quinta-feira, 17 de abril de 2014

O JUIZ DO RN E O TAMANHO DA PETIÇÃO - O NOBEL É NOSSO!

juiz do RN e o tamanho da petição - o Nobel é nosso!
 
Caricatura Lenio Streck [Spacca]Qual é a importância desse caso?O caso parece banal. Afinal, que importância tem uma decisão de um juiz que manda refazer uma petição que ele considera muito extensa? Aparentemente, nenhuma, não fosse o problema da democracia e do decisionismo que assola Pindorama. A tal decisão do juiz do Rio Grande do Norte representa, simbolicamente, o descompromisso de setores da justiça brasileira para com o exercício da função pública. Parece que a praga patrimonialista tão bem denunciada por Faoro está tão encalacrada no imaginário dos brasileiros que até mesmo nos mínimos gestos é possível ver a tese da “birô-cracia” (o estagiário levanta a placa: birô=mesa; cracia=força, tudo com uma dose de sarcasmo!), a força do sujeito que está sentado atrás da mesa, que, em vez de prestar serviço público, pensa que está prestando um favor.
Talvez por isso as autoridades em terrae brasilis tomem posse dos cargos. Sim. Posse. E propriedade. E, fundamentalmente, domínio. Aquilo é seu. E sem accountabillity. A burocracia, que foi um dos pilares da modernidade, virou fumaça. A relação cidadão-autoridade deveria ser ex parte princípio. Só que é ex parte príncipe.
O problema nem é o fato. É o simbólico que ele representa. E ainda mais grave é o silêncio eloqüente da comunidade jurídica acerca do fato.
Uma metáfora que se encaixa no "case"Metáforas nos ajudam a entender o mundo. Li na internet e penso que encaixa como uma luva. Não há autoria certa (há vários — um deles chama Jorge Yamashita). Já a contei aqui, há algum tempo. A estória é a seguinte:
O chefe do departamento de reengenharia ganhou um convite do presidente da empresa para assistir a uma apresentação da "Sinfonia Inacabada" de Franz Schubert, no Teatro Municipal. Como estava impossibilitado de comparecer, passou o convite para o seu gerente de organização, sistemas, métodos e (neo)gestão e pediu que, depois, ele enviasse sua opinião sobre o concerto, porque ele iria almoçar com o presidente, no dia seguinte, e queria saber como havia sido apresentação.
Na manhã seguinte, quase na hora do almoço, o chefe do departamento recebeu, do seu gerente, o seguinte relatório:
1- Por um período considerável de tempo, os músicos com oboé não tinham o que fazer. Sua quantidade deveria ser reduzida e seu trabalho redistribuído pela orquestra, evitando esses picos de inatividade.
2- Todos os doze violinos da primeira seção tocavam notas idênticas. Isso parece ser uma duplicidade desnecessária de esforços e o contingente nessa seção deveria ser drasticamente cortado. Se um alto volume de som fosse requerido, isso poderia ser obtido através de uso de amplificador.
3 - Muito esforço foi desenvolvido em tocar semitons. Isso parece ser um preciosismo desnecessário e seria recomendável que as notas fossem executas no tom mais próximo. Se isso fosse feito, poder-se-ia utilizar estagiários em vez de profissionais.
4 - Não havia utilidade prática em repetir com os metais a mesma passagem já tocada pelas cordas. Se toda essa redundância fosse eliminada, o concerto poderia ser reduzido de duas horas para apenas 20 minutos.
5 - Enfim, sumarizando as observações anteriores, podemos concluir que: se o senhor Schubert tivesse dado um pouco de atenção aos pontos aqui levantados, talvez tivesse tido tempo de acabar a sua sinfonia
6. Resumindo: esse “tal” de Senhor Schubert — do qual, aliás, nunca ouvi falar — esperdiçava tempo e materiais. E era retrógrado. Um dinossauro.
Assinado: Gerente de organização, sistemas, método e (neo)gestão (obs: a assinatura era eletrônica).
Eis a metáfora dos novos tempos. A estorinha é autoexplicativa. Nem precisaria ter escrito a coluna.
O juiz do RN e a decisão mandando "encurtar" a sinfonia (isto é, a petição)Eis um retrato da pós-modernidade. Tudo pode ser twittado. Shakespeare não deveria ter escrito coisas longas e complexas. Tolstoi, nem falar. Era um chato. Bom é fazer tudo resumido. Como diz o nosso juiz do Rio Grande do Norte, “dada a quantidade de trabalho do Judiciário, os juízes não podem se dar ao luxo de ler livros inteiros no expediente”. Assim mandou — e juiz manda, pois não — que a parte agisse, “reduzindo-a a uma versão objetiva com a extensão estritamente necessária”, sob pena de ser indeferida.
Qual é o sentido de “estritamente necessário”? Teria alguém um aparelho chamado “estritômetro”? Fabricam isso por aí? No despacho, o juiz diz que a prolixidade da inicial desrespeita os princípios da celeridade e da lealdade (sic), por prejudicar a produtividade do Judiciário e encurtar o prazo para a defesa. “O tempo que o juiz gasta lendo páginas inúteis é roubado à tramitação de outro processo”, afirmou nosso juiz do RN.
Mais: Ele considerou que houve abuso do direito de petição (sic), que deve ser inibido pela Justiça. Claro: a justiça é ele! Evidente! Por isso, ele diz: “Forçar o adversário a ler dezenas, quiçá centenas, de páginas supérfluas é uma estratégia desleal para encurtar o prazo de defesa”. Como ele sabe que é supérfluo, se não leu? Hein?
Na sequência, alude: “Quem tem pressa não tem tempo de escrever dezenas de laudas numa petição, cujo objeto poderia ser reduzido a pelo menos 20% do total escrito.” Pronto. Igualzinho ao neogestor que viu a Sinfonia Inacabada de Schubert. Igualzinho.
Vamos falar um pouco de direito, Excelência? Vamos? O que é um princípio? Qualquer livro (com menos de 49 páginas que Sua Excelência considerou demasia) diz que princípios são normas. E isso é assim porque o direito é um sistema de regras e princípios. Então princípios são deontológicos. Mas qual é a sanção para o seu incumprimento? A vontade do juiz? Quer dizer que fazer uma petição com mais páginas que Sua Excelência consegue deglutir tem o condão de violar dois princípios jurídico-constitucionais?
Estamos passando todos os limites. Já não há fundamentos. É a pós-modernidade (ou sua vulgata) que assombra nossas vidas. Não há verdades. Tudo pode ser relativizado. O homem (ou o juiz) é a medida de todas as coisas. Só que essa frase é de Protágoras, o primeiro sofista da cepa. E isso parece que está superado. Ou não?
O que impressiona no caso não é o “entendimento” do juiz no sentido de que estaria sendo violado um princípio (ou dois). O que impressiona é a sua coragem. Como se diz aqui no outro Rio Grande (o do Sul), “que peito tem esse juiz, não”? O Brasil está virando um estado de natureza interpretativo. É a guerra de todos contra todos. Cada um decide como quer. Cada um diz o que quer. Diz-se qualquer coisa sobre qualquer coisa. Um dia a conta vem. Aliás, a conta está a caminho. E a cavalo. As ruas estão mostrando o estado de natureza. Não se obedece mais as leis. Aliás, o que é a lei? A lei é o que juiz diz que é. Não é isso que se "ensina" nas faculdades por aí?
Quando tem gente que diz que “Gadamer inventou o método concretizador” e que Kelsen é um exegeta, por que um juiz não pode indeferir uma sinfonia (quer dizer, uma petição) alegando um conteúdo que não leu? Fossemos médicos, ainda não teríamos inventado a penicilina.
Refaço a pergunta: a justiça tem jeito? Cartas para a coluna.
Numa palavra final.Não é implicância minha. Mas o cotidiano das práticas jurídicas “não se ajuda muito”. Assim como o cotidiano dos cursinhos e das faculdades. A vingar a tese do juiz do RN, cada juiz de terrae brasilis poderá estabelecer o número de folhas de cada petição inicial ou de cada contestação ou de cada apelação, etc. Como o personagem Humpty Dumpty, de Alice Através do Espelho, cada um dá as palavras (da lei) o sentido que quer. O único problema é que, nesse contexto, muitas das decisões, por exemplo, do ministro Celso de Mello serão nulas, porque demasiado extensas... (sob a ótica do juiz do RN, certo?). E quantas outras decisões do STF e de outros tribunais... Aliás, quantas páginas possui o caso Battisti? Vão invocar a lesão ao meio ambiente? Derrubaram muitas árvores para fabricar o papel usado? Também nesse diapasão os votos dos ministros do STF terão quer limitados em termos de minutos na TV Justiça. E, se a moda pegar mesmo, os livros terão que se adaptar aos tempos de twitter. PS: o que sobra nisso tudo é que os únicos que tem que se moldar às exigências (i)legais do Judiciário...são os advogados. Bingo.
Mas o que mais me intriga é a invocação de princípios por parte do juiz exatamente para a prática de uma ilegalidade. Esse é o paradoxo. Invocar a igualdade para solapar exatamente a igualdade. Sim, porque o que o juiz fez foi aplicar a lei segundo a sua régua. A própria regra (dele). E isso é praticar a mais “perfeita” desigualdade. Isso para dizer o mínimo.
Como se lê em Grande Sertão, Veredas — sim, esse livro de Guimarães Rosa, que tem mais de 49 páginas e que é aquele autor que, certa vez, Pedro Bial equiparou ao programa Big Brother ou vice-versa (e por isso vou estocar comida e construir um bunker):
a água só é limpa nas cabeceiras… O mal ou o bem estão em quem faz. Não é no efeito que dão.
O senhor ouvindo, me entende”!.
Paro por aqui, para não ter minha coluna indeferida por violação do princípio da economia de caracteres.
 
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.
Revista Consultor Jurídico, 17 de abril de 2014

quarta-feira, 16 de abril de 2014

EVENTOS DO INSTITUTO DO DIREITO BRASILEIRO NO MÊS DE MAIO

O Instituto do Direito Brasileiro vai levar a efeito dois Eventos, em Maio:
 
·         - Colóquio FDUSP / FDUL  – Das 15h/19h – Dias 12 a 16 de Maio (Anfiteatro nº. 9 – Piso 0) – Entrada livre;
·         Inscrições abertas: http://www.idb-fdul.com/ficha_inscricao.php?pid=313 – Colóquio FDUSP / FDUL (Brasil/Portugal) – Coordenação: José Fernando Simão e Fernando Araújo 
 
·         - Conferência Ingo Sarlet – Das 17h/20h – Dia 14 de Maio (Auditório) – Entrada livre.
Inscrições abertas: http://www.idb-fdul.com/ficha_inscricao.php? – Conferência Ingo Sarlet
 
·         Assim, convidamos todos a estarem presentes e enviamos os ficheiros do Cartaz e do Programa, no horário indicado, com a referência da nossa página para o preenchimento da ficha de inscrição:
 
 
 
Instituto do Direito BrasileiroFDUL

CRÍTICAS À DECISÃO NÃO DEVE SER RECEBIDA COMO ATAQUE AO JUIZ

Crítica à decisão não deve ser recebida como ataque ao juiz

 
A experiência revela que todos aqueles que de alguma forma estão comprometidos com a ciência jurídica — desde os juristas até os operadores do direito — são provavelmente os profissionais mais expostos à constante tensão dialética. O dia a dia destes é, em regra, marcado pela argumentação na defesa de um determinado ponto de vista, seja no âmbito científico, seja no da praxe forense.
É evidente que, em tais contextos, não raro, emergem do debate muitas teses e antíteses acerca de divergentes aspectos legais, baseados em diferentes exegeses e percepções.
A construção de boa doutrina pressupõe o exame analítico de teorias que, a seu turno, foram sendo sedimentadas ao longo do tempo, mas que, pela inexorável evolução do conhecimento, tendem a dar lugar a novos paradigmas. No ambiente acadêmico, diante das múltiplas opções hermenêuticas, é muito comum a existência de crítica construtiva, em prol do contínuo aperfeiçoamento da dogmática. Aduza-se que a dialética científica, ínsita à própria noção de universidade, é pautada pela mais absoluta liberdade de expressão, apenas encontrando limite no respeito mútuo que sempre se recomenda prevalecer, em prol do convívio harmônico dos atores da vida universitária.
A propósito, bem destacou Miguel Reale Júnior: “Só ao revelarmos respeito ao diálogo e à tolerância podemos reclamá-los do nosso interlocutor. E assim, iremos recolher o reconhecimento da comunidade científica, por mostrar que a coragem reside muitas vezes na prudência para abrir caminhos e não na temeridade de obstruí-los”!
Este mesmo fenômeno se passa na órbita da prática jurídica.
Além da argumentação colidente dos litigantes em todas as fases do processo, a sentença, a exemplo da lei e da doutrina, também pode ser alvo de crítica — às vezes veemente — nas razões de apelação. Ao prover o recurso, o tribunal, de forma explícita ou implícita, censura igualmente o ato decisório monocrático.
Situação análoga ocorre em relação aos tribunais, pelas cortes superiores. Até mesmo a decisão de presidente de tribunal, por exemplo, pode muito bem ser cassada pelo Superior Tribunal de Justiça. Como restou assentado em acórdão da 2ª Turma, no julgamento do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 1.264.053, proveniente do TJ-SP: “1. A matéria agitada no recurso especial, cuja caminhada foi obstada, merece ser reapreciada no âmbito desta Corte de Justiça. Diante disso, necessário se faz determinar a subida do recurso especial, sem prejuízo do juízo de admissibilidade definitivo que será oportunamente realizado neste tribunal. 2. Ademais, o despacho de admissibilidade negativo, exercido pelo tribunal de origem, é extremamente genérico. Este fato, por si só, prejudica o exercício do direito de defesa da parte, que fica impossibilitada de compreender quais os pontos específicos que obstaram a subida do apelo...”. De aduzir-se que, no corpo desse importantíssimo aresto, de relatoria do ministro Humberto Martins, lê-se que: “... Por fim, não custa lembrar que quando o tribunal de origem afirma que os fundamentos do recurso especial não são suficientes para infirmar as conclusões do acórdão, ele acaba por adentrar na questão de fundo e a exercer juízo de valor que compete a esta corte superior...”.
Ora, toda esta circunstância é perfeitamente compreensível em razão da estrutura hierárquica da organização judiciária desenhada em nossa Constituição Federal.
Esta é a regra do jogo! Qualquer que seja o fundamento da reforma do pronunciamento judicial, os magistrados inferiores convivem diuturnamente com o sistema, sem levar (ou não devendo levar) para o lado pessoal...
Ademais, a produção decisória dos tribunais — jurisprudência —, como importante fonte do direito, não está infensa à crítica social. Já tive oportunidade de escrever, em antigo ensaio, que o exame realizado difusamente pela sociedade sobre a fundamentação dos atos decisórios constitui a mais preciosa forma de controle externo do Poder Judiciário.
Invoco, a respeito, a grandiosa obra de Theotonio Negrão, verdadeira bússola dos operadores do direito, na qual mantido fecundo diálogo crítico com os precedentes judiciais, sem diminuir, sob a perspectiva subjetiva, qualquer tese pretoriana minoritária.
Ocorre que, mais recentemente, como tenho observado, a crítica científica formulada aos atos decisórios, monocráticos ou colegiados, tem ferido a suscetibilidade de alguns magistrados, tendendo a confirmar o dito popular de que: “assim como Deus, o juiz nunca falha”!
É interessante notar que, a despeito da elegância, da objetividade e do espírito construtivo do argumento antagônico à posição sustentada na decisão judicial, a retaliação do subscritor desta, em algumas ocasiões, é patente e até exagerada, visto que passa a considerar o autor da crítica como seu potencial inimigo!
Fruto de insegurança, sem dúvida, a resistência à crítica séria se traduz em ausência de humildade, a demonstrar falta de tirocínio, uma vez que, pelos motivos acima expostos, a atuação do juiz sempre se encontra exposta a adversidades inerentes ao crivo dos demais protagonistas do processo e, em geral, da sociedade.
Relembro, para finalizar, a arguta observação de Calamandrei, no artigo intitulado “O sono do juiz como motivo de nulidade do julgamento”. Enquanto na Alemanha, a questão teve de ser levada à Suprema Corte; na Itália, o senso prático acaba prevalecendo, de modo que o advogado, em sua sustentação oral, simplesmente aumenta o tom da voz: “o juiz logo se recompõe e saem do tribunal amigos como sempre”.
Não custa enfatizar: apesar da possível crítica à orientação adotada num julgado, em qualquer hipótese, a admiração e o respeito ao magistrado continuam intangíveis!
 
José Rogério Cruz e Tucci é advogado. Ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo. Diretor e Professor Titular da Faculdade de Direito da USP.
Revista Consultor Jurídico, 15 de abril de 2014

RESPONSABILIZAÇÃO PELO NÃO USO DE EPIs AINDA VARIA

Responsabilização pelo não uso de EPIs ainda varia

 
A falta de segurança jurídica na Justiça do Trabalho — queixa constante de empresários e advogados — pode ser exemplificada nas decisões sobre o controle do uso de equipamentos de segurança obrigatório pelos trabalhadores, os Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s). Em casos de acidente, a Justiça do Trabalho se divide ao apontar a responsabilidade tanto das empresas quanto dos empregados. Em alguns tribunais, a não utilização pelos empregados ou mesmo a utilização incorreta do EPI é culpa da empresa. Em outras cortes entende-se que se o trabalhador não tiver uma justificativa plausível para não usar o EPI, pode ser demitido por justa causa.
Jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região aponta caso em que o empregado faltou no dia da instrução de como usar os EPIs e não usou o equipamento durante o trabalho. Nessa caso, julgado em abril deste ano, a 9ª Turma entendeu que a falta de fiscalização não pode transferir para a empregadora a responsabilidade total pelos danos. “Se o empregado recebe óculos de proteção e não o usa, cabe-lhe grande parcela de culpa por ferimentos ocorridos na região que seria protegida pelo EPI”, diz o acórdão. (Recurso Ordinário 0128100-04.2008.5.01.0013)
Entretanto esses entendimentos não são unânimes. Há decisões no sentido de que a falta de fiscalização impede a dispensa por justa causa. É o caso de duas decisões do TRT-24 que entenderam que se não havia rígida fiscalização ou exigência da utilização dos equipamentos durante o trabalho, e as empresas descumpriam obrigação legal de assegurar a integridade física de seus empregados — o que impede a dispensa por justa causa. (RO 205-84.2012.5.24.0076 e RO 204-02.2012.5.24.0076)
A Consolidação das Leis Trabalhistas, por sua vez, determina que o uso não justificado do equipamento é motivo de demissão por justa causa do empregado. Porém, segundo o advogado trabalhista Iuri de Melo Barros, do escritório Raeffray Brugioni Advogados, é possível interpretar que a demissão se dará apenas no caso em que o empregado não tenha uma justificativa plausível para o não uso do EPI. 
Se o empregado se recusar a usar o equipamento pode ser demitido por justa causa, já que além de ser um ato de insubordinação do empregado, está colocando em risco a sua saúde. Contudo, segundo Gláucia Massoni, sócia do Fragata e Antunes Advogados, para segurança da empresa é importante que a mesma se acautele através de advertências e suspensão antes da demissão por justa causa, “já que um único evento pode ser considerado rigor excessivo do empregador”, afirmou.
Assim também entende a advogada Karen Badaró Viero, sócia do Marcelo Tostes Advogados. Segundo ela, a Justiça do Trabalho tem mantido as justas causas aplicadas nestes casos, mas é sempre bom lembrar que o ideal é que o ato da justa causa seja provado não só pelos fatos, mas também pela aplicação de advertência e suspensão, "de modo a deixar ainda mais natural a aplicação da justa causa”.
Postura negligente
Priscilla Costa Halasi, do Trigueiro Fontes Advogados, afirma que a empresa que não fiscaliza a utilização de EPI por seus funcionários assume o risco de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais e, como consequência, pode ser responsabilizada pelo pagamento de dano moral, material, estético e pensão vitalícia. “Atualmente, há diversos equipamentos de proteção adaptados para cada função, razão pela qual não se justifica a recusa dos empregados para utilização destes”, afirmou a advogada.
Ela explica que uma postura negligente da empresa desestimula os empregados e faz com que eles não prezem pelo uso e conservação do equipamento, e, consequentemente, pela sua própria segurança. “Isso traz uma imagem negativa para a empresa, além de consequências jurídicas em ações trabalhistas, para o pagamento de adicionais de periculosidade e insalubridade, decorrentes de irregularidade no fornecimento e/ou utilização dos equipamentos.”
Além disso, não basta que a empresa forneça os equipamentos de proteção. É necessário que haja a comprovação da entrega dos EPIs, em perfeito estado de conservação e quantidade suficiente, assim como uma fiscalização efetiva quanto à sua regular e correta utilização. A empresa deve fazer ainda o rigoroso controle dos funcionários e promover a conscientização pelo regular uso dos equipamentos.
 
Livia Scocuglia é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 15 de abril de 2014

terça-feira, 15 de abril de 2014

DOUTRINA SE CONCENTRA EM LUTA DE INTERPRETAÇÃO E ARGUMENTOS

Doutrina se concentra em luta de interpretações e argumentos

 
O direito é o único campo do conhecimento em que o autor não é chamado de autor, mas de doutrinador. Mas por quê? O que está por trás desta diferença de nomenclaturas? Em que medida isso impacta na forma como o direito é concebido pelos diversos profissionais?
Não quero fazer uma digressão histórica sobre quando começou o uso do termo ou sobre as raízes jurídicas remotas dele. A análise histórica me ajudaria a entender a origem, mas não o motivo pelo qual ainda se reproduz a ideia de “doutrinador”. A minha análise se aproxima mais da sociologia do que da história, ao menos da história (mal) contada pelos juristas (que se aventuram em relatar fatos históricos a partir de outros juristas, e assim por diante).
O fato é que a palavra “doutrinador” traduz uma forte autoridade pelo que se escreve. Quem é doutrinador carrega uma doutrina, um dogma, isto é, um ponto de partida inquestionável. Sob a aura de um pretenso saber técnico que lhe permite afirmar o que pretende, o doutrinador é visto como uma pessoa quase sobrenatural. Pelo fato de escrever um livro ou publicar um artigo, é adjetivado como “ilustre”, “festejado”, “renomado”, etc.
Não é por acaso que a doutrina deve ser tradicionalmente exposta num esquema pré-existente, que reforça a validade do doutrinador em relação ao que ele escreve. Por exemplo, não é incomum encontrar um livro de direito que obedece à seguinte sequência: i) introdução; ii) evolução histórica; iii) conceitos; iv) fontes do direito; v) princípios; vi) conteúdo efetivo; vii) considerações finais. Trata-se de um paradigma que não ajuda muito a entender o direito atual!
Além do esquema quase sempre obedecer a esta sequência lógica, as teorias e a transformação social são frequentemente apresentadas nos textos a partir de uma dialética simplista tendente à consensualidade. Por exemplo, no direito penal existe a teoria objetiva do crime (teoria A) e, no lado diametralmente oposto, existe a teoria subjetiva do crime (teoria B). Além disso, após a formulação das teorias A e B, uma pessoa iluminada criou a teoria objetiva-subjetiva (teoria C ou teoria mista). E assim, de evolução em evolução, o mundo é apresentado como um caminho rumo ao consenso da teoria mista. Sem falar nos doutrinadores que chegaram atrasados, mas querem “doutrinar”, e escrevem a teoria D, que basicamente nega a existência de crimes nas sociedades contemporâneas.
Outra característica da doutrina jurídica é justamente o fato dela se concentrar num mero conflito de interpretações e argumentos. Toda interpretação e argumento têm interesses por trás, e todo interesse tem valores que lhes dá sustentação. Essa é a regra básica da negociação, por exemplo. Porém, ao se concentrar apenas na discussão superficial da ponta do iceberg (interpretações e argumentos), a doutrina jurídica não revela os verdadeiros interesses e valores que orientam a defesa de um lado ou de outro. Afinal, eu posso defender as pesquisas com células-tronco porque eu acredito que isso trará melhorias aos seres humanos, mas o meu interesse também pode ser porque a minha esposa tem um laboratório que lucraria muito com isso. Ao focar somente no lícito, ilícito, constitucional, inconstitucional, certo, errado, perde-se a grande chance de se pensar os problemas jurídicos de maneira mais aprofundada do que o mero conflito de opiniões. Interpretações e argumentos são importantes, mas não bastam. Precisamos saber os interesses por trás das posições.
Obviamente, este vício encontra ampla aderência no campo do direito. Ao se fundarem neste caráter sacro dos doutrinadores – assim como fazem com a famosa “intenção do legislador” -, os profissionais do direito tendem a reproduzir uma visão caricatural dos problemas jurídicos numa (falsa) confiança de que o doutrinador, em razão de sua suposta autoridade, pode ser a chave para a compreensão do mundo.
É inegável que há doutrinadores que buscam ir além disso e produzem um conhecimento realmente aprofundado, empírico e denso. Há outros que até se recusam a serem chamados assim e defendem que o conhecimento do direito deve superar a discussão sobre o “dever ser”. Assim, este artigo não tem qualquer pretensão de generalização e seria leviano de minha parte fazê-lo. Porém, torna-se especialmente relevante uma ruptura de paradigma no direito, em que o doutrinador seja visto e concebido como um humano-autor e que haja um maior senso de autonomia e coragem por parte dos profissionais do direito na produção do conhecimento.
 
Felipe Asensi é advogado e professor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito Rio).
Revista Consultor Jurídico, 15 de abril de 2014

segunda-feira, 14 de abril de 2014

EMBARGOS E DECLARAÇÃO DEVEM SER SEMPRE ADMITIDOS

Embargos de declaração devem ser sempre admitidos

 
Na jurisprudência dos tribunais superiores, prepondera a orientação de que não cabem embargos de declaração contra a decisão proferida pelo tribunal de origem, que não admite recurso extraordinário ou especial. Segundo esse modo de pensar, o único recurso cabível seria o agravo previsto no artigo 544 do Código de Processo Civil.[1]
Tenho defendido opinião diversa. Segundo penso, devem ser admitidos embargos de declaração contra quaisquer decisões judiciais. O fato de a lei processual prever o cabimento de outro recurso (como, no caso, o agravo referido no artigo 544 do CPC) não altera essa ordem de ideias.[2]
A mesma orientação jurisprudencial antes referida é no sentido de que, como os embargos de declaração não seriam cabíveis na hipótese, sua interposição não interromperia o prazo para a interposição do agravo.[3]
Recentemente, contudo, decidiu a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça que, “excepcionalmente, atribui-se esse efeito interruptivo quando, como evidenciado na espécie, a decisão é tão genérica que sequer permite a interposição do agravo”.[4]
Essa decisão interessantíssima, por várias razões.[5] Desejo destacar, contudo, no presente texto, apenas o seguinte aspecto: reconheceu-se, na mencionada decisão, que, caso existente obscuridade (Constituição Federal, artigo 535 do CPC), os embargos de declaração seriam cabíveis; logo, sua interposição interromperia o prazo para interposição do agravo previsto no artigo 544 do CPC.
Trata-se, sem dúvida, de orientação que destoa da observada pela jurisprudência antes praticamente pacífica do Superior Tribunal de Justiça. Resta saber se tal orientação passará a ser observada pelos demais órgãos do referido tribunal.
Entendo que a orientação firmada no julgado ora referido não se limitou a criar uma exceção à orientação antes preponderante. Com efeito, antes decidia-se no sentido de não serem cabíveis os embargos de declaração contra a decisão proferida pelo tribunal de origem, que não admite recurso extraordinário ou especial; o julgado proferido pela Corte Especial do STJ, diversamente, passa a admitir os embargos de declaração se presentes as circunstâncias indicadas no artigo 535 do CPC — o que significa, simplesmente, aplicar-se o referido dispositivo legal.
Resta, porém, um problema: acabará o STJ tendo que decidir, caso a caso, se os embargos de declaração interpostos pela parte seriam cabíveis (ou seja, se encontravam-se presentes as circunstâncias referidas no artigo 535 do CPC) para, então, admitir a interrupção do prazo para interposição do agravo do artigo 544 do CPC.
Cria-se, assim, mais uma questão processual que será levantada por uma das partes, em tais casos, o que acabará criando mais incidentes processuais e, consequentemente, gerando mais trabalho para o tribunal superior. Melhor seria, pura e simplesmente, admitir-se que os embargos de declaração opostos tempestivamente, ainda que não conhecidos, interrompem o prazo para a interposição do agravo previsto no artigo 544 do CPC, aplicando-se o disposto no artigo 538, caput, do Código.

[1] Nesse sentido, por exemplo, no STJ, cf. AgRg no Ag 1341818 (j. 20.9.2012) e AgRg no AREsp 466711 (j. 18.3.2014); no STF, cf. ARE 663031 AgR (j. 28.2. 2012) e ARE 789420 (j. 24.3.2014).
[2] Cf. o que escrevi em Código de Processo Civil comentado, 2. ed., Revista dos Tribunais, comentário aos artigos 535 e 538 do CPC.
[3] Cf. julgados citados na nota n. 1.
[4] STJ, Corte Especial, EAREsp 275615 (j. 13.3.2014), íntegra disponível aqui.
[5] Por exemplo, afirma-se, na fundamentação do voto condutor do referido acórdão, que aquele entendimento no sentido de que os embargos de declaração não interromperiam o prazo para interposição do agravo previsto no artigo 544 do CPC não seria explicado pela jurisprudência: “A jurisprudência, sem explicitar a respectiva motivação, tem se orientado no sentido de que esse prazo não é interrompido” (grifou-se).
José Miguel Garcia Medina é doutor em Direito, advogado, professor e membro da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto de Código de Processo Civil. Acompanhe-o no Twitter, no Facebook e em seu blog.
Revista Consultor Jurídico, 14 de abril de 2014

"NÃO EXISTE DEMOCRACIA COM INTOLERÂNCIA", DIZ CÁRMEN LÚCIA


"Não existe democracia com intolerância", diz Cármen Lúcia

 
A ministra Carmen Lúcia do Supremo Tribunal Federal conclamou sociedade a ser mais tolerante para assim ser possível exercer a democracia de fato. A afirmação foi feita durante conferência magna de encerramento das atividades do Congresso Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. A conferência encerrou o evento que aconteceu no Cine-Theatro Central de Juiz de Fora nessa quinta e sexta-feira (10 e 11 de abril) e apresentou seis painéis sobre diversos temas ligados à advocacia. 
Segundo a ministra, “não existe democracia com qualquer tipo de intolerância. Precisamos amadurecer nossa democracia para, enfim, exercê-la de fato. É preciso que a sociedade se constitucionalize, com um movimento que demonstre que sabe quem é e para onde quer ir. É preciso trabalhar para se ter o Brasil que se merece”, afirmou.
Disse ainda que estamos vivendo um momento peculiar. “Cada geração quer o melhor para si e para as gerações que virão. O que era justo para meus bisavós, pode não ser para mim. Uma sociedade deve saber e buscar o que é justo para si. Os senhores me pagam, enquanto cidadãos, para que eu exerça essa justiça. Cada cidadão deve pensar sobre si mesmo, com o outro e sobre o outro, para amadurecer a ideia de que sociedade temos e qual queremos ter. E ainda devemos entrar no mérito de qual sociedade merecemos pelo que fazemos”, propôs.
No início do evento, foi exibido o vídeo oficial de promoção da XXII Conferência Nacional dos Advogados, que acontecerá de 20 a 23 de outubro de 2014 no Rio de Janeiro, e deve reunir mais de 20 mil profissionais e estudantes. Nesse intuito, o Congresso Nacional da OAB serviu para conferir os ajustes finais no temário da Conferência.
Carmen Lúcia ainda recebeu de Silva Chaves, em nome do presidente da OAB Nacional, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, uma placa em homenagem aos trabalhos jurídicos prestados ao país.
Compuseram a mesa os membros honorários vitalícios da OAB, Marcelo Lavenère e Roberto Antônio Busato; o presidente da seccional mineira, Luis Claudio Silva Chaves; o conselheiro federal pela OAB-MG, Paulo Roberto de Gouvêa Medina; o vice-presidente da Caixa de Assistência aos Advogados da OAB-MG, Wagner Parrot; a secretária-geral da OAB-MG, Helena Delamônica; e a presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB-MG, Valquíria Valadão. Com informações da Assessoria de Imprensa do Conselho Federal da OAB.
Revista Consultor Jurídico, 14 de abril de 2014

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