaçando a ideia de lista taxativa, ele argumenta que, se assim fosse, estaria, então, excluída da possibilidade de reparação a integridade funcional. Até porque, conforme lembrou, não se revogou a Lei 9.029, que criminaliza as práticas discriminatórias no trabalho. “Então, não são apenas os direitos arrolados no 223-C. Pode haver discriminação por motivo de idade, de origem, de raça e outras, ou violação á integridade psicológica do trabalhador”, completa, observando que o estresse pós-traumático, por exemplo, pode gerar um transtorno psíquico definitivo, situação que a reforma ignorou.


Já o artigo 223-D trata do dano moral da Pessoa Jurídica do empregador que, se violados pelo empregado, gerarão direito à reparação: a imagem, marca, nome, segredo empresarial e sigilo de correspondência.


Quanto ao artigo 223 E, a preocupação da lei foi dizer quais são os responsáveis pelo dano extrapatrimonial: “todos os que tenham colaborado para a ofensa ao bem jurídico tutelado, na proporção da ação ou da omissão”. Então, interpreta o desembargador, no caso de assédio sexual, quem será responsabilizado será o gerente assediador, e não a empresa. Mas como ficam a Súmula do STF e o artigo do Código Civil que dizem ser presumida a culpa do empregador, que responde por atos dos seus prepostos? E quanto à expressão “na proporção da ação ou da omissão”, o gerente responderá solidariamente com o patrão? São pontos que merecem reflexão, na avaliação do palestrante.


Sobre o art. 223-F, ele comenta que, se houver cumulação de dano material e dano extrapatrimonial, um será julgado pelos dispositivos do Código Civil e o outro pela CLT, obedecendo à limitação agora imposta pela reforma.


Por fim, o artigo 223-G traça um roteiro que o juiz deve considerar ao avaliar o dano extrapatrimonial. Na avaliação do magistrado, faltaram no artigo elementos importantes a serem considerados pelo julgador, como se a empresa adota ou não medidas de prevenção aos danos verificados. E aqui ele traz outro questionamento: não cabe mais a responsabilidade objetiva da empresa? No seu entendimento não, porque o legislador não estabeleceu a verificação do grau de risco da atividade econômica. E mais: o inciso VIII instituiu a figura da retratação espontânea, que pode levar à mitigação da reparação.


Quanto à tarifação, que o desembargador prefere chamar de tabelamento, ele comenta que a ideia da lei foi fixar uma tabela para o dano moral, com base no salário do trabalhador, o que resultará na fixação de indenizações diferentes para pessoas que sofreram a mesmíssima lesão. Para ele, seguramente, há aí um tratamento discriminatório e grave violação ao Texto Constitucional.“A pobreza ou a riqueza do lesado não pode servir de critério para que ele receba mais ou menos. Afinal, a dor dos humildes não é menor que a dos mais ricos”, pondera, afirmando estar aí o ponto mais vulnerável da reforma. Ele cita o caso fictício em que subiram no elevador da obra o engenheiro, o pedreiro e o empreiteiro. Se cai esse elevador, ainda que todos, igualmente, sofram o mesmo dano moral, as indenizações teriam de ser diferentes, de acordo com o padrão salarial de cada um.


Segundo explicou, esse dispositivo contraria, inclusive, o Enunciado 588, do Conselho da Justiça Federal, criado em uma Jornada de Direito Civil, pelo qual o patrimônio do ofendido não pode funcionar como parâmetro preponderante para o arbitramento de compensação por dano extrapatrimonial.


Outro problema apontado é a previsão de que só caberá uma indenização, sem direito a cumulação, mesmo que haja múltiplas ofensas. Assim, se houver mais de um dano pelo mesmo fato (como dano à imagem, à honra, à intimidade etc), pela nova lei, haverá direito a apenas uma indenização. E ainda há o tabelamento em graus: de natureza leve, média, grave ou gravíssima.


De toda forma, o palestrante lembrou que o governo deve editar uma Medida Provisória, já em preparação, modificando esse dispositivo para adotar, como parâmetro, o teto do benefício pago pelo INSS. Daí a indenização poderia ser igual para todos os que caíram no elevador do exemplo supra citado. Por outro lado, ele aponta acórdãos do STF e do STJ no sentido de que a tarifação do dano moral fere a Constituição Federal. E lembra que, justamente por isso, o plenário do STF afastou a aplicação da Lei de Imprensa como parâmetro para a fixação das indenizações, já que tarifava os danos morais conforme a natureza da lesão ou da ofensa, limitando a indenização a 10 vezes a tarifação das empresas jornalísticas. Já o STJ editou Súmula 281, dizendo que a indenização por dano moral não está sujeita ao tabelamento ou tarifação prevista na Lei de Imprensa. Por isso, ele acredita que o STF irá declarar a inconstitucionalidade desse dispositivo da reforma. “Ou será que só a Justiça do Trabalho vai ter dano moral tabelado e limitado, quando em todos os demais ramos do direito isso é ilimitado? Vão criar um dano moral mitigado para o trabalhador?”, provoca.




Por fim, Sebastião Geraldo explica porque entende que o dano moral coletivo ficou fora dessa nova regulação proposta pela reforma: “Porque o parâmetro do dano moral coletivo é diferente, com outra estrutura de elaboração, já que aí não há sofrimento individual e, por seu turno, a Ação Civil Pública tem altitude constitucional, tendo o MPT como legitimado. Se a reforma alterasse isso, a inconstitucionalidade seria patente. Por isso, não mudou”, esclareceu.


Quanto à dúvida clássica sobre se os novos dispositivos seriam aplicáveis aos contratos atuais e para lesões ocorridas antes da entrada em vigor da nova lei, o desembargador lembra o não menos clássico princípio constitucional, segundo o qual “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Assim, é preciso ver a data da lesão para saber que lei aplicar. Afinal, o tempo rege o ato.


Ele acredita que deve ganhar força o artigo do Código Civil que prevê que os negócios jurídicos constituídos antes da sua entrada em vigor regem-se pela lei anterior, mas os efeitos posteriores ao novo código se subordinam. Ou seja, a lei nova prevalece para os efeitos produzidos após a vigência dela, mesmo que o contrato seja anterior. “Aqui o que vai dizer qual o direito aplicável é o momento da lesão. A ‘actio nata’ vai ser também indicada para dizer qual o direito aplicável”, conclui, lembrando que não há direito adquirido a estatuto jurídico, salvo a redução salarial.


No mais, ele acredita que a jurisprudência irá construir um caminho seguro para se superarem equívocos e eventuais inconstitucionalidades da Lei da Reforma. “Assim vamos seguindo e sobrevivendo”, confia.

segunda-feira, 22 de maio de 2017

NJ Especial: Pode ou não recair penhora sobre parte do salário do devedor para garantir débito trabalhista?


Fonte: TRT3
Publicado 22/05/2017 00:06, modificado 22/05/2017 01:04
175_nj_especial_horizontal.jpgVisando assegurar a subsistência do trabalhador e de sua família, o ordenamento jurídico prevê medidas protetivas do salário, ora contra abusos do empregador e seus credores, ora contra os credores do próprio empregado. Dentre as medidas de proteção contra os credores do empregado, o sistema jurídico fixou a impenhorabilidade dos salários.
Nesse sentido, o Código de Processo Civil de 1973, em seu art. 649, IV, previa a impenhorabilidade dos salários, proventos, pensões, soldos, montepios, rendimentos do trabalho e quantias destinadas ao sustento do devedor e de sua família. Essa regra era absoluta, abrindo exceção apenas a um crédito considerado como de caráter alimentar e ainda mais emergencial: a pensão alimentícia devida pelo trabalhador a sua ex-esposa e filhos ou dependentes.
Com essa regra, buscou-se resguardar a dignidade do devedor que dependia de sua força de trabalho, a fim de garantir a intangibilidade dos valores essenciais à própria sobrevivência e de seu núcleo familiar.
Mas alguns críticos entendiam que a norma protegia excessivamente o devedor em prejuízo do credor que poderia estar em situação de dificuldade.
Já o novo CPC de 2015 também adotou, como regra geral, a impenhorabilidade dos salários. Contudo, essa impenhorabilidade não foi absoluta. Ele trouxe duas exceções à regra, isto é, duas situações em que a penhora foi autorizada.
A primeira delas ocorre quando a constrição visar ao pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, e a segunda se verifica quando a penhora incidir sobre renda superior a 50 salários-mínimos mensais.
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Assim dispõe o artigo 833 do CPC/2015, em seu inciso IV, de aplicação ao processo trabalhista por força do disposto no artigo 769 da CLT, ao estabelecer a impenhorabilidade sobre os salários:
Art. 833: São impenhoráveis: [...] IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2ª; [...]
§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º.
Como visto, o legislador presumiu que os salários visam integralmente à subsistência do trabalhador, excetuando apenas os salários de valor mais expressivo, superiores a 50 salários mínimos, no que excederem a esse montante.
E, ainda que o nível salarial fixado tenha sido bem alto ante a realidade socioeconômica do Brasil, a inovação da lei traduz um passo significativo no sentido da satisfação das obrigações legalmente exigíveis.
A impenhorabilidade absoluta dos salários também não prevalece quando estamos diante de pagamento de prestações alimentícias, como também excepcionado pelo §2º do artigo 833 do CPC.
Diante disso, uma questão se apresenta: há possibilidade de afetação do salário do devedor para a quitação de dívida de mesma natureza alimentar trabalhista, reconhecida por meio de decisão judicial? Em outras palavras: a exceção à impenhorabilidade dos salários abrange também os débitos trabalhistas, que possuem, igualmente, natureza alimentar? Nesses casos, seria lícito proceder à penhora sobre os salários do devedor trabalhista?
Essa questão tem sido alvo de entendimentos divergentes, os quais agruparemos em duas correntes, como veremos a seguir nesta NJ Especial.
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1ª Corrente: Salários podem ser penhorados em execução de prestações alimentícias, gênero do qual o crédito trabalhista é espécie.
segurardinheiroverde.jpgDe acordo com essa linha de pensamento, deve-se admitir, no caso de débitos trabalhistas, que também têm natureza alimentar, a possibilidade de flexibilização da norma que confere o caráter de absoluta impenhorabilidade ao salário, isto é, do artigo 833, IV, do CPC/2015. Ou seja, os vencimentos, subsídios e proventos de aposentadoria previstos no inciso IV do artigo 833/NCPC são penhoráveis, desde que se destinem ao pagamento de prestação alimentícia, pouco importando a origem da verba, se civil ou trabalhista, se do direito de família ou oriundos da prática de ato ilícito.
Segundo entendem os adeptos dessa corrente, a norma em questão visa a proteger as quantias recebidas pelo devedor, destinadas ao mínimo existencial de seu sustento e sua família. Logo, defendem a possibilidade de constrição judicial de percentual sobre o salário do devedor, em face da natureza alimentar dos créditos trabalhistas, nos termos do §2ª do artigo 833 do CPC/2015.
Argumentam que a interpretação da expressão “prestação alimentícia”, como sendo gênero do qual o crédito trabalhista é espécie, está de acordo com o artigo 100, § 1º da CR/88, que prescreve: "Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo."
Para essa corrente, essa interpretação decorre da redação do artigo 1ª do CPC/2015, que determina que suas normas devem ser interpretadas “conforme os valores e os fundamentos estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil”.
Ressaltam ainda que a efetividade processual equivale, em última análise, à efetividade do acesso à Justiça, princípio esse positivado no CPC/2015, em seu artigo 4º. De acordo com os adeptos dessa linha de pensamento, interpretações no sentido de retirar eficácia concreta a disposições do novo diploma processual civil devem ser afastadas.
Assim, defendem que a impenhorabilidade de salários do devedor não pode servir de escusa para o não pagamento do crédito do trabalhador, sob pena de afronta ao caráter sinalagmático do contrato de trabalho (reciprocidade de direitos e deveres) e à efetividade do acesso à Justiça.
Vale transcrever aqui as razões expostas pela desembargadora Adriana Goulart de Sena Orsini, ao apreciar pedidoempregadordinheirolateral.jpg de liminar no MS 0010821-98.2016.5.03.0000:
Entendo que se deve mitigar a impenhorabilidade de vencimentos e salários quando se está diante de conflito entre dois trabalhadores, havendo que se distribuir justiça de forma igual para ambos, nos termos da Convenção 95 da OIT, ante a necessidade de se harmonizar a tutela da dignidade do devedor com a tutela da dignidade do credor, em homenagem ao art. 1º, IV, da Constituição, que impede distinção na dignidade dos seres humanos.
Desta forma, a Convenção nº. 95 da Organização Internacional do Trabalho - OIT - ratificada pelo Brasil, dispõe que é lícita a penhora de salários, desde que garantido ao trabalhador devedor e a sua família, as condições necessárias para uma vida digna. De acordo com o item 2 do art. 10 da referida Convenção, 'o salário deve ser protegido contra a penhora ou a cessão, na medida julgada necessária para assegurar a manutenção do trabalhador e de sua família'.
Portanto, é lícita a penhora de salários, desde que seja reservada quantia necessária à manutenção do trabalhador devedor e sua família, ou seja, desde que garantidas as condições necessárias para uma vida digna do devedor. A citada Convenção integra o ordenamento jurídico brasileiro desde 25.4.1958 e deve prevalecer no confronto com o art. 813, IV, do NCPC, consoante art. 7º, caput, da Constituição da República”.
2ª Corrente: Verbas salariais não se enquadram no conceito de prestação alimentícia e por isso o salário do devedor é impenhorável
Como vimos, em relação ao salário mensal, no CPC/2015, será admitida a penhora, não só no caso de execução de alimentos, de qualquer natureza, mas também  quando o recebimento do devedor exceder a 50 salários mínimos (§ 2º do art. 833, CPC).
Para os adeptos dessa segunda corrente, majoritária no âmbito do TRT mineiro, apesar de o crédito trabalhista se revestir de natureza alimentar, conforme dispõe o artigo 100, §1º, da CF/88, ele não se enquadra no conceito de prestação alimentícia a que se refere o §2º do artigo 883 do CPC/2015. Segundo entendem, a lei excepciona os alimentos, instituto de direito de família de que tratam os artigos 1694 a 1710 do Código Civil, assim considerados como aquelas prestações obrigatórias e periódicas que umas pessoas fornecem às outras para atender as necessidades básicas de quem não pode provê-las integralmente por si. Assim, são essas as prestações alimentícias que se sobrepõem à impenhorabilidade dos salários, podendo, quando fixada judicialmente, incidir diretamente sobre a folha de pagamento do devedor (artigo 529 do CPC/2015). Essa possibilidade não se estenderia à execução de débito trabalhista, à qual se aplica a regra geral da impenhorabilidade. Por essas razões, os que seguem essa linha de pensamento entendem ser inviável qualquer constrição, mesmo que em um percentual limitado.
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Outro argumento apresentado pelos que adotam esse entendimento é o de que, diante de um débito e um crédito de natureza alimentar, não seria razoável sacrificar o primeiro em prol do segundo, valendo-se de atos vedados pelo ordenamento jurídico, mesmo que limitando a penhora a determinado percentual. Sustentam ainda, ao defender essa tese, que a execução deve se processar sempre de maneira menos gravosa para o devedor, na forma do artigo 805 do CPC/2015.
Vejamos alguns casos julgados pelo nosso TRT-MG:
Empregadora tem parte do salário penhorado para arcar com dívida trabalhista de empregada doméstica
empregadorpilhasmoedas.jpgUma empregadora doméstica, após sofrer penhora em sua conta bancária por meio do BACEN, no valor de R$930,99 para fins de pagamento do débito trabalhista, recorreu da decisão de 1º grau, pedindo a desconstituição da penhora. A alegação foi de  que o valor bloqueado é fruto de aposentadoria, de modo que tem natureza alimentar e é absolutamente impenhorável. Invocou, em seu favor, a OJ 153 da SDI-II do TST.
Ao examinar o caso, o desembargador Marco Antônio Paulinelli de Carvalho, atuando na 11ª Turma do TRT-MG, não lhe deu razão. Conforme explicou o julgador, a impenhorabilidade prevista no artigo 833, IV, do CPC não é absoluta, não se aplicando em caso de pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no artigo 528, §8º, e no artigo 529, §3º, ambos do CPC/2015. Ou seja, a impenhorabilidade não prevalece quando se tratar de crédito de natureza alimentar, do qual se vale o trabalhador no exercício de sua sobrevivência diária.
Na visão do julgador, a OJ 153 da SDI-II, que tinha por base o artigo 649 do CPC de 1973, foi tacitamente superada com o advento do novo CPC, que expressamente prevê a possibilidade de penhora sobre proventos em razão de créditos de natureza alimentícia, independentemente de sua origem.
Quanto ao valor penhorado (R$930,99), o relator ponderou não haver evidência de que seja excessivo ou comprometa o exercício da sobrevivência do devedor.
Por fim, ele destacou que, conforme salientado na sentença, tratando-se de relação de emprego doméstico, os salários do empregado, normalmente, são pagos com o próprio salário recebido pelo empregador.
Por essas razões, o julgador entendeu que a penhora deveria prevalecer, entendimento esse que foi acompanhado pelos demais julgadores da Turma.
(AP-0010170-71.2016.5.03.0063 – acórdão em 29/03/2017)
Turma determina expedição de contraordem de bloqueio de 30% dos proventos de executado aposentado do IPSEMG
Após sofrer judicialmente bloqueio parcial de seus proventos de aposentadoria para saldar débito de naturezadinheirotempolateral.jpg trabalhista, o aposentado do IPSEMG apresentou recurso da decisão que determinou a constrição, pedindo a liberação dos valores penhorados.
Na ótica do desembargador Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto, o aposentado estava coberto de razão, tendo em vista a impenhorabilidade de sua conta bancária de salário, conforme ditames do artigo 833, IV, do CPC/2015, assim como das OJs 15 da SDI-2 do TST e 08 da SDI do TRT de Minas.
Segundo esclareceu o julgador, a controvérsia envolvendo a questão reside na interpretação da novidade trazida pelo artigo 833 do CPC/2015. A inovação legislativa consistiu em não se referir mais à impenhorabilidade “absoluta” dos salários, como fazia o seu correspondente artigo 649 do CPC/1973. No seu entender, houve a mitigação da impenhorabilidade de salários, mas não de forma tão ampla e aberta como fez a decisão atacada. Isso porque as possibilidades de penhora dos valores provenientes das remunerações se restringem ao pagamento de prestação alimentícia nas importâncias excedentes de 50 salários-mínimos mensais. E no caso, não ocorreu nenhuma das situações excepcionais, já que o crédito trabalhista não pode ser genérica e açodadamente classificado como “prestação alimentícia” e, ainda, porque o valor do salário do executado é bastante inferior ao parâmetro legal de 50 salários-mínimos.
Nesse cenário, o julgador determinou a expedição de contra ordem de bloqueio da conta - em seu art. 649, IV - salário do devedor, e que se restitua a ele o que já tiver sido bloqueado ou apreendido.
(PJe: MS-0010821-98.2016.5.03.0000 – acórdão em 15/12/2016)

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segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

O PORTAL PRAGMATISMO JURÍDICO JÁ ESTÁ NO AR!!!

Há dois anos resolvemos desenvolver um Portal Jurídico que pudesse atender o nosso público que, basicamente, é composto por estudantes e profissionais do direito. No último dia 28/12 ele entrou no ar. 
Não perca tempo, acesse o Portal através do seguinte endereço:

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

O Direito e três tipos de amor: o que isso tem a ver com subjetivismo?




Por Lenio Luiz Streck


Em tempos de excesso de informações, sempre é difícil alcançar a atenção dos leitores de um site jurídico. Notícia cobre notícia. Para ganhar a atenção necessária para uma discussão aprofundada, talvez tenhamos que usar um truque, como na anedota sobre as reuniões do antigo partido comunista da URSS: O clube de uma cidade do interior anunciou uma palestra sobre o tema: "O Povo e o Partido estão unidos". Não apareceu ninguém. Uma semana mais tarde foi anunciada a conferência "3 tipos de Amor". O salão superlotou. “— Existem três tipos de amor”, começou o orador. “— O primeiro tipo é o amor patológico. Isto é ruim, e sobre este tema nem vale a pena falar. O segundo tipo é o amor normal. Este, todos conhecem e portanto, também não vamos nos alongar neste assunto. Resta ainda o terceiro — o mais elevado tipo de amor — o amor do povo pelo partido. E é sobre isto que vamos discorrer mais detalhadamente”.[1] Como na anedota, poderia dizer que temos três tipos de amor e o mais elevado tipo é o da relação direito-moral e os problemas decorrentes do protagonismo judicial. “E é sobre isso que vou falar com mais detalhes”, poderia dizer.

Com efeito. Quando leio um texto ou uma declaração ou um voto do ministro Luís Roberto Barroso (não me acostumo com a retirada do Luís) fico com a convicção de que os franceses pós-revolução estavam certos em proibir os juízes de interpretar. Também fico pensando como os positivistas exclusivos estão corretos ao separarem direito e moral, embora considere problemático o modo como o positivismo lida com a aplicação. De todo modo, são coisas que vêm à mente de todos os juristas quando se deparam com o ativismo judicial praticado e exacerbado no Brasil. É evidente que não sou um exegeta. Também não sou um positivista pós-hartiano, embora respeite profundamente o modo como um autor como Joseph Raz coloca a questão da autoridade do direito (reivindicação de autoridade). Essas questões já foram discutidas por mim aqui e aqui na ConJur. Neste espaço, venho denunciando os prejuízos causados pelo protagonismo judicial (ou do realismo à brasileira). O ex-ministro Eros Grau fez um duro texto no jornal O Globo — Juízes que fazem suas próprias leis — acerca dessa matéria.

Por que estou voltando a esse assunto? Com certeza, não é por implicância. É por um dever cívico-epistêmico. Juízes têm responsabilidade política, não no sentido vulgar, mas no sentido de accountability. Juízes devem julgar por princípio e não por moral ou política ou por análise econômica. Não é a sua função. É o Direito que deve filtrar a subjetividade, a moral, os desejos políticos e as idiossincrasias dos juízes e membros do MP. E não o contrário. Se a moral (o subjetivismo lato sensu ou o particularismo subjetivista, como bem diz Lorenz Puntel) pode corrigir o direito, então já não te (re)mos direito. Teremos uma coisa que já não é ela mesma, mas outra bem diferente: a substituição das leis e da CF pela convicção pessoal do magistrado.

Essa questão fica bem clara quando lemos a recente declaração do ministro Barroso publicada pelo portal Jota: mesmo produzindo desgastes, “a gente tem que empurrar a história e fazer aquilo que acha certo”. Já aqui eu pediria vista dos autos, para perguntar: Por qual razão o país tem de depender daquilo que o ministro acha, pessoalmente, certo? Também o ministro repetiu a sua tese de que o STF é a vanguarda iluminista (sic): “Além de o Brasil estar vivendo este momento relativamente convulsionado, o próprio Supremo vive um momento complexo, não pela decisão da semana passada [que manteve Renan Calheiros na presidência do Senado], mas o STF tem um papel importante no Brasil, que é um pouco de fazer avançar alguns determinados processos sociais, eu diria até fazer avançar com algumas doses de iluminismo em domínios onde ele ainda não chegou. E é difícil”. (Grifei).

Disse, ainda: “Não importa se as pessoas não gostam do aumento da subjetividade na atuação do Poder judiciário. Ela é inevitável. Há uma nova realidade que expande esse papel do Judiciário.” (grifo meu)

Como assim — “o STF empurrar a história”? Como assim “STF — vanguarda iluminista”? Como assim — “a subjetividade é inevitável”? Do que está falando o ministro? Não deve ser de uma decisão judicial em uma demo-cracia. Ora, a subjetividade é inevitável porque não somos alfaces. Mas isso é obvio. Não creio que alguém acredite que o juiz seja neutro. Os franceses já sabiam disso e justamente por isso proibiram os juízes de interpretar.

Esse é o nó do Direito. O que fazer com os juízos morais? O que fazer com a subjetividade? De minha parte, de tudo que tenho já escrito sobre isso, basta que acreditemos em alguns filósofos que até são mais radicais do que eu quando falam do subjetivismo. Afinal, livre convencimento e subjetivismo são irmãos gêmeos. Por exemplo, o francês J.F. Mattéi, com seu La barbarie intérieure, explica, melhor do que eu, o problema do solipsismo e do subjetivismo. Sim, porque, no fundo, o que sustenta as teses da expressiva maioria dos juristas é, ainda, a filosofia da consciência. Basta ver como ainda se defende o livre convencimento. Afinal, o livre convencimento é o quê, senão o suprassumo do subjetivismo? O solipsismo bajula o nosso narcisismo. Onde Barroso diz “a subjetividade é inevitável”, basta substituir por “decido conforme penso, decido conforme minha consciência, etc”. Isso faz com que a consciência individual filtre o Direito. Logo, o Direito já não é Direito.

O problema principal que envolve a aplicação do Direito no Brasil reside na/nessa tirania do subjetivismo. A ditadura do sujeito da modernidade nos diz que é no interior do homem (no subjetivismo) que reside o perigo (Gadamer, Bloch, Arend, Horkheimer, Adorno, Mattéi, Puntel, Stein e tantos outros). Para esses filósofos, o subjetivismo é despótico. Nesse sentido, vale lembrar Eduardo Luft,[2] que é contundente ao denunciar as aporias de uma pretensa facilidade de se transpor da filosofia da consciência para a intersubjetividade, como se pudesse conciliar “o melhor dos dois mundos”. E arremata: Ainda somos reféns das figurações idealistas, sendo a transição da teoria da consciência para a Filosofia da Linguagem apenas o ruflar das asas da mesma mosca, na mesma garrafa.

Há, finalmente, ainda outra advertência que se impõe: o subjetivismo no Direito age desse modo autoritário (uma espécie de certeza-de-si-do-pensamento-pensante) porque está escorado em uma institucionalidade, falando de um determinado lugar (o lugar da fala, em que quem possui o skeptron pode falar, em uma alegoria com o que se passa na Ilíada ou com a posse da concha, no livro The Lord of Flies). Uma vez inserido em uma cotidianidade — para além desse lugar e sem os atributos desse poder de fala — o sujeito se perde no entremeio de outras institucionalidades.

Afinal, se tudo é subjetivismo ou se “decido conforme penso o que seja certo”, por qual razão, fora do tribunal, não é dito que um ônibus é uma bicicleta? Portanto, minha alusão, aqui, é fundamentalmente ao solipsismo judicial. Ele é assim porque não sofre, da doutrina e da sociedade, os necessários constrangimentos epistêmicos. Entretanto, no cotidiano, não age desse modo. Nem pode. Caso contrário, entraria em choque com a primeira pessoa que encontrasse na rua, que não o reconhecesse ou não reconhecesse na sua autoridade (a sua posse do Skeptron fora da institucionalidade). De um modo mais simples, pode-se dizer que, se nos autos do processo (e no fórum ou no Supremo Tribunal) o juiz troca o significado dos significantes, todavia no seu cotidiano não pode agir do mesmo modo. Por exemplo, na discussão com o açougueiro acerca do que é uma picanha, o juiz não pode trocar o “nome das coisas”. Nem “decidir” que a maminha é uma picanha. Isso só vale no fórum. E nisso reside o busílis da questão. Pensemos, com esta metáfora, a relação da Constituição e seu sentido...

Por consequência, o solipsismo judicial (jurídico-interpretativo) só acontece em uma dada institucionalidade, em que existe uma baixa democracia. Procurando ser mais claro ainda: Gadamer diz que, se queres compreender um texto — e texto são eventos, fenômenos — deves deixar que o texto te diga algo. Isto quer dizer que não devemos ignorar esse grau mínimo de objetividade. É o que chamo de mínimo “que é”. Nesse sentido, a realidade constrange. A estrutura, a intersubjetividade, a tradição, enfim, essa linguagem pública constrange a todos nós cotidianamente para evitar que saiamos por aí fazendo coisas solipsistas. Não se pode trocar o nome das coisas. Não se pode “assujeitar” as coisas. O solipsismo judicial se coloca na contramão desses constrangimentos cotidianos, do mundo vivido. No Direito, em face do lugar da fala e da autoridade do juiz, ele pensa que pode — e, ao fim e ao cabo, assim o faz — assujeitar os sentidos dos textos e dos fatos. Observe-se o grau “da coisa”: por vezes, nem a Constituição constrange o aplicador (juiz ou tribunal). Por isso o lema hermenêutico: deixemos que os textos nos digam algo. Deixemos que a Constituição dê o seu recado. Ela é linguagem pública. Que deveria constranger epistemicamente o seu destinatário, o juiz.

Sigo, para dizer — voltando ao ponto central da coluna — que o interessante é que onde impera o subjetivismo, não há coerência. No caso do ministro, é fácil demonstrar isso. Ao mesmo tempo em que ele diz tudo isso que reproduzi acima e decide a questão do aborto (veja-se de novo a crítica de Eros Grau acima referida e o que escrevemos na semana passada), para negar medida cautelar contra a PEC 55 o ministro Barroso diz:

“O Congresso Nacional, funcionando como poder constituinte reformador, é a instância própria para os debates públicos acerca das escolhas políticas a serem feitas pelo Estado e pela sociedade brasileira, e que envolvam mudanças do texto constitucional. Salvo hipóteses extremas, não deve o Judiciário coibir a discussão de qualquer matéria de interesse nacional”.(grifei)

Ora, em uma democracia, é a lei que trata de escolhas políticas e não o Judiciário. Vejamos. No caso do senador Ivo Cassol, o ministro disse que seguia a Constituição: "Acho que a condenação criminal, pelo menos acima de um determinado grau de gravidade do delito, deveria ter essa consequência automática. Mas a Constituição diz o contrário. O dia que a Constituição for o que os intérpretes quiserem independentemente do texto, nós vamos cair numa situação muito perigosa" (aqui). Na época, elogiei e disse: Bingo, ministro! Só que, dias depois, ele mesmo decidiu que, diante de uma decisão da Câmara que não cassara o deputado Donadon, o STF tinha que cassar o parlamentar, contra exatamente aquilo que ele mesmo havia dito dias antes. Na ocasião, Rodrigo Haidar chamou o caso de jabuticaba jurídica.

Qual dos dois ministros devemos seguir? Esse é o problema. Temos vários judiciários. Cada juiz acaba sendo “um judiciário”. Não temos um STF. São onze supremos. E sabem por que isso é um problema? Simples: se o magistrado decide a partir de si mesmo, haverá o dia em que a letra da lei é tudo... e haverá o dia em que a letra da lei é... nada. Isso não nos deve surpreender, porque subjetivismo é assim mesmo. Nada nos protege contra o subjetivismo. Nossa tendência é responder moralmente. Só que um juiz deve suspender seus desejos, suas opiniões, sua subjetividade. Em uma frase: subjetivismo é pensar que nada vindo de fora (de si) pode impor limites ao intérprete. Ora, a lei e a Constituição (mais a doutrina e a jurisprudência) são essas coisas “de fora”. Em face disso, pergunto: quando os juristas irão perceber que, quando vamos ao Judiciário, buscamos uma resposta daquilo que está do lado de fora do juiz e não do que está dentro? Mariflor Rivero, no livro Diálogo y Alteridad, pergunta: como podemos dar conta de um significado se este foi produzido subjetivamente e está mediado pela subjetividade do intérprete?

Penso que não há mais muito a dizer. Com todas as vênias cabíveis à espécie, tenho o dever cívico-acadêmico-epistêmico de apontar as contradições dos discursos jurídicos, presentes fortemente nos tribunais superiores e nas instâncias judiciárias do país. No caso, o ministro Luís Roberto Barroso representa, simbolicamente, o imaginário jurídico brasileiro predominante (inclusive a doutrina incentiva isso, nas salas de aula, nos livros, etc). Falta muita coisa ainda para a nossa doutrina chegar ao patamar crítico que detecte isso que hoje está destruindo o direito. Quando mais precisamos do direito, ele já não está.

Bom, como diz no início da coluna, existem três tipos de... O leitor pode ajudar. Colunas complexas não dão plateia. E o clube fica vazio. Por isso o título foi chamativo. Se o leitor chegou até aqui, alvíssaras!


[1] Não resisto em fazer também uma anedota: A metáfora não tem nenhuma relação com o comunismo. Não tem nada a ver com “partido é bom”, “partido é ruim”. Também não tem nada a ver com sexo. Nem com amor. É só uma metáfora para explicar que por vezes... Bom, digo isso porque sempre aparecem interpretações... Tempos difíceis.


[2] Luft, Eduardo. Duas questões pendentes no Idealismo Alemão. In: Nythamar de Oliveira;Draiton Gonzaga de Souza. (Org.). Hermenêutica e Filosofia Primeira. Ijuí: Unijuí, 2006. pp. 69-75.


Lenio Luiz Streck é jurista, professor de direito constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do Escritório Streck e Trindade Advogados Associados: www.streckadvogados.com.br.

Revista Consultor Jurídico, 15 de dezembro de 2016, 8h00

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...