Fonte: TRT3ª Região
Doutora em Direito e Economia pela UGF, a desembargadora do TRT da 1a Região Vólia Bonfim Cassar falou sobre as novidades trazidas pela reforma no artigo 611-A e no 611-B. Mas, antes, ela chamou a atenção para o cuidado tomado pelo legislador reformista que, para dar segurança à flexibilização (ou redução de direitos por convenção ou acordo coletivo), tratou de mexer em três outros pontos.
Um deles foi o artigo 8º, parágrafo 3º, proibindo o Judiciário de anular normas coletivas que versem sobre redução ou supressão de direitos, salvo se violar o art. 104 do Código Civil.
§ 3o - No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.
De acordo com a palestrante, isso veio como uma bomba para o Judiciário: “Até porque, no parágrafo segundo, ele tenta reduzir o ativismo judicial, impedindo o TST e os tribunais trabalhistas de editarem súmulas ou teses vinculantes que criem ou restrinjam obrigações não previstas em lei, e, no parágrafo terceiro, consagra o princípio da mínima inervação na autonomia coletiva, dizendo que o juiz ou tribunal do trabalho só podem anular uma cláusula de acordo ou convenção coletiva em caso de objeto ilícito, agente incapaz ou forma não prescrita ou defesa em lei. Exclusivamente isso. A lei não é exemplificativa. Por ela, só haverá nulidade se violar o artigo 104”, frisa.
Assim, conforme prevê a desembargadora, não teremos grandes nulidades, já que agentes capazes os sindicatos e a pessoa jurídica da empresa são; forma prescrita não tem um regramento muito especial e, quanto ao objeto ilícito, a própria reforma apontou que seria o previsto no artigo 611-B, mais uma vez amarrando o julgador.
Nesse ponto, a palestrante faz parênteses para tecer o seu primeiro comentário crítico à lei da reforma que, para ela, tratou de estabelecer a flexibilização com o objetivo de dar segurança ao empresário. “Para o trabalhador são sete benefícios contra mais de 200 malefícios!”, dispara. E parte para comentar o artigo 612 que diz que, se houver conflito entre acordo e convenção coletiva, prevalece o acordo, mesmo que menos favorável. E lá no art. 614, o legislador reformista impediu a ultratividade da norma coletiva, prevista na Súmula 277 do TST.
Voltando ao comentário quanto às nulidades previstas no parágrafo terceiro do art. 8º, a palestrante manifesta a sua discordância, dizendo que há outras nulidades possíveis, que não as do artigo 104 do CC. Ela aponta que também haverá nulidade de acordo ou CCT pela inexistência dos requisitos dos artigos 612 ,613 e 614 da CLT.
Pelo que dispõe o art. 612, o instrumento normativo só é válido quando houver edital de convocação específico, e precisa ter um prazo de publicação exigido no edital. Assim, hoje, para acordos que diminuem direitos trabalhistas, todas essas formalidades devem ser analisadas: Foi feito sob a forma escrita? Foi divulgado? Teve quorum regulamentar? Houve edital? Para tanto, devem ser analisados o estatuto do sindicado, a ata da assembleia, se teve a publicidade exigida naquele tipo de estatuto e se o acordo incluiu todos os empregados da empresa.
De acordo com a palestrante, a reforma confunde a flexibilização de adaptação com a flexibilização de necessidade. E ela explica a diferença:
A flexibilização de adaptação é a prevista para empresa que não está em dificuldade financeira, mas não consegue cumprir determinado comando legal, pela sua especialização. Ex. Médicos em plantão de 24h, ou seja, um dia de trabalho por seis de descanso. Não há lei e nem norma coletiva permitindo isso e o médico ultrapassa as jornadas diárias legais. Para esses trabalhadores, segundo a desembargadora, seria necessário fazer essa negociação coletiva, já que médicos ganhavam horas extras na justiça por fazer mais de oito horas por dia. “Então a flexibilização de adaptação é aquele caso em que a lei não se amolda ao caso concreto e a norma coletiva vem suprir isso, mudando a regra imposta, rígida, e adaptando ao caso concreto, de forma que os dois lados ganham”, explicou, frisando que aí sempre haveria contrapartida patronal.
Já a flexibilização de necessidade seria o oposto: a empresa está atravessando sérias dificuldades financeiras e, por conta disso, simplesmente suprime direitos, inclusive reduzindo salários, sem contrapartida. No entender da palestrante, a intenção da comissão da reforma, inicialmente, era estabelecer a flexibilização de adaptação, com contrapartida, “mas quem escreveu não entendeu” e, no final, ficou apenas a flexibilização de necessidade, sem previsão de contrapartida.
De volta às nulidades, ela aponta a segunda possibilidade: quando houver redução de salário e jornada sem contrapartida (que seria manter o emprego enquanto durar a norma), a cláusula normativa será nula. Isso, segundo apontou, é o que está na própria Lei da reforma. (Art 611-A § 3o Se for pactuada cláusula que reduza o salário ou a jornada, a convenção coletiva ou o acordo coletivo de trabalho deverão prever a proteção dos empregados contra dispensa imotivada durante o prazo de vigência do instrumento coletivo).
A terceira hipótese de nulidade de cláusulas normativas não prevista na reforma seria quando se atropelarem os direitos constitucionais. A palestrante esclarece que, ao fixar o que não pode ser negociado, o art. 611-B não incluiu todos os direitos previstos na Constituição Federal, mas apenas parte do art. 7º e parte do art. 8º da CF/88. Ela observa que foram esquecidos os direitos, liberdades e garantias previstos no artigo 5º e, se ofendidos esses, obviamente, haverá nulidade. Exemplos disso são cláusulas que autorizem monitoramento por câmeras em banheiros, óbvia invasão de privacidade, ou que disponham que o trabalhador deva ficar trancado na empresa durante os intervalos. “Há, evidentemente, direitos e garantias constitucionais não especificadas na reforma e que gerarão nulidades, caso desrespeitados”, pondera, acrescentando que os magistrados deverão cumprir essa limitação do ativismo judicial, evitando declarar a nulidade da cláusula. “Mas não dá para interpretar literalmente o parágrafo terceiro do artigo 8º, quando diz que as nulidades são exclusivamente as do art. 104, porque não são”, arremata.
Vólia Bonfim comenta ainda que antes da reforma, os ACTs ou CCTs tinham valor de lei. Agora, o instrumento normativo tem prevalência sobre a lei. Assim, ela contesta o argumento de que os artigos da reforma que violam convenções internacionais não prevaleceriam. Isto porque, a convenção internacional entra no ordenamento jurídico nacional como decreto legislativo, que tem hierarquia de lei ordinária. Sendo a reforma, igualmente, lei ordinária, ela revoga todas as anteriores, ou seja, revoga os tratados naquilo que a contrariam. Lei posterior revoga a anterior, lembra e acrescenta que, “se o Brasil não está cumprindo os tratados, isso é problema que o País tem de resolver, politicamente, com a OIT”.
Ao comentar sobre o artigo 611-A, que diz que o acordado prevalece sobre o legislado, ela observa que os incisos são exemplificativos. Assim “tudo pode agora, desde que o direito não esteja previsto na Constituição”.
A partir daí, a palestrante passa a comentar alguns incisos que estabelecem o que pode ser negociado:
- Sobrejornada - As compensações de jornada agora só precisam respeitar um requisito temporal, que é o limite do banco de horas anual. “Não precisa respeitar duas horas por dia porque isso é a CLT que prevê e o acordo prevalece sobre a lei, desde que compense dentro de um ano”, ensina, acrescentando que a compensação aleatória, sem previsibilidade, só atende aos interesses do patrão, que poderá escolher como e quando será a folga compensatória. E mais: agora o empregado poderá trabalhar sem qualquer limite diário, se isso for ajustado com o sindicato profissional.
- Intervalo - Agora pode ser reduzido, mesmo sem refeitório na empresa.
- Redução do salário com a redução da jornada já era bastante discutido, em caso de dificuldade financeiras da empresa. Mas o percentual de redução ficava mais por conta da doutrina. Agora poderiam ter fixado um limite percentual, mas isso não foi feito.
- Plano de cargos e salários – Não tem mais sentido levar o PCS, norma interna da empresa, para a chancela sindical. Até porque a norma coletiva tem vigência temporária. Agora o empregador vai ter o poder de definir que o empregado tal ocupa cargo de confiança, apenas para excluí-lo do regime de jornada. E o juiz só poderá reconhecer isso como fraude se não tiver nenhuma atividade na função que demonstre a confiança.
- Regulamento da empresa - .O regulamento interno agora aplica-se a todos, inclusive àqueles com contrato vigente antes das eventuais alterações feitas nele. “Isso é para acabar com a Súmula 51 do TST”, alfineta.
- Representante dos trabalhadores no local da empresa – A norma coletiva poderá diminuir o período de estabilidade, a quantidade de representantes, o tempo do mandato, ou pode estabelecer comissões nacionais, em lugar de representações estaduais, etc.
- Teletrabalho – A reforma criou o inciso III no artigo 62 para excluir do regime de jornada o teletrabalhador.“A reforma diz que ele trabalha fora da empresa, mas não é um externo, ou seja, não é controlado. Agora tudo fica a cargo do teletrabalhador, como internet, energia, computador etc. Porque antes isso dependia de acordo, agora não mais”.
- Sobreaviso- Estabeleceu-se que não será computado no tempo de trabalho.
- Modalidade de registro de jornada – Se é a CLT que estipula a obrigatoriedade de controle de ponto para empresas com mais de 10 empregados, agora o acordo ou convenção coletiva pode dizer que não precisa ter controle de ponto ou que valerá o controle britânico etc.
- Enquadramento do grau de insalubridade - Pode ser estabelecido por instrumento normativo. Aí a palestrante aponta uma contradição, já que a própria Lei da reforma proíbe negociação sobre normas de saúde e higiene do trabalho.
- Remuneração por produtividade, gorjetas, remuneração por desempenho individual - A norma coletiva vai poder estabelecer a natureza jurídica dessas parcelas, retirando a integração delas à remuneração.
Ao comentar sobre o que não poderá ser negociado (art. 611-B), a desembargadora comemora o fato de que os instrumentos normativos, ao menos, não poderão mexer na conceituação de empregado, ou seja, não poderão definir quem é ou não empregado para efeitos legais.
Em contrapartida, ela critica o inciso V do art. 611-B, que, ao proibir a negociação apenas quanto ao “valor nominal do 13º salário”, deixa aberta a possibilidade de parcelamento do décimo terceiro, inclusive pagando-se 1/12 da verba por mês, o que, no seu entender, desvirtuaria o sentido do instituto, que é garantir ao trabalhador um salário extra ao final do ano. Outra “avenida aberta” ao desvirtuamento é a possibilidade de fracionamento indefinido dos dias de férias, o que ela entende como inconstitucional.
Finalizando, Vólia Bonfim vaticina que, a partir de agora, o papel dos juízes vai ser julgar o embate entre a Constituição Federal e a norma coletiva. “Alguns bons sindicatos não vão negociar bem, em prol dos seus associados, mas outros vão negociar tudo! E nós, juízes, vamos ter de julgar com base na norma coletiva e não mais com base na lei.”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário