terça-feira, 10 de outubro de 2017

Juiz Cléber Lúcio: Instrução Probatória – Distribuição do Ônus da Prova

Fonte: TRT3º

Doutor em Direito pela UFMG e pós-doutor pela Universidade Nacional de Córdoba (Argentina), o juiz do TRT mineiro Cléber Lúcio de Almeida fez uma análise sobre a questão probatória no contexto da reforma trabalhista. E a primeira conclusão a que chegou é que as responsabilidades e os deveres do juiz aumentaram, em muito, com a nova lei. No início da sua fala, ele trouxe a informação de que, no Brasil, temos 90% das demandas trabalhistas no mundo. “E com a reforma acho que só tende a aumentar”, vaticina, contradizendo as previsões oficiais.

De acordo com o palestrante, no assunto prova, o legislador reformista privilegiou o voluntarismo, ao valorizar ao extremo a vontade das partes. Exemplos disso são a possibilidade de conversão do regime presencial para teletrabalho, por mútuo consentimento; o fracionamento das férias, com a concordância do trabalhador; a rescisão por acordo entre as partes; cláusula compromissória de arbitragem por iniciativa do trabalhador, entre tantas outras previsões da CLT reformada. “Tudo isso vai parar na JT por alegação de vício de vontade”, prevê. Isto porque, segundo explica, o artigo 9º da CLT, que trata da fraude trabalhista, não foi revogado, como também não o foram as figuras do Código Civil que tratam de dolo, coação, lesão, entre outras. Então, para o magistrado, a litigiosidade vai aumentar porque aumentou o espaço do voluntarismo, em um ambiente de muita desigualdade entre as partes.

Outro item apontado como gerador de demandas é o artigo 75-E, pelo qual o empregador deve instruir o trabalhador, de forma expressa e ostensiva, quanto às precauções para evitar doenças e acidentes de trabalho. “Agora já não basta ser expresso, tem de ser ostensivo”, ironiza o juiz, prevendo que isso vai dar muita discussão sobre o que é ou não ostensivo, com grande dificuldade de produção de prova.

Já o artigo referente ao dano extrapatrimonial, o 223-G, dispõe, no item X, que, ao apreciar o pedido, o juiz deverá verificar se houve perdão tácito ou expresso. “Como o empregador vai comprovar perdão tácito num ambiente de subordinação?”, indaga.

Em outro ponto, (art. 456-A) a lei diz que cabe ao empregador definir o padrão de vestimenta no local de trabalho. E daí vem nova dúvida: o que é e o que não é adequado? E se a vestimenta exigida for considerada ofensiva por quem a tem de usar? E o que é vestimenta? Empregadas de hospitais são proibidas de usar brincos. Isso entra no conceito de vestimenta?

Assim como esse, vários outros artigos, citados pelo palestrante, vão exigir capacidade probatória e muita responsabilidade e objetividade do juiz ao analisá-las. Exemplo: para ter direito à gratuidade judiciária, a parte terá de comprovar insuficiência de recursos; em caso de terceirização, para se eximir da responsabilidade trabalhista, a empresa contratante terá de comprovar a idoneidade econômica da empresa contratada; nas ações anulatórias de cláusulas de instrumento normativo, será preciso chamar o sindicato para provar a lisura da negociação coletiva; também será preciso prova do fato que justifique a ausência do reclamante à audiência, etc.

No mais, como a contagem de prazos agora é por dias úteis, o magistrado chama a atenção para a necessidade de cautela do juiz ao fixar prazos para produção de prova ou para manifestações, o que pode alongar demais o processo. Quanto à faculdade conferida ao juiz pelo artigo 775 e seus parágrafos para alteração da ordem de produção dos meios de prova e para dilação dos prazos, o palestrante observa que o legislador esqueceu aí a restrição imposta pelo CPC, pelo qual o juiz só pode dilatar prazos se estiverem em curso. Se já esgotados, não pode. Também diz o CPC que o juiz pode inverter a ordem da produção de prova, desde que as partes concordem. A CLT só diz que o juiz pode inverter. Mas e se a parte contrária não concordar? “Se o princípio da colaboração vai ser aplicado na JT, o juiz perde o poder de alterar unilateralmente. Então, vai ter de contar com concordância das partes”, pontua.

Prosseguindo em sua análise, o palestrante diz acreditar que vê na reforma o “real” e o simbólico, este último, numa perspectiva de se imporem certas atitudes pelo medo. “Agora, se você recorrer na JT corre o risco de ser punido”, alerta. Também nesse sentido, a reforma diz que, na ausência do reclamante à audiência de instrução, ele será condenado a pagar custas, salvo se comprovar motivo legalmente justificável. Mais um conceito a cargo da avaliação do juiz, como salienta o palestrante. E, se o trabalhador não pagar custas, em caso de arquivamento do processo, ele não poderá ajuizar novas demandas. Assim, a maior ou menor rigidez do juiz ao verificar e aceitar o motivo legalmente justificável é que vai dizer se ele poderá ou não retornar à Justiça.

A lei diz ainda que a ausência do reclamado não gera revelia, se houver comparecimento do advogado e apresentação da defesa. “Quer dizer que o juiz perdeu o poder de colher depoimento pessoal da parte?”,alfineta o magistrado, que também prevê uma ampliação desmedida dos prazos na JT. Isto porque, se o empregador não comparecer, o juiz pode adiar a audiência para colher os depoimentos, além das outras dilações de prazos previstas na reforma.

Quanto à distribuição do ônus da prova, Cléber Lúcio aponta um dever interessante criado para o juiz. É que, embora o Art. 818 tenha mantido a regra clássica de distribuição do ônus a partir da natureza do fato controverso, se o juiz inverter o ônus, ele tem de dar oportunidade à parte de produzir e apresentar a prova. E entra aí, nova possibilidade de adiamento da audiência. Para o palestrante, ainda que seja uma faculdade, em todo processo judicial o juiz vai ter de se perguntar sobre a conveniência de inverter ou não o ônus probatório, além de analisar cuidadosamente quem está em melhores condições de produzir a prova para decidir a quem atribuí-lo. “E temos de fazer isso antes da audiência de instrução e de forma fundamentada”, completa, apontando mais um problema na área da prova.

Hipóteses clássicas em que a inversão será indicada, segundo o magistrado, é para casos de pagamento de salário por fora e de assédio sexual, pela dificuldade de produção de prova pela parte que alega inerente a esse tipo de situação. Assim, ele acredita que o advogado do reclamante vai sempre pedir a inversão, em caso de pagamento por fora, e será igualmente difícil para a empresa produzir prova de que não pagou salário extrafolha.

Diante de tudo isso, o palestrante concluiu que a reforma interferiu diretamente na atividade probatória do juiz, aumentando o ambiente da prova, os sujeitos da prova e os deveres do juiz. “Pode parecer, num olhar apressado, que nada mudou do ponto de vista da prova. Mas se olharmos determinados institutos, veremos que a reforma tende a contribuir para o aumento da litigiosidade, porque usa conceitos indeterminados que vão exigir do juiz um trabalho, não só de definição, mas de colheita de prova. Ou seja, do ponto de vista probatório, a reforma, em vez de simplificar, complicou, de uma forma maliciosa. Cabe ao juiz agora definir tudo isso. E colher prova de tudo”, alerta.

Ressaltando a importância da prova, ele frisa que é ela quem dá vida ao direito no processo. Daí que a ideia de restringir a prova tem como consequência a restrição do acesso ao próprio direito. “E aí aumenta a nossa responsabilidade. Se formos restringindo, ao máximo, a prova, estaremos restringindo o próprio direito”, frisa, lembrando que o processo do trabalho serve ao direito do trabalho, na perspectiva da maior efetividade possível. Assim, ao facultar a inversão da ordem de colheita da prova, o legislador deixou escapar a ideia de que o juiz tem responsabilidade pela efetividade do processo. “Ora, se tenho responsabilidade pela efetividade do processo e esta passa pela prova, eu vou ter que ser muito mais cuidadoso com relação à instrução probatória”, refletiu o juiz.

Por fim, o magistrado chama a atenção para a função social do direito do trabalho e convida: “Vamos pensar o processo do trabalho na perspectiva daquilo que lhe cabe, que é contribuir, na medida do possível, para a efetividade do direito do trabalho, com sua dimensão humana, ligado à ideia de dignidade; sua dimensão social, ligada à ideia de distribuição de renda, mas, principalmente, uma dimensão de cidadania e de democracia. Então, em relação à instrução probatória, a reforma aumentou, não só o espectro da prova, mas também a nossa responsabilidade em relação à possível efetividade ou à não efetividade do direito do trabalho”.

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