quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Novo Código de Processo Civil traz mudanças na resposta do réu






A nota marcante do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) é a simplicidade, visando a eliminar situações que, à luz do diploma vigente, propiciam a instauração de inúmeros incidentes. 

Assim é que a resposta do réu, disciplinada nos artigos 335 a 343 do código aprovado, concentra, na própria contestação, além das preliminares processuais e das defesas de mérito, a exceção de incompetência relativa, a reconvenção, a impugnação ao valor da causa, a impugnação à gratuidade da Justiça e, ainda, se for o caso, a provocação de intervenção de terceiros (v., a respeito, Clito Fornaciari Júnior, A imensidão da contestação, Tribuna do Direito, set. 2015, p. 14).

Em primeiro lugar, é necessário ter muita atenção com o início do prazo de 15 dias para a oferta de contestação, tanto no procedimento comum quanto nos procedimentos especiais. Nesse particular, o novo CPC é bem mais complicado.

O prazo para contestar, consoante a regra do artigo 335, deve ser computado: a) da audiência de conciliação ou de mediação, quando uma das partes não comparecer ou resultar infrutífero qualquer acordo; b) do protocolo do pedido de cancelamento da audiência de conciliação ou de mediação apresentado pelo réu; e c) da data especificada no artigo 231, consoante à forma pela qual foi realizada a citação.

Note-se que, havendo litisconsortes passivos, o termo inicial do prazo de contestação se iniciará, na hipótese de pedido de cancelamento da audiência de conciliação ou mediação, para cada réu, a partir do seu respectivo requerimento, não incidindo, desse modo, o cômputo de prazo comum. Todavia, mesmo em tal situação, o prazo será em dobro, desde que diferentes os procuradores dos litisconsortes, de escritórios de advocacia distintos (artigo 229), salvo se os autos forem eletrônicos, nos quais não se aplica a regra do prazo duplicado (artigo 229, parágrafo 2º).

Como acima frisado, a arguição de incompetência relativa, a impugnação ao valor da causa e a reconvenção passam agora a ser deduzidas na própria contestação (artigos 337 e 343), não havendo, pois, nessas hipóteses, qualquer problema relacionado a prazo.

Esclarece, a propósito, Maria Lúcia Lins Conceição (A resposta do réu no CPC/2015, Ideias e opiniões, Wambier Advocacia, n. 22, 2015, p. 12) que, “enquanto a incompetência absoluta pode ser conhecida de ofício pelo juiz e alegada a qualquer tempo pela parte, a incompetência relativa, e também a convenção de arbitragem — que é outra preliminar — são defesas sujeitas à preclusão, ou seja, se não forem alegadas pela parte em contestação, nem o juiz poderá delas conhecer ex officio nem os litigantes poderão vir a suscitá-las posteriormente (artigo 337, parágrafos 5° e 6°)”.

Com efeito, o mesmo artigo 337 estabelece, de forma pontual, o rol das preliminares que podem ser arguidas na contestação, dispondo, outrossim, no parágrafo 5°, que: “Excetuadas a convenção de arbitragem e a incompetência relativa, o juiz conhecerá de ofício das matérias enumeradas neste artigo”.

Quando suscitada a incompetência absoluta ou relativa, a teor do artigo 340, a contestação poderá ser protocolizada no foro do domicílio do réu, circunstância “que será imediatamente comunicada ao juiz da causa”.

Diante de absoluta impossibilidade material, parece-me evidente que esse expediente não se aplica ao processo eletrônico.

Seja como for, alegada a incompetência, absoluta ou relativa, preceitua o parágrafo 3° do artigo 340, caso já designada, será suspensa a realização da audiência de conciliação ou de mediação. Vale aqui invocar o experiente ponto de vista de Heitor Sica, no sentido de que essa regra poupa o réu de comparecer a uma audiência antes de ver apreciada a arguição de incompetência (Breves comentários ao novo CPC, obra coletiva, São Paulo, Ed. RT, 2015, p. 915).

Tenha-se presente, por outro lado, que os artigos 338 e 339, quando arguida a ilegitimidade de parte passiva, autorizam o autor, no prazo de 15 dias, a substituir o réu, alterando-se a petição inicial.

Entendo que essa regra, claramente inspirada no princípio da instrumentalidade, tem enorme utilidade a evitar indesejada prolação de sentença sem resolução do mérito, com fundamento na carência fundada na ilegitimidade de parte.

Ademais, o artigo 341 prestigia o denominado princípio da eventualidade, impondo ao réu o ônus da impugnação específica dos fatos, sob pena de presumirem-se verdadeiros os argumentos não enfrentados na contestação.

O novo CPC eliminou a ação declaratória incidental com a finalidade de ampliar o âmbito da coisa julgada material. Preceitua, com efeito, o artigo 503, parágrafo 1º, que a coisa julgada abrange a solução da questão prejudicial incidental, expressamente decidida na sentença. É um exemplo típico de que o dispositivo dessa decisão não estará, do ponto de vista formal, na parte final da sentença. Localizar-se-á, em regra, entremeado na motivação do ato decisório.

A coisa julgada material, em tal hipótese, irá se estender não apenas ao dispositivo atinente à questão principal, mas, igualmente, àquele que resolveu, expressa e incidentalmente, a questão prejudicial.

A opção legislativa adotada autoriza, portanto, que se decida também com força de coisa julgada determinada questão jurídica logicamente subordinante daquela que constitui a questão principal, como, por exemplo, o reconhecimento de união estável, numa demanda em que se visa a partilha de bens comuns.

Anote-se, já sob outro enfoque, que, a exemplo do que ocorria no regime do velho CPC de 1939, a reconvenção deve ser deduzida no bojo da própria peça de contestação (artigo 343, parágrafo 6°).

Não obstante, continua sendo preservada a autonomia da reconvenção em relação à demanda pendente, como se infere do parágrafo 2° do artigo 343: “A desistência da ação ou a ocorrência de causa extintiva que impeça o exame de seu mérito não obsta ao prosseguimento do processo quanto à reconvenção”.

Embora totalmente desnecessário, os subsequentes parágrafos 3° e 4° admitem a ampliação subjetiva (ativa e passiva) da demanda reconvencional, podendo ser ela ajuizada pelo réu e um terceiro em face do autor e, inclusive, de um terceiro.

Concluo, registrando que a implantação adequada da novel legislação, também no que se refere aos aspectos técnicos atinentes à resposta do réu, dependerá do preparo dos operadores do Direito.



José Rogério Cruz e Tucci é advogado, diretor e professor titular da Faculdade de Direito da USP e ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo.

Revista Consultor Jurídico, 15 de setembro de 2015, 8h00

Brasil atinge a marca de 100 milhões de processos em tramitação na Justiça






No momento em que esta notícia estiver sendo lida, o volume de processos em tramitação na Justiça brasileira já terá ultrapassado a cifra dos 100 milhões. Segundo os dados do levantamento anual Justiça em Números, feito pelo Conselho Nacional de Justiça e divulgado nesta terça-feira (15/9), em 2014 passaram pela jurisdição dos 90 tribunais brasileiros, 99,7 milhões de processos.

O número do CNJ é o resultado da soma de 70,8 milhões de processos pendentes e 28,9 milhões de casos novos registrados no ano passado. Mantida a média de crescimento anual de 3,4%, registrada nos últimos cinco anos, vão tramitar em 2015, 103,1 milhões de processos judiciais no país. Na média, significa um processo para cada dois brasileiros. Como em cada processo, atuam pelo menos duas partes, pode-se dizer que há processos para toda a população brasileira participar.

Neste caso, os números mentem. O grande litigante do país é o poder público. O levantamento do CNJ mostra que 15% dentre 23,7 milhões de ações que ingressaram na Justiça se referem a matéria tributária, previdenciária ou de Direito Público, todas áreas que envolvem a administração pública em seus diferentes níveis - federal, estadual e municipal.
Processos por assunto
Direito do Trabalho 5.281.35422,3%
Trabalho/Processual2.081.7588,8%
Dano moral trabalhista700.5953,0%
Remuneração trabalhista688.6212,9%
Rescisão contratual trabalhista673.8092,8%
Direito Civil5.013.02721,1%
Responsabilidade civil1.944.2678,2%
Família1.658.3067,0%
Direito Público761.4443,2%
Tributário2.258.2869,5%
Previdenciário605.3282,6%
Consumidor2.039.2888,6%
Total 23.706.083


O Justiça em Números escancara o motivo que faz da primeira instância o grande problema da Justiça brasileira. É lá, na porta de entrada do sistema judiciário, que está a maior parte dos processos em tramitação: de cada dez ações, nove estão nas varas ou juizados especiais dos diferentes ramos da Justiça. Em 2014, os juízes de primeiro grau conseguiram julgar o equivalente a 90% dos casos novos ingressados, Com isso, ao final do ano, o acervo de 65,7 milhões de processos pendentes ganhou mais 2 milhões de casos a espera de solução. 
Desempenho por instâncias - 2014 Casos novos Julgados Pendentes Em tramitação.

Desempenho por instâncias - 2014
 Casos novosJulgadosPendentesEm tramitação
1º Grau - Conhecimento17.040.14815.406.63629.815.01146.855.159
1º Grau - Execução 6.649.4996.134.95735.936.31442.585.813
1º Grau - total 23.689.64721.541.59365.751.32589.440.972
2º Grau3.539.6363.763.1663.037.2556.576.891
Turmas Recursais1.066.565990.7291.413.4482.480.013
TRU3.9712.9202.5516.522
Tribunais Superiores (sem STF)578.844691.964624.0081.202.852
Total 28.878.66326.990.37270.828.58799.707.250


Um dos grandes complicadores do desempenho da primeira instância são os processos de execução. Embora tenha capacidade para julgar praticamente o número de casos novos que chegam às varas e juizados (cerca de 6 milhões), os juízes têm de enfrentar um acervo cerca de seis vezes maior.

São 35,9 milhões de processos à espera de uma solução muitas vezes impossível, diante da dificuldade de localizar os devedores ou seus bens para dar andamento à demanda. 

Na segunda instância a situação é bem mais favorável. Ano passado tramitou um total de 6,5 milhões de recursos em segundo grau, mas a notícia mais auspiciosa é que os desembargadores estaduais, federais e do trabalho julgaram 223 mil recursos a mais do que receberam. Ou seja, o acervo de casos pendentes estava menor em janeiro de 2015 do que um ano antes.

A outra grande verdade confirmada pelos números divulgados pelo CNJ é que a maior encrenca no gargalo da Justiça está em seu ramo estadual. De 96 milhões de casos em tramitação contabilizados pelo Justiça em Números, 77 milhões se referem à Justiça Estadual (80% do total). Enquanto isso, a Justiça Federal e a Justiça do Trabalho contribuem com 9% dos casos, cada uma. Quando se trata de casos novos ingressados em 2014, a Justiça Estadual mantém a mesma proporção, de oito processos em cada dez, mas a Justiça do Trabalho aumenta sua participação para 16% enquanto a Justiça Federal diminui a sua para 2%. 
Movimento Processual 2014
 Casos novosPendentesEm tramitação
Justiça Estadual 20.141.98257.206.73677.348.718
Justiça Federal405.0218.484.4888.889.509
Justiça do Trabalho3.990.500 4.396.5908.387.090
Tribunais Superiores578.844624.0081.202.852
Justiça Eleitoral109.059110.826219.885
Supremo57.79967.052124.851
Justiça Militar6.2575.93912.196
Total25.289.46270.895.63996.185.101


Força de trabalho
O Judiciário brasileiro prevê a existência de 22.451 magistrados em sua planilha de cargos, mas, em 2014, apenas 17 mil desses postos estavam devidamente preenchidos. Ou seja, faltam 5,5 mil (21,8%) juízes para completar a folha de magistrados do país. Do total de juízes em atividade, 11,6 mil (68,7%) atuavam na Justiça Estadual, 3,4 mil na Justiça do Trabalho e 1,7 mil na Justiça Federal.

A segunda instância ocupa 2.190 desembargadores, enquanto a primeira é atendida por 14,5 mil juízes. O Judiciário conta ainda com 278 mil servidores efetivos e 139 mil terceirizados. 

O preço da Justiça
O funcionamento da máquina judiciária brasileira movimentou, em 2014, R$ 68,4 bilhões. Esse montante representa um crescimento de 4,3% em relação ao ano anterior. Corresponde, também, a 1,2% do PIB e a 2,3% do total dos gastos públicos do país.

Dividindo pelo número de brasileiros, temos que o Judicário custou R$ 337 para cada um em 2014. Temos também que, na média, cada processo em tramitação teve um custo de R$ 686.

Numa atividade de uso de mão de obra intensiva não causa admiração que 89,5% das despesas (R$ 61 bilhões) sejam consumidos com pessoal.

Praticamente metade das despesas correm por conta da Justiça Estadual (R$ 37,6 bilhões), contra 20,8% da Justiça do Trabalho (R$ 14,3 bilhões) e 12,7% da Justiça Federal (R$ 8,7 bilhões). A Justiça Eleitoral é responsável por 7% dos gastos (R$ 4,7 bilhões) e os tribunais superiores, por 4,3% (R$ 2,9 bilhões). 

Em contrapartida, o Poder Judiciário arrecadou em 2014, R$ 26,9 bilhões. São receitas referentes recolhimentos com custas, emolumentos e taxas, do imposto causa mortis nos inventários, receitas da execução fiscal e outras. 

Clique aqui para ler o relatório Justiça em Números.


Maurício Cardoso é diretor de redação da revista Consultor Jurídico



Revista Consultor Jurídico, 15 de setembro de 2015, 15h00

Código de Defesa do Consumidor completa 25 anos


Fonte: Brasilcon



A data de hoje é especial para o direito do consumidor e para a cidadania brasileira. Há 25 anos era promulgado o Código de Defesa do Consumidor, lei que repercutiu, como poucas, na melhoria e desenvolvimento das relações econômicas e sociais no Brasil.

O Código de Defesa do Consumidor, ao realizar o mandamento constitucional de defesa do consumidor pelo Estado, impôs transformações fundamentais nas relações de mercado, mudando a sociedade brasileira.

Agora, no marco dos seus 25 anos, é preciso avançar! Daí o apoio do Brasilcon ao processo de atualização do Código de Defesa do Consumidor em curso no Congresso Nacional, aguardando, agora, a votação pelo plenário do Senado Federal. Trata-se de uma iniciativa que não é de pessoas, grupos ou partidos. É uma causa do Brasil, fazendo com que a lei possa disciplinar novos fenômenos oriundos das transformações do mercado durante o período de vigência do Código, especialmente o tema do comércio eletrônico e do superendividamento dos consumidores.

O Brasilcon, entidade científica comprometida com a promoção e efetividade do direito do consumidor no Brasil, cumprimenta a todos, dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, da Advocacia e da sociedade, consumidores e empreendedores conscientes deste novo padrão de qualidade imposto aos produtos e serviços e à ética nas relações de consumo, por estes 25 anos de conquistas.

Os desafios que se colocam, hoje, para a efetividade do Código de Defesa do Consumidor, mobilizam a todos. A melhoria da relação com os agentes de regulação econômica e de serviços públicos, e a adesão necessária de certos setores do mercado ao que se estabelece há 25 anos como direitos do consumidor, permanecem como um objetivo fundamental a ser perseguido. Da mesma forma, em tempos de crise, recorde-se que é na garantia dos direitos fundamentais e nas leis que os realizam – como é o caso do Código de Defesa do Consumidor – onde reside a solidez da proteção da pessoa pelo Estado de Direito.

Aproveito, desde já, para convidá-los ao XIII Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor, que se realizará nos dias 1º a 4 de maio de 2016, em Foz do Iguaçu (PR), e terá como tema central, justamente, os “25 Anos do Código de Defesa do Consumidor: Responsabilidade e Ética”.

E lhes deixo, igualmente, no link a seguir (clique aqui) um depoimento sobre esta data representativa.

Parabéns a todos pelos 25 anos do Código de Defesa do Consumidor, uma lei da cidadania brasileira!

Bruno Miragem
Presidente Nacional do Brasilcon

TST confirma nulidade de cláusula de convenção coletiva que exige indicação do CID em atestado







O Sindicato das Empresas de Asseio, Conservação e Serviços Terceirizados do Estado de Santa Catarina (Seac/SC) não conseguiu, em recurso para o Tribunal Superior do Trabalho, derrubar decisão que havia anulado cláusula coletiva que exigia a indicação do Código Internacional de Doenças (CID) em atestados médicos. Para o TST, é direito do trabalhador a proteção de informações pessoais relativas à sua saúde.

A cláusula, celebrada em convenção coletiva de trabalho pelo Seac, outros sindicatos e a Federação dos Vigilantes e Empregados em Empresas de Segurança e Vigilância, Prestadoras de Serviços, Asseio e Conservação e de Transporte de Valores de Santa Catarina, previa a indicação do CID nos atestados, particulares ou emitidos por médicos do Sistema Único de Saúde (SUS).

Ação anulatória

Para o Ministério Público do Trabalho, a norma extrapola o âmbito da negociação coletiva e afronta o Código de Ética Médica, que impede o médico de revelar fato de que tenha conhecimento pelo exercício de sua profissão. Segundo o MPT, o sigilo do diagnóstico é uma garantia da relação médico/paciente, e a exposição da intimidade do trabalhador pode servir para fins abusivos e discriminatórios. 

Já para o sindicato patronal, as convenções coletivas traduzem a vontade das partes, e a violação da intimidade só ocorreria se o diagnóstico fosse divulgado pelo empregador. A entidade argumentou ainda que a exigência se justifica pela proteção ao trabalhador, tendo em vista que a doença pode ter relação com o trabalho.

O Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (SC) acolheu os argumentos do MPT e suspendeu a validade da cláusula. Para o Regional, a proteção à saúde do trabalhador, alegada pelo Seac, pode se dar com exames médicos regulares e campanhas educativas.

TST

A relatora do recurso do Seac ao TST, ministra Maria Cristina Peduzzi, destacou na Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) que o direito fundamental à intimidade e à privacidade, previsto no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, projeta seus efeitos para as relações de trabalho e deve, portanto, ser respeitado pelo empregador. Para Peduzzi, cláusula que obriga o trabalhador a divulgar informações sobre seu estado de saúde quando faltar ao trabalho por motivo de doença (artigo 6º, parágrafo 1º, alínea "f", da Lei 605/1949) viola esse direito.

Ela lembrou que, segundo a Resolução 1685/2002 do CFM, que normatiza a emissão de atestados, a informação sobre o diagnóstico depende de autorização expressa do paciente, e, portanto, não poderia ser autorizada por meio de norma coletiva. "No próprio âmbito da Medicina, a obrigatoriedade do CID em atestado é vista como prejudicial ao trabalhador", afirmou.

Em seu voto, a ministra citou precedente da SDC de outubro de 2012 que, em situação idêntica, declarou a nulidade de cláusula firmada pelos sindicatos patronal e de empregados do transporte rodoviário de Pelotas (RO-20238-58.2010.5.04.0000).

A decisão foi por maioria, vencido o ministro Ives Gandra Martins Filho.


(Lourdes Cortes/CF. Foto: Aldo Dias)

Fonte: TST

Empregado portador de HIV não consegue provar que foi vítima de discriminação no ambiente de trabalho



A Súmula 443 do TST é aplicada à situação do trabalhador portador de HIV ou de doenças que geram estigma, nos casos de dispensas configuradas como preconceituosas. Nos últimos anos, esse tem sido o tema central de muitas ações recebidas pela JT mineira, com pedidos de empregados portadores de HIV, referentes a rescisão indireta, ou reintegração ao emprego e indenização por danos morais decorrentes de dispensa discriminatória. Mas, conforme acentuou o juiz Vitor Salino de Moura Eça, não basta a simples alegação de tratamento discriminatório por parte do empregador. É necessária a comprovação da ocorrência dos fatos que ensejaram o alegado assédio moral sofrido pelo empregado portador do vírus.

Na 16ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, o magistrado analisou uma ação em que se discutia a matéria e entendeu que, no caso, não foram comprovadas as alegações de tratamento discriminatório dispensado ao reclamante no ambiente de trabalho.

O trabalhador portador do vírus HIV, que prestou serviços terceirizados para um banco, pediu na Justiça do Trabalho a declaração da rescisão indireta do seu contrato, bem como a condenação da empregadora e do tomador de serviços ao pagamento de uma indenização por danos morais decorrentes de dispensa discriminatória. O reclamante alegou que, por ser portador de HIV e ter sofrido baixa imunológica no período de julho a agosto de 2012, solicitou à empregadora a concessão de férias vencidas, o que foi recusado. Salientou que, além de negar o pedido de férias, a ré se recusou a receber atestado médico entregue por ele fora do prazo e ainda o advertiu por escrito, não se sensibilizando com o seu estado de saúde.

Conforme argumentou o reclamante, não lhe restou outra opção, a não ser ajuizar ação para pleitear a rescisão indireta, abrindo mão da estabilidade provisória a que fazia jus por ser membro da Cipa. Na visão do trabalhador, a ruptura do contrato de trabalho se deu por motivo discriminatório. Por isso, ele pleiteou também a indenização por danos morais.

Entretanto, essas alegações não foram acatadas pelo juiz sentenciante. Ele ressaltou que o vínculo firmado entre empregado e empregador é profissional, de modo que não pode o reclamante se aproveitar de sua doença, por mais grave que seja, para esquivar-se de obrigações legais e contratuais para com a empresa."Independentemente da moléstia que aflige o reclamante, não pode ele se apoiar nela para esquivar-se de suas obrigações para com a empresa. A relação é profissional e como tal deve ser tratada. Não se configura qualquer excesso do empregador utilizar-se das medidas disciplinares a sua disposição, cumprindo-lhe, apenas e tão somente, observar os limites de atuação fixados pela legislação e pela jurisprudência, de maneira a afastar-se de qualquer arbitrariedade",completou.

Para o julgador, não se trata de insensibilidade ou discriminação, até porque o próprio reclamante, em depoimento pessoal, admitiu que não recebeu tratamento anormal por parte dos colegas e superiores. "O que se depreende do presente caso é que o autor, sob falsa alegação de tratamento discriminatório, pretende ter a si orientado tratamento diferenciado, apoiando-se no fato de ser portador do vírus HIV. Por acreditar-se diferente, entende o autor que a ré deveria imbuir-se de alto espírito social e humanitário para receber seus atestados fora do prazo ou mesmo abonar-lhe algumas faltas sem qualquer consequência", ponderou.

Conforme enfatizado na sentença, o fato de a empresa negar a concessão de férias por motivo de ausências injustificadas ao trabalho não pode ser interpretado como comportamento discriminatório ou ofensivo, mesmo porque o prazo para a apresentação de atestados se aplica a todos os empregados da ré, independentemente de suas condições pessoais. Ao examinar os depoimentos das testemunhas, o magistrado observou que a testemunha indicada pelo reclamante reconheceu a existência de um prazo para entrega de atestado médico. Assim, embora o trabalhador estivesse com a saúde debilitada no período de afastamento, nada impedia a apresentação de atestado por intermédio de terceiros ou mesmo a prévia comunicação à empresa, por qualquer meio, sem desaparecer do trabalho e retornar dias depois com atestado para abonar faltas.

O juiz fez questão de frisar que não ignora o delicado estado de saúde em que se encontra o reclamante por ser portador de HIV. Essa condição, no entanto, embora grave, não lhe dá salvo-conduto para desrespeitar as normas que regem sua relação empregatícia. Nessa ordem de ideias, ele salientou que, se cabe ao empregador ser transparente e profissional no trato com seus empregados, igual obrigação cabe ao trabalhador, que deve respeitar estritamente as normas que regem sua relação contratual antes de buscar a satisfação do que entende ser seu direito.

"Assim, estando o autor cioso de suas obrigações, devidamente e previamente delineadas pelo empregador, conforme indicado pela testemunha ouvida, e, ainda, não tomando forma qualquer ambiente discriminatório, nos termos reconhecidos pelo próprio autor em seu depoimento, não se há de cogitar em rescisão indireta do contrato ou mesmo em reparação civil de qualquer natureza", pontuou o juiz, concluindo que não houve comportamento abusivo ou discriminatório por parte da empregadora, que apenas exerceu regularmente a prerrogativa de aplicar medidas disciplinares ao empregado faltoso.

Ao finalizar, o magistrado observou que, no curso do processo, o reclamante foi dispensado por justa causa, tendo a ré alegado abandono do emprego, mesmo tendo plena ciência da ação trabalhista em andamento, que discute exatamente a pretensão de rescisão indireta. Conforme registrado na sentença, apenas quando alegadas as alíneas "d" e "g" do artigo 483 da CLT, poderá o reclamante optar por permanecer ou não no trabalho. Essas alíneas tratam dos casos de descumprimento das obrigações contratuais por parte do empregador e da redução do trabalho de forma a afetar sensivelmente os salários. Nos demais casos, como esclareceu o juiz, o trabalhador deve necessariamente se afastar de suas funções, até por coerência para com o referido artigo, não havendo de se cogitar em abandono de emprego.

Por esses fundamentos, o julgador afastou a dispensa por justa causa aplicada pela empregadora e reconheceu o pedido de demissão do reclamante a partir do ajuizamento da ação, ressaltando que esse fato não afasta a obrigação patronal de pagamento das parcelas rescisórias aplicáveis. O reclamante recorreu, mas o TRT mineiro confirmou a sentença nesse aspecto.

Fonte: TRT3

terça-feira, 15 de setembro de 2015

A febre dos enunciados e a constitucionalidade do ofurô! Onde está o furo?







Porque o furo da crise é mais embaixo
Estou fora do país e leio que a última polêmica de Pindorama é se a colocação de um ofurô em sacada de apartamento fere... a Constituição. Claro, também tem a discussão acerca do máximo de páginas que uma petição pode conter. Fantástico. Não esqueço também da invenção do “princípio da conexão”, pela qual Pindorama se sobressai na ciência e “vai em busca da verdade virtual”. Também tem a aplicação da ponderação para resolver se um pastor, que pensa que Deus é surdo, pode ficar pregando em determinado horário, circunstância que perturbaria um vizinho. E não é que a saída foi a ponderação? Discutiram a inconstitucionalidade do barulho do presbítero? Pamconstitucionalismo, a nova invenção? Por tudo isso, fazendo um trocadilho infame, penso que “ofurô” é mais embaixo. Seis avôs para um neto, quatro pais, metade da herança para a amante, indenização para o desamor do pai, inversão do ônus da prova no processo penal, portaria valendo mais do que a Constituição, jurisprudencialização do direito em um sistema romano-germânico (já existem mais enunciados e súmulas e OJs na Justiça do Trabalho que o número de artigos e parágrafos da CLT)... Onde vamos parar? Li também uma novíssima tese do direito pindoramense: segundo uma juíza, quem tem o carro roubado não precisa mais pagar as prestações de leasing! Definitivamente, o mundo está de olho na ciência jurídica de Pindorama! Vamos ganhar um Nobel... do ensino jurídico! Estocolmo: aqui vamos nós! Eis o preço que todos estamos pagando por termos pensado (e continuarmos pensando) que o direito é uma mera instrumentalidade. Uma ferramenta. E que pode ser ensinado por manuais de baixa densidade e resumos. E que qualquer assunto dá uma tese de doutorado. Enfim: que dogmática construímos? O custo? Olhemos para os lados. Como diz Nelson Rodrigues, tudo isso é fruto de muito esforço...! E o Conselheiro Acácio dizia: as consequências sempre vem depois. Numa palavra: mas o que isso tem a ver com o febre dos enunciados? Nada, é claro. Ou, melhor dizendo, tudo. Uma coisa não existiria sem a outra.

Porque não podemos dar respostas antes das perguntas
Sigo. Com efeito. Pensemos no sistema jurídico brasileiro ou no ordenamento como um todo, em como deveria ser a interpretação. Mas pensemos tudo isso como um papel dobrado sobre si mesmo. Só poderemos saber o que está dentro quando o desdobrarmos. Ou seja, primeiro teremos de abrir o papel. E isso quer dizer que somente saberemos o conteúdo no seu todo quando terminarmos de lê-lo. Isso é um pouco hegeliano. Mas é importante para podermos dizer que não podemos adivinhar as coisas e tampouco dar respostas antes que as perguntas sejam feitas. A ave de Minerva só levanta voo ao entardecer.

Parece que os juízes e processualistas em geral que apostam em enunciados tem essa nítida fé na filosofia pré-moderna (sim, pré-moderna), reaproveitada pelo positivismo jurídico sintático do século XIX. Isto é, pensam que a filosofia é o espelho da natureza e o processo é o espelho do direito. Portanto, uma tentativa de fazer isomorfismos (espécie de Wittgenstein I retrô). Eis a pretensão positivista: transportar a realidade para dentro de conceitos. Na França isso ficou conhecido como exegetismo. Na Alemanha como pandectismo ou Jurisprudência dos Conceitos (Begriffjurisprudence).[1] Lei e direito sendo a mesma coisa. Não há espaço para a faticidade. É como se fosse possível fazer juízos abstratos.

Pois é isso que estão fazendo os neo-pandectistas-enunciadores. Pegam o novo CPC e dão o sentido antecipado. Uma cautelar de sentidos. Inaudita factum. Pior: dão um sentido para além ou aquém do Código. Nítido drible da vaca hermenêutico. Laboram com conceitos sem as coisas. Os conceitos antes dos casos.

E quando a realidade é mais forte, transfere-se o poder de decidir para o juiz. Bingo: eis as duas formas principais de positivismo: o primitivo (exegético) e o axiologista-voluntarista (por exemplo, o normativismo kelseniano, pelo qual juiz constrói normas e não há modos de controlá-los, porque juízes não fazem ciência, para Kelsen: fazem política jurídica — aliás, o que são os tais enunciados, senão política jurídica?).

Tudo isso, à evidência, é um despropósito com fortes toques de a-historicidade. Duzentos anos de atraso. Além disso, é um desrespeito à autonomia do direito. Consequentemente, é um desrespeito à democracia e conspurca até mesmo a forma como os Poderes são enunciados (e a anunciados) na CF: legislativo, executivo e judiciário. Sim, essa é a ordem, mesmo que o parlamento esteja com problemas em face do comando do nosso unabomber Cunha.

Somente uma forte dose de ironia pode combater essa onda pandectista-retrô que assola o direito de Pindorama. Somente muito sarcasmo para admitir que um código que ainda não entrou em vigor já esteja sendo driblado e alterado, até mesmo nos seus limites semânticos (que, aliás, constitui um paradoxo em relação ao paradigma que querem reproduzir).

Dito isso, entro no jogo com a minha Critica Hermenêutica do Direito e com a jurisdição constitucional. Usando o próprio CPC (artigo 926), lanço algumas âncoras para tentar (as)segurar o minimum de sentido do novo Código. Antes que, com esta pré-dação de sentidos, este sobre um predação.

Portanto, falta só o governo abrir uma linha de crédito do BNDES para subsidiar as fábricas de enunciados. Eis a minha contribuição sem financiamento do BNDES. Antes disso, peço a atenção redobrada para o que digo na sequência:

O que estou dizendo não quer significar que, pelo fato de estar posto na lei (no caso, o CPC), é que deve ser cumprido. Ledo engano. Isso seria retroceder justamente ao exegetismo. Isso deveria ser óbvio, mas não o é, no entremeio de uma teoria do direito eivada de mixagens teoréticas. Na minha teoria hermenêutica da decisão (CHD) há seis hipóteses (leraqui) nas quais o judiciário pode deixar de aplicar a lei ou um dispositivo legal (texto jurídico na linguagem hermenêutica). Assim, se um enunciado — por mais inapropriada que seja a opção por esse modelo-de-enunciados — estiver devidamente fundamentado em uma das seis hipóteses, não será visto como inconveniente ou indevido stricto sensu. Ao contrário: como indício hermenêutico-doutrinário, será bem-vindo.Ou seja: terá o papel de doutrina.

Destarte, estando isso bem esclarecido, eis os primeiros contraenunciados e também alguns que devem servir para evitar a formação de enunciados-que-digam-o-contrário-do-que-diz-o-NCPC (entendido o acima delineado, é claro). São estes os meus primeiros — vai ter mais — contraenunciados (tendo em vista dos enunciados da Enfam); despiciendo dizer que o conteúdo da coluna é colaborativo; sem fulanização; sua pretensão é de construir um sistema jurídica mais justo e equânime — fairness —; deve, pois, ser recebido desse modo, como um debate típico de países adiantados):
O artigo 489, parágrafo 1º concretiza garantias processuais já previstas na Constituição, aplicáveis a todo o sistema de justiça brasileiro. Portanto, alcança paradigmaticamente os direitos trabalhista, penal, os juizados especiais (ao contrário do Enunciado Enfam 47) e tudo mais que se vem negando.
O artigo 489 não é um mero check list, não devendo ser encarado de uma perspectiva formalista, mas deve refletir o próprio conteúdo jurídico em jogo, a “fundamentação da fundamentação”[2], e isso também é controlável.
Ao contrário do que diz o Enunciado Enfam 2, ofende, sim, a regra do contraditório o pronunciamento jurisdicional que “invoca princípio quando a regra jurídica aplicada já debatida no curso do processo é emanação daquele princípio”, porque o princípio não é uma “katchanga”.
Ao contrário do que diz o Enunciado Enfam 4, na declaração de incompetência absoluta se aplica, sim, o disposto no artigo 10, parte final, do CPC;
Reza o Enunciado 5 do Enfam que "não viola o artigo 10 do CPC/2015 a decisão com base em elementos de fato documentados nos autos sob o contraditório". Contudo, viola, sim, o art. 10 do CPC a decisão que — ainda que "com base em elementos de fato documentados nos autos sob o contraditório" —, inovar em fundamento (fático-jurídico) surpreendendo as partes em sua interpretação;;
Ao contrário do que diz o Enunciado Enfam 6, constitui, sim, julgamento surpresa o lastreado em fundamentos jurídicos diverso das partes, ainda quando embasados em provas submetidas ao contraditório.
O Enunciado Enfam 9 não desobriga o juiz (e nem poderia, porque a Enfam não legisla) de também “identificar os fundamentos determinantes ou demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento, sempre que invocar jurisprudência, precedente ou enunciado de súmula”, ou se divergir da interpretação dada pelas partes a estas.

E eis os meus enunciados para evitar a fabricação de enunciados despistadores:
Entende-se como “fundamento” a obrigação fundamental... de fundamentar, conforme estabelecido na Constituição e em qualquer país civilizado.
O artigo 371, ao não mais prever a palavra “livremente”, significa que o livre convencimento foi expungido do CPC, sendo uma opção paradigmática feita pelo legislador em fiel observância da teoria do direito contemporânea; se os processualistas não apreenderam nada com os estragos do livre convencimento, então não poderão de queixar nunca mais; por isso, a necessária sinonímia da dicção do art. 371;
O artigo 926 é um texto jurídico que deve ser cumprido pelos juízes e tribunais, não sendo, portanto, uma norma programática (sic); seu descumprimento acarreta violação de lei federal;
O parágrafo segundo do artigo 489, ao dizer que haverá ponderação no caso de colisão entre normas, é inconstitucional por violação do principio da separação-divisão de poderes, uma vez que normas são regras e princípios e, consequentemente, o afastamento de uma regra (que, portanto, é uma norma) implica criação de direito, conforme já expliquei várias vezes (leiam este texto como um conto, do início ao fim);
O CPC não estabeleceu um sistema de precedentes vinculantes, mas, sim, um sistema de provimentos vinculantes;
Precedente não pode ser lido como sinônimo de jurisprudência;
Antes que alguém diga o contrário, afirmo que é constitucional a previsão de vinculatividade das decisões emanadas do STF em sede de controle concentrado de constitucionalidade;
O inciso III do artigo 927 é inconstitucional, devendo, em controle difuso ou concentrado, ser expungido do ordenamento;
Somente podem ser vinculantes as súmulas vinculantes editadas segundo a EC 45, com quorum de oito ministros e obedecidos os requisitos legais para a emissão do provimento; portanto, é inconstitucional o inciso IV do artigo 927;
O inciso V do artigo 927, que diz ser vinculante a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados, deve sofrer uma verfassugnskonforme Auslegung (interpretação conforme a Constituição), ou seja, somente é constitucional se a orientação do plenário ou órgão especial não se confrontar com orientação tomada pelo Supremo Tribunal Federal;3
Para não expungir o artigo 6º do novo CPC e salvá-lo, a única solução parece ser uma verfassungskonforme Auslegung(interpretação conforme à Constituição), em algo como: "Todos os sujeitos do processo [leia-se: o juiz] devem cooperar entre si [leia-se:com as partes] para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva" (tachado, grifo e interpolação nossas)4.
Os embargos de declaração servirão a explicações pontuais, sem institucionalizar a tolerância com decisões mal feitas. Poderá se avançar com o instituto, desde que lido atentando para a revolução estrutural do novo Código: ampliação dos direitos ao contraditório (artigo 10), à fundamentação (artigo 489, parágrafo 1º), exigência de que os julgamentos tenham que manter coerência e integridade (artigo 926) e fim do livre convencimento5.

Por fim, um metaenunciado pra quem quiser continuar a fazer Fóruns de enunciados:

Cuidado pra não cair em autocontradição performativa, sob o paradigma instaurado pelo próprio código-objeto-de-enunciação6!

É isso. São os primeiros contraenunciados e outros que visam a blindar o CPC (sim, enunciados sobre o CPC baseados no... próprio CPC e, acreditem, na Constituição Federal! Bingo!). Também estão baseados — todos — no livro Comentários ao Código de processo Civil, capitaneado por Lenio Streck, por Dierle Nunes, Leonardo Cunha e Alexandre Freire, pela Editora Saraiva, que está no prelo (em brevíssimo tempo, à venda nas melhores casas do ramo).

Ao mesmo tempo, tudo isso serve para aprendermos um pouco de história, de democracia e de resistência. Devemos apreender com nossos erros. E o diabo sabe mais por velho do que por diabo.

Espalhemos a notícia. Estamos resistindo aos neo-pandectistas ou aos conceptualistas-retrô. Cada um tire dez cópias e mande para dez amigos que por sua vez devem fazer o mesmo. Quem não fizer, será vítima da fúria de Hermes.


1 Claro que em Pindorama isso virou uma vulgata. Não quero ser processado por algum herdeiro de algum pandectista legítimo ou um exegetista da cepa.


2 Discutindo o artigo (e suas controversas implicações práticas) a partir desta categoria hermenêutica que cunhei, veja-se o trabalho de meus orientandos: TASSINARI, Clarissa ; FERREIRA LOPES, Ziel. Aproximações hermenêuticas sobre o art. 489, §1º, do NCPC: julgamento analítico ou fundamentação da fundamentação? In: ALVIM, Thereza et al (Org.). O Novo Código de Processo Civil Brasileiro –Estudos dirigidos: Sistematização e Procedimentos. São Paulo: Forense, 2015 [em pré-venda].




3 O artigo 927 foi comentado por mim e por Georges Abboud no livro no prelo Comentários ao Código de Processo Civil (Saraiva).


4 STRECK, Lenio; DELFINO, Lúcio; BARBA, Rafael Giorgio Dalla; LOPES, Ziel Ferreira. O "bom litigante": riscos da moralização do processo pelo dever de cooperação do novo CPC. In: Revista Brasileira de Direito Processual:RBDPro, Belo Horizonte, v. 23, n. 90, p. 339-354, abr./jun. 2015.


5 Aos juízes, não serão mais toleradas fundamentações “que mantém a decisão atacada por seus próprios fundamentos”. Sobretudo, por agora se reconhecer legalmente a deficiência de qualquer decisão que “não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador” (art. 489, §1º, IV), o que põe fim a antiga corrente jurisprudencial. Já com relação às partes, será vedada a interposição de embargos de declaração se seguidamente reincidirem no abuso deste direito (por usos “protelatórios”, art. 1026, §4º). Assim, aumenta a “efetividade qualitativa” dos aclaratórios. No limite, pode-se seguir afirmando que, “em determinadas circunstâncias e em certos casos, uma decisão, antes de ser atacada por embargos de declaração, é nula por violação do inciso IX do art. 93”. MENDES, Gilmar Ferreira; STRECK, Lenio Luiz. In: CANOTILHO, J. J. Gomes et al. (Coord). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 1325.


6 Além do que já disse Marco Paulo D. Di Spirito (citado na semana passada), veja-se a consideração de Dierle Nunes e Lúcio Delfino: “O próprio evento promovido pela Enfam, circunscrito à participação de magistrados, já é emblemático e, por si só, até dispensaria a elaboração do malfadado Enunciado 1. É que, se o contraditório não implica influência das partes na construção das decisões judiciais, nada mais adequado que a magistratura se unir e definir, sozinha, os sinais de orientação com os quais deverão trabalhar juízes de todo o Brasil ao lidar com o novo CPC. Os juízes decidem como se deve interpretar cada qual dos dispositivos processuais, formando seus enunciados, e nós, os cidadãos-utentes da jurisdição, curvamo-nos comodamente àquilo por eles deliberado (!?)”. NUNES, Dierle; DELFINO, Lúcio. Enunciado da Enfam mostra juízes contra o contraditório do novo CPC. In: Consultor Jurídico. São Paulo, 03 dez, 2015. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-set-03/enunciado-enfam-mostra-juizes-contraditorio-cpc. Acesso em 03/09/2015.



Lenio Luiz Streck é jurista, professor de direito constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do Escritório Streck, Trindade e Rosenfield Advogados Associados:www.streckadvogados.com.br.



Revista Consultor Jurídico, 10 de setembro de 2015, 8h00

A alegoria do novo CPC e o filme Os Deuses Devem Estar Loucos: imperdível






Há um filme que pode nos ajudar a entender a relação do novo com o velho e, sempre, o papel da linguagem, do objetivismo e do subjetivismo. Literatura e cinema parecem explicar melhor os fenômenos, principalmente no entremeio de uma crise. Aliás, crise quer dizer exatamente “quando o novo não nasce e o velho não morre”. Bingo.

Estou finalizando um livro que será uma espécie de guia para entender a Crítica Hermenêutica do Direito, que criei faz alguns anos. Três juristas me entrevistaram. O juiz e professor Bianor Arruda Bezerra Neto, o mestre e doutorando em Direito Daniel Ortiz Matos e o advogado Diego Ribeiro, editor do blog Tribuna do Jurista. Das perguntas e respostas, sairá o livro. E um deles me perguntou sobre a resistência de parcela da comunidade jurídica às inovações do CPC-2015. Lembro, na entrevista, da palestra que fiz no Congresso de Direito Processual Civil ocorrido em Belo Horizonte no primeiro semestre deste ano. Encerrei a palestra com a alegoria de um filme, que agora conto para os meus caríssimos leitores aqui da ConJur.

Trata-se da película Os Deuses Devem Estar Loucos, em que o piloto de um pequeno avião, sobrevoando uma aldeia de uma tribo “não civilizada”, descarta uma garrafa vazia de Coca-Cola. Os nativos olham para esse objeto estranho e não sabem o que fazer com ele. O primeiro problema é que há somente um objeto. E a tribo era enorme. Segundo problema: do que se trata? Afinal, não havia um a priori compartilhado — uso aqui o conceito que cunhei na Crítica Hermenêutica do Direito — acerca do sentido de “garrafa”. O estranhamento fez com que houvesse chutes de sentido.

Mas a linguagem surge na falta, pois não? E alguns silvícolas (claro, silvícola na nossa linguagem ocidental) usam a garrafa para ralar tubérculos, outros assopram e pensam que é um instrumento musical e outro dá o sentido de arma, porque o objeto estranho é atirado e fere um terceiro na cabeça.

Depois dessas tentativas, os nativos decidem se livrar desse objeto-estranho-não linguisticizado, portanto, não compreendido. E elegem um deles — Zi — para levar o objeto e atirá-lo para fora do mundo, porque, para eles, o mundo tinha limites, era quadrado, e o tal objeto deveria ser descartado para o abismo do nada. E lá se foi o nativo, correndo para o fim do mundo. Que nunca chegou. Ele vê camadas de nuvens que cobrem/obnubilam a visão do horizonte. E lá atira o objeto-não-nominado. Que desaparece em uma espécie de “real-impossível-de-dizer”.

Moral da história que construo: o novo sempre perturba. O NCPC causa estranhamento. Há dezenas de livros apresentando interpretações das mais variadas. Uns dizem que o código é perigoso para a magistratura, havendo juízes já de malas prontas para outros países (Estados Unidos e Rodésia, ao que me foi dito). Outros preparam o drible da vaca hermenêutico, despistando uma aplicação mais efetiva. O artigo 489 não é feito para o Brasil, brada-se em congressos e simpósios. Onde se viu exigir fundamentação esmiuçada?

Há os que propõem enunciados desviantes, como se os limites semânticos da nova lei nada valessem. Do mesmo modo como fizeram os nativos do filme, vão do ralador ao apito. Enfim, como se trata de uma lei, parece que os que se colocam contra o NCPC e, em especial, contrários ao dever de fundamentação, gostariam de eleger um jurista para correr até o limite do mundo e descartar o estranho objeto. Sim, esse objeto estranho, o NCPC. Quem seria o escolhido? Sua tarefa: atirar o NCPC na névoa solipsista que cobre a visão do horizonte.

Contaram-me também que um nativo-professor teve uma epifania e criou a seguinte tese: a de que o dever de coerência e integridade (artigo 926) é apenas uma norma programática, sem normatividade estrita. Genial, não? Vamos todos para Estocolmo receber o Nobel. Ou seja: o NCPC é uma lei que não deve ser obedecida. Por quê? Porque sim. E porque não “é boa”. Ah, bom. O legislador teria “se equivocado”. Já outros dizem que a retirada do livre convencimento (artigo 371) nada significa. Outra epifania epistêmica, pois não?

A propósito, leio que já estão no mercado mais de 60 enunciados com caráter oficial. Os enunciados 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9, à primeira vista[1], buscam minimizar, nada mais, nada menos, do que a garantia do contraditório e da não surpresa prevista no artigo 10, colocado no NCPC com muito esforço de gente como Dierle Nunes, Fredie Didier, Alexandre Freire, Luis F. Volpe, Leonardo Cunha e Lucio Delfino, entre outros (e por mim). As teses, lidas em seu conjunto (há que se somar ainda outros enunciados), sequestram a faticidade. Na verdade, reduzem a garantia de influência das partes na decisão às questões de fato. Lembro de Castanheira Neves, sobre a impossibilidade de cindir questão de fato e questão de direito. Por favor, não se trata de preciosismo acadêmico. A divisão judicial entre fatos e direitos não é inócua. Trata-se de um dividir para conquistar: nos fatos os enunciadores ainda nos concedem um controle objetivo, em face das evidências. Mas se deixássemos sua interpretação[2] apenas para os juízes, sem garantir também aí a influência das partes (pelos “direitos de manifestação” e de “ver seus argumentos considerados”, vedando-se também as “decisões-surpresa”), a magistratura vai se assenhorar dos sentidos a lhes atribuir. Essa divisão é tão desprovida de fundamento que é escancaradamente invocada segundo conveniências. Nesse sentido, ora as partes batem na Súmula 7 do STJ (não se reapreciam fatos), ora, num enunciado desses (só se reapreciam fatos). Destaque para o enunciado 2: Primeiro, que negócio é esse de “regra emanada do princípio aplicado”? Seria o juiz construindo (um)a regra? Talvez seja um truque para poder ponderar? Alguém pode explicar essa nova teoria? Quando a inventaram? Afinal, o que emana de quê? Aliás, a palavra “emanar” já traz um forte substrato ontoteológico, certo? Ao que se vê do enunciado, o juiz dispõe livremente da história do direito! Talvez seja o caso de as partes se anteciparem pedindo um exame de DNA da regra. Afinal, é necessária uma prova do substrato fático, já que não se tem garantia de influência sobre o enquadramento jurídico... Então, vamos faticizar tudo.

Vou falar muito disso ainda. Por ora, apenas fico por aqui. Essa paixão pela semântica lembra um retorno ao século XIX, a uma coisa chamadaBegriffjurisprudence (jurisprudência dos conceitos). E se sabe que, por ela, quem ficava de fora era exatamente... o povo. Era um Direito feito por professores. Já, aqui, os enunciados são um Direito feito por juízes.

Vou explicar isso — e o faço com toda a lhaneza — para evitar mal-entendidos: uma lei só adquire sentido na aplicação, isto é, na dura cotidianidade das práticas jurídicas, que envolvem uma comunidade de intérpretes, e não um conjunto de pessoas fazendo uma apreciação a partir de uma espécie de “tutela hermenêutica antecipada”. Os enunciados — e essa crítica também se estende aos processualistas que se reúnem para fazer os seus próprios enunciados — são um conjunto de “provimentos cautelares epistêmicos” que pretendem abarcar de antemão todas as hipóteses de aplicação. Aliás, o que pretendia o positivismo do século XIX? Exatamente isso. Respostas antes das perguntas! Bingo. Sugiro leituras como The inevitability of Practical reason, de Daniel Farber; Plädoyer für eine rechstsgebietsspeziische Methodologie oder: wider Imperialismus in der jurisdischen Methodendiskussion, de Ingeborg Maus; Tiene razón el derecho?, de Andrés Ollero; Diritto e interpretazione, de Zaccaria e Viola. Também no Brasil: Lenio Streck e Georges Abboud — O que é isto – os precedentes e as súmulas vinculantes; Decisão Judicial e conceito de princípio, de Rafael Tomás de Oliveira etc.

Só quero mostrar que não estou sozinho nisso que estou sustentando. Há tantas pessoas que pensam parecido com o que estou aqui dizendo que não caberia nesta coluna listar todos eles. Aliás, para fechar, cito o grande Esser, para quem a norma (o sentido do texto jurídico) não encontra sentido se não estiver conectada a um problema. Müller disse isso de forma mais enfática ainda. Para ele, a norma é sempre individual. Por isso, permito-me acrescentar, não se pode fazer “conceitos sem coisas”. Pensar em uma norma geral, abstrata, é voltar ao século XIX. 

Parece chato ficar falando desse assunto. Mas, por favor, vamos falar sério. O código nem entrou em vigor e já começaram os despistes e o trabalho de “novas redações”. Façamos doutrina. Escrevamos sobre o NCPC. Essa é a tarefa de quem quer auxiliar no processo compreensivo. Tenho receio de que os enunciados feitos pela magistratura venham a ter valor maior que o próprio CPC. O que o leitor pensa disso?

De todo modo, o ruim é que já acostumamos com isso. Na Justiça do Trabalho, uma OJ vale mais do que a Constituição. A comunidade jurídica já de há muito está alienada das grandes discussões teóricas que deveriam nortear a crítica do Direito. Na verdade, parcela considerável da comunidade jurídica nem sabe que não sabe. E isso é péssimo.

A coluna de hoje é bem singela. Curtinha. Acústica. Só para mostrar que o jogo ainda nem iniciou e já começou a cera técnica. E dribles hermenêuticos. Obs: de certo modo, falei disso no congresso do IBCCrim, sob outro viés. Contarei isso nas próximas colunas.

Mas não é, de fato, incrível esse filme “os deuses devem estar loucos”?



[1]Sobre o fato de a Enfam ter aprovado mais de 60 enunciados sobre o NCPC, o jurista Marco Paulo D. Di Spirito diz que “isso faz lembrar a denominada ‘contradição performativa’, abordada por Karl-Otto Apel. Ocorre que, na prática (ou seja, performativamente), os participantes do evento acabam por contrariar o piso que lhes serve de suporte, o próprio CPC-2015. Ora, um dos principais alicerces do novo CPC é o de que não se pode pretender, na atualidade, alcançar sentidos e significados, inclusive os normativos, de forma unilateral, com a participação de apenas um dos setores da sociedade”. E complementa o dr. Marco: “Note-se, ainda, o açodamento de tal iniciativa, de pretender sepultar debates com enunciados peremptórios. A fórmula é a seguinte: entre doxa e episteme, fiquemos com um enunciado! Que futuro terá o novo CPC sem uma mudança de cultura?”.
Em coluna próxima analisarei os enunciados, assim que forem publicados no Diário Oficial! Afinal, terão força de lei, certo?
[2]Ainda que fosse mesmo possível essa divisão.

Lenio Luiz Streck é jurista, professor de direito constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do Escritório Streck, Trindade e Rosenfield Advogados Associados:www.streckadvogados.com.br.



Revista Consultor Jurídico, 3 de setembro de 2015, 8h00

Testemunha não é suspeita por mover ação idêntica contra mesma empresa

Deve-se presumir que as pessoas agem de boa-fé, diz a decisão. A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que a teste...